as portas

as portas



engana. para pensares em fugir por aí, precisas de asas para voar e isso eu não tenho para ti.

as portas



ao fundo, a casa do alto vento abriga uma fogueira de caçadores espreitando o rio, como quem espreita a serpente que vem de espanha onde nasceu e onde deixa os ovos.
vimos passar as luzidias escamas do seu dorso a caminho da cabeça, a nossa, essa que nos envenena cada vez que nos morde e nos beija com a língua bífida da ibéria ocidental.

as portas



assim abandonado e só e arruinado. estar no seu lugar sem querer saber de ser visitado e visto. tudo menos ser outra coisa, sendo isso.

porque ficamos sós, assim ao alto de olhos vazados, incapazes de olhar em frente para o lado sul?

Atropelamento e fuga

1.
Entre os indicadores de desenvolvimento de um país, pululam os números da educação e ensino. Por vezes, esgrimem-se mesmo números tão sem sentido como os milhões do orçamento de estado destinados ao ministério da educação. Esses números podem significar alguma preocupação com a educação por parte do poder político e não mais que isso, a menos que sejam qualificados por alguma acção ou iniciativa política.

Ultimamente, os comentadores espalharam a ideia que se está a gastar demais na educação e que não se vê qualquer melhoria em termos de eficiência ou dos resultados do sistema. Com tais apoios, o governo deste pais pode baixar o orçamento da educação, apesar das altas taxas de abandono escolar básico sem quaisquer alternativas de formação aos sistemas formais de escolarização da população.

Todos reconhecem que problemas graves existem. E, apesar disso, o governo desinveste. Porquê? O mais provável é que reconheça não ter qualquer plano de acção para a educação e formação. À medida que vimos como os ministros se substituem uns aos outros, compreendemos bem que ao sistema lhe falta a cabeça e como está incapaz! Aos actuais mandantes (ou paus mandados?) da politica educativa cabe distribuir culpas pelos funcionários docentes e não docentes, ex-ministros e secretários, máquinas e programas para concursos feitos à mão, etc. E aceitar que não se invista na sua ?má-educação?.

2.
Na educação dos últimos anos, tem-se gasto mal dinheiro demais. Basta pensar nos investimentos feitos pelos governos do PS para rever ou reformar os currículos do ensino sem chegar às aplicações. As mudanças a este nível, em democracia, demoram anos em concepção e negociação com uma grande variedade de parceiros sociais.. De facto, para alem da conformidade que é preciso garantir com as instâncias internacionais e a adequação aos espaços profissionais e culturais partilhados pelos europeus portugueses, as mudanças curriculares têm consequências nos horários de trabalho de estudantes e professores, jogam com concepções científicas e com as (in)contornáveis mudanças científicas e tecnológicas, etc. As intenções das sociedades científicas, associações e sindicatos profissionais, associações de pais e estudantes, escolas básicas e secundárias, politécnicos e universidades são envolvidas numa negociação que demora anos.

Em democracia, não há mudanças simples. Quando alguma coisa parece estar definida, ela já não é propriedade de quem quer que seja e é provisória.

3.
Com diferentes envolvimentos e perspectivas, acompanhei as diversas reformas e mudanças do sistema educativo e, como professor de matemática, empenhei-me activamente em obter, nas oportunidades das mudanças, ganhos para o ensino, em geral, e, da matemática, em particular.

Os últimos governos do partido socialista especializaram-se em prometer e meter mudanças em tudo o que podia mexer, mesmo quando o resultado podia ser vazio por não estarem reunidas condições que dessem sentido às mudanças. Sem olhar para o estado do caminho palmilhado, interessava acelerar e experimentar todas as mudanças.

Quando muda o governo, para uma maioria psd/cds, os ministros só pensam em mudar no meio do vendaval das mudanças que estavam preparadas e, na grelha de partida, esperavam o arranque de um ano lectivo ali mesmo a acenar. Mudam, usando travões. Não podendo ficar paradas as máquinas já postas em movimento, adiam umas coisas para as desfigurarem com pequenas cirurgias, dão andamento a outras em condições que não eram aquelas para que tinham sido concebidas.

4.
Gastou-se muito e gasta-se dinheiro. Gasta-se a alma dos agentes educativos que estão a braços com propostas (técnicas muitas delas) preparadas para uma decisão politica que não é nem vizinha daquela em que estão a ser aplicadas. É caro um sistema de governantes medíocres que precisam de deixar marca, ainda que de tolice. Responsáveis do PS dirão que estes governos se especializaram na marcha atrás.

Mas é mais grave. Eu penso que eles podem mesmo ser acusados de atropelamento e fuga.
Por aqui, o meu futuro é escrever sobre isso.



[a página da educação; nº 140; Dezembro de 2004]

dias de passar as portas




hoje foi dia de espreitar o tejo e as suas portas: do ródão.
é diferente ler as notícias aqui e daqui olhar as fotografias dos acontecimentos.

estamos mais perto de lisboa, mas é como se estivéssemos muito mais longe e, espreitando por um buraco, só intuíssemos uma paisagem esbatida - uma descrição romanceada de que perdemos os detalhes mais importantes, uma dança de que lembramos um filme de pernas e sombras em movimento sem nos lembrarmos de qualquer música a dar-lhe sentido.

da restauração



até hoje pensava que o dia da restauração era o dia de amanhã.
quem vai sair pela janela de hoje? de que andar? de que carruagem?

