molti zero

Senza voce l'insegnante si alza davanti a una classe
di pallidi bambini dalle labbra serrate.
La lavagna alle sue spalle tanto nera quanto il cielo
che dista anni luce dalla terra.

È il silenzio che l'insegnante ama,
il gusto dell'infinito che trattiene.
Le stelle come le impronte di denti sulle matite
dei bambini.
Ascoltatelo, dice felice.


Charles Simic; DIECI POESIE;
Traduzione di Andrea Molesini

Passo d'addio


Si ripiegano i bianchi abiti estivi
e tu discendi sulla meridiana,
dolce Ottobre, e sui nidi.

Trema l'ultimo canto nelle altane
dove solo era l'ombra ed ombra il sole,
tra gli affanni sopiti.

E mentre indugia tiepida la rosa
l'amara bacca già stilla il sapore
dei sorridenti addii.


[Cristina Campo]

O retrato.

No dia 5 de Dezembro passado, se fosse vivo, Ruy Luís Gomes faria 100 anos. Muita gente se lembrará de Ruy Luís Gomes como candidato à Presidência da República, oposicionista do regime fascista, que viveu muitos anos exilado na Argentina e no Brasil e, tendo regressado com o 25 de Abril, ainda foi reitor da Universidade do Porto. Outros saberão que foi um matemático e cientista de renome, citado por grandes nomes da ciência fora de fronteiras. Para os matemáticos portugueses, ele permanece como um importante pólo organizador de instrumentos colectivos para o estudo e investigação, divulgador de teorias matemáticas e físicas e reconhecem os seus rastos de organizador e cientista nas universidades e lugares por onde passou no estrangeiro. Todos nos interrogamos como teria sido diferente (só para a matemática?) se aquela geração de matemáticos não tivesse sido obrigada a partir.

Numa semana de entrevistas e debates, o que mais me interessou foi este debate travado com o nosso passado enquanto olhámos para a vida de Ruy Luís Gomes. Pacheco Pereira debateu o homem numa totalidade de significados dos compromissos políticos que Ruy Luís Gomes assumiu, sobre os quais operámos a separação de alguns momentos da sua saga para o transformar em herói da nossa vida. Manuel Arala Chaves questionou o matemático amigo mais velho e o político e foi-nos dando as respostas de Ruy Luís Gomes em cada tempo, escritas por suas mãos em postais de circunstância ou nas publicações que acolheram os seus gestos e a sua voz. Assistimos à exaltação da admiração da testemunha perante a personagem, ao espanto face a atitudes e actos, à determinação em tudo tentar compreender para encaixar na personagem que passou pela sua vida desde a adolescência na década de 50 até aos anos 80 do século passado.

O que mais me interessou nestes debate e entrevista a Ruy Luís Gomes, na passagem dos 100 anos sobre o seu nascimento, foi o retoque de humanidade que Manuel Arala Chaves e Pacheco Pereira acrescentaram ao retrato que dele tínhamos. Fragilidades e rugas não diminuem Ruy Luís Gomes, antes o suavizam e nos devolvem um retrato colorido para substituir o velho retrato a preto e branco ou sépia que arrumáramos na nossa memória.

Enquanto nos fazia a revelação de uma fotografia de Ruy Luís Gomes, Manuel Arala Chaves revelava-se. Isso mesmo. Com a sua fala sobre o outro, é o seu próprio retrato que o retratista nos deixa afinal. Desenhado no ar. Instantâneo, porque a vida pode ser um instante.


Nota: Eu só espero que as gentes de Aveiro mereçam o museu vivo de Matemática - Atractor - que, pela vontade de Arala Chaves, há-de ter casa em Ovar. E possam saber desde já dele pela Matemática que está no Pavilhão do Conhecimento no Parque das Nações e pelas exposições que correm pelo país atrás das pessoas (com pressa de chegar não sabemos aonde).

Ruy Luis Gomes

Em 1976 ou 1977(?), participei na organização de acções de protesto contra a ditadura brasileira por alturas do assassinato de vários dirigentes do Partido Comunista do Brasil. Lembro-me dos nomes de Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Drumond. Marquei o primeiro encontro com Ruy Luis Gomes para lhe pedir que assinasse o nosso protesto contra a tortura e o assassinato. Recebeu sem complicações na sua casa (ao Pinheiro Manso) o então jovem professor radical que eu era. E recordo-me da simplicidade primordial de um espírito superior que, desde então até hoje, é fonte do meu optimismo humanista.

Encontrei-o ainda uma ou outra vez nas reuniões em que reerguemos a Sociedade Portuguesa de Matemática, no norte.

Sempre tive dificuldades em relacionar-me com pessoas importantes e mais ainda quando, como acontecia com Ruy Luís Gomes, elas faziam parte da galeria dos nossos maiores, dos mitos. À distância, como sempre e ainda hoje, tenho de reconhecer que sou devedor de Ruy Luis Gomes. Só isso! Neste 5 de Dezembro, quando passam 100 anos sobre o seu nascimento aqui fica reconhecida essa dívida,... que se vai pagando no dia a dia da vida.

coberta que fosse

Coberta que fosse
de aves, ficava
num longo dizer

a rapariga. Havia misturado
um perfume a erva brava
e a canela. Nem sei

por que me lembro
do que já queima
os lábios, agora que se dobra

o coração no frio.



