novo ano de lições

nestas horas matinais, a aragem fresca fala
a quem quer ouvir a fala da aragem
e, mesmo sabendo da iminente viagem,
sai para o futuro sem antes arrumar a mala

féretro

quando as portas de Agramonte se abrem para a paisagem,
última e cega dos que, ao nosso lado, fizeram a sua viagem
guiando passos incertos dos incertos caminheiros que somos

abrem-se também para um abismo onde somos o que já fomos
de par em par por um ventinho bom, uma memória da passagem


até lá, ao fundo do imaginário mira douro

... quase, quase a acordar

Descansei em ti o meu olhar, como só uma ave cansada de voar pode olhar. Digo-te adeus hoje e sei que não posso deixar de te dizer amanhã adeus de novo. De asas cansadas, poisarei no teu beiral, só por um instante te olharei, alisando maquinalmente as minhas penas sem ânsias de voar, mas certo de partir. Parto para longe, onde não possas ouvir-me gritar, depois da volta larga em frente da tua janela. Parto sem partir definitivamente. Digo-te um adeus sumido. Porque não sei mais que dizer ou fazer e os meus gestos têm a economia própria de quem voa. Quem voa assim tão desajeitadamente? ouço o espanto de uma ave verdadeira, enquanto eu caio a pique ... quase, quase a acordar.

féretro

as paredes acolhem a minha sombra
e eu encolho-me até ser uma sobra
da sombra, uma sombra da sombra:
do chão à parede, a linha da dobra.

a catedral privada

se ninguém ouve a música que enche a nave direita,
menos imaginam o sermão da nave esquerda:
pois só eu sei como é insuportável esta merda
de estar em duas missas cantadas de uma só feita.

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...