do lugar murado


quando saímos do lugar murado pelo nosso olhar
e não nos lembramos do caminho do regresso
ou não voltamos ou voltamos mas sem memória
e os nossos olhos não são portas por onde passar.




O que  é  assim tão importante?

Uns dias deixamos que os nervos nos levem para os cantos mais escuros da tristeza. Nesses dias, a boca fica azeda e as palavras que dela saem são azedas e sem cor. E é também nesses dias que queremos mudar de vida como se não fossemos nós também culpados dos dias que vivemos. Como se não fossemos nós quem tem pernas para andar e sair do canto escuro e azedo. Nesses dias azedos e escuros, chegamos a pedir que nos empurrem para o fundo da vida ou, sem forças, que nos carreguem para fora do buraco onde nos trancámos em azedume.

Outros dias deixamos que os olhos se espantem em brincadeiras solares e parece que nada podia ser melhor que a pobre vida que levamos ou nada tem mais valor que cada pequena coisa que fazemos ou cada pequeno acontecimento em que participamos com outros, outros iguais a nós. Exaltamos, então, cada ínfima participação nossa na vida comum.

Entre uns e outros dias, vivemos realmente numa corda bamba que esticámos entre dois mastros altos, para cairmos para os fundos escuros uns dias ou para saltarmos, elásticos como somos todos, a cumes luminosos.

Os últimos dias da vida política peneiraram algumas dúvidas.

Preciso de acreditar, para poder concordar e discordar - digo eu. Discordar do que diz o mentiroso é concordar com a verdade que o mentiroso afinal conhece e esconde. E concordar é discordar. Numa floresta de enganos, ficamos sem saber o que é certo e o que é errado e ficamos sem saber quem somos afinal.

E precisamos de saber quem é quem fala. Uma das dificuldades da política é não encontrarmos a política onde ela aparece só fingida. Em muitas alturas, parece-nos que os políticos emprestam voz a funcionários ou técnicos subordinados, e atribuem uma qualidade superior, do nível da decisão, ao parecer por eles produzido para apoiar a decisão. E esperam, dos eleitos políticos, uma aceitação acrítica da sugestão de aparente sabedoria absoluta e insuspeita dos técnicos ou dos cientistas, da técnica e da ciência. Isto é tanto verdade para as ameaças do regresso da co-incineração para o tratamento de resíduos e do nuclear como alternativa para a produção de energia eléctrica, como para propostas constantes de uma qualquer agenda municipal.

Na última semana, a peneira não separou as dúvidas das certezas. Mas deixou vislumbrar algumas pepitas luminosas, alguma esperança solar que só pode ser verdade se assentar afinal na fragilidade humana. Ao espelho, a fragilidade humana é uma força sobre-humana que nos atira para a luz dos dias mais alegres.


[o aveiro; 9/03/2006]

A prenda

Recebemos hoje cá em casa a prenda de um livro, a saber:
Um divórcio na Lisboa oitocentista
publicado pela Livros Horizonte
A nossa amiga Manuela Simões investigou e escreveu. Essa é a melhor prenda.
(Man)Dá-lo já é um excesso.
Obrigado, Manuela.

desenho, logo existe



© PONTA ELÉCTRICA

desenho, logo existo.




Dou por mim a desenhar caras partidas em duas metades nada simétricas. Ou são duas caras que tentam falar uma com a outra? Não tenho forças nem vontade para partir a cara de quem quer que seja. Mas dá que pensar. ¿ Que raio de reuniões são estas? Por onde ando, os dedos riscam até tudo ser escuro e as pessoas ou são tristes ou são duplas. Ou são vidas duplas e... é, por isso, que não são parecidas com quem quer que seja. Nem comigo? Não me sinto bem.

o que se perdeu, onde está?

Em tempos, lmbro-me de ter lamentado a perda (por deficiência assumida momentânea do Blogger) de algumas frases escritas mais por aqui que por ali. Essas frases tinham sido escritas para serem ditas por José António Moreira no podcast sons da escrita e ficaram guardadas no blog respectivo - sons da escrita, também - onde podem ser lidas. O esqueleto é "a casa do ferreiro" que pode ser visitada dentro de uma antiga escrivaninha onde guardo poetas e farrapos.
Assim sendo, não vou recuperar para aqui a tal
apagada semana , vil tristeza .
Não cumpro a promessa, mas indico o caminho para o prometido e muito mais. Que pode ser nada, eu sei!

como quem diz bom dia nem mais

quando saio da escuridão da noite e a manhã é uma surpresa gelada
embrulhas-me cuidadosamente na tua teia no mais terno olhar de lã

nada é mais feliz que ver como a madrugada acorda a manhã
como a bafeja à manhã estremunhada que espantada abre os olhos
até que a lua ensimesma na foz da noite e o sol inaugura uma nascente

para o dia que aí vem
dizes tu
como quem diz bom dia nem mais.

perdido como folha de caderno




Há desenhos que ficam perdidos. A folha está lá, mas deixámos de a ver
como uma falha de sentido. Até que um dia ela sustém o vôo até ser vista.

Então, como verso na folha, escrevemos nome e morada. E colamos-lhe um valor
para a viagem. Nervosos, enfiamos a frente e o verso na fenda escura do futuro.

Para que ela vá pelo rio do esquecimento acima e fecunde o longe até ser perto.

desenho, logo existe




aqui, ali, ... até santa joana.

desenho, logo existe




uma, duas reuniões... fim em santa joana.

desenho, logo existe




em santa joana.

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...