a primeira fila
Depois da primeira aula da manhã desta terça, alguém me disse que passasse pela secretaria da escola a levantar uma cópia do meu registo biográfico. Para verificar e confirmar os dados da minha biografia de docente, provável candidato a titular. Assim fiz.
Aproveitei o momento para fazer pequenas perguntas e observações de circunstância sobre a vida passada e sobre o futuro. O debate de segunda sobre as universidades tinha aguçado a minha curiosidade sobre a idade da reforma e, particularmente, sobre a idade que convencionaram ser a mais própria para que um professor como eu se reforme. E lá consegui saber que o mais normal é que me reforme depois dos 64 anos quando o dedo mindinho da minha mão direita atingir a perfeição como obra de artrose em mão de artista.
Fiquei preocupado comigo. Dei por mim a pensar que posso, sem dar por isso, vir a dizer os disparates que aqueles velhotes falam quando perguntam coisas à primeira fila dos debates televisivos.
As universidades privadas podem ser novas (e sabemos agora que podem ser muito inovadoras) mas os reitores são velhos, alguns muito velhos. Do alto da sua magnífica experiência de 40 anos de universidade pública, acusam esta de ser a mãe da desgraça nacional (e ao vê-los falar, tenho de acreditar nisso). Uma parte daqueles velhos a fazer de reitores recebem, com certeza, uma reforma honrada, mas pobre a precisar de ser acrescentada dos trocados da sorte que os cansa. Alguém lhes disse que o país precisava dos seus serviços e, corajosos como só eles, abrem a boca para esclarecer, em cada uma das suas tiradas, que a situação a que chegaram as instituições é essa de terem de recrutar reitores em concorrência aberta e desleal com os lares de idosos e reformados.
Alguns daqueles nomes também me cheiram a velhos ou novos exercícios de poder. Fico cansado só de ver a agilidade de que alguns deles dão prova e maravilhado com o desequilíbrio que usam para o passeio na corda bamba dos seus exercícios de reformadores reformados.
Sinto-me cansado e sinto pontadas de saudade da reforma que tarda em chegar para eu poder viver a velhice do meu trabalho, descansado para renunciar se for capaz de dar pela toleima quando ela chegar.
[o aveiro; 19/04/2007]
Aproveitei o momento para fazer pequenas perguntas e observações de circunstância sobre a vida passada e sobre o futuro. O debate de segunda sobre as universidades tinha aguçado a minha curiosidade sobre a idade da reforma e, particularmente, sobre a idade que convencionaram ser a mais própria para que um professor como eu se reforme. E lá consegui saber que o mais normal é que me reforme depois dos 64 anos quando o dedo mindinho da minha mão direita atingir a perfeição como obra de artrose em mão de artista.
Fiquei preocupado comigo. Dei por mim a pensar que posso, sem dar por isso, vir a dizer os disparates que aqueles velhotes falam quando perguntam coisas à primeira fila dos debates televisivos.
As universidades privadas podem ser novas (e sabemos agora que podem ser muito inovadoras) mas os reitores são velhos, alguns muito velhos. Do alto da sua magnífica experiência de 40 anos de universidade pública, acusam esta de ser a mãe da desgraça nacional (e ao vê-los falar, tenho de acreditar nisso). Uma parte daqueles velhos a fazer de reitores recebem, com certeza, uma reforma honrada, mas pobre a precisar de ser acrescentada dos trocados da sorte que os cansa. Alguém lhes disse que o país precisava dos seus serviços e, corajosos como só eles, abrem a boca para esclarecer, em cada uma das suas tiradas, que a situação a que chegaram as instituições é essa de terem de recrutar reitores em concorrência aberta e desleal com os lares de idosos e reformados.
Alguns daqueles nomes também me cheiram a velhos ou novos exercícios de poder. Fico cansado só de ver a agilidade de que alguns deles dão prova e maravilhado com o desequilíbrio que usam para o passeio na corda bamba dos seus exercícios de reformadores reformados.
