a planta da assembleia




bordada na assembleia,
uma teia.

uma grua espreitava


Ali onde menos esperava erguia-se uma nuvem
ameaçadora como uma ferramenta cinzenta
ou uma guilhotina brilhante na nesga de luz.

Enquanto ruía um céu metálico de sabores e gruas
e roldanas, porcas, parafusos e foices de longas curvas,
fêmeas e machos voavam espreitando passos de roscas
acertando noivados, casamentos, amor eterno.

Uma grua galgava o abismo, de braços abertos,
aos ombros, equilibrava a cidade de cordas de aço
retesadas pelos músculos do medo.

E eu, onde menos me esperava, aparecia a espreitar-te
como uma grua pesada se reconstruindo peça a peça.

dia de outono


Senhor: é tempo. O Verão foi muito longo.
Lança a tua sombra sobre os relógios de sol
e solta os ventos sobre as campinas.
Manda que os últimos frutos se arredondem,
dá-lhes inda dois dias mais meridionais,
leva-os à perfeição e faze entrar
a última doçura no vinho pesado.

Quem agora não tem casa, já não vai construí-la.
Quem agora está só, longo tempo o será.
Fará vigílias, e lerá, escreverá longas cartas
e vagueará, de cá para lá, nas alamedas,
agitado, quando o vento arrasta as folhas


[ Rilke; o livro das imagens; 1902 (P. Quintela)]

esquecimento



Como sombras em volta assim quero ver as pessoas dos dias que me reconhecem,
esquecer os pormenores de todos os rostos, de todos os braços, de todos os olhos

para perceber cada detalhe dos teus sorrisos magoados pelas minhas faltas medrosas
ou pelas presenças que são mais veladas ausências ou oscilações de desordem interior

projectadas como sombras no paredão de que me afasto até aos dezassete passos
de olhos vendados e gritar fogo! para o pelotão que anseia fuzilar-me por descuido.


Espero ser salvo do torpor da ferrugem, dobrar uma esquina corroída em salmoira.

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...