os buracos dos olhos
em vez dos olhos os buracos dos olhos:
há um instante em que os olhos
são vazados pelo que estão a ver
e parece que os olhos crescem
para serem nada parecendo buracos
o tempo da decisão
Há muito tempo que não uso relógio
de bolso e de pulso também não
mas vou coleccionando relógios baratos
máquinas elementares tão perecíveis
quanto o são as pilhas de origem.
Ao lado da cama, relógios parados
e marcando horas diferentes
tornam-se montras estáticas
das horas em que fui abandonado
por cada uma das pilhas.
O tempo que passou
nunca foi para aqui chamado.
Só sei que por escrever a palavra tempo
repetidamente
me vai aparecer um anúncio
de bolso e de pulso também não
mas vou coleccionando relógios baratos
máquinas elementares tão perecíveis
quanto o são as pilhas de origem.
Ao lado da cama, relógios parados
e marcando horas diferentes
tornam-se montras estáticas
das horas em que fui abandonado
por cada uma das pilhas.
O tempo que passou
nunca foi para aqui chamado.
Só sei que por escrever a palavra tempo
repetidamente
me vai aparecer um anúncio
de .
ou outro conforme instruções à máquina.
Algum algoritmo e não o acaso
nem o fado dita a escolha.
Acaso o que escrevo será fado.
a mágoa
quando não me responde
é porque se esconde
e eu, ... sem saber onde
procurar
uma mágoa que se esconde
sem deixar de magoar
é porque se esconde
e eu, ... sem saber onde
procurar
uma mágoa que se esconde
sem deixar de magoar
Empilhando lenha
O homem costuma recolher do bosque
os troncos caídos com a tempestade.
Empilha-os nas traseiras da casa.
De cada um recorda
o que o fez cair e onde o recolheu.
Nas noites frias, a contemplar as chamas,
vai queimando o que resta do que ama.
Joan Margarit. A casa da misericórdia. (trad. Rita Custódio e e Àlex Tarradellas). Ovni. 2010.
os troncos caídos com a tempestade.
Empilha-os nas traseiras da casa.
De cada um recorda
o que o fez cair e onde o recolheu.
Nas noites frias, a contemplar as chamas,
vai queimando o que resta do que ama.
Joan Margarit. A casa da misericórdia. (trad. Rita Custódio e e Àlex Tarradellas). Ovni. 2010.
cada vez que
1
cada vez que o ministro das finanças
vai ao confesso da europa
dar de barato as nossas esperanças
aquela tropa
diz-lhe que o tuga vai no bom caminho
mas na volta inda antes da desgraçada notícia
já eles estão a duvidar e com jeitinho
recomendam mais aperto e se precisa! mais polícia
2
e por cá quem sempre defendeu a flexibilidade
das leis laborais
coisas finas de social-mediocricidade
diz agora que a crise não deixa esperar mais
ao menos durante a crise! clamam lá do altar
enquanto ensaiam mais uma volta ao garrote
ao povo tire-se pão e água qu'inda lhe sobra o ar
há sempre quem esteja pior! não é esse o mote?
3
o teixeira de todos os santos anticonstitucionaliza
manda para o prego da crise as leis e o direito
que vencerá a crise quem antinacionaliza e privatiza!
- pró prego já e a desbarato tudo o que estiver a jeito
quem dá mais? um patrão feito rico pela flexibilidade
compra e mostra o seu estadão com retrete e catedral
comprará muçulmanos, cristianos, igrejas e até a caridade
se fará fundação espírito santo onde antes houve nome portugal
4
e a gente?
mais submarino
enquanto parece que tudo aguenta
menos submarino
quando passar para as mãos o pelo da venta
será de repente?
cada vez que o ministro das finanças
vai ao confesso da europa
dar de barato as nossas esperanças
aquela tropa
diz-lhe que o tuga vai no bom caminho
mas na volta inda antes da desgraçada notícia
já eles estão a duvidar e com jeitinho
recomendam mais aperto e se precisa! mais polícia
2
e por cá quem sempre defendeu a flexibilidade
das leis laborais
coisas finas de social-mediocricidade
diz agora que a crise não deixa esperar mais
ao menos durante a crise! clamam lá do altar
enquanto ensaiam mais uma volta ao garrote
ao povo tire-se pão e água qu'inda lhe sobra o ar
há sempre quem esteja pior! não é esse o mote?