Sinto-me cansado e sinto pontadas de saudade da reforma que tarda em chegar para eu poder viver a velhice do meu trabalho, descansado para renunciar se for capaz de dar pela toleima quando ela chegar.
[o aveiro; 19/04/2007]
onde podes encontrar o que falta?
se procuras o que te falta
pergunta-te onde podes encontrar o que te falta
ou deixa que quem te falta
te encontre
ou foge das perguntas
e de quem quer encontrar-te.
pergunta-te onde podes encontrar o que te falta
ou deixa que quem te falta
te encontre
ou foge das perguntas
e de quem quer encontrar-te.
porque versejas?
- porque versejas?
- só para que me vejas!
- achas que assim te vejo?
- qu'importa? é assim que te beijo!
- e darei eu por ela?
- se passares por esta janela!
- e se não passar?
- passas! ainda que seja eu a imaginar!
- só para que me vejas!
- achas que assim te vejo?
- qu'importa? é assim que te beijo!
- e darei eu por ela?
- se passares por esta janela!
- e se não passar?
- passas! ainda que seja eu a imaginar!
nestes tempos, até a rima
não não não é o mesmo que ser idoso
decidir-me pelo papel de velho senhor
é não querer vestir o monograma de pijama de velho vaidoso
comprado para o corredor da morte ou a dignidade clínica
é vender importância às marcas, à castidade, à ruga indolor
e a todos os factos consumados como uma piscadela cínica
nestes tempos, até a rima tem que se lhe diga
já só conta para quem é velho e vai na cantiga
decidir-me pelo papel de velho senhor
é não querer vestir o monograma de pijama de velho vaidoso
comprado para o corredor da morte ou a dignidade clínica
é vender importância às marcas, à castidade, à ruga indolor
e a todos os factos consumados como uma piscadela cínica
nestes tempos, até a rima tem que se lhe diga
já só conta para quem é velho e vai na cantiga
se passasse pela casa
se passasse pela janela do diabo
não deixava de espreitar
não tanto para lhe ver o rabo
mais por pensar em como lho cortar
não deixava de espreitar
não tanto para lhe ver o rabo
mais por pensar em como lho cortar
canção
se não tivesse nariz
por onde espirraria?
nunca o saberia
e quereria?
nunca o quis
mas já que o tenho
quero mantê-lo
não vá perdê-lo
junto com o ranho
por onde espirraria?
nunca o saberia
e quereria?
nunca o quis
mas já que o tenho
quero mantê-lo
não vá perdê-lo
junto com o ranho
romance de cordel
1.
quando aluguei a garrafa para dormiir
não tinha pensado em ficar nela
toda a vida espreitando pelo gargalo
de um velho tinteiro
2.
mas quando saía só um fio de sangue
saía gotejando e era palavras sem sentido
o que formava e em pânico pressentia
que talvez tudo fizesse sentido
se saísse inteiro
e em folhas de papel
fosse romance de cordel
3.
a rolha apertada
como porta fechada
sem chave
faz a vida mais sossegada
no beco de vidro
sou o sangue e a tinta
e uma pena.
quando aluguei a garrafa para dormiir
não tinha pensado em ficar nela
toda a vida espreitando pelo gargalo
de um velho tinteiro
2.
mas quando saía só um fio de sangue
saía gotejando e era palavras sem sentido
o que formava e em pânico pressentia
que talvez tudo fizesse sentido
se saísse inteiro
e em folhas de papel
fosse romance de cordel
3.
a rolha apertada
como porta fechada
sem chave
faz a vida mais sossegada
no beco de vidro
sou o sangue e a tinta
e uma pena.
nim
A semana que passou foi rica de acontecimentos. O Ministro do Ensino Superior veio dar por conveniente o encerramento daquilo a que chamaram universidade independente. Ainda considerou um prazo para reclamações. A vida tem destas coisas: ainda se dá um prazo a uma espécie de universidade em que aparece um reitor que é vereador de uma câmara e a tempo inteiro funcionário da nossa caixa geral. Há gente com capacidades espantosas. Sobredotados estes verdadeiros artistas! E eu sou um artolas, embasbacado perante tanta competência!
