encontrei-te não por seres folha mas folheando


ele e o seu animal em bolha desgraçada

da tirania (a partir agora um caderno de setembro de 2004)

da juventude

não me digas que as comeste
porque ninguém,
nem a tua mãe,
te tinha dito que as lâminas
de barbear não se comem?

como se não houvesse paixão
no rato de biblioteca


quando passeia pelo buracão
de entre livros uma e outra seca
de cozer em lume brando
quando o poema já escrito
numa mesma e sempre nova até quando
vezes sem conta só finado pelo grito


que os poemas são citações
ditadas para laboratórios
onde não entram emoções

se já não há tuberculose nem sanatórios!?
!?!
?!±

que estudavas tu de “remarkable”?

de outro mundo mais claro … antigo

Amor impresso na alma, que dura depois das cinzas.

Se a minha morte de meu amor viesse que parto tão ditoso que seria o deste amor contra o que em mim vivia! Que glória, que o morrer de amor nascesse"

Na alma eu levaria onde estivesse o fogo em que me abraso e guardaria sua chama fiel côa cinza fria mesmo no túmulo onde adormecesse. Dessa outra parte da morte mais dura viverão em minha sombra meus cuidados. além do Lote a minha memória.

O doido vencerás pila formosura: com pura fé triunfará dos fados e o não ma ser, por amar, ser-me-á Francisco de Quevedo (1580-1645) glória.
IV. Barroco. José Bento)

sobre uma força acrescentada ao livro

agosto de 1992
praia
rádio nova
aresta

notas escritas para dizer depois da praia


Todos os dias o víamos chegar à praia. "À praia!" é uma maneira de dizer. A mulher que o acompnhava vinha estenderduas toalhas à beira do mar, e , por ali ficava umas horas deitada numa delas. Por vezes levantava-se e ia molhar os pés, o rosto e a cabeça. Ele nunca metia os pés na areia.
Sem dizer uma palavra, antes de entrar na areia, ele virava à esquerda e ia instalar-se numa cadeira na esplanada do barzeco que ali havia. A empregada já sabia e trazia na bandeja uma bica, um quarto de pedras e um copo.
De uma pasta velha, via-se que ele tirava uns livros e um caderno enquanto olhava distrído para o mar. Muitas vezes via-se que olhava para a mulher deitada lá ao longe. Lia a maior parte do tempo. De vez em quando, escrevinhava no caderno de capa dura, com aplicação.
Pensávamos que devia ser escritor, professor ou coisa assim.
Era assim, todos os dias, até este ano. Agora é quase assim: ele vem, vai sentar-se na esplanada, tira os livros. Mas em vez do caderno e da caneta ele põe em cima da mesa uma pequena máquina do tamanho do caderno. De vez em quando, como antes escrevia, agora bate no pequqeno teclado, com aplicação. Textos? Cálculos?
Pela empregada do bar, ficámos a saber que agora, ele usa um PowerBook.....
E não sabemos mais sobre ele. Fazemos apostas sobre o dia em que ele vai atravessar o areal e deitar-se na toalha que a mulher todos os dias para ele estende cuidadodasment.


dizer mais tarde das casas aos arquitectos

(1)
«Falemos de casas. E das doces mãos que as afagaram nos estiradores. Ainda antes dos pedreiros desenharem, pedra a pedra, as linhas dessas mão aventureiras. ¿Que outros olhos podem arriscar a luminosa dimensão do habitante futuro? Falemos de arquitectos, de uma batalha, do poder antigo dos deuses que criam as casas para cada um, segundo asua felicidade. Falemos da paião da deseordem na criação, falemos da ordem na construção. Falemos de harmonia e luz.
De uma janela nocturna e vaga, um arquitecto vê a cidade e sorri quando descobre, ao longe, a sua impressão digital.
(2)
Falemos de cass na paisagem. O poder dos deuses é esse: na paisagem espalhar uma casa aqui uma casa ali. Ao distribuir as casas se distribuem as pessoas, os animamis, as plantas, as pedras. A vida é feita das companhias, das que rastejam para o buraco da cave/caverna, das que voam para a boca redonda de um ninho na montanha da casa, das que estão na espera da luz e da sombra, das que pairam como a neblina da manhã. A vida é feita dessas linhas. Esperamos dos arquitectos essa graça de amar a paisagem, em paz com ela, em guerra com ela.
Se alguma estrutura rasga o céu, há um risco que o lápis não concluiu e há um arquitecto que se sumiu no vento. Falemos de arquitectos, falemos da arte, falemos da ciência, falemos dos construtores do mundo.