[José Carlos Soares; terra de chá, son de poesía]

os dias da semana




inferência, zoo e gavetas.

os dias da semana




na manhã de sábado, o desenho

restauro da pátria

olho para o mais fundo das casas
para os ácaros que vivem no teu cotão

sorvo o ar na imaginação das asas
dos vespeiros que vivem no teu sótão

e restauro-me a olhar-te e respirar-te
sem pensar-te ou acrescentar-te arte
à tua arte.

cruzes canhoto!

Tanto quanto posso lembrar-me da minha infância, a escola primária pública da minha aldeia tinha duas salas expressivamente separadas por muros. Numa das salas, as crianças ficavam de costas para a porta. Na outra, as crianças ficavam viradas para a porta. As grandes janelas, viradas a nascente, ficavam à esquerda das crianças . Sentados em carteiras alinhadas, os estudantes olhavam por vários anos para uma parede em que pontificava um quadro negro. Sobre este quadro negro, uma cruz. Craveiro Lopes ficava de um dos lados da cruz e Oliveira Salazar ficava do outro. Há muitos anos que me interrogo a respeito de algum deles poder ter sido um bom ladrão. [E lembro-me também de um ano em que entrava na igreja - essa outra escola aldeã da minha infância - e via na parede o contra-almirante Américo de DEUS Rodigues Thomaz a velar pela minha educação religiosa, adornado com faixas sobre a farda imaculada, nessa parte da igreja só para os homens eleitores. A maioria, feminina, ocupava a nave central e era poupada à ameaça da Armada.]

Nesse tempo, nem imaginava que houvesse crianças que não fossem católicas apostólicas e romanas. Aprendia então cuidadosamente que os infiéis ou tinham sido derrotados e assassinados ou tinham sido convertidos e já não eram infiéis.

Passados cinquenta anos, nem tudo é diferente. Mas olhamos para o passado de heranças culturais de outro modo e sabemos que há batalhas que se perderam na bruma dos tempos, mesmo quando parecia que as vitórias eram nossas, dos nossos cruzados e eternas.

Ainda nos parece que a maioria da população se reclama de uma matriz católica, mas sabemos e aceitamos que há portugueses de raiz ou visitas bem vindas das mais variadas religiões. E defendemos que, nas salas de visita da democracia portuguesa, todos quantos por cá vivem e trabalham se devem sentir iguais independentemente da raça, do credo, do sexo, .... As primeiras salas de visita são as salas de aula das escolas.

O mediterrâneo lembra-nos todos os dias de que caldo cultural somos feitos e a nossa língua não nos deixa esquecer a herança que recebemos. Por isso, desejamos ardentemente que as iniciativas das comunidades das margens do mediterrâneo tenham sucesso. O nosso futuro depende disso.

Onde falha a Cimeira Euro-Mediterrânica de Barcelona? Lá, claro. E por cá? Cavaco Silva, candidato à Presidência da República, declara-se contra a retirada dos crucifixos das escolas públicas do nosso estado laico. A derrota mediterrânica está a passar por aqui.

[o aveiro;1/12/2005]

A cobrança de pt-nadas.

Passavam os anos e eu mantinha dois números de telefone da rede fixa - um da pt e um outro ligado a outro serviço Para não mudar o número antigo, para não sei o quê. Até que um dia de Junho ou Julho, ao ver que pagava coisas espantosas, tirado dos meus afazeres, dirigi-me à pt que reclamava a presença do assinante que queria ser desligado da máquina.

E lá assinei uns papéis a desligar-me. Mantive o pagamento disponível no banco até porque haveria a pagar o que ainda estivesse por pagar. Pelo sim, pelo não, lá desliguei tudo e avisei que não havia ligação para o número antigo. Abençoados meses sem aquelas contas.

Um dia destes, fui assaltado. A factura da pt tinha voltado e, pelas datas, o banco já devia ter liquidado a coisa. Nela constavam o custo de uma assinatura mensal, o custo de um plano de preços e uma taxa municipal de direitos de passagem relativo ao mês de Outubro. Não havia mais cobrança porque não havia qualquer serviço prestado. Fiquei perplexo e fui perguntar o que se passava. Em particular, perguntava como era possível estar a pagar o que não tinha comprado nem tinha sido vendido. A funcionária simpática e eficiente explicou-me com paciência que, em Junho, eu só tinha suspendido o serviço por alguns meses e, como não tinha dito coisa alguma, o serviço tinha voltado a estar disponível automaticamente e eu tinha de pagar, utilizasse ou não. Mais uma vez amaldiçoei as minhas pressas a impedir-me de não ter percebido isso da outra vez. Lembro-me bem de ter insistido então para acabar com a coisa de uma vez por todas.

E vi-me a pedir, de novo, agora a esta funcionária, que me desligasse da máquina definitivamente. Preferia morrer sozinho a continuar vivo ligado à máquina da pt. Mais um papel para eu assinar! A razão "não quero!" não serviu para cortar o cordão umbilical com a pt. O computador não considerava essa possibilidade e eu tinha de justificar o fim destes pagamentos indevidos como se crime fosse, como se recusasse pagar imposto para serviço público.

Finalmente, entregaram-me o papel, com o aviso de que ainda teria de esperar e pagar mais uns sete dias úteis. Cansado, assinei no papel - "Burro Martins" - com a minha bonita caligrafia.

[o aveiro; 24/11/2005]

pregunta derradeira


dime,
camarada, como vén
e como ten ollos a morte
cando quedamos sós?

como esvara
deica o seu silencio atrapado
e nos prohibe?

como,
camarada,
deixar gravado na memoria
o teu tempo de escuma?



[Rafa Villar; son de poesía.
Lisboa e Santiago de Compostela]



depois vieram tambêm cá