Aproveitou e bem o Ministro para falar de tudo o que não é independente da independente. Precisamos agora de saber onde começa a degenerescência. Num país atrasado como o nosso, com tantas faltas em cidadãos com formação secundária e superior, não podemos dar-nos ao luxo de amputar o sistema de uma universidade acreditada pelo estado por ser notório o descrédito da empresa privada e sem sabermos quando e quem deixou abandalhar o sistema de acompanhamento pelos governos da nação.
E confessemos que isto passa das marcas. Neste confuso país de doutores e engenheiros, cada dia se descobre mais uma tolice. Afinal, antes de ser o nosso primeiro, o nosso primeiro foi deputado e alguns três anos antes de ser engenheiro já era engenheiro deputado. Coisa mais tola e desinteressante! Que raio de ideia leva uma pessoa, aparentemente inteligente, a deixar-se enredar numa teia destas! E para quê? Por norma, vou perdendo de vista os meus amigos à medida que a sua importância vai crescendo, seja na vida política, seja na vida académica, seja na riqueza... Mas, ao contrário do que faço acontecer-me, ao longo da minha passagem por este mundo, dou por mim a ver muitos amigos entre os importantes a encontrarem-se em todos os lugares. Na política e no futebol, na política e na vida académica, na política e nas finanças, ... Somos levados a pensar que talvez não sejam encontros casuais. E se trate antes de magníficos encontrões num jogo a que assistimos de olhos vendados.
O nosso primeiro atou os seus sapatos de verniz aos títulos provincianos e tanto tropeça que o país tropeça até se gastar num mal estar de estúpido. O sítio certo para explicar o que se passa é a televisão ou é o parlamento?
O major pode recusar os tribunais comuns e ser julgado na praça pública da televisão? Nim.
[o aveiro; 12/04/2007]
Aproveitou e bem o Ministro para falar de tudo o que não é independente da independente. Precisamos agora de saber onde começa a degenerescência. Num país atrasado como o nosso, com tantas faltas em cidadãos com formação secundária e superior, não podemos dar-nos ao luxo de amputar o sistema de uma universidade acreditada pelo estado por ser notório o descrédito da empresa privada e sem sabermos quando e quem deixou abandalhar o sistema de acompanhamento pelos governos da nação.
E confessemos que isto passa das marcas. Neste confuso país de doutores e engenheiros, cada dia se descobre mais uma tolice. Afinal, antes de ser o nosso primeiro, o nosso primeiro foi deputado e alguns três anos antes de ser engenheiro já era engenheiro deputado. Coisa mais tola e desinteressante! Que raio de ideia leva uma pessoa, aparentemente inteligente, a deixar-se enredar numa teia destas! E para quê? Por norma, vou perdendo de vista os meus amigos à medida que a sua importância vai crescendo, seja na vida política, seja na vida académica, seja na riqueza... Mas, ao contrário do que faço acontecer-me, ao longo da minha passagem por este mundo, dou por mim a ver muitos amigos entre os importantes a encontrarem-se em todos os lugares. Na política e no futebol, na política e na vida académica, na política e nas finanças, ... Somos levados a pensar que talvez não sejam encontros casuais. E se trate antes de magníficos encontrões num jogo a que assistimos de olhos vendados.
O nosso primeiro atou os seus sapatos de verniz aos títulos provincianos e tanto tropeça que o país tropeça até se gastar num mal estar de estúpido. O sítio certo para explicar o que se passa é a televisão ou é o parlamento?
O major pode recusar os tribunais comuns e ser julgado na praça pública da televisão? Nim.
[o aveiro; 12/04/2007]
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