tonino guerra

26. La dmènga specialmént

La dmènga specialmént
quant ch' u n gn'è niséun ad chèsa
e a sémm a là vérs la fóin ad zógn,
a vagh ad fura se teràz
par stè a sintói che adlà di méur
la zità la sta zétta.

26. La domenica specialmente

La domenica specialmente
quando non c'è nessuno in casa
e siamo là verso la fine di giugno,
vado fuori sul terrazzo
per stare a sentire che al di là dei muri
la città sta zitta.


41. La farfàla

Cuntént própri cuntént
a sò stè una masa ad vólti tla vóita
mó piò di tótt quant ch'i m'a liberè
in Germania
ch'a m sò mèss a guardè una farfàla
sénza la vòia ad magnèla.

41. La farfalla

Contento proprio contento
sono stato molte volte nella vita
ma più di tutte quando mi hanno liberato
in Germania
che mi sono messo a guardare una farfalla
senza la voglia di mangiarla.


[tonino guerra; il poverone]

Os olhos de Madrid.

Entraram nos comboios da madrugada dos trabalhadores e estudantes dos arredores de Madrid e neles abandonaram as suas mochilas carregadas de bombas. Que viram eles nas caras sonolentas daqueles filhos da madrugada no instante em que lhes encomendavam a morte? Na sossegada manhã das rotinas das multidões de trabalhadores, os assassinos disfarçam-se como peças humanas das mesmas rotinas.
O que o terrorismo tem de mais terrível é ser prova de que o homem, sentado no banco em frente ao meu sorriso confiante, pode ser o assassino da multidão de que faço parte. É a sua humanidade (ou a falta dela) que nos aterroriza. Porque é que voltamos sempre atrás, como se perseguíssemos a nossa própria sombra? Com que olhos olhamos por cima dos ombros?

De nacionalidades, culturas e religiões diferentes, duzentos inocentes foram sacrificados em Madrid, muitos deles imigrantes ilegais na fortaleza europeia. Todos morremos um pouco na manhã da última quinta feira de Madrid. E todas as pessoas vulgares se sentiram madrilenos feridos pela incerteza dos dias do ódio e das guerras sujas.

A frieza nas mentiras do governo de Espanha sobre os factos e os autores dos atentados dão uma medida do que é hediondo na luta politica pelo poder ou pela sua manutenção. Ficamos também a saber como os órgãos de comunicação social podem ser controlados pelos governos no poder.

E resta-nos a esperança da mobilização dos povos de Espanha. Já se tinham rebelado contra a participação da guerra no Iraque. E agora, nas ruas, esse mar de mágoas, exigiram a verdade ao governo do Partido Popular sobre o que se tinha passado de tal modo que se sobrepôs à manipulação do governo, tendo alterado o sentido de voto e derrotado o partido da guerra. A luta pela verdade derrotou o partido do governo e da manipulação mentirosa.

Aos nossos ouvidos, soam familiarmente (mas estranhas) as vozes de alguns analistas a estranhar que Zapatero do PSOE venha confirmar que vai cumprir a sua promessa eleitoral de retirar as tropas espanholas do Iraque. Dizem que é um perigo, já que tal gesto pode ser interpretado como uma cedência ao terrorismo e pode ser um incentivo a novos actos de terror. Devotados ao estilo de vida do consumo das suas ideias, achariam perfeitamente natural que a democracia fosse indiferente ao voto do povo. A sua sabedoria leva-os a pensar que só é democracia aquela que confirma, no plano do poder, a sua opinião, que é, espanto dos espantos!, a mais servida à mesa dos mais poderosos.

Somos todos madrilenos nestes dias. Tanto na mágoa e na radical oposição ao terrorismo como na oposição ao jogo sujo e à mentira como armas politicas. Contra quem somos madrilenos?

[o aveiro; 18/03/2004]

lata de bolachas

havia uma lata de bolachas. cheia dos trocados da infância.
tantos anos a esqueci que as poupanças da infância se perderam com as mudanças das moedas.
hoje lembrei-me delas e fui buscá-las, à infância e à lata.
despejei as moedas inúteis e, em seu lugar, para dentro da lata, amassei a esperança que me resta para dela me esquecer.
e guardei a lata, no lugar das coisas esquecidas, a lata de bolachas e a infância.

desde hoje sou madrileno e vivo num lugar povoado pela dor de saber.

portugal profundo

1.
Se o último livro de Cavaco Silva trouxesse uma página que fosse com um pormenor do Pulo do Lobo no Alentejo profundo, eu não resistia a comprá-lo. Em cada acontecimento que me lembre, há um detalhe que o lembra .

As viagens que fiz ficam perdidas no mapa de estradas da vida, a menos que um detalhe luminoso se transforme em sinal perene a piscar ao futuro. Não interessa nada ter ido a Moncorvo falar com professores de Matemática e ouvir o Presidente da Câmara falar do sentido do desenvolvimento, do betão em falta ou em excesso, das estradas que ainda não há, etc. Nem me marcou especialmente ver que há faixas à entrada e em frente à Câmara de Moncorvo a defender a Barragem do Sabor, tão combatida pelos defensores do rio selvagem e seus moradores sem voz. Há aqui algum desencanto com o falhanço do desenvolvimento de Foz Côa. Não acreditam em desenvolvimento feito sobre o património existente e o ambiente natural e, em troca de uma agitação desenvolvimentista ainda que efémera, não hesitam em afogar parte da vida natural que o esquecimento salvou do sacrifício ao progresso.
São poucas e de pouca monta para os interesses locais as pessoas que descem e sobem as encostas do Sabor selvagem. Não estão disponíveis para a vista desarmada do comércio e das ruas urbanas. Não contam, como não conta tudo o que não se vê à luz (que cega!) de um certo progresso,
Ali perto, no Freixo, alongamos o olhar para o céu já que o Douro se cerca de paredes altíssimas a toda a volta do olhar. Nem a mais leve agitação à superfície da água que parece(?) parada.. Na fotografia confundem-se as montanhas e o céu que vemos acima com as imagens das montanhas e do céu que vemos reflectidas no espelho das águas. Um lago entre duas barragens? Numa das encostas portuguesas, abrem-se janelas sobre o rio parado. Na margem portuguesa, há um café, um parque limpo e um cais para barcos de recreio com anúncios de viagens pelo douro internacional.
Qual é o detalhe que lembra? Sem guarda, as retretes públicas estão abertas e limpas com vários rolos de papel higiénico bem à vista. Não parece português.

Como é no Pulo do Lobo? Que terá ficado na memoria de Cavaco Silva?


2.
Mas profundo, profundamente português, é ter sido notícia de televisão (com entrevistas e tudo) o facto do filho de um comandante de policia de uma das nossas cidades do interior ter pago uma multa que lhe foi aplicada justamente. E o pai não lhe tirou a multa? Esta pergunta é portuguesa e profunda.

[o aveiro; 11/03/2004]

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...