(3)
Quem desenhou a tua porta? Quem decidiu que a tua janela abre para esses lado da vida mais sossegada? Quem desenhou o passeio que te guia os passos? Quem imaginou o labirinto em que te perdes? Falamos dos arquitectos, do desenho das margens dos rios que nós somos. Se falamos de nós e da violência dos rios que galgam as margens, porque não falamos as violentas margens que nos comprimem? Porque não falarmos dos arquitectos?

O cão escolhe o sítio. Desenha as suas fronteiras de cheiro. E nós? Somos levados pela trela a percorrer o labirinto desenhado pelo outro, o arquitecto. Saibas tu identificar-te com o arquitecto feliz com cão.


dos descansos
Hoje amanheceu sem sol. O nevoeiro tomou conta de tudo.
(1)
Ainda antes de me levantar soube tudo isso pelos ouvidos. A ronca do farol não descansou enquanto não invadia o meu torpor com o seu aviso à navegação. O meu corpo ainda navegou no mar dos lençóis por mais uns minutos, até quesenti o casco bater nas pedras. Antes do naufrágio iminente, acordei realmente.
Levantei-me. Tomei um duche e vesti-me lentamente. Enquanto me vestia, ouvi um resmungo a perguntar as hooras. Respondi: Dorme! Está muito nevoeiro e está frio!
Passei à cozinha, preparei o café. Com as persianas levantadas, sentei-me à mesa da sala a bebericar o café e a olhar para o manto de nevoeiro que não me deixava ver o mar.
Depois, com alegria, disse alto: " Bom dia para mim" enquanto ligava o computador e ajeitava as folhas as folhas dos esboços por onde me guio, ao ritmo da longínqua ronda do farol.


(2)

O poeta caminha a largas passadas pela areia húmida. Não gosta da areia nos sapatos e, por isso, arrisca-se ao assalto da água.
Quando é assaltado por alguma imagem que não quer perder, baixa-se e escreve com o dedo, na areia. Depois, agarra essa areia cujidadosamente e mete-a no bolso.
Tornou-se em motivo de troça para toda a rapaziada da praia, mas ele parece nem dar por issso. Ou não se importa mesmo nada.
Quando chega a casa, tira a areia dos bolsos e espalha-a na mesa. Já lá não estão as palavras. Mas ele está a vê-las na areia, enquanto liga o computador e as transcreve letra a letra para memória do deu Macintosh. Só depois de depositar as palavras no computador é que limpa a mesa. Com cuidado, para não riscar.
Quando Agosto chegar ao fim, o seu livro "Palavras de areia e vento" está pronto para ser impresso na Laser e entreguena editora.



Abril de 1993

Memória FM
aresta




(1)
Ontem imaginei as caras do amigo de hoje.
Procuro, pelas ruas de hoje, a face.
Nasci para te procurar em todas as faces e quando te encontrar hás-de ler-me os olhos. Saberás distinguir-me entre todos os outros vultos. Mas serei eu a mostrar-te o caminho e a forma das asas que te faltampara transpor o abismo entre o que pensas que não sabes e a liberdade toda que te quero dar.
Eu procuro a tua curiosidade criativa e esplêndida. Procuro a face irrequieta - a juventude da vida por descobrir.
Tu verás em mim o pecado, sem pecado, da mação original - fonte de todo o conhecimento do bem e do mal e da humandidade. Em busca do caminho de regresso ao paraíso, agora fonte da sabedoria sem