aldeia a...gosto

Sermpre contrariado, quando Agosto ataca, sou enviado para fora do meu lugar. Dizem-me que sou enviado para descanso de férias. Só que isso acontece sempre um pouco cedo demais e sou perseguido por pequenas coisas que foram sendo adiadas e são agora inadiáveis e por compromissos inevitáveis que foram assumidos para setembro e pensados agora. Começo por resisitir a todas as mudanças até desistir de lutar contra o invevitável, pensando que o computador e as comunicações funcionam. Sei que as férias não são para descansar o corpo, já que me canso só a ver as pessoas que andam daqui para ali e fazem projectos para bulir mais longe. Descansam o espírito, ao que me dizem. Talvez haja alguma coisa de pacífico e saudável nessa tentativa de estar mais tempo com a família e a fazer coisas diferentes. Também não me repugna acreditar nas pessoas que garantem lucrar com a mudança de ambiente - da cidade para as aldeias ou da montanha para a beira do mar. E tenho uma sincera inveja das pessoas, de tal modo organizadas, que ficam completamente livres no dia 1 de Agosto estando cheias de trabalho no dia 31 de Julho.
Pego em meia dúzia de coisas e deixo-me levar para uma casa de aldeia. Agora, tão perto que a casa do costume fica a menos de uma hora, mas tão longe que não possa atar lá o fio dos dias. O telefone da aldeia não vai resolver o problema do correio electrónico: nem recebo mais que os cabeçalhos e remetentes das mensagens e enviar este texto ameaça tanto o computador como o rural aparelho de telefone. A aldeia já é vila e revela-se num animado bar nocturno e num cemitério enorme. São muitos os que vivem neste dormitório do Porto, sem que da aldeia conheçam mais que as ruas por onde saem nas visitas de fim de semana à família.
No jornal da terra, vi uma fotografia de sacos de lixo a esmo em torno de um "ecoponto". Não há contentor de lixo comum à vista. A legenda da fotografia condena a falta de civismo dos moradores e não condena a câmara municipal que, sem cuidar das suas obrigações, atrai gente para dormir nos andares da aldeia. Nesta aldeia cheia de gente e de carros, não há passeios para os peões, não há contentores para o lixo dos "sem terra" nem há recolha de lixo todos os dias. Há ecopontos. Há lixos vários que não são para o ecoponto. Há lixo em algumas cabeças.
Aldeia por ainda não ser vila. Vila por já não ser aldeia. Canseira!

[o aveiro; 3/8/2006]

por alguns dias, ... adeus

é tão lenta a entrada neste mundo por este telefone de aldeia que melhor teria sido nem tentar.
o mais provável é que não volte a entrar por aqui.
o mais provável é que desapareça.

as grades

caminho pela manhã da avenida 25 de abril. habitualmente passo pelas grades do fechado portão central da escola e sigo em frente para entrar dois catetos adiante pelo portão lateral. ao passar, sinto-me preso na avenida. depois de entrar, sinto-me preso na escola. breves instantes estes em que sou preso dentro e fora.
mas hoje, há uma porta aberta no portão central da escola e eu esgueiro-me livre. e, por momentos, sinto-me e sento-me livre. sob a grande copa que me abrigava da chuva, vejo as baforadas do meu cachimbo de um tempo antigo em que estranho estranho era não dar esses sinais de fumo antes de entrar.

a guerra pela janela

Pela rasgada janela da televisão, os olhos abertos de um cadáver parecem fixar-me. Nada do que o morto possa ser me aflige. O que me aflige é o vivo que ele foi ontem sem saber que ia morrer. Contra ele se levantaram os que quiseram matá-lo sem quererem saber quem ele era e sem cuidarem de saber quem ele viria a ser. O soldado que disparou a morte vai morrer algum tempo depois e não pode saber se matou uma esperança de paz duradoura. Não pode saber se quem acaba de matar não seria aquele que amaria perdidamente por toda a vida e já lhe falta. E pensa, para acalmar a culpa e remorsos de não saber, que o mais natural é ser um dano colateral acrescentado a tantos outros de que já não há conta nem medida. Os mortos não me incomodam.

Na última década, as guerras mataram milhões de crianças. É o que dizemos para fingirmos que não foram homens, tão civilizados e industrializados fabricantes e vendedores de armamento, os que assassinaram as crianças e as esperanças que elas podiam ser. Mais no Líbano que em Israel, crianças jazem destroçadas. Os assassinados não me comovem.

Comove-me a pergunta, a dúvida que leio nos lábios fechados do soldado que ainda vive. Sem saber quando vai morrer, sabe da sua fé na vida além da morte e sabe da mesma fé no coração do corpo abatido pela fúria do seu disparo. Ainda vivo, o jovem soldado treme por acreditar que do lado de lá vai ser apresentado aos que matou sem conhecer e sem odiar. Do outro lado do tempo, em que acreditam encontrar-se todos perante quem tudo sabe, no julgamento em que comparecem todas as vítimas olhando os carrascos nos olhos. O soldado já prepara a sua defesa e clamará então que não fez mais que cumprir ordens. Se lhe disserem então que matou o seu messias ainda este era uma criança a experimentar a sua humanidade, ele dirá um silêncio espantado. De outra das suas vítimas, a que era mulher destinada a amá-lo, após o dia do juízo, o crente soldado vê-a sem ser visto e sabe que foi ele quem a cegou.

Não me incomodam os mortos nem os lugares onde jazem mortos. Incomodam-me os destroços vivos, os agentes da morte, os fabricantes de destroços capazes de imaginarem a sua própria vitória sobre a vida.

[o aveiro; 27/07/2006]

sentidos



eles passavam por mim e eu passava por eles

em sentidos contrários
enquanto procurávamos o mesmo sentido

e sabendo que nunca nos reconheceremos
se acaso algum dia nos encontrarmos no lugar certo
por acaso

ao compasso marcado
pelo rufar de um tambor continuamos em frente
até nos perdermos de vista

amanhã

Em tempo de guerra, há frases soltas que deflagram como bombas à minha volta.
Estamos a fazer todos os esforços para evitar baixas civis. Todos sabemos como é difícil bombardear áreas densamente povoadas. Acabar com os bombardeamentos é o objectivo da diplomacia. Os terroristas aproveitaram um incidente em território palestino para provocar o estado de Israel e os israelitas aproveitaram o momento para cortar as vias libanesas usadas pelos terroristas, bem como para destruir todos os incómodos que vivem no Líbano.
Ouço e parecem-me de outro mundo cada palavra e cada sorriso dos diplomatas, em suas reuniões cercadas por escombros e mortos.
Em tempo de guerra, olho para todas as vítimas e fico à espera de ver os poderosos a olhar pelas pessoas todas e, de tal modo, que lhes seja inaceitável que qualquer pessoa passe a vítima pela via do terror e da guerra. Vejo-os carregar com seus dois pesos e suas duas medidas sem nunca sagrarem cada vida humana. Eles olham os mortos nos olhos fazendo deles nós de um bordado quando tecem considerações sobre o conflito regional, ou quando anunciam subidas e descidas do preço do barril de petróleo nas grandes praças do mundo civilizado dos banqueiros. Em tempo de guerra, olho-os mais pelo prisma do veto que do voto e algumas referências da democracia deixam de ser referências. Os poderosos que vetam resoluções das nações unidas e apelam à contenção reúnem-se aos que usam o poder para aperaltar biquinhos transatlânticos em convívios mais ou menos (g)astronómicas no nosso mundo em guerra. Os poderosos andam feitos e em festa uns com os outros. Já nem percebem que os seus jogos de salão fazem estremecer o salão. E ouço as traças que mastigam os fatos dos poderosos quando eles fazem de traças do mundo.
E ouço generais que parecem comentadores e comentadores que parecem marechais a falar de mortos como peças de um xadrez qualquer. Pensam eles que sempre que aumenta o número de mortos, diminui a probabilidade de lhes caber a morte em sorte. E descuidam as defesas contra a estupidez que tudo come e consome.
Parece-me que todas as partes conspiram para evitar a paz. Uma diplomata israelita disse que quando salvamos uma alma, salvamos o mundo. Há alguém a pensar em salvar uma alma?


[o aveiro; 20/07/2006]

futebol brasileiro

Um time de futebol ganhou 8 jogos mais do que perdeu e empatou 3 jogos menos do que ganhou, em 31 partidas jogadas. Quantas partidas o time venceu?

O futebol brasileiro tem destas coisas: até aparece na olimpíadas brasileiras de matemática. Quem pode não gostar?

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...