3
o teixeira de todos os santos anticonstitucionaliza
manda para o prego da crise as leis e o direito
que vencerá a crise quem antinacionaliza e privatiza!
- pró prego já e a desbarato tudo o que estiver a jeito
quem dá mais? um patrão feito rico pela flexibilidade
compra e mostra o seu estadão com retrete e catedral
comprará muçulmanos, cristianos, igrejas e até a caridade
se fará fundação espírito santo onde antes houve nome portugal
4
e a gente?
mais submarino
enquanto parece que tudo aguenta
menos submarino
quando passar para as mãos o pelo da venta
será de repente?
diário
um dia destes, mais tarde ou mais cedo(?),
arrumo os meus papéis
[que os há aos montes em volta do computador
o nada da promessa de ser
sendo em vez dos papéis]
e vou dactilografar um livro de poemas resignados
bastantes para acender uma fogueira
e aquecer as mãos no inferno
até que estas fiquem prontas como garras
capazes dos versos mais ferozes
gravados em lâminas de facas voadoras
prontas a abrir livros antigos que ficaram por ler
e, bem afiadas pelo uso, prontas a degolar
o temporal que falta
da montureira do tempo já visitado
arrumo os meus papéis
[que os há aos montes em volta do computador
o nada da promessa de ser
sendo em vez dos papéis]
e vou dactilografar um livro de poemas resignados
bastantes para acender uma fogueira
e aquecer as mãos no inferno
até que estas fiquem prontas como garras
capazes dos versos mais ferozes
gravados em lâminas de facas voadoras
prontas a abrir livros antigos que ficaram por ler
e, bem afiadas pelo uso, prontas a degolar
o temporal que falta
da montureira do tempo já visitado
de quem te lembras, ...?
... quando tentas lembrar-te de alguém em especial. E se não comparece à
chamada dos dedos?
Não te amofines. Se não é quem tu pensas, é alguém que começa então...
a existir.
desenho, logo existe ...
...um postal por cada estado da matéria.
As reuniões dão-me a ver cromos sólidos, líquidos e gasosos: ou as suas poses?
As cinzas que posso carregar comigo
Como comentário a uma entrada sobre a fala dos olhos que brincam com o fogo de um forno cremátorio, a minha amiga Maria Pedro escrevia, a despropósito, o seguinte:
Caro Professor,
a questão das figuras equivalentes na PAF do 6º ano está mal formulada. O rectângulo e o quadrado não são equivalentes. Se efectuar as medições e calcular a medida ada área, poderá verificá-lo.
Melhores Cumprimentos,
Maria Pedro
Dei-me então ao trabalho de ir a a questão das figuras equivalentes na PAF do 6º ano está mal formulada. O rectângulo e o quadrado não são equivalentes. Se efectuar as medições e calcular a medida ada área, poderá verificá-lo.
Melhores Cumprimentos,
Maria Pedro
http://www.gave.min-edu.pt/np3content/?newsId=7&fileName=Provas_2ciclo_mat.pdf
e, cuidadosamente copiar o quadrado e o rectângulo da questão 8 da prova de aferição do 6º ano (que convenhamos só por muita sorte teriam exactamente a mesma área depois de passarem por várias máquinas de desenho e cópia) e dei-me ao trabalho de as juntar num só desenho de cinza
Acharia já pouco natural, mas enfim não disparatado, que me colocassem uma dúvida dessas no
Natural é que coloquem todas as dúvidas e reclamações ao GAVE, gabinete do ME do governo do meu país democrático, sendo certo que o meu voto não contribuíu para tornar possível esse (des)governo.
Não percebo eu porque mereço comentários destes a uma reflexão melancólica sobre as minhas próprias cinzas no lado esquerdo para onde me virei no intuito de esmagar o meu coração. E fico triste.
Ou mereço e só eu não percebo porquê. Até porque não me pronunciei sobre qualquer questão em particular desta ou doutra prova de aferição. Há professores para fazer esses comentários detalhados sobre as questões referidas ao que fazem na sua arte de ensinar. Eu sou professor do 3º ciclo e do secundário e muito honradamente me esforço nesse sentido, sem me arrogar a mais que isso.
De qualquer modo, aqui fica uma ilustração interessante: duas pás de cinza sobre o assunto das minhas cinzas.
A fala dos olhos que brincam com o fogo
Ele levanta os olhos para dizer:
- A continuar assim, ainda vais morrer sozinha!
