falar disto e disso e não falar
Os assuntos assumem mais ou menos importância para os cidadãos conforme são mais ou menos falados.
Quando os políticos no poder deixam fora dos seus programas e das suas preocupações um determinado sector, há logo quem pense que esse sector perdeu importância aos olhos da governação e pode sair prejudicado por falta de visibilidade e de medidas viradas para o seu desenvolvimento.
Penso que os cidadãos que actualmente se manifestam contra as mudanças na rede nacional de saúde preferiam que a saúde não tivesse merecido tanta atenção da parte do poder político, já que está a fechar serviços locais de cuidados de saúde. Para o governo, trata-se de garantir os cuidados de saúde com qualidade e ao mesmo tempo garantir a sustentabilidade futura do sistema nacional de saúde. E a atenção centrada no sector faz de cada facto que, noutras ocasiões, não seria notícia e é agora prova disto ou daquilo conforme os interesses em disputa.
Também o sector da educação, que clama e reclama uma atenção especial do conjunto da sociedade, não deixa de reclamar contra as medidas do governo para o sector. Com razão, os professores reclamam melhores condições de vida e de trabalho para um melhor desempenho a traduzir-se em melhores resultados na educação das crianças e jovens. Com apreensão, verificam que as medidas do governo se concentram na organização do trabalho das escolas e nos professores, fazendo crer que os resultados do sistema podem melhorar por simples alterações à organização do trabalho ou do sistema de avaliação dos professores. E cada pequeno facto da vida escolar ganha uma importância extraordinária.
Temos razão quando desconfiamos que, para as medidas governativas actuais, muito contribuíram critérios estranhos à melhoria da saúde ou da educação. E o governo até reconhece que pode estar a explicar mal as suas acções ou sem conseguir encontrar a bondade das ditas.
Já nas discussões locais sobre plano e orçamento para o município, a saúde e a educação ganharam novos sentidos. Pode acontecer que a saúde seja um pau de dois bicos e um parque escolar seja sinónimo de parque de estacionamento. A educação para a saúde da educação ainda vai ser disciplina localmente útil.
[o aveiro; 10/01/2008]
Quando os políticos no poder deixam fora dos seus programas e das suas preocupações um determinado sector, há logo quem pense que esse sector perdeu importância aos olhos da governação e pode sair prejudicado por falta de visibilidade e de medidas viradas para o seu desenvolvimento.
Penso que os cidadãos que actualmente se manifestam contra as mudanças na rede nacional de saúde preferiam que a saúde não tivesse merecido tanta atenção da parte do poder político, já que está a fechar serviços locais de cuidados de saúde. Para o governo, trata-se de garantir os cuidados de saúde com qualidade e ao mesmo tempo garantir a sustentabilidade futura do sistema nacional de saúde. E a atenção centrada no sector faz de cada facto que, noutras ocasiões, não seria notícia e é agora prova disto ou daquilo conforme os interesses em disputa.
Também o sector da educação, que clama e reclama uma atenção especial do conjunto da sociedade, não deixa de reclamar contra as medidas do governo para o sector. Com razão, os professores reclamam melhores condições de vida e de trabalho para um melhor desempenho a traduzir-se em melhores resultados na educação das crianças e jovens. Com apreensão, verificam que as medidas do governo se concentram na organização do trabalho das escolas e nos professores, fazendo crer que os resultados do sistema podem melhorar por simples alterações à organização do trabalho ou do sistema de avaliação dos professores. E cada pequeno facto da vida escolar ganha uma importância extraordinária.
Temos razão quando desconfiamos que, para as medidas governativas actuais, muito contribuíram critérios estranhos à melhoria da saúde ou da educação. E o governo até reconhece que pode estar a explicar mal as suas acções ou sem conseguir encontrar a bondade das ditas.
Já nas discussões locais sobre plano e orçamento para o município, a saúde e a educação ganharam novos sentidos. Pode acontecer que a saúde seja um pau de dois bicos e um parque escolar seja sinónimo de parque de estacionamento. A educação para a saúde da educação ainda vai ser disciplina localmente útil.
