a lã do tempo

O que eu queria era o casaco de lã
Que deitei fora entre a viela e o largo da infância
Num dia em que o sol o rompeu e à manhã
E eu suei as estopinhas atrás da bola das minhas meias

A falta que ele me faz
Nestes dias em que os glaciares deslizam
Sobre a minha cabeça e os pingos do nariz vermelho
Congelam no ar acima do chão dos becos da cidade

A falta que ele me faz
O casaco ... e a ágilidade de quando era rapaz

na soleira

Senta-te meu amor aqui nesta soleira
E deixa que a luz grave na palma da minha mão
De ti uma imagem que sejas tu na escuridão

Que não sei se é tua a ausência ou minha a cegueira.

Pingo de vergonha

Há uns dias, uma página de um Diário da República de 14 de Outubro chegava-me anexada a uma mensagem que chamava a atenção para um Despacho da Presidência do Conselho de Ministros a nomear uma jovem professora para Vice-Presidente do Instituto do Consumidor. O Despacho descreve funções do Instituto e considera que a nomeada "reúne capacidades pessoais e técnicas, a que associa qualificada formação e experiência, decorrente do desempenho, ao longo da sua carreira, de funções técnicas e de formação, coordenação e organização de recursos, nomeadamente no sector cooperativo, que permitem concluir pelo seu adequado perfil para o exercício do cargo".
O currículo da nomeada, também vem na página do Diário da República, desmente vergonhosamente esse parágrafo. Esclarece que a nomeada foi professora de Filosofia e, na falta de melhor, acrescenta em linhas autónomas que esta elaborou e corrigiu provas (membro da elaboração - escreveu ela!), ou que frequentou acções de formação (na área da educação e conhecimento, escreveu ela!). Não é o que fazem os professores? Como cereja no bolo das suas competências para o cargo, diz-se que foi da direcção da MoviJovem. Tropeça até na escrita do seu currículo - insignificante até para professora!
No dia 4 de Janeiro, em artigo do Público, o mandante da nomeação declara que está bem justificada a nomeação pelo que se pode ler no despacho e a nomeada ainda joga ao ataque, achando que foi bem nomeada e que se fosse a levar em conta os currículos ela não teria oportunidade de mostrar o que vale. E que bem que ela mostra o que vale! Já várias vezes falei das duas faces das nomeações destes governos. Criminoso é quem nomeia sem critérios de competência - prejudicando e desacreditando a administração pública. De baixo estofo é quem aceita sabendo que não tem condições para o exercício e que não pode merecer qualquer respeito de subordinados e parceiros.
Este caso não é o único, é só mais um caso público que diz tudo sobre este governo. E sobre outros governos que assim procederam. E diz tudo sobre a nomeada que vai ter no seu currículo uma passagem como Vice-Presidente do Instituto do Consumidor para não parar de subir na vida fácil. O mesmo aconteceu com Ministros, Secretários de Estado, etc.
São formas de vida. Vende-se de tudo: corpo, alma, honra, dignidade. Sem pingo ... de vergonha.


[o aveiro; 6/1/2005]

E fora eu esperar-te

A vida inteira

Fora eu esperar-te
Em carne viva numa esquina de ruas
E como uma carícia aérea visses
A ternura do meu desejo ao olhar-te

A vida inteira

Estenderas a mão até quase tocar-me
E não te afastaras mais que dois dedos
Para que a vida pudesse parar nesse instante
Da ansiedade em teu olhar ao desejar-me

A vida inteira

Fora o instante mais que perfeito
Ou imperfeito mas que se recordasse

A vida inteira.

