Os ultra-sons(os) do apito.

A semana passada foi marcada pela crispação do primeiro ministro do nosso governo. Numa intervenção, decidiu desvalorizar os argumentos dos Verdes pondo em causa a sua existência como grupo parlamentar, na base de que nunca teriam concorrido sozinhos a eleições. Argumentar assim é a irracional reacção de quem não tem razão e sabe disso, mais ainda da parte de um dirigente de partido coligado. Noutra intervenção, perdeu as estribeiras quando questionado sobre um empréstimo do banco do estado a uma multinacional, em Portugal representada por um (?ex-)embaixador e(?ex-)membro do governo, para uma operação de privatização de capital da petrolífera nacional.
Porque é que estala o verniz (e com tanto estrondo) a este primeiro-ministro? Eu compreendo-o. Para este momento de glória, já sobrava, em estridência, o apito dourado que compromete altos responsáveis do partido do governo, autarcas e patrões do negócio do futebol. Alguns deles têm tantos cargos (no público e no privado) que devem baralhar tudo. Não há novidades especiais nos casos em disputa. O primeiro ministro diz que estas denúncias (sem provas) enfraquecem a democracia. Será?
É verdade que os cidadãos podem e devem ser livres de ter actividades em sectores de negócios e devem manter intactos todos os seus direitos e deveres políticos. Mas o centrão (ps e psd) da alternância tem vindo a demonstrar um apetite insaciável por ganhar no público a influência (e a competência?) que lhe falta para partilhar negócios privados. Suspeitamos que o que se está a passar é que a passagem pela política e, em particular, pelo governo ou pela administração de empresas públicas, se tornou um meio para atingir fins privados no privado. Em cada grande negócio de empresas de capitais públicos vimos sempre, do lado do privado interesse, alguém conhecido da politica. Em algumas destas personalidades não suspeitávamos especiais competências para a gestão e administração empresarial, mas parece que afinal não há gestores ou administradores nas sociedades privadas. Que dizer do antigo ministro da economia do ps que está à espera do fim de um prazo qualquer para assumir a administração de uma multinacional que ganhou uma candidatura numa privatização decidida no tempo em que era ministro e árbitro no negócio? Estes árbitros estão a passar-se. Quem defende os interesses do Estado?
O silêncio não defende a democracia.

[o aveiro; 6/5/2004]

Nasce! Grita comigo!

Nasce outra vez! Grita
comigo engole
todo o ar do meu mundo.

No rio de ar nascido
do teu choro de asfixia
morra eu ao teu primeiro segundo.

revolução que canta

O 25 de Abril é sempre o centro de uma certa gravidade. No intervalo de tempo centrado no 25 de Abril, multiplicam-se as iniciativas comemorativas a favor (ou contra) da presidência, da assembleia, do governo, dos partidos e da sociedade civil desta República de Abril. Contam-se histórias, faz-se a história, cria-se história.


Os comentadores mais inteligentes e letrados podem até dizer-nos, para nosso deleite intelectual, que os tipos que fizeram a revolução eram uns cretinos que liam o Marx de véspera, que os documentos da época eram umas coisas mal amanhadas que nem valiam o papel em que eram escritas, que isto e mais aquilo. E gostamos mesmo de ler aquelas coisas. Quem é que, agora a esta distância temporal e prenha de experiências vividas, ao visitar o passado e ao reler o que foi escrito há 30 anos não tem vontade de rir e não se espanta como é que aquelas coisas puderam ter tanta força? A força na circunstância!
As mais belas análises dos nossos sociólogos e historiadores, colunistas de hoje, que tão bem detalham pensamentos profundos, não valem mais que o momento da vingança na escrita e na leitura. É injusto. Profundamente injusto. O pior de tudo é que os “comentadores” até sabem como tudo se passou e como aquilo tudo foi uma sucessão de coisas menores, de actos medíocres motivados por pequenos egoísmos e cobardias de soldados e capitães que não queriam combater, seguidos de jogos de bastidores em que os políticos faziam mais manobras de coristas que de estrategas, levando o pais ao desastre.
Portugal foi incapaz de uma verdadeira revolução capaz de encher as medidas aos “valentes” e polidos pensadores de hoje. Era de esperar. Raio de país. Desgraça de povo, zé povinho sempre manipulado. Como sempre, como todos. Não é? A revolução não é coisa bonita, nem inteligente. E ainda por cima, sem mortos nem feridos, e pessoas do mais vulgar que há a mandar nos momentos mais decisivos! Palavra de “tia”!
De outro lado (ou do mesmo?), o nosso empresariado (o que é nacional existe?) a fazer as suas propostas de compromisso, nestas alturas. Que as partes cumpram com os seus compromissos, para que possamos todos exigir em conformidade. Eles cumprem? Há uma revolução ou contra-revolução sempre em curso, conduzida pela inteligência p-saltitante (entre público e privado) que está a esganar (pela fraude) o estado social, ao mesmo tempo que apresenta, no melhor papel, um caderno de (des)encargos ao governo. Afinal, eles estão no governo contra o estado. Conselhos de “tia”!



Eu vivi muitos anos antes e muitos anos depois de 1974. Já cá cantam os anos que passaram e uma revolução entrou a cantar para dentro da história da minha vida. Continuo a ouvi-la, mesmo enquanto leio as reprovações e as provas da sua não existência.


[o aveiro; 29/4/2004]

o andar do corpo

se assim fosse o abismo
o que eu vejo quando olho para a rua da varanda
do teu andar

a arte entre os dias

se ensinas uma teoria sem teoremas não tens que dominar a arte e a técnica da demonstração

podes ver que os teus aprendizes crescem contigo
se eles abrem no corpo da tua companhia um postigo por onde coam raios de luz e por onde disparam
ou certeiras formas baças contra os dias mais calmos
ou rigorosas cores brilhantes para os corações das inquietantes e esguias árvores que se movem por dentro dos dias mais húmidos

ou balas tão perfurantes como verdadeiras para uma cisterna de sede

os aprendizes nada te exigem: nem demonstração nem resposta

eles são aprendizes e sabem que as tuas respostas vão esvair-se como se esvai o sangue vermelho da nuvem desfeita em lágrimas ardentes por dentro da ausência de uma armação sem tela

eles são aprendizes e sabem que para ti as mais intuitivas de todas as respostas são sobre a cor do vento e a forma do ar


eles são aprendizes e sabem que o espírito deste lugar habita nesse que mostra e não demonstra

re(des)encontros de abril

re(des)encontros de abril

re(des)encontros de abril

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...