[o aveiro; 10/01/2008]
sem fim
leva-me para onde fores e chegados lá
conta-me uma história sem final feliz
que eu só aceito destino para a viagem
se a ternura que me deres não tiver fim
conta-me uma história sem final feliz
que eu só aceito destino para a viagem
se a ternura que me deres não tiver fim
A desordem vem de onde se espera
O fim do ano que passou estava cheio de surpresas que o não eram.
Os administradores e gestores do maior banco privado português tinham brincado de faz de conta que o dinheiro dos accionistas era dinheiro dos administradores ou gestores. Emprestavam milhões a amigos e familiares e depois davam por incobráveis essas dívidas sem que nada acontecesse. Sabemos que estão na prisão pessoas que roubaram a milionésima parte dos desvios que ouvimos mencionar neste baile de banqueiros. No labirinto do jogo de faz de conta dos banqueiros e amigos, vimos como eles se deixam filmar em desfiles de pouca vergonha como se nenhum crime houvesse. Há quem diga que, nos casos em estudo, o roubo foi feito de acordo com a lei. E a pouca vergonha que se lhes vê na cara talvez lhes venha de terem acreditado no grande educador cuja ética reside na lei.
Há muito tempo que se vem espalhando a fama das virtudes da iniciativa privada e mais fama ainda têm os gestores privados que passam pelo poder político e até fazem leis convenientes para serem a ética conveniente na troca de favores e aos corredores criados para ir do público ao privado.
Quando a crise se instala no privado, saltam gestores do público para gerir o privado, saltam nomes de conhecidos políticos a querer atribuir a si e aos seus a virtude da boa administração dos bens privados e públicos.
Não, não é a política que dirige a economia. Alguns políticos descobriram que a melhor e mais mesquinha forma de defender os seus interesses mais privados e inconfessáveis é ser político de serviço até passar a gestor privado e depois público e depois privado.
Nunca as viagens entre os sectores público e privado tinham parecido tão privadas. Já nem têm vergonha de vir exigir o quinhão deste ou daquele partido, como se fosse natural dividir a economia pelos partidos que disputam o poder político.
Como pode ser bom o ano que aí vem?
Há alguma irracionalidade no exercício de alguns poderes. Só podemos esperar que a razão e a justiça possam ocupar discretos lugares de onde se deixem ver e ouvir como rigorosos exercícios de liberdade e democracia e não como maus espectáculos sem fim à vista.
Que desordem habita o lugar dos poderosos?
[o aveiro; 04/01/2007]
Os administradores e gestores do maior banco privado português tinham brincado de faz de conta que o dinheiro dos accionistas era dinheiro dos administradores ou gestores. Emprestavam milhões a amigos e familiares e depois davam por incobráveis essas dívidas sem que nada acontecesse. Sabemos que estão na prisão pessoas que roubaram a milionésima parte dos desvios que ouvimos mencionar neste baile de banqueiros. No labirinto do jogo de faz de conta dos banqueiros e amigos, vimos como eles se deixam filmar em desfiles de pouca vergonha como se nenhum crime houvesse. Há quem diga que, nos casos em estudo, o roubo foi feito de acordo com a lei. E a pouca vergonha que se lhes vê na cara talvez lhes venha de terem acreditado no grande educador cuja ética reside na lei.
Há muito tempo que se vem espalhando a fama das virtudes da iniciativa privada e mais fama ainda têm os gestores privados que passam pelo poder político e até fazem leis convenientes para serem a ética conveniente na troca de favores e aos corredores criados para ir do público ao privado.
Quando a crise se instala no privado, saltam gestores do público para gerir o privado, saltam nomes de conhecidos políticos a querer atribuir a si e aos seus a virtude da boa administração dos bens privados e públicos.
Não, não é a política que dirige a economia. Alguns políticos descobriram que a melhor e mais mesquinha forma de defender os seus interesses mais privados e inconfessáveis é ser político de serviço até passar a gestor privado e depois público e depois privado.
Nunca as viagens entre os sectores público e privado tinham parecido tão privadas. Já nem têm vergonha de vir exigir o quinhão deste ou daquele partido, como se fosse natural dividir a economia pelos partidos que disputam o poder político.