O caso notável de um debate

Um prego no sapato continuou uma discussão que tinha passado por mim. Não me interessa minimamente a toleima - Filomena Mónica e os "filhos de Rousseau - que anima a luta de correntes sociológicas e de ciências da educação e de matemáticos. Não me convencem. A teoria de uma conspiração de algumas ciências da educação ou cientistas da educação dominantes que estaria a dominar tudo e teria levado o ensino a um desastre é coisa que só pode defender quem não ensina crianças e adolescentes na "escola para todos". Nós sabemos que a realidade nunca tem a ver com o que se escreve e até sabemos que quem ganha na prática são o autoritarismo e o paleio do senso comum básico - e que infelizmente tem um efeito devastador na escola para todos. Vivo num mundo em que os dois lados da toleima teimam em entrar-me pelos ouvidos como se estivessem mais interessados em levar-me à surdez que em resolver qualquer problema. De vez em quando, frente a frente chego a acordo com cada um dos lados para ver o contrário do que se disse ser repetido logo ali ao lado para outro público... que espera a novidade e o sossego da consciência com alguma atribuição de culpa a outros.

Mas afinal quem ensina e certifica a imensa maioria dos professores de matemática? Qual é a corrente dominante na formação de professsores de matemática em Portugal? Quem fala mais alto nisto afinal? Se há uma conspiração vencedora, qual é a facção que venceu e não assume a responsabilidade do falhanço?


O que me interessa disto tudo é mesmo a utilização das propriedades das operações e a ilustração geométrica para as igualdades algébricas no básico. A figura ora vale mais que mil palavras ora abafa todas as palavras do futuro.... No ensino da matemática, qual o papel das figuras?

daqui para ali - a geometria

durante uns dias, aqui fizemos experiências com assuntos de geometria.
não foi em vão e não se finou vazia a experiência.
passa a ter nome e vida em casa própria:


O paraíso da tragédia

Até ao momento em que escrevemos, contam-se cerca de 60 mil vítimas mortais de um maremoto no Índico. Nas primeiras horas, a busca dos europeus em férias fez passar para segundo plano a tragédia dos milhares de mortos e dos milhões de desalojados asiáticos. As imagens são devastadoras e sucedem-se os números da destruição em vidas humanas, casas e carros, seguidos dos números da ajuda humanitária internacional. Os meios de comunicação colocam-nos no centro da tragédia, como se lá estivéssemos na vizinha Ásia, sofredores e impotentes.
E é então que começamos a prestar atenção a outros dados que vão sendo lançados.
Parece que a ocorrência de maremotos e ?tsunami? é muito mais rara no Índico que no Pacífico. E se os sistemas de aviso do Pacífico para os maremotos, ondas e marés invulgares estivessem montados no Índico? Haveria menos vítimas! - é o que dizem os cientistas, já que passaram horas entre o maremoto e a chegada das ondas às costas da Ásia. Os meios de comunicação existem para comunicar e mostrar a tragédia a todo o mundo em tempo real. Porque não funcionam para os alertas que antecedem e podem evitar parte da tragédia? Parte desta tragédia é a denúncia do drama que o modelo de globalização encerra.
E dizem os cientistas que o modelo de desenvolvimento é responsável pela dimensão da tragédia, já que provocou alterações profundas dos eco-sistemas marinhos e das orlas marítimas do continente asiático. Desde a destruição dos recifes de corais para a cultura intensiva de algumas espécies e a substituição das espécies arbóreas tradicionais das orlas costeiras até à concentração de populações humanas na beira do oceano, dele tradicionalmente afastadas.
Todos estes problemas estão estudados e contra os modelos de desenvolvimento, seguidos na maioria dos países atingidos pela tragédia, os cientistas e as organizações internacionais sempre lançaram alertas.
Estamos agora a assistir à maior operação de ajuda humanitária de sempre e rezando para que a contaminação das águas e as doenças não dupliquem o número de mortos da tragédia. Afogados no combate à tragédia, esquecemos a lição da verdade sobre os negócios do paraíso ... e as vantagens dos modelos de salvação. Que 2005 seja um ano de boa memória!

[o aveiro; 30/12/2004]

Jornadas de Educação