o caso independente

A Independente é um caso. Mais um caso. Quando ouvimos falar os responsáveis e ex-responsáveis daquela Universidade ficamos sem fala. Sem qualquer ponta de vergonha, os amigos de ontem esfrangalham as hipóteses de honra que sempre se presume existir em responsáveis por estabelecimentos de ensino homologados pelo nosso governo. Num combate sem tréguas, travado num terreiro de lama, os frangos velhos dizem quem são quando falam de si mesmos e de cada um dos outros. Mais claros ainda, quando falam de milhões, de dinheiros mal parados ou de origem duvidosa para não dizer tenebrosa, quando dizem eles mesmos o que fizeram por cada um dos outros com o dinheiro de quem não sabemos. Pela boca do escol da universidade independente, ficamos a saber de que escola se trata. Cada um deles é dono daquilo, cada um deles está cheio de papel, de razão, de despachos, de processos em segredo de justiça e sem segredo nenhum, acções entregues e depositadas aqui ou ali em algum vão da escada da justiça portuguesa.

Por uns tempos, a universidade independente fica fechada e, em vez das aulas dos professores, os estudantes assistem a aulas dadas pela televisão, em directo da boca do magnífico reitor ou de algum magnífico qualquer outra coisa. Em directo também, assistimos a uma cerimónia de reabertura das actividades da universidade com as aves raras fardadas de negro com enfeites amarelos nos chapéus magníficos. Quando assim aparecem, ficamos mudos de espanto. Mais espantados ficamos com a nomeação de alguns figurões pescados da imensa lista dos novos figurantes negociados sob a pressão do fragor dos combates dos frangos que se depenaram em público até termos visto as vergonhas que as togas nunca conseguirão esconder.

Cada um dos três melhores deste processo independente disse de cada um dos outros que é gatuno, sem esquecer menções especiais aos membros da família do citado. Esta universidade continua e continuará aberta e como universidade, porque o governo homologou cursos e graus e há jovens envolvidos cujos interesses têm de ser acautelados. Já não é a primeira forma de universidade que sobrevive por via desta chantagem, com prejuízo para todas as instituições de ensino superior.

Será que não há outra maneira de acordar destes pesadelos?

[o aveiro; 8/03/2007]

à falta de melhor luz

Já há mais horas de luz foi o que me disseram ontem, quando saía de uma reunião de trabalho. Naquela sala, a luz do sol entrou desaforada para aquecer e para cegar. De tal modo, que algumas crianças que queriam ver-me e ao quadro branco tiveram de procurar um lugar mais para dentro na sombra da casa grande.

Para compensar, segunda e terça, a luz eléctrica foi e veio sem aviso. A tardinha de terça apanhou-me sentado tacteando as teclas da máquina de escrever. Estou convencido que posso escrever sem olhar para o teclado. E chega a ser verdade quando nem penso nisso, embora troque muitas vezes a ordem das letras seguidas se uma vier de um dedo da mão esquerda e outra vier de dedo da mão direita. Mas quando é mais preciso mostrar essa habilidade é que as coisas não correm mesmo nada bem e dou por mim incapaz de escrever correntemente se me falta a luz como está a acontecer enquanto escrevo este texto. Nestes momentos, lamento ter desprezado a possibilidade de comprar um computador com teclas a brilhar contra o escuro. Não, não me chega o branco brilhante da folha branca onde estas letras se alinham.

Sei, por isso, que a minha escola de dactilografia não bastou para escreviver num mundo sem luz . Será que eu passaria imediatamente a ser capaz de escrever se me tornasse incapaz de ver? Quem me dera que nunca o venha a saber!

Aqui ao lado, há quem tire do teclado do piano uma melodia contra a noite escura. Vibrante, ouço um texto ocupar o ar. Há textos que eu gostava de ter escrito para serem música. Não, não são grandes textos os que a melodia sugere. São os textos que só ganham sentido como parte de um bordado de sons.

Nesta escuridão, os meus dedos escrevem sobre a luz de que me falaram e eu senti na ternura da manhã clara, dos sons que se juntam para guiar as mãos capazes de bordar sons quando falta a luz. De certo modo, estou a aproveitar a oportunidade da falta de luz para falar do que simplesmente falta. Para não falar do assalto feito pelos meliantes e comediantes que entram na casa da minha cabeça pela porta da frente, olhos e ouvidos, capazes de todas as ofensas e vandalismos. Talvez a falta de luz me obrigue a descansar até que o sol volte.

Oh! Veio a luz e está na hora do telejornal. Voltemos à vida eléctrica.


[o aveiro; 01/03/2007]

Tudo e nada nem ninguém

Nem sempre o que acontece no Carnaval pode passar por brincadeira. Ainda que de mau gosto, brincadeira?

Um governante regional fez de bobo em carnavais vários. Com a sua participação nos corsos carnavalescos encarnava o seu verdadeiro papel e mostrava que a razão para ser eleito estava em ser presidente de um carnaval regional, ser o dedo gordo de um país inteiro que exibe a pérola do atlântico presa num anel como se fora uma aliança.

Nada mais apropriado que o carnaval para anúncios de demissão e de eleição do governante regional. Já confundido com um eterno carnaval, o governante regional cacareja agora o seu instante de glória suprema. Sabe ele que o seu poder jorra de várias fontes, sendo que de uma delas jorra a notícia que é o poder unipessoal quem distribui migalhas pela ilha como chuva miudinha de riqueza, recolhida em chapéu alto de palhaço rico, atraída pelo espectáculo ruidoso do gordo bonacheirão em fato brilhante.

O governante está na ilha onde a extrema miséria social partilha um território promíscuo, contíguo ao desaforo de uma exótica vilanagem que não se farta. Fartos de saber de que barro se faz o populismo mais boçal, os tiranetes de carnaval marcaram à dentada arraiais e mesas populares em todos os cantos do território.

Dizem-nos que, em termos relativos, a região do governador de carnaval está entre as regiões de maior produto interno bruto. Neste carnaval, o governante regional contesta ao seu modo carnavalesco a lei da nação que altera a distribuição da riqueza, não mais que um nada do todo. Com a sua demissão, o governante ensaia uma saída, uma tocaia para o glorioso regresso aos ombros da costumeira maioria absoluta. Jogos. Demissão, recandidatura... plebiscito.

O governante do carnaval sabe que pode esperar os votos garantidos sobre o abuso e o uso capião. E sabe que pode contar com o bom partido que o seu partido é. Pode ter acabado com todo o decoro, pode ter assassinado toda a boa-educação, pode ter gritado ofensas aos ouvidos de todos, contra todos e a sua própria família... partidária. Mas ele sabe que o casamento partidário não treme. Casamento?

Nem sempre o que acontece no Carnaval passa por brincadeira. Afinal o todo é feito de tudo e nada nem ninguém. Não é?


[o aveiro; 22/02/2007]

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...