A paragem de autocarro

Não, não ia escrever sobre o dia da paragem de Santana Lopes decidida por Jorge Sampaio. Devo confessar que não esperava essa decisão, porque os autocarros da fé, da esperança e da caridade estão a deixar de parar em algumas das paragens onde o espírito os espera.

Ia mesmo falar de paragens de autocarros. Aqui, na rua do ISCAA por onde passo todos os dias, várias vezes ao dia, há um equipamento que abriga pessoas. Quem se levanta de manhã cedo sabe que é um equipamento de abrigo necessário para muitas pessoas à espera de um autocarro que as leve ao trabalho. Durante o dia claro, até parece que ninguém ali pára, que aquele abrigo não é necessário. Mas eu sei que é.

Acontece que esse equipamento de autocarros tem sido vandalizado e destruído com frequência. E como me revolta ver aquelas pacíficas pessoas a esperar num mundo de vidros estilhaçados. Sem poderem sentar-se, deslocam-se cuidadosamente e respondem em surdina às saudações que a manhã mal oferece.

Os serviços da Câmara Municipal e as Policias Municipal e de Segurança Pública devem ter registos destes actos de vandalismo. Nesta rua e noutras, claro. Esta paragem mais parece um desafio, já que as outras ali muito perto, não são assim desfeitas. É verdade que este equipamento está do lado do descampado que se abre para o abandono das traseiras do Instituto da Juventude.

Terá tocado alguma campainha de alarme em algum serviço da comunidade sempre que este equipamento foi vandalizado? Espero bem que sim e quero ter a esperança que todos nós tenhamos ouvido o aviso. Cada acto de vandalismo é para ser escutado. Quando o vandalismo se repete não podemos abandonar os lugares onde eles acontecem. Se abandonarmos para não ver, a indignidade toma os lugares como seus territórios exclusivos e tudo fará para nos expulsar da cidade construída para os cidadãos.

Que ninguém fique surdo aos avisos e aos apelos. Se abandonarmos a cidade a quem não a ama e a quem não ama as pessoas suas vizinhas, acabaremos a ser perseguidos para lá de fronteiras que nem imaginamos. Ou seremos perseguidores. Ser perseguido ou perseguidor? Isso não é vida.

Nem o sinal para a saída de Santana Lopes me afastou de escrever sobre a paragem do autocarro. Espero que isso acrescente importância a este aviso - para a cidade e para a democracia. É preciso parar com o erro de fingir que nada acontece quando é o mal que acontece.


[o aveiro; 2/12/2004]

as perguntas




- O que acontecerá se Creso declarar guerra à Pérsia? - perguntaram em nome de Creso, rei da Lídia.
- Destrói um império poderoso. - respondeu a Pítia, do Oráculo de Delfos criado por Apolo que distribuía o dom das profecias.

E Creso invadiu a Pérsia de Ciro.

Depois de uma derrota humilhante, à pergunta de Creso.
- Como pudeste fazer-me uma coisa destas?
a resposta transcrita da História de Heródoto é a seguinte:

- A profecia proferida por Apolo dizia que, se Creso fizesse guerra à Pérsia, destruiria um poderoso império. Ora, perante isto, se tivesse sido sensato, devia ter mandado fazer nova pergunta: se era do seu império ou do de Ciro que se tratava. Mas Creso não percebeu o que foi dito, nem voltou a perguntar. Por isso só tem de culpar-se a si próprio.



citado de Carl Sagan

de que me lembro, em chamas, os dias



Há semanas velozes. Esta semana, para além da minha vidinha, dei comigo a reunir com os pais dos estudantes que trabalham comigo e também com os pais de crianças do agrupamento de válega, perto de ovar. Há encontros em que me sinto em casa. Quando dou por mim, estou perdido em meio de conversas onde se cruzam desesperos de desemprego e insegurança, brinquedos de crianças e formas de aprender, apoios sociais, e... alegria, muita alegria jocosa temperada por castanhas e jeropiga. Não tenho pressa de voltar ao mundo dos sérios salvadores do mundo, porque é mais ou menos por ali que me posso salvar a mim mesmo. Noite magnífica, abençoada cavalgada pelas estradas, ainda que perdido na escuridão das novas estradas. (Que fiquem assim escuras! para que pulsemos com um céu polvilhado de luzeiros longínquos, que nenhum ministro queira inaugurar naquele troço, em que me perdi numa solidão magnífica e medonha, os candeeiros que apagam o céu).
No dia a seguir, subi ao calvário. IP5 e uma assistência que o não queria ser por ter desistido da matemática ou de tudo. Não foi a primeira vez que fui a Seia. Quem me convidou a lá ir talvez não tenha culpa e uma parte da sensação de desespero nesta ida e volta da vida venha de mim mesmo. Já me aconteceu ter assistências contra, mas pronta para algum tipo de luta. O tempo passou por mim e foi um soco que ao passar me deixou oco. O oco é uma falta insuportável.

E, em vez de outra coisa qualquer, a semana acaba com mais uma reunião de sábado. Hoje, sobra uma lentidão de um zigue-zague alquebrado.

muitas vezes me lembro de mim...

...a pensar me que falo me seguindo: segue-me que eu sei o caminho ...