Saímos pela noite para o outro lado dos espelhos do navio dos espelhos e, enquanto ainda estamos desse lado, podemos dizer que nos sentimos felizes (bem e mal) quando vemos e ouvimos os quatro saxofones que nos habituámos a querer ouvir em conversas familiares ora calmas como para embalar, ora ideias repetidas por todas as vozes até ser inquietação, ora verdes anos ou tempos de verão ou tango gingão e safado com navalhas faíscando.
Assim, a sempre diferente eterna formação que ouvimos hoje - Soprano João Figueiredo, Alto Fernando Ramos, Tenor Henrique Portovedo e Barítono Romeu Costa - sob o nome Quad Quartet
atacou-nos com os clássicos Bozza e Desenclos (se é que há clássicos para saxofones) e com Carlos Paredes e Astor Piazzola.
Gosto do clássico dos clássicos Piazzola. O que haverá de mais clássico que uns tangos ao meu gosto?
Podem dizer-lhes que venham tocar tangos para a .... minha rua.
sobre o lado esquerdo
Encontrei a citação exacta:
Foi isto que escreveu o Carlos de Oliveira em sobre o lado esquerdo sob o título sobre o lado esquerdo. Tanto tempo a ler e a reler e sempre com a ideia de não ter encontrado. Deixei passar a noite e passeei de novo os olhos vigilantes pelo trabalho poético, já sem esperança. E li o que sempre li, mas... encontrando. Aqui deixo a exacta (ex)citação.
(...) o homem que não dorme pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração».
Foi isto que escreveu o Carlos de Oliveira em sobre o lado esquerdo sob o título sobre o lado esquerdo. Tanto tempo a ler e a reler e sempre com a ideia de não ter encontrado. Deixei passar a noite e passeei de novo os olhos vigilantes pelo trabalho poético, já sem esperança. E li o que sempre li, mas... encontrando. Aqui deixo a exacta (ex)citação.
Lightenings
Já várias vezes disse que 'o lado esquerdo' é nome sugerido por um texto do Carlos de Oliveira, eu creio, em que ele escreve o desejo de "deitar-se sobre o lado esquerdo na esperança (vã?) de poder esmagar o coração". Ontem e hoje, folheei os trabalhos poéticos de Carlos de Oliveira e não encontro a minha citação exacta. Também procurei uns outros textos de Jorge de Sena em busca disso (memórias vagas...).
Não encontrei o que procurava, mas encontrei muitas outras coisas, a começar pelo Carlos de Oliveira.
Mas aqui deixo um reencontro com Seamus Heaney (na reescrita de Vasco Graça Moura) no que eu dele mais gosto (hoje):
VIII.
Dizem os anais: quando os monges de Clonmacnoise
estavam todos em prece no oratório
surgiu um barco no ar por cima deles.
A âncora desceu tão fundo que ficou presa
ao parapeito do altar e então, quando
o baloiçar do grande casco se imobilizou,
um dos tripulantes desceu agarrado à corda
e tentou libertá-la. Mas em vão. "Este homem não pode
aguentar a nossa vida aqui e vai afogar-se".
disse o abade, "a não ser que o ajudemos". Assim
fizeram, o barco solto partiu, e o homem lá trepou
para fora do maravilhoso mundo como o tinha conhecido.
Não encontrei o que procurava, mas encontrei muitas outras coisas, a começar pelo Carlos de Oliveira.
Mas aqui deixo um reencontro com Seamus Heaney (na reescrita de Vasco Graça Moura) no que eu dele mais gosto (hoje):
VIII.
Dizem os anais: quando os monges de Clonmacnoise
estavam todos em prece no oratório
surgiu um barco no ar por cima deles.
A âncora desceu tão fundo que ficou presa
ao parapeito do altar e então, quando
o baloiçar do grande casco se imobilizou,
um dos tripulantes desceu agarrado à corda
e tentou libertá-la. Mas em vão. "Este homem não pode
aguentar a nossa vida aqui e vai afogar-se".
disse o abade, "a não ser que o ajudemos". Assim
fizeram, o barco solto partiu, e o homem lá trepou
para fora do maravilhoso mundo como o tinha conhecido.
asa delta
a fita que se soltou do teu chapéu
chamou-me pelo nome pronta para voar
e eu hesitei no teu decote o meu olhar
antes de ir com ela para o mais alto céu.
de tão longe ver-te como um ponto final,
quando tanto te desejei em cada pormenor,
não vejo pior
mal.
chamou-me pelo nome pronta para voar
e eu hesitei no teu decote o meu olhar
antes de ir com ela para o mais alto céu.
de tão longe ver-te como um ponto final,
quando tanto te desejei em cada pormenor,
não vejo pior
mal.
Perturbação de sentidos
1. Nada me perturba mais na vida das cidades e dos cidadãos, do que a falta de encontro entre a decisão de poder humano (politica, empresarial,...) e a vizinhança no que ela tem de humano. O que há de humano nas cidades é cada indivíduo e outro e outro..., antes de ser soma e amálgama e efeito ou fermento na soma. Nem quero saber em pormenor quem tem a culpa no processo de extinção da Filarmonia das Beiras. Sei que ninguém tem desculpa, porque tudo me sabe a metal (deve haver) e não me sobram cheiros humanos, da sorte deste e daquele, da compreensolução para o problema real deste ou daquele. Muda-se a natureza da soma da música para que uma parcela possa ser eliminada; dá lucro, não dá lucro, o maior pagador que é o maior devedor falta com opinião na hora da decisão, etc. O silêncio sobre a situação crítica de cada um dos cidadãos músicos é cada vez mais pesado. Porque começou o falatório em volta dos outros ? dos cidadãos que exerceram ou não o poder de não pensar nos músicos como pessoas individuais e na música, dia após dia após dia após dia.