Como pode ser bom o ano que aí vem?
Há alguma irracionalidade no exercício de alguns poderes. Só podemos esperar que a razão e a justiça possam ocupar discretos lugares de onde se deixem ver e ouvir como rigorosos exercícios de liberdade e democracia e não como maus espectáculos sem fim à vista.
Que desordem habita o lugar dos poderosos?
[o aveiro; 04/01/2007]
mudamos de um ano para o outro...
mudamos de um ano para o outro sem sentir essa dor suavíssima das árvores quando perdem as folhas o amarelo e o ouro na suave largada para o fértil chão preparado por tempestades nas noites e neblinas densas nas manhãs.
esperamos ver as folhas verdes nas mesmas árvores e ainda depois as mesmas amarelas ou douradas.
já não há quem chore por imaginar como a vida vai e vem e bem podemos descer encosta abaixo que nem um nenhum soluço estará solto suspenso no ar quieto deste inverno.
nem as vacas nem as vacas para murmurar no prado que nós vimos como elas passeavam entre os anos pachorrentas estrada abaixo
e o carro parado enquanto elas desciam de ano
tenso para subir estradinha acima como quem sopra uma ilusão e vê como voa.
esperamos voltar para ver as folhas verdes nas mesmas árvores dispostas a fazer fronteira entre dois lados do mundo dois mundos.
sabemos em qual dos lados do mundo os amigos plantaram a sua sede.
e bebemos a água roubada à fundura da serra a boa colheita o bom ano.
Quem somos quando chegamos?
As pessoas comuns existem desde que sejam chamadas pelo nome. A existência confirma-se no chamamento feito por um familiar, por um vizinho, por um companheiro de trabalho. Termos um dia ouvido dizer um nome, chega para garantir a existência de alguém que nunca vimos. Para alguns de nós, tal existência depende da fé em quem diz, em quem nomeia. Sem distinguir a realidade da ficção, a existência de um ser pode não passar de um enredo de poucas palavras ditas por uma autoridade.
Cada pessoa escolhe as autoridades que podem nomear. Assim passamos de geração em geração, pela fala dos mais velhos, a existência deste ou daquele ser. Mesmo depois de reconhecermos a falta de documentos de prova, há pessoas e seres que existem por terem sido nomeados por alguém a quem reconhecemos autoridade para o conhecimento e sua transmissão. Há palavras que valem mais que mil documentos. Algumas dessas palavras ouvidas foram escritas e até gravadas numa voz serena a convencer-nos da existência do inexistente.
As autoridades modernas, reconhecidas pela maioria, acrescentam imagens às palavras e criam documentos complexos. Acabamos a aceitar que o que nos mostram existe e é importante a ponto de merecer ser apresentado a milhares ou milhões de pessoas. Por esta via, passam a existir pessoas importantes e poderosas ainda que não existam. E são essas que afinal existem mais vezes ou que aparecem mais vezes. A partir de certa altura, deixamos de ter a certeza se são manequins que estão em todas as montras por onde passamos ou se somos nós que passamos pela montra onde os manequins se repetem em cenas da ficção de vida que lhes foi atribuída.
Perdidas de vista as pessoas, ficámos apanhados por personagens. Olhamos, sem ver, as pessoas que conhecemos enquanto se preparam para serem personagens das televisões. Apareço ou morro? - perguntam umas às outras.
Quem entra neste combate, morre. Ou desaparece em parte, sempre.
Como um cortejo de tragédias e inexistências que queremos esquecer, morre o velho ano velho. E há os que vão nascer ou renascer. Como saber quem chegamos a ser em 2008? Somos o que fazemos? Ou o que fazem de nós?
[o aveiro; 29/12/2007]
Cada pessoa escolhe as autoridades que podem nomear. Assim passamos de geração em geração, pela fala dos mais velhos, a existência deste ou daquele ser. Mesmo depois de reconhecermos a falta de documentos de prova, há pessoas e seres que existem por terem sido nomeados por alguém a quem reconhecemos autoridade para o conhecimento e sua transmissão. Há palavras que valem mais que mil documentos. Algumas dessas palavras ouvidas foram escritas e até gravadas numa voz serena a convencer-nos da existência do inexistente.
