Um dia não são dias. Não?
Arsélio Martins

Por onde eu caminho, o tempo não comeu a vontade de ser feliz e acreditar nas pessoas que conheço e não conheço. Calcorreamos as ruas trocando “bons dias! como está?” sem nos determos um momento a pensar no mal e no bem, porque sabemos que o bem é a normalidade e o mal esconde-se na excepção para ser encontrado e ser transformado pelo bem comum.
Saio assim pelas ruas de Aveiro. Saio de casa e sossego o olhar na relva em frente cercada por uma moldura de árvores que ensinam o caminho às estradas velozes. Olho a praceta Afonso Gomes. É uma praceta cuidada pela cooperativa Chave, a relva está verde e as plantas estão a crescer em todo o seu esplendor. No campo de jogos, dois jovens atacam-se com bolas de brincar.
Atravesso o meu bairro de Santiago e procuro e encontro o sossego das praças públicas entre as bandas de casas. Nestes dias calmos, descansam nos bancos os olhares que vigiam as crianças nas suas aleatórias viagens pela relva. Atravesso o meu bairro de Santiago pelos jardins públicos (só tenho pena que alguns gestos construtivos tenham sido interrompidos e possam ter sido o início da degradação que só os humanos sabem acrescentar), mas principalmente atravesso o meu olhar feliz pelos pequenos paraísos de flores que as mãos dos pobres sabem fazer crescer nas portas de entrada e nas varandas do sonho. Quando o vento é forte (e é muitas vezes forte) caminho apressado. Quando é brisa de Santiago ou quando está muito calor, vagueio pelas arcadas dos comboios amarelos numa viagem de sombra fresca e não me canso desta companhia das cores vegetais em que quero tropeçar. Tudo depende do olhar.
Passo pelo quiosque e o jornal devolve-me uma tristeza fria. Mas persisto no caminho da gente comum da cidade, esta que nos habitua a andar. Passo pela praça do Marquês. Ainda o pó (agora amarelo avermelhado da cama da calçada) nos acompanha na passagem de uma praça em obras com cheiro a pedras e cimento para outra praça com pessoas e cores vegetais. Na rua dos Combatentes, as cores estão penduradas à altura dos olhos voadores e lá em baixo a água para a esquerda acrescenta-nos a serenidade dos espelhos naturais. Quando subo para a Sé, descanso na relva do museu. A Natália C. pergunta-me pela família. As árvores da rua Passos Manuel encheram-me de folhas contra a agressão da poda. Entro no cercado da escola José Estêvão pelo lado das árvores de majestade sem nome. Dentro do edifício, os corredores estão frescos e os jovens atropelam gargalhadas. Deixo que os meus olhos se prendam no jardim nascido entre as pedras do pátio interior de mim mesmo. Entre as casas, dentro das ruas de Aveiro, pé ante pé transporto o ar da vida comum até aqui. Escrevo: “a semana que passou não é só o que está fora de cada um de nós.”

[oaveiro, 29/5/2003]

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