desenho, logo existe

... porque era amada

Chegaste e eras o ar. Agora sei
Que era já ar o rosto que tiveste.
Pois no oráculo do vento decifrei
Que não és rosa nem ave nem cipreste.

Talvez que a tua aragem no meu braço
Seja o amor que agora eu te mereça.
Mas se adormeço é sempre em teu regaço
Que os anjos me coroam a cabeça.


Talvez seja eu a morta. E tu ao lado
Não tenhas mãos para me abrir a porta
Nem haja porta se te sinto ao lado.

Talvez não sejas tu nem eu nem nada
Enrolada no rasto desta estrela
Que me arrastou na sua queda errada.

Natália Correia

Não ser de cá

A partir de Aveiro, a ruga na paisagem que ocorre para viagens a leste é o IP5. Embora ande muitas vezes a leste do que se passa, nem sempre me acontece cair no IP5 se me lembro a tempo de outras vias possíveis para o tempo disponível. Sempre que me foi possível e a razão prevaleceu, passei ao lado e longe do IP5. Mas nem sempre foi possível. Moncorvo, Fundão, Guarda, Covilhã, Seia, Vila Velha de Ródão, Vouzela e Viseu atraíram-me para o IP5. Escapei algumas vezes, mas nem sempre.

Agora, depois de beber vários copos de fel e provar dissabores, sei que fui muitas vezes feliz, improvavelmente. Umas vezes, não apanhei mais do que umas bichas monumentais por avarias de camiões no meio do estaleiro que o IP5 é. Outras vezes, as bichas são fruto do próprio IP5. E fui feliz mesmo quando a estes dissabores se acrescentaram espessas cortinas de nevoeiro, tornando o tempo tão lento que eu, sendo velho e lento, me senti animado a correr? à frente dos carros.

O pior estava para vir e isso é entrar e sair do IP5. Entrar e sair em Viseu não é difícil. Mas vindo de Viseu, as luzes nos médios e a atenção no máximo não chegam para discernir a entrada para Vouzela. Parece que nos enganámos, mas não! Percebemos que está tudo bem quando vimos o anúncio de uma igreja em Vouzela. Redobramos a atenção, mas não damos com a entrada e damos pelo engano só quando vemos o anúncio de saída que já é outra e é preciso pensar com muita rapidez enquanto guiamos sem elegância na ânsia de uma saída qualquer.

No regresso para Aveiro, faço pontaria a um nó do IP5, mas falho a entrada e fico a conhecer umas estradas de serra que seriam muito agradáveis se não tivesse caído a noite e eu pudesse ir ver Antela, o Ladário, o alto da Senhora Dolorosa, etc. Como português, dou por mim a aceitar que os construtores de obras façam os planos em cima do joelho, do meu joelho e da minha paciência. A criação de alternativas para não perturbar a circulação de pessoas e mercadorias não está prevista? O caderno de encargos da obra considera a sinalização, a prevenção nos desvios, etc. Com certeza, na Europa.

Em Portugal, só não se perde, quem já se perdeu antes e insiste. Se não sabe por onde deve ir, o que veio cá fazer? Se pagar portagem para as obras, pode reclamar. Quem quer avisos e placas decentes, não é de cá, não sabe por onde anda.


[o aveiro; 9/12/2004]

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...