As autoridades modernas, reconhecidas pela maioria, acrescentam imagens às palavras e criam documentos complexos. Acabamos a aceitar que o que nos mostram existe e é importante a ponto de merecer ser apresentado a milhares ou milhões de pessoas. Por esta via, passam a existir pessoas importantes e poderosas ainda que não existam. E são essas que afinal existem mais vezes ou que aparecem mais vezes. A partir de certa altura, deixamos de ter a certeza se são manequins que estão em todas as montras por onde passamos ou se somos nós que passamos pela montra onde os manequins se repetem em cenas da ficção de vida que lhes foi atribuída.
Perdidas de vista as pessoas, ficámos apanhados por personagens. Olhamos, sem ver, as pessoas que conhecemos enquanto se preparam para serem personagens das televisões. Apareço ou morro? - perguntam umas às outras.
Quem entra neste combate, morre. Ou desaparece em parte, sempre.
Como um cortejo de tragédias e inexistências que queremos esquecer, morre o velho ano velho. E há os que vão nascer ou renascer. Como saber quem chegamos a ser em 2008? Somos o que fazemos? Ou o que fazem de nós?
[o aveiro; 29/12/2007]
Tu as bien fait de partir, Arthur Rimbaud!
Tes dix-huit ans réfractaires à l'amitié, à la malveillance, à la sottise des poètes de Paris ainsi qu'au ronronnement d'abeille stérile de ta famille ardennaise un peu folle, tu as bien fait de les éparpiller aux vents du large, de les jeter sous le couteau de leur précoce guillotine. Tu as eu raison d'abandonner le boulevard des paresseux, les estaminets des pisse-lyres, pour l'enfer des bêtes, pour le commerce des rusés et le bonjour des simples.
Cet élan absurde du corps et de l'âme, ce boulet de canon qui atteint sa cible en la faisant éclater, oui, c'est bien là la vie d'un homme! On ne peut pas, au sortir de l'enfance, indéfiniment étrangler son prochain. Si les volcans changent peu de place, leur lave parcourt le grand vide du monde et lui apporte des vertus qui chantent dans ses plaies.
Tu as bien fait de partir, Arthur Rimbaud! Nous sommes quelques-uns à croire sans preuve le bonheur possible avec toi.
René Char
Cet élan absurde du corps et de l'âme, ce boulet de canon qui atteint sa cible en la faisant éclater, oui, c'est bien là la vie d'un homme! On ne peut pas, au sortir de l'enfance, indéfiniment étrangler son prochain. Si les volcans changent peu de place, leur lave parcourt le grand vide du monde et lui apporte des vertus qui chantent dans ses plaies.
Tu as bien fait de partir, Arthur Rimbaud! Nous sommes quelques-uns à croire sans preuve le bonheur possible avec toi.
René Char
Char
Petite pluie réjouit le feuillage et passe sans se nommer. Nous pourrions être des chiens commandés par des serpents, ou taire ce que nous sommes.
René Char
René Char
nestes dias,
Nestes dias, procuramos uma floresta. Lembro-me de ter visto folhas caídas e de ter ouvido as folhas levantadas pelo bater das asas. Nestes dias, as árvores levantam angustiadas braços esguios; a floresta parece uma multidão de árvores desoladas e vencidas, sozinhas. As duas mais altas esticam uma faixa entre elas e gritam ao vento cortante uma maldição. Nestes dias, as árvores farejam as tempestades antes dos cães vadios.
à maneira de almada
Nos Jerónimos, há nove dias, um repórter de televisão perguntava a um operário do cenário o que pensava ele sobre qualquer coisa. Ele respondia que, se não fosse para a televisão, podia ouvir-se o que ele pensava. Nada pode ser mais claro sobre o acontecimento histórico do dia seguinte em que os gestores da europa de risco assinaram um papel, sob um fundo construído para o momento de um espectáculo. Pouca gente já conhece o enredo da telenovela, da qual vai ser transmitido a bicha das assinaturas, o cenário. Vagamente nos disseram que se tratava da carta dos direitos dos cidadãos europeus, omitindo que cidadãos europeus da primeira linha tinham votado contra a primeira coisa alterada e piorada para que políticos de hoje dispensem as consultas populares que ontem exigiram ou prometeram caso fossem eleitos.
