Estive recentemente num ano de passado

quem se levanta para ver se
num labirinto abre um olho
mostra depois como o labirinto
o visita tanto quanto o desejo
de alugar a sua cabeça de amores
por um estranho corpo de gato
assustado por ser
sendo
um outro labirinto feito de restos
do corpo impossível de classificar

inerte na mesa do tempo

os pés pelas mãos


Os fungos e outros parasitas habituados a habitar o corpo de Amarildo Vinagre sobreviveram vários anos comendo as pernas do Amarildo. Quando as pernas acabaram, os parasitas provaram os pés de Amarildo e não gostaram. Também não gostaram de continuar a comer subindo sempre como até aqui onde passaram algum tempo feliz a mastigar o pernil de Amarildo. Um dos parasitas deu um pequeno salto e achou-se numa das mãos e no caminho de um dos braços de Amarildo de que gostou. Não tendo ele voltado para trás, outros parasitas tentaram o mesmo salto. Um a um, até a família toda subir na vida a pulso de Amarildo. O Amarildo que até aí tinha andando a temperar as pernas com o seu Vinagre, passou a temperar com Vinagre os seus braços. Ao terem acabado com as pernas do Amarildo, os membros da família dos parasitas descansaram sobre o caminho a tomar. E num impulso trocaram os pés pelas mãos quando as mãos de Amarildo se coçaram em vez de serem as pernas a fazê-lo.

se ainda tens os dentes todos

lembro-me de ti muito vagamente
mas não sei - como posso saber? -
se ainda tens os dentes todos
o que pouco me interessa e só me intriga

poder viver pendurado pelo desejo de saber
dos teus dentes que talvez nunca tenha visto
porque, disto lembro-me bem, reagias lentamente
a cada parvoíce minha e o instante feliz

nunca mereceu mais que um meio sorriso
que eu sempre soube, de fonte segura,
não era mais que um disfarce da amargura

sobre o nível actual da minha falta de juízo
ou as nódoas que eu não via mas viviam
comigo bem visíveis na gravata que eu não vestia

ainda há quem resista à chuva prevista

volto ao lugar do tempo em que saltei
por impulso para o ar da varanda
levado pela tempestade anunciada
por meteorologistas amadores
como eu

aqui espetando o ar no céu
de chuva
e eu poder acertar na previsão:

agora aqui sim chove
como eu preciso.

há sempre um insuspeito de serviço para dizer o que…

por estes dias houve notícias provenientes de espanha sobre uma escapadinha ao fisco de milhões acrescentada da incompreensão por não ter daí vindo alguma prisão de encontro ao suposto escapista.

na mesma altura vieram as novas sobre as obras de museu do escapista filantropista e do seu talento para além da cor de algumas das suas botas e a desculpa contra os contabilidosos nome desde agora atribuído a cada um e  a todos os contabilistas de escapistas.

eu não sou dado a bisbilhotar a vida dos outros e muitas vezes nem dou pelas manobras de contabilidosos e  governos dados a riquinhos que em tempo de grandes fugas de dinheiro para idílicos bancoraísos e fugas de impostos para os braços da riqueza excessiva negoceiam na base do perdão de dois terços muito religiosos do roubo caso o gentil ladrão se dê por apanhado e devolva ao menos um terço do seu divinal roubo por que se trata de gente que por tanto merecimento nos combates da extravagância na  moda das figuras públicas publicitadas pela publicidade e pela socialite da merda que une os merdosos sem vergonha alguma ….. sei lá o quê.

mas desta vez choquei com umas considerações de um qualquer a julgar-se tão nsuspeito cidadão que até eu cheguei a tomá-lo por isso e já nem me lembro de quem é

dizia ele ser uma vergonha permitir algumas informações a acompanhar essa notícia e a garantir que com certeza não houve qualquer fuga de impostos e que tudo tinha sido resolvido de acordo com a lei e só por maldade podia pensar-se que o génio riquíssimo pudesse ter fugido aos impostos e ainda menos que ele não tivesse pago tudo o que algum cocabichinhos judicioso lhe mandasse pagar tanto é o dinheiro que tem e detém……


de outro modo ficamos a saber que nenhum riquíssimo pode ter interesse em não pagar impostos já que os impostos são as ninharias para os riquíssimos isto é representam tanto quantos os amendoins que damos aos elefantes na prisão do zoo ou a alpista que o riquinho dá à sua passarinha presa na gaiola dourada cuja única obrigação é cacarejar bom dia ao seu dono e senhor sempre que ouve notícias da bolsa.

