irmandade das almas - III

À superfície nadam o azeite e a verdade.
Há uma questão de método à partida que devia ser considerada. É hábito, em política, que só se levantem grandes questões quando se têm para elas grandes argumentos, bons e científicos e cientificamente estruturados. É, por isso, que, sistematicamente, as bocas de corredor são muito mais interessantes e criativas do que o que se diz nas reuniões.
Proponho que, como princípio violador, à nossa Mesa possam ser apresentadas todas as questões, mesmo que heréticas, sem terem qualquer aprofundamento teórico.
Pode ser que haja verdade nas coisas ditas a partir de impressões. Superficialmente pode ser que se apalpe a verdade.
E teríamos nós estofo para grandes aprofundamentos, a não ser de coisas já aprofundadas e viciadas pela falta de ar do abismo de argumentos em que já estão mergulhados na nossa consciência?
- concluiu a Irmã Marta D.
Que os irmãos apresentem as suas ideias todas! Mesmo sem as ter estudado - disseram outros irmãos.
Qualquer dos temas é tão complicado, tão complexo, que não chegaremos a ter qualquer opinião nova se tivermos de a fundamentar... - lamuriou-se Domingo de Ramos.
Viva a nossa superficialidade, pois então!
Não há-de ser a falta de profundidade que nos há-de impedir de dizer a verdade, irmãos!
- disse o irmão João G. que não gosta de estudar e, com razão!
E viva a heresia! Pois claro! - gritaram a cinco vozes.

irmandade das almas - II

Princípio de explicação.
Bom é esse título para uma introdução - vibrou o Domingo de Ramos. João G. deu os parabéns pelo achado. Tinha pensado em "Explicação de Princípios", mas a alma do José S. tinha lembrado que um catecismo não pode sofrer alteração para melhor; que se deixassem os princípios tal como já estavm explicados, que assim eram bons e justos e adequados ao paladar do tempo. Domingo de Ramos levantou-se, mostrando que era um pouco mais alto que a Musa, e pigarreou:
- Embora esteja um pouco tudo fora do que tem sido feito e dito e do que os irmãos secretários inspirados trazem à Mesa, gosto de aqui estar; a cadeira é boa. De qualquer modo, queria pôr à consideração dos irmãos algumas condições para continuar à Mesa, depois de terem levantado os pratos.
- Ouviremos o irmão, antes que ele se cale e a Mesa se emprenhe de silêncio, embora o silêncio também tenha direito à palavra na nossa irmandade de almas - filosofou o irmão Organizado.

Byron

Porque as palavaras são coisas; e uma pequena gota de tinta
Ao cair, como o orvalho, sobre uma ideia, produz
Aquilo que faz com que milhares de pessoas, talvez milhões, pensem.

George Gordon! Quem?

irmandade das almas - I

Em volta, a Mesa.

O irmão Melro escreveu antes de começar a escrever: o que os irmãos dizem não se escreve! De outro modo, quis dizer que não é obrigatório que as nossas gotas de tinta caiam como o orvalho nem que façam pensar sequer uma dúzia de pessoas. A irmã Marta D. até acrescentou, muito a propósito que, quando nos reunimos é mais por sermos amigos, para mantermos a fraternidade em volta da Mesa, do que para termos ideias. E, mesmo que a nossa Mesa não dê à luz uma única ideia, não há-de ser por isso que ela deixa de ser uma boa Mesa. Rematando, o nosso irmão João G. sublinhou que as Mesas não se medem pela fertilidade. Todos os irmãos se inclinaram para beijar a Mesa estéril. Também ela tem direito ao prazer e ao gozo. - concluíram, por unanimidade, em uníssono.

as batalhas que perdemos

Se um homem arrasta a sua cabeça penosamente
Das suas ruas olha com amargura não mais que o chão.

Pudesse ele levantar os olhos e daria pela compreensão
Nos olhos compassivos da demais gente!

Mas não! que cabeça pesada não desespera por afiados gumes
Ao modo obcecado de quem se sabe culpado ainda que inocente?