Os políticos do poder pensam sossegar-nos quando dizem que esta carta é mais pobre que a nossa constituição. Mas se a carta de direitos dos europeus é mais pobre em direitos que a nossa constituição, será que estão a pensar em alguns cortes nos nossos direitos? Porque se esforçam eles para não falar do conteúdo da coisa?
Destes feitos históricos, sobram os cenários, os fatos, os vestidos, as canetas, a forma como se senta, a cor das meias, os olhares, os bocejos, os passos, o instantâneo de um pé de orelha, a luz, o azul, as estrelas, a canção do mar, ... O feito histórico está na fotografia frente ao cenário, é o discurso em louvor do momento e das assinaturas do acordo: esse oculto.
Pelas televisões, os doentes acamados seguiram a história a ser feita, fato a fato, por senhores dos passos e assinaturas treinadas para estas ocasiões de prata. Dos transistores, os ouvintes que se distraíram pensam que ouviram uma missinha mal cantada, sussurrada por um crente agnóstico, a partir do Mosteiro dos Jerónimos.
As pessoas comuns, que passam sem parar, lembram-se de deputados europeus mal educados a quem o Sócrates convenceu com imensa piada que defende isto em vez daquilo e o Sócrates que nós conhecemos defende o que é melhor para os portugueses que é o que, em cada momento, é melhor para que os rios continuem a nascer no mar. E lembram-se do operário que, sem dizer, disse o que toda a gente pensa.
[o aveiro; 20/12/2007]
Os políticos do poder pensam sossegar-nos quando dizem que esta carta é mais pobre que a nossa constituição. Mas se a carta de direitos dos europeus é mais pobre em direitos que a nossa constituição, será que estão a pensar em alguns cortes nos nossos direitos? Porque se esforçam eles para não falar do conteúdo da coisa?
Destes feitos históricos, sobram os cenários, os fatos, os vestidos, as canetas, a forma como se senta, a cor das meias, os olhares, os bocejos, os passos, o instantâneo de um pé de orelha, a luz, o azul, as estrelas, a canção do mar, ... O feito histórico está na fotografia frente ao cenário, é o discurso em louvor do momento e das assinaturas do acordo: esse oculto.
Pelas televisões, os doentes acamados seguiram a história a ser feita, fato a fato, por senhores dos passos e assinaturas treinadas para estas ocasiões de prata. Dos transistores, os ouvintes que se distraíram pensam que ouviram uma missinha mal cantada, sussurrada por um crente agnóstico, a partir do Mosteiro dos Jerónimos.
As pessoas comuns, que passam sem parar, lembram-se de deputados europeus mal educados a quem o Sócrates convenceu com imensa piada que defende isto em vez daquilo e o Sócrates que nós conhecemos defende o que é melhor para os portugueses que é o que, em cada momento, é melhor para que os rios continuem a nascer no mar. E lembram-se do operário que, sem dizer, disse o que toda a gente pensa.
[o aveiro; 20/12/2007]
publicidade paga
Neste segundo semestre de 2007, Portugal tornou-se o país de todas as cimeiras. Não só por ter assumido a presidência da União Europeia.
Logo por sorte ou por azar a cimeira ibero-americana deu pano para mangas. Com o “Porque não te calas?” em castelhano real, os nossos Presidente e Primeiro ganharam altura e tempo aos nossos olhos presos até prejudicarem a atenção aos problemas com emigrantes portugueses na Venezuela.
Já no âmbito da presidência europeia, foram tantas as conferências e cimeiras que chegamos a pensar que, depois do tratado de Roma, são de Lisboa todos os grandes documentos de tal modo se colam virtudes e importância aos papéis europeus começados e acabados em Lisboa.
Alguém se lembra das promessas europeias da Lisboa de Guterres? Ninguém se lembra dos compromissos de Lisboa tão saudados e adiados. Portugal associa o nome da sua capital até a compromissos porreiros sobre futuras assinaturas comprometedoras, emendas, corrigendas, dito por não dito.