2. Nada me perturba mais, hoje em dia, que a falta de encontro entre o ensino e a vizinhança no que ela tem de humano. Sou professor de Matemática, agora do ensino básico de jovens à volta dos 13 anos e é perturbador ver que eles procedem comigo como se eu não falasse do que é comum. Se eu lhes der um problema em palavras faladas para resolver, raramente procuram uma real solução (mesmo quando conseguem pensar sobre ele). Não tiram medidas quando é preciso, usam uns símbolos e umas figuras que ilustram a situação sem a representar seriamente, etc. Não sabem o que é um marco num terreno (vértice de um polígono), não olham a fracção da matemática como a da língua ordinária. As palavras da matemática básica são termos constituintes do português básico ? uma ou outra excepção não contrariam a regra. E as respostas que procuramos, usando matemática, são escritas em português básico com o apoio de figuras e operações adequadas, cujos resultados são precisos para argumentar a favor desta ou daquela solução. Difícil é convencê-los que a resolução de um problema básico e a resposta que derem, em português corrente, deve ser compreendida por toda a gente ou quase.
Ninguém passará a número ou a unidade estatística por minhas mãos de professor. Uma escola básica que fale de cada individuo e da sua (e nossa) realidade talvez forme e controle os políticos para que procurem soluções sociais sem deixarem de ter em conta as pessoas autênticas, individuais.
[o aveiro; 28/10/2004]
2. Nada me perturba mais, hoje em dia, que a falta de encontro entre o ensino e a vizinhança no que ela tem de humano. Sou professor de Matemática, agora do ensino básico de jovens à volta dos 13 anos e é perturbador ver que eles procedem comigo como se eu não falasse do que é comum. Se eu lhes der um problema em palavras faladas para resolver, raramente procuram uma real solução (mesmo quando conseguem pensar sobre ele). Não tiram medidas quando é preciso, usam uns símbolos e umas figuras que ilustram a situação sem a representar seriamente, etc. Não sabem o que é um marco num terreno (vértice de um polígono), não olham a fracção da matemática como a da língua ordinária. As palavras da matemática básica são termos constituintes do português básico ? uma ou outra excepção não contrariam a regra. E as respostas que procuramos, usando matemática, são escritas em português básico com o apoio de figuras e operações adequadas, cujos resultados são precisos para argumentar a favor desta ou daquela solução. Difícil é convencê-los que a resolução de um problema básico e a resposta que derem, em português corrente, deve ser compreendida por toda a gente ou quase.
Ninguém passará a número ou a unidade estatística por minhas mãos de professor. Uma escola básica que fale de cada individuo e da sua (e nossa) realidade talvez forme e controle os políticos para que procurem soluções sociais sem deixarem de ter em conta as pessoas autênticas, individuais.
[o aveiro; 28/10/2004]
onde a blusa abre
onde a blusa transparece
os olhos matam a sede das mãos ansiosas
do alpinista trepando pelas encostas dos seios,
e, na planta riscada sobre a terra lavrada,
esse vale do ventre em que se levanta o desejo da arquitectura
para a possuída casa ancorada em estacas de vento e de ternura,
eu desenhei a vida inteira por viver e por mais nada
deixei cair pelo fio do prumo o olhar a pique
e, ecoando grave, em queda livre, a voz calei
ali onde a blusa começa e se entreabre
uma porta escancarada.
os olhos matam a sede das mãos ansiosas
do alpinista trepando pelas encostas dos seios,
e, na planta riscada sobre a terra lavrada,
esse vale do ventre em que se levanta o desejo da arquitectura
para a possuída casa ancorada em estacas de vento e de ternura,
eu desenhei a vida inteira por viver e por mais nada
deixei cair pelo fio do prumo o olhar a pique
e, ecoando grave, em queda livre, a voz calei
ali onde a blusa começa e se entreabre
uma porta escancarada.
o dia mais que perfeito
atravessam cedinho
a vila, deste lado ao de lá do monte onde a manhã dá à luz o sol,
os passos ligeiros da mulher mais bela do dia
escolhem maçãs bravas colhidas à árvore da madrugada.
ah! e eu for com ela de mãos dadas cedinho.
a vila, deste lado ao de lá do monte onde a manhã dá à luz o sol,
os passos ligeiros da mulher mais bela do dia
escolhem maçãs bravas colhidas à árvore da madrugada.
ah! e eu for com ela de mãos dadas cedinho.
a demora
espera mais um pouco.
por ti.
se fores devagar, talvez possas
fazer-te companhia mais um pouco.
afinal vão ambos para o mesmo lado!
desde ontem, a viagem é assim mais lenta.
por ti.
se fores devagar, talvez possas
fazer-te companhia mais um pouco.
afinal vão ambos para o mesmo lado!
desde ontem, a viagem é assim mais lenta.
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