um português minimamente atento sabe é que os mais ricos dos ricos notáveis incluindo velhas rainhas e riquinhas não fogem aos impostos e que são exageradas as notícias dos que aceitam o perdão do crime e da prisão por devolverem religiosamente um terço do crime lavando dois terços que é considerado regresso a casa do dinheiro tornado apátrida por acaso.

é com o dinheiro assim lavado que os riquinhos podem receber a absolvição no confessionário judicioso e fiscalizodioso para acompanhar como padrinhos descendentes e parentes à comunhão solene ou ao casamento forrado com dinheiro lavado.

aqui há homens e mulheres e não há gatos

muitas notícias que leio não têm homens nem mulheres.

o leitor pode colocar as virgulas onde quiser para obter a leitura que lhe interese ter ou dar a ler. refiro-me sem virgulas algumas a notícias de investigações judiciais e tribunais com referências a corrupção de gabarito roubo descarado ao estado que nós todos formamos crimes de bem vestidos amigos de seus amigos de colarinho branco e mãos sujas bem cuidadas que mexem na merda com luvas etc.

muitas delas nem nomes de pessoas referem por segredos vários a começar pelo segredo da justiça quando convém pelo segredo devido ao filho da mãe ou pelos problemas que levanta ver pessoas muito importantes e ricas envolvidas em situações que nunca parecem o que são e nunca são o que parecem e postas em público poderiam criar um alvoroço tal que para além dos pobres até os riquinhos perderiam a vontade comer e de má nutrição inundariam as consultas de psiquiatria.

noutras são referidos nomes de pessoas inefáveis que aparecem como se estivessem voando sem nunca deixar marcas em átrios brilhantes nem em papéis que nunca chafurdam apesar de porcos com porcarias bem limpas penduradas em todos os fatos sendo algumas delas comendas e encomendas das almas em seu redor. as pessoas sabem que eles não existem porque quem passa por eles e os vê não acredita na sua existência ou porque aparecem limpos demais de um mundo de muitas porcarias asssertivos a falar baixo e doce com as palavras bem silabadas e salivadas tanto quanto precisam e nem mais uma gota disso. estamos convencidos que elas não existem para além das palvras que as cercam porque nunca são condenadas e nenhumas palavras as comovem e elas continuam a aparecer naquelas revistas cor de rosa ou cor de laranja ou cor de burro que não precisa de fugir ou mesmo na televisão a comentar sobre a foram como o estado é ladrao ou os defeitos da ralé que enfim é o que é. nestes casos há nomes de pessoas mas não há pessoas. mesmo quando sonhamos com os nomes e lhes atribuímos corpos eles aparecem-nos como osgas mais ou menos transparentes agarradas aos tetos dos palácios (ou das vacas que os pariram) e isso torna as notícias com nomes de homens corruputos e mulheres corruputas sem homens nem mulheres.

quando vamos para velhos só nos resta tentar compreender e aguçar os sentidos ao mesmo tempo que perdemos a memória essa desgraça que nos lembra a necessidade de nos levantarmso para ler as notícias sobre isso e o lixo.

guarda-roupa

Desde que passou a usar recipientes para a roupa suja no lugar das orelhas, nunca mais teve tempo para fazer cera.

ventira

O moço falava com dificuldade e trocava as letras ao falar.
Na minha terra toda a gente dizia baca em vez de vaca e não era bergonha.
Mas no caso do moço, escrevo assim para manter o anonimato do moço, que coitado já se fez falso tímido.
De facto, o problema de fala do moço talvez seja mais parecido com aquelas pessoas que não sabendo soletrar o rre diz le, de tal modo que quando queria dizer burro dizia vule atraindo a condescendência das senhoras distraidas que esperavam o chá bendito e não palavras mal ditas por um qualquer.
Mas não era bem estas trocas de letras, nem era como aquelas pessoas incapazes de pronunciar o quê.
Ouvi um amigo meu contar a história de um barbeiro de aveiro

(eu preferia pronunciar ábeiro, como também prefiro ibalho a ílhavo, mas tudo bem! se querem aveiro, ouçam aveiro quando eu falar de ábeiro)

a quem isso acontecia e se tornava difícil entender quando ao pronunciar contem lhe saía ontem, não sei se estão a seguir-me e a ver o verdadeiro problema do barbeiro?