Outros países europeus que receberam grandes conferências para convenções e acordos associaram tais eventos a pequenas cidades mais ou menos desconhecidas. Tratados e acordos verdadeiramente importantes (para o bem e para o mal) são conhecidos por estranhos nomes.
A cimeira Europa-África trouxe a Portugal os chefes dos estados africanos, parte deles déspotas terríveis, alguns recauchutados ainda com tripas no lugar do coração, reconhecidos criminosos com passaporte diplomático, etc. Neste grande mercado de influências, os direitos humanos ficaram guardados à vista dentro de uma mala diplomática.
Jornais portugueses publicaram anúncios de página inteira em que um ditador promove as suas ideias contrárias a convenções internacionais e às instituições de justiça e direito internacional que os governos europeus assinaram e promovem. Esta campanha publicitária paralela associada à cobertura da cimeira - o teor das notícias sem teor combinado com a ostentação simbólica de movimentações em circuito fechado - leva-nos a pensar que, afinal, talvez tudo, mesmo tudo, não passe de publicidade paga.
[o aveiro; 13/12/2007]
Logo por sorte ou por azar a cimeira ibero-americana deu pano para mangas. Com o “Porque não te calas?” em castelhano real, os nossos Presidente e Primeiro ganharam altura e tempo aos nossos olhos presos até prejudicarem a atenção aos problemas com emigrantes portugueses na Venezuela.
Já no âmbito da presidência europeia, foram tantas as conferências e cimeiras que chegamos a pensar que, depois do tratado de Roma, são de Lisboa todos os grandes documentos de tal modo se colam virtudes e importância aos papéis europeus começados e acabados em Lisboa.
Alguém se lembra das promessas europeias da Lisboa de Guterres? Ninguém se lembra dos compromissos de Lisboa tão saudados e adiados. Portugal associa o nome da sua capital até a compromissos porreiros sobre futuras assinaturas comprometedoras, emendas, corrigendas, dito por não dito.
Outros países europeus que receberam grandes conferências para convenções e acordos associaram tais eventos a pequenas cidades mais ou menos desconhecidas. Tratados e acordos verdadeiramente importantes (para o bem e para o mal) são conhecidos por estranhos nomes.
A cimeira Europa-África trouxe a Portugal os chefes dos estados africanos, parte deles déspotas terríveis, alguns recauchutados ainda com tripas no lugar do coração, reconhecidos criminosos com passaporte diplomático, etc. Neste grande mercado de influências, os direitos humanos ficaram guardados à vista dentro de uma mala diplomática.
Jornais portugueses publicaram anúncios de página inteira em que um ditador promove as suas ideias contrárias a convenções internacionais e às instituições de justiça e direito internacional que os governos europeus assinaram e promovem. Esta campanha publicitária paralela associada à cobertura da cimeira - o teor das notícias sem teor combinado com a ostentação simbólica de movimentações em circuito fechado - leva-nos a pensar que, afinal, talvez tudo, mesmo tudo, não passe de publicidade paga.
[o aveiro; 13/12/2007]
resto de vida
A viúva apressava-se a enterrar o defunto
marido que já desenterrado o amante
a esperava à mesa com o vinho e o presunto
restos da vida de antes para outra mais adiante.
Já o viúvo morto tomando alento voava céu alto
em avião fretado ou asas de ir ao outro mundo
na pressa de respirar a nuvem sem parede nem fundo
esquece a viúva a magra pensão o sobressalto.
marido que já desenterrado o amante
a esperava à mesa com o vinho e o presunto
restos da vida de antes para outra mais adiante.
Já o viúvo morto tomando alento voava céu alto
em avião fretado ou asas de ir ao outro mundo
na pressa de respirar a nuvem sem parede nem fundo
esquece a viúva a magra pensão o sobressalto.
a última palavra
No sábado passado, em família, fomos ao(s) concerto(s) de encerramento de “Sons em Trânsito”. No regresso, o músico da família comentava a natureza da adesão que cada um dos concertos reclamara e obtivera. Como se o público tivesse estado dividido em duas partes, uma para a adesão ao primeiro concerto, outra para o segundo. O monólogo separava as propostas estéticas em categorias tais que só públicos diferentes poderiam aderir realmente a uma e a outra. O monólogo argumentava especialidades a separar as sensibilidades e exigia alguma razão científica e literária como suporte de adesão. Fui pensando no que teria sido a adesão a uma e a outra das propostas ou aos seus vários andamentos, já que ambas oscilaram entre registos distintos, da adesão imediata ao corte por via de referências inacessíveis.