E se apura os seus ouvidos às abstractas farpas, em brandos lumes
Deixa fritar a elegância do pensamento e faz-se boçal como penitente.

o pintor...

O pintor vê passar um azul que deve ser sacrificado. Tem pena dele e ordena que seja substituído por um vermelho.

Ele confessa que isso aconteceu porque viu o azul e não via o vermelho.

Mas a mágoa, ...

Mas a mágoa, esta palavra míope
que rebenta na íris feminina
não suporta o peso dos cristais,
a espuma cristalina.


47º dos 50 parágrafos mentais de
armando silva carvalho; técnicas de engate; &etc. 1979

nenhum lugar

nenhum lugar é esta rasura
entre a claridade do dia mais intenso
e a cegueira da noite mais escura:

a linha de espuma, a estaladura
que, na escuridão, separa o céu do mar imenso

Tenho tanta pena de mim mesmo

Respondendo ao Bloco de Esquerda é uma estaladela no verniz de Alberto Souto. Parece impossível, mas é verdade: Alberto Souto é o Presidente da Câmara da terra onde vivo e que eu ajudei a eleger com o meu voto.
Tenho tanta pena de mim mesmo.

Só posso recomendar a leitura comparada dos textos de Alberto Souto com os do Bloco. Que mais posso fazer?

em bloco por aveiro



Há um "site" que apresenta as propostas da candidatura do bloco de esquerda às Cãmara e Assembleia Municipais de Aveiro. Pode ler as propostas e ver os candidatos. Mas também pode facilmente colaborar, concordando e discordando, e, clicando em contactos, pode mesmo visitar as propostas "on-line" das restantes candidaturas para comparar. A visita dá para ver como é diferente o bloco.
Aqui lhes deixo as imagens das melhores e mais bonitas cabeças de lista. Claro que são as minhas preferidas, que eu não sou tolo.

A roda

A campanha das autárquicas aproxima-se. Desta vez, ainda não assistimos a grandes actos de pré-campanha, embora sintamos o cheiro fervilhante do alcatrão em muitos lugares e seja previsível um aumento de actos inaugurais em que intervêm autarcas em fim de mandato e à procura de votos para o próximo. As inaugurações ainda podem esperar uns dias. Os debates televisionados em que entraram valentins, adelinos, isaltinos e outros ricos meninos mal-crescidos não animaram especialmente a pré-campanha. Instalou-se uma calmaria paradoxal na aldeia, nas aldeias, vilas e cidades.

O partido do governo procura que estas eleições não apareçam dramatizadas para que eventuais maus resultados não possam ser confundidos socraticamente com qualquer desgosto face à actuação do governo. Isso contribui para acalmar os fogosos desgostos locais que querem ver eleitos para as câmaras. E o calendário dos candidatos a Presidente da República, ao cavalgar as campanhas autárquicas, também é uma boa contribuição contra o campo da participação local no poder local.

Tudo se complicou também para os partidos da direita. Numa altura em que se apresentavam lavadinhos, capazes até para a rejeição de algumas das suas nódoas mais visíveis, sai-lhes na rifa a denúncia global e o debate geral sobre as ligações perigosas entre autarquias, partidos, construtores e outros empreendedores. A televisão logo havia de começar a dar visibilidade às nódoas em geral, desvalorizando as nódoas particulares, essas que as máquinas partidárias tinham posto em evidência pela vassourada. Não é azar? E o pior de tudo é que no debate sobre a corrupção, apareceu como consenso que a criação das empresas municipais foi tudo menos o que disseram que foi. Ouviram-se vozes amplificadas dos que denunciam com conhecimento de causa e de casa. Porquê inventar formas enviesadas de agilizar a administração? Só é preciso re-inventar a prestação de serviços públicos.

A campanha para as autarquias vai mal. Para não falarmos mais de autarquias, Sócrates nomeou para o Tribunal de Contas um reputado independente. Quem é pau para toda a obra?

Quem inventou a roda?

[o aveiro;15/9/2005]

depois vieram tambêm cá