Ela, sem olhar, disse:
- Porquê? Vais deixar-me?
Ele concluíu:
- Não! Morro antes de ti e tu é que vais despejar-me as cinzas.
E, sem mais palavras, deitaram-se rindo como de costume.
- A continuar assim, ainda vais morrer sozinha!
Ela, sem olhar, disse:
- Porquê? Vais deixar-me?
Ele concluíu:
- Não! Morro antes de ti e tu é que vais despejar-me as cinzas.
E, sem mais palavras, deitaram-se rindo como de costume.
olhar para o chão
dei por mim a olhar para trás e não quero ser o que olha para trás de si que é o lugar do rasto, de rastos. de resto, a vida que interessa está presente. ou não está e nem existe. quando dou um passo em frente dou um passo em frente e nada mais que isso. ainda agora passei pelo que vejo a olhar para trás. ou já lá não está o que fui e olhar para trás significa ver o que não esperava ver? não olho para trás, não olho para a frente. hoje decidi olhar para o chão à minha frente. ando nisto há muitos anos e não vejo mal algum nisso a não ser a frustração de não achar o que resta depois da passagem dos outros. ou será que os que passam nada deixam que possa ver-se? a minha mãe também olhava para o chão meticulosamente e também não achava a passagem dos outros nem seguia rastos ou qualquer pista. por vezes via que ela parava e cuidadosamente arrancava do chão ervas daninhas para que secassem e fossem passadeiras dos passos seus e dos outros. eu não sei quais são as ervas daninhas e o chão não me devolve mais que um eco do meu olhar ignorante e
fazer falar?
falo do que faço. mas será que faço o que falo? falo de amor. mas será que? o que me faz falar? falo com amor, falo por amor, falo. nada faço, mudo.
faz barato, fala barato.
faz barato, fala barato.
asilo
lá fui vivendo enquanto as mais vulgares
palavras entretanto expulsas dos versos
pediam asilo em línguas estrangeiras
palavras entretanto expulsas dos versos
pediam asilo em línguas estrangeiras
canto da véspera
não projectei o plano do passado e não projecto o plano do futuro:
sobrevivo num separador plano de presente
qual brinquedo macambúzio
em vez do canto do tempo ouço
a tempestade longínqua
vinda da véspera como um tremor
nos alicerces
sobrevivo num separador plano de presente
qual brinquedo macambúzio
em vez do canto do tempo ouço
a tempestade longínqua
vinda da véspera como um tremor
nos alicerces
ela sabe.
o homem empurra uma carroça carregada com estrume. a mulher inda ao longe e já saúda em alta voz ti manel ti manel como vai? para onde leva a sua vida? o homem responde em voz baixa levo a vida a enterrar. e a mulher sem o ouvir sempre acrescenta pois ti manel faz bem em enterrar o seu esterco. o homem murmura mal ela sabe que eu estou mesmo a mudar de casa e eu mais o que a carroça leva é tudo o que tenho e cabe na cova que antes abri no lagoaceiro mal ela sabe. já a par com a carroça a mulher faz-se ouvir para só ele ouvir a nossa vida é uma merda manel. ela sabe.
durante a tarde
agora toma a minha mão direita na tua mão esquerda
e dá-lhe o puxão que ela aguarda ou deseja:
rasga-a de mim pelo pulso
rente à pulseira e algema
que a prende a ti
e dá-lhe o puxão que ela aguarda ou deseja:
rasga-a de mim pelo pulso
rente à pulseira e algema
que a prende a ti
de memória
fala-me de preciosas pedras de cristais de sal nas lágrimas da alegria
de um dos meus dias que seja recordação de alguma noite tua
uma luz devastada
e crua
se pudesses ver e ouvir
se pudesses falar
ou desenhar ao menos um gesto no ar
e eu sentisse que na tua memória
de olhos fechados
um dedo teu realmente
me reconhecera
como quando a tua noite
era o meu dia
sou velho demais para perguntar
esquecido de tudo lembro-me da tua voz
e de ouvir-te falar de pedras preciosas ou de cristais de sal em lágrimas de alegria
e um ou outro detalhe uma porta de ferro uma grande chave ferrugenta um livro escrito em braille a mão que tacteia a fala por golfadas de urgência
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eu bem me disse que estava a ser parvo por pensar que só com os meus dentes chegavam para morder até o futuro e n...