A discussão sobre a adesão a propostas estéticas é a discussão sobre a adesão a qualquer proposta. Há níveis de adesão distintos uns dos outros; a adesão de uns pode ser mais fundada em critérios estéticos ou científicos, podendo chamar para si uma razão para a emoção que explica a emoção. O chamamento de pareceres técnicos e científicos para apoiar uma determinada decisão serve mesmo, muitas vezes, como almofada de consciência em decisões onde prevalecem imperativos morais. Parece estranho? Muitas das decisões que pisam o risco do sustentável em termos da humanidade e da terra onde se reuniram as condições para a sua criação, chamam uma particular razão científica em seu apoio, sempre que a razão científica geral desaconselha. A razão científica particular releva sempre do interesse particular e da ordem do imoral: “se não for eu a fazer, outro fará pior!”
A discussão sobre o aeroporto para Lisboa é exemplar a este respeito. O conjunto, ainda numerável, de pareceres científicos que apoiam decisões diferentes para um mesmo problema são da ordem da machadada. Já assim tinha acontecido com a localização das unidades de incineração e, por isso, Sócrates pode reclamar uma vitória a dois tempos. A ciência apoia mas não toma decisões, os políticos decisores somam razões para colher adesões à sua decisão.
A forma como aderimos e apoiamos ou rejeitamos pode afinal ser muito variada. Mas será que há adesões (ou rejeições) melhores que outras? E haverá um“a última palavra”?
Concertos desconcertantes!
[o aveiro; 6/12/2007]
A discussão sobre a adesão a propostas estéticas é a discussão sobre a adesão a qualquer proposta. Há níveis de adesão distintos uns dos outros; a adesão de uns pode ser mais fundada em critérios estéticos ou científicos, podendo chamar para si uma razão para a emoção que explica a emoção. O chamamento de pareceres técnicos e científicos para apoiar uma determinada decisão serve mesmo, muitas vezes, como almofada de consciência em decisões onde prevalecem imperativos morais. Parece estranho? Muitas das decisões que pisam o risco do sustentável em termos da humanidade e da terra onde se reuniram as condições para a sua criação, chamam uma particular razão científica em seu apoio, sempre que a razão científica geral desaconselha. A razão científica particular releva sempre do interesse particular e da ordem do imoral: “se não for eu a fazer, outro fará pior!”
A discussão sobre o aeroporto para Lisboa é exemplar a este respeito. O conjunto, ainda numerável, de pareceres científicos que apoiam decisões diferentes para um mesmo problema são da ordem da machadada. Já assim tinha acontecido com a localização das unidades de incineração e, por isso, Sócrates pode reclamar uma vitória a dois tempos. A ciência apoia mas não toma decisões, os políticos decisores somam razões para colher adesões à sua decisão.
A forma como aderimos e apoiamos ou rejeitamos pode afinal ser muito variada. Mas será que há adesões (ou rejeições) melhores que outras? E haverá um“a última palavra”?
Concertos desconcertantes!
[o aveiro; 6/12/2007]
fazendo nada
de todos os sagrados direitos
é o da liberdade que vem primeiro
as letras que me saltam do tinteiro
é a ela que escrevem e sem defeito
... e depois dela? as letras cansadas
deitam-se em roda fazendo nada
é o da liberdade que vem primeiro
as letras que me saltam do tinteiro
é a ela que escrevem e sem defeito
... e depois dela? as letras cansadas
deitam-se em roda fazendo nada
dos impostos
A toda a volta, a nossa vista pode demorar-se em montras. A nossa necessidade é reconhecida pelo grande catálogo que se abre para mostrar todas as formas de a satisfazer. Nem escolhemos. Estendemos a mão e a mercadoria encaminha-se até uma passadeira rolante que passa por nós. Ou assim parece.
