azul




em roma, somos romanos?

o cálice de calma

Dos últimos dias recordo sucessivas bebedeiras de chá. Para esquecer os dias demasiado claros. Para sobreviver à molenguice dos jovens que se encostam mais às paredes que à vida e ao trabalho. Contra as dores nas costas, nas cruzes.

Quando saio de casa, fico mergulhado numa amargura quente. Posso andar de um lado para o outro, saindo de uma rua para entrar noutra, com a sensação de passear por corredores de um forno onde estou a arder lenta, mas seguramente. Só os corredores da escola me refrescam a alma. Se me sentar? Não me sento pelo sim e pelo não.

Para esquecer os dias demasiado claros, fecho-me descendo todas as persianas da casa e fingindo, sempre que possível, que cá dentro o dia não é vida e que a noite não tardará a substituir a tarde. Tento trabalhar de pé, tento escrever de pé com o computador elevado sobre um cavalete.

O pior disto tudo é que as folhas rabiscadas por dezenas de estudantes esperam dedos ágeis e laboriosos que cumpram as ordens de uma cabeça que veja as dores pelas costas. Parece que acontece o menos provável ou que não acontece e é a cabeça doente quem inventa tudo. Logo agora que nem tempo há, dores nas costas?

O mais entusiasmante ainda foi o fisioterapeuta que, na manhã de segunda, soltou expressões de júbilo quando eu obedeci, sem saber como, a alguma das suas ordens com um movimento de um milímetro que existiu sem que dele eu tomasse conhecimento. Ali se fazem perguntas sem resposta à vista, porque não sabemos bem se é dor ou outra coisa o que sentimos Naquele mundo, cada movimento infinitesimal é saudado com expressões combativas como "bravo!". O que é verdade é que mal saí desse combate, ainda antes de chegar à escola procurava um novo analgésico pelo caminho, antes de voltar a assumir o meu ar mais empertigado e feliz.

Na terça de manhã, saudei cada pequeno esforço dos jovens estudantes espapaçados com expressões de entusiasmo típicas de um fisioterapeuta treinador e aceitei uma soma irritante de pequenas falhas de disciplina individual com uma surpreendente calma. Sem compreender tanta canseira que, pouco depois das oito da manhã, abranda os movimentos juvenis à entrada para a sala de aula. Terão dores nas costas? Nâo.

Sou eu que tenho as costas largas!



[o aveiro; 8/06/2006]

sábado, domingo e segunda...

... sem poder sentar-me por mais que uns momentos e, por obrigação, ficar sentado algumas horas de sábado e uma hora e meia na segunda
mergulham-me na maior vergonha:

por andar de pé e ninguém dar por isso;
por me ter vergado até ficar sentado, sem poder.


sem poder?
como sempre, sem poder.

são os doidos de aveiro que

Quem terá marcado para as
16 horas do próximo domingo
no AVEIRENSE
o espectáculo MAL VISTOS do FITEI
que é para maiores de 16 anos...

FITEI? AVEIRENSE?
O que é que acontece para que isto tenha acontecido?


são os doidos de aveiro
que nos fazem sentir mal

MAL VISTOS em Aveiro




Visões Úteis
XXIX FITEI - Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
Mal vistos de Gemma Rodríguez -
Prémio Maria Teresa Léon 2002

Aveiro - 4 de Junho - 16 horas -Teatro Aveirense



"A globalização é claustrofóbica. A deslocalização não sai do mesmo sítio. O mundo é uma exclusão. A democracia é apertada. As empresas são sorvedouros. A vida é uma tristeza. Quem ler a peça de Gemma Rodriguez arrisca-se a isto mesmo: a encontrar personagens medíocres porque banais, situações absurdas porque verdadeiras, acontecimentos parados que são como são. É a vida, dizia um personagem de uma outra peça."
Francisco Louçã
in Prefácio à edição de Mal Vistos

O ministro ministra

Um cordão humano erguia-se como uma só voz para gritar contra a extrema-unção. Alguém tinha levantado a lebre acima da própria cabeça e todos, sem excepção, acreditaram que tinham visto uma lebre. Mais tarde, soube-se que o animal a que tinham chamado lebre não era mais que um boato posto a correr numa pista de corridas de galgas. O homem do boato falava para quem o queria ouvir que a visita do ministro às instalações do sistema educativo, há muito votadas ao abandono, se destinava a ouvir a confissão dos trabalhadores culpados e a ministrar-lhes uma extrema-unção como passaporte para o futuro sombrio. Soube-se muito mais tarde que não se tratava de um boato, mas de uma fuga de informação e que o homem usava a fuga a tiracolo, de uma maneira tal que não podia ser boato. A fuga, mais rápida que se fosse boato, estava a dar, aos apostadores, muito cacau para os dias frios que aí vinham. Os trabalhadores culpados, quais são? Um professor idoso, desmemoriado, garantia que não era culpado e queria saber se constava de alguma lista de culpados. O homem da fuga que em tempos tinha sido boato afiançou que de listas não sabia, mas que tinha ouvido falar de um rol de culposos. O velho virou-se para o homem da fuga na ponta da língua para lhe perguntar o que é isso de culposo. Ao que o língua de fuga, que sabe tudo e nunca sabe muito bem se assim é, respondeu que culposo e culpado são bem diferentes. Diferentes como? - insistia agora um auxiliar da acção educativa. Culpado é aquele que pratica uma falta e tem culpa no cartório. Já culposo é o que cometeu culpa ou revela culpa no cartório. Esta informação caiu como um pano encharcado na varanda do vizinho de baixo. Um pano encharcado nas trombas de um gerânio ofende qualquer vizinho e a um tal nível que, mesmo sendo de baixo, se irrita até subir pelas paredes. Já no andar de cima, onde estão os de nível mais elevado, eleva o tom de voz até os vidros partirem como partem os culpados e os culposos sem que lhes ministrem a extrema-unção que é para todos, tenham confessado ou não.

Uma mulher foi lendo. Chegou aqui de testa franzida por não perceber. E o que escreve sentiu-se na obrigação de escrever como último gesto de fuzilado: Bem se vê que não é professora ou não é portuguesa.

O presente? - ouviu-se a pergunta sumida. Ministro, ministras, ministra - respondeu um aluno surdo a todos os apelos à calma.


[o aveiro; 1/06/2006]

formas de olhar


deus passou por mim agarrado a uma bengala e eu
não saí do meu sofá para o ajudar a atravessar a rua

porque
se deus anda por aí a fazer de velho pelintra
é porque gosta de ser velho e pelintra
como eu sou mesmo que não goste

que ele pode ser tudo o que quiser e até o que não quiser
pode ser

formas de olhar




olhos. olhos do coração. olhos da mente. mais olhos que barriga.

desenharam, logo existem.




© Estudantes da Escola José Estêvão (11º D e E).

depois vieram tambêm cá