Eu troco tudo, também troco as letras e até as sílabas dentro das palavras, mas é possível que mais tarde ou mais cedo me entendam porque posso repetir corrigindo até que se perceba.
A família não compreende esses "dislates" e me perguntam-me porque faço eu o papel de belhinho

(que outro papel pode fazer um velhinho daqui?)

e já me ralharam uma ou outra vez, em público e na presença do moço, quando me saíu alguma parvala fora do sítio, chegando a chamar-me tótó!

Mal eles sabem que eu, sempre numa boa, distribuía pelos meus alunos mais jovens a palavrinha tótó

e carinhosamente

E foi assim, por isso, que eu não estranhei quando ouvi, o que é raro, o falso tímido falar

ventira!

em minha defesa.

Andar de vespa

Cabeça tronco e membros. Perde-se a cabeça e os membros e sobra o tronco que deve ser capaz de rodopiar autónomo em torno do eixo das pernas. Estudei o assunto durante muitos anos, partindo desse princípio e concluí que o tronco só podia ser um sólido de revolução - uma revolução. Mais tarde concluí que teria de ser um pião e ainda mais tarde vim a inclinar-me para que podia haver dois piões rodando independentes. Foi então que percebi que o mundo das vespas era a perfeição para modelo feminino e fiquei de rastos quando compreendi que toda a gente aí tinha chegado antes de mim, sem precisar de literatura nem de matemática ou física. Era só química a não exigira qualquer esforço intelectual. A frase “ela tem uma cinturinha de vespa” era um condensado das minhas hipóteses e das minhas teses a respeito da revolução e dos seus sólidos. Muitos anos após a desilusão científica, ouvi um amigo queixinhas, que tinha dedicado toda a sua vida ao estudo de vespas, queixar-se que já não havia cinturinhas de vespa e já não cantava “oh minha vespa rainha, faz de mim … o instrumento do teu prazer …e da tua glória, sim oh sim! “ e que começava a acabrunhar toda a gente em redor incluindo as obreiras (à rainha nunca tinha visto cintura) com a sua lamúria repetida: “já não há cinturinhas de vespa”. Foi ele que me levou de volta à observação pertinaz até que os meus olhos de fundo de garrafa me mostraram uma cinturinha de vespa a deambular, entre nós em passeio de tristes, com dois movimento de rotação que a levaram para longe de nós que ficamos a rodar por ali como dois cilindros tontos e enjoados. Não conseguindo travá-la para uma conversa e, reduzidos à categoria de cilindros, nem de uma fotografia fomos capazes. Em casa, de memória cilíndrica, desenhei um esboço que mostrei ao meu amigo. Nunca mais falou comigo e amontoou todos os seus piões numa gloriosa fogueira. Ao longo da sua vida tinha comprado com afinco piões para oferecer aos netos que nunca pudera entregar por haver sempre alguém a gritar que era perigoso brincar com piões. Da fogueira sobraram os bicos metálicos dos ex-piões, de diversos feitios mais ou menos afiados, mais ou menos rombos. Guarda-os numa caixinha e todas as tardes, enquanto outros jogam a sueca ou ao dominó, ele faz passar entre os dedos, um a um, os bicos metálicos dos ex-piões. dividindo e separando, sem descanso, os bicos dos ex-piões de cima dos bicos dos ex-piões de baixo. Eu guardei o meu esboço e pedi-lhe autorização para o publicar no facebook. Ele não disse nada, como sempre, e eu, como quem cala consente, dei a conhecer a minha ideia de cinturinha de vespa. Que o meu amigo me perdoe se estas palavras lhe doerem.

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...