Serviços, produtos industriais e agrícolas, bens de cultura, serviços religiosos e espirituais, moral, maus e bons costumes são mercadorias e cada um de nós produz alguma coisa para o mercado e cada um de nós procura alguma coisa que com certeza há no grande mercado global.
Aprendemos a maravilha deste mundo seguindo ao longo da montra sem princípio e sem fim. Pode mesmo acontecer que não possamos comprar o que queremos ou nem sequer o que precisamos, mas sabemos que tudo o que podemos querer está em alguma prateleira do grande mercado. Como é que tudo isto funciona? Localmente vimos todos os nossos defeitos e parece que, a partir de nós, nada pode funcionar bem. Mas sabemos que, globalmente, tudo parece que funciona. E há quem sossegue com as aparências.
Quando paramos para pensar no processo, percebemos como o sistema é complexo. Basta pensar na diversidade de mercadorias e na composição de cada mercadoria. A compra de uma mercadoria (serviço, produto, bem,...) efectua-se contra um pagamento. Uma parte significativa do valor a pagar parece não ser trabalho incorporado, nem matéria prima, nem lucro do investidor. São taxas, impostos e similares.
Há quem diga que essa factura devia ser paga pelo produtor ou o prestador do serviço e não devia ser mostrada ao cliente final. Mas todos sabemos que uma parte significativa do valor das mercadorias vem da organização social e económica que garante as condições para a sua produção - no que respeita à educação e aos cuidados de saúde dos produtores, investigação em ciência e tecnologia, produção e transporte de energia - e para o seu transporte até ao comprador - estradas, caminhos de ferro, portos, aeroportos, ....
E sabemos também que, em cada nível de decisão sobre impostos, devemos ser capazes de esclarecer e provar a justeza e a necessidade da cobrança. Só depois? Com obra feita?
As últimas sessões da Assembleia Municipal de Aveiro trataram dos impostos. Cada um de nós é parte nessa decisão. Não é?
[o aveiro; 29/11/2007]
Serviços, produtos industriais e agrícolas, bens de cultura, serviços religiosos e espirituais, moral, maus e bons costumes são mercadorias e cada um de nós produz alguma coisa para o mercado e cada um de nós procura alguma coisa que com certeza há no grande mercado global.
Aprendemos a maravilha deste mundo seguindo ao longo da montra sem princípio e sem fim. Pode mesmo acontecer que não possamos comprar o que queremos ou nem sequer o que precisamos, mas sabemos que tudo o que podemos querer está em alguma prateleira do grande mercado. Como é que tudo isto funciona? Localmente vimos todos os nossos defeitos e parece que, a partir de nós, nada pode funcionar bem. Mas sabemos que, globalmente, tudo parece que funciona. E há quem sossegue com as aparências.
Quando paramos para pensar no processo, percebemos como o sistema é complexo. Basta pensar na diversidade de mercadorias e na composição de cada mercadoria. A compra de uma mercadoria (serviço, produto, bem,...) efectua-se contra um pagamento. Uma parte significativa do valor a pagar parece não ser trabalho incorporado, nem matéria prima, nem lucro do investidor. São taxas, impostos e similares.
Há quem diga que essa factura devia ser paga pelo produtor ou o prestador do serviço e não devia ser mostrada ao cliente final. Mas todos sabemos que uma parte significativa do valor das mercadorias vem da organização social e económica que garante as condições para a sua produção - no que respeita à educação e aos cuidados de saúde dos produtores, investigação em ciência e tecnologia, produção e transporte de energia - e para o seu transporte até ao comprador - estradas, caminhos de ferro, portos, aeroportos, ....
E sabemos também que, em cada nível de decisão sobre impostos, devemos ser capazes de esclarecer e provar a justeza e a necessidade da cobrança. Só depois? Com obra feita?
As últimas sessões da Assembleia Municipal de Aveiro trataram dos impostos. Cada um de nós é parte nessa decisão. Não é?
[o aveiro; 29/11/2007]
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Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
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eu bem me disse que estava a ser parvo por pensar que só com os meus dentes chegavam para morder até o futuro e n...