Coral

A raíz da paisagem foi cortada.
Tudo flutua ausente e dividido,
Tudo flutua sem nome e sem ruído.


[Sophia]

Filho, cadilho,... pecadilho.

Jorge Sampaio fez de Presidente e dissolveu a Assembleia da República. Não fez o mais óbvio que seria demitir o governo de Santana que era, dia sim dia não, uma coisa ou avesso de coisa ou coisa nenhuma. A maioria da Assembleia essa era uma bem estável retaguarda da coisa, fosse ela qual fosse.
Se Jorge Sampaio tivesse demitido a coisa, receberia de volta a mesma cabeça para outra coisa que seria a mesma coisa. Ao dissolver a Assembleia, Sampaio diminui Santana e livra-se dele a prazo por via do voto popular. Pensa-se que a maioria do povo votante não dará para o peditório em que os cabeças da coisa irão fazer de lopes pelas portas. Aquilo pareceu tanto um circo que quem mais se envergonhou foram os tradicionais mandantes e paus mandados da família de Santana. Quase podemos dizer que a herança do comissário José Manuel foi recusada em primeiro lugar pelos seus aparentados. De tal modo que, por Portas travessas, os da coisa chegaram a dizer que a coisa passou a coisa nenhuma pela mão dos banqueiros a quem Sampaio cedeu para defender interesses inconfessados. Olhem para os banqueiros, gestores e empresários sempre ao lado do povo e em desaguisado com Bagão, Barreto, Mexia, Portas, etc.
Durante algum tempo, a coisa foi muito civilizada e pela televisão só passavam as poses de estado e uma ou outra intervenção de respeito pela veneranda figura do chefe do estado. Mas, em pouco tempo, todas as relações civilizadas arrefeceram e azedaram os discursos. Mesmo ainda antes de a coisa se ter demitido para passar a ser a coisa da gestão dos assuntos correntes, em vez de coisa diminuída por Sampaio, já o inefável Morais (inteligente no Campo Pequeno) escrevia a letras de ouro o fado do caudilho Sampaio.
Bem o mereceu Jorge Sampaio. Ao aceitar nomear Santana há quatro meses, adoptou um filho já crescido que nunca foi mais que aquilo que sempre foi lá onde foi alguma coisa. Quem tem filhos tem cadilhos - diz-se. O suspeito do costume, Freitas do Amaral, devolveu a classificação de caudilho para Santana, vá lá saber-se porquê. Eu sou mais terra a terra: Santana como primeiro ministro, sendo filho adoptado, é um cadilho para Sampaio. E um pecadilho.

[o aveiro; 17/12/2004]

já?

Já decidiste que não falas por falar,
com quem não falas, a quem não respondes,
quem não queres olhar
de quem te escondes


fado calado

Já decidiste tudo para depois quando
tiveres partido.

O fado da tua morte é só um verso perdido
que a tua vida foi adiando.



E o poema da vida que te coube em sorte
é a história de cordel da tua morte.

a flor das águas

Devias deixar-te afundar um dia. Para veres o negro e
enfim dares valor a cada raio de luz
Não é coisa sem valor uma pepita de luz.

Devias deixar-te cair com um peso amarrado ao pescoço.
Para veres como pesa menos o que te prende ao lugar
de onde queres sair desesperadamente.
Porque te vai faltar o ar, vais dar real valor a cada bolha de ar
que verás a sair sem regresso da tua boca.
Vais invejar a sua agilidade na pressa da subida.
- Se tenho medo do escuro, mais medo tenho da falta de ar! -
é o que dizes para esconder a verdade,
apaixonado que estás, sempre estiveste, pela flor das águas
e seu brilho tenso de fronteira instável entre água e ar,
sombra e luz,
a tua vida adiada antes
e depois da tua morte anunciada.

o que a morte sabe

O que a morte sabe
eu não sei se cabe

na boca suja do inferno
no mais vazio instante eterno.


Na biblioteca dos medos
onde guardas mais segredos

é lá que também a morte se deita
e o quase nada de tudo espreita.

desenho, logo existe

... porque era amada

Chegaste e eras o ar. Agora sei
Que era já ar o rosto que tiveste.
Pois no oráculo do vento decifrei
Que não és rosa nem ave nem cipreste.

Talvez que a tua aragem no meu braço
Seja o amor que agora eu te mereça.
Mas se adormeço é sempre em teu regaço
Que os anjos me coroam a cabeça.


Talvez seja eu a morta. E tu ao lado
Não tenhas mãos para me abrir a porta
Nem haja porta se te sinto ao lado.

Talvez não sejas tu nem eu nem nada
Enrolada no rasto desta estrela
Que me arrastou na sua queda errada.

Natália Correia

despudor claro

quero não me levantar ou antes  não levantar os ohos  para ver lá fora   e ainda não tinha olhos que não chorassem comigo   pela seguinte cu...