cerca de mim

Cercavas-me
para que eu me rendesse
dentro dos teus muros altos
como abraços

ou fugias pelas veredas
mais estreitas
como o mar
corre a afogar-se num braço da ria

e lá chegado
virasse do avesso o barco do céu
em jeito de brincadeira a água

levantasse o corpo no ar cheio

varrendo a lua ao espelho num charco
eu transbordante.

O problema pessoal

Para ser boa, a nossa vida deve estar cheia de diferenças de opinião. Não gostaria de viver numa bolha qualquer em que todas as pessoas partilhassem das mesmas opiniões e dos mesmos gostos. Reconheço os meus vizinhos e os meus amigos pelas diferenças. Tenho amigos que em tudo pensam diferente de mim. Penso eu que assim é. Cruzo-me com alguns deles em discussões sobre matemática e sobre ensino e discuto com eles, como se a discordância demonstrada fosse mais um sinal de amizade. De certo modo, sabemos que procuramos mais a verdade (essa a que não existe) do que a unanimidade. Ficamos contentes quando descobrimos que em alguns pontos estamos de acordo ou que, pelo menos, procuramos por caminhos diferentes alguma coisa de fundamental que tem sempre a ver com o bem comum (esse que ninguém sabe o que é, mas existe para ser perseguido por pessoas de bem). Perante as gargalhadas, os abraços e a conversa mansa antes e depois das nossas vivas discussões públicas, pressentimos a perplexidade das pessoas que pensam ver problemas pessoais onde há diferenças de opinião. De certo modo, estas pessoas diminuem a amizade, a individualidade, a opinião, o respeito por quem nos merece respeito. Diminuem-nos.
Se eu tenho uma opinião política diferente de outra pessoa, isso traduz-se ou pode traduzir-se numa divergência política. Nada é mais natural e nada é mais saudável. Há quem pense que só temos opiniões diferentes porque há problemas pessoais. Isso acontece a pessoas convencidas da universalidade das suas ideias, que, na tirania da sua bondade permitem problemas pessoais como desculpa para não terem eliminado os mensageiros das ideias não previstas na doutrina.

Tantas são as pessoas que eu conheço espalhadas por tantas ideias que não partilho, que comigo defenderam as mesmas ideias noutros tempos, que me ensinaram a dizer não e a dizer sim, que me deram voz e deram sentido à minha voz própria e diferente. Tantas são as pessoas que respeito e em que me reconheço porque das suas ideias me separei sem que elas deixem de ser algum esteio do que sou porque sou o que fui, o que fui sendo.

Na madrugada desta terça feira, morreu Francisco Martins Rodrigues. Tiro-o da penumbra como nome, o seu nome próprio para que possa ser procurado. E encontrado.

[o aveiro; 24/04/2008]

a conta dos nervos


a joaninha decidiu não partir daqui. eu bem reclamo a liberdade dela e reclamo que parta para que os outros acreditem na liberdade de que falo. só que a joaninha decidiu gozar a sua liberdade mesmo por aqui e não há quem a convença a partir. muito menos eu.
durante alguns dias senti-me mal com a situação e andei envergonhado a esconder-me das pessoas que não acreditaram nem acreditam que eu abri a jaula da joaninha. é verdade que eu tinha tonado pública a minha obsessão pela joaninha e dizia aos sete ventos que a joaninha estava comigo por gostar de mim. tinham-me ofendido todos quantos pensavam que a joaninha não se ia embora por ter pena de mim ou por a ter ameaçado de alguma maldade caso ela partisse e me deixasse só.
eu não me cansava de lhe perguntar se ela algum dia tinha pensado em abrir asas e voar e de lhe dizer que nada faria para a impedir quando desejasse partir embora ficasse de coração partido.
acreditem ou não, para acabar com os mexericos a respeito da minha obsessão doentia, acabei por ser eu a pedir-lhe que partisse, que voasse para bem longe de mim.
já não falo com ela, mas ela porta-se com sempre só que eu agora dou pelos pequenos factos a que não dava importância: ela também não fala comigo, mas há quem diga que sempre foi assim. e que nem podia ser de outra forma.

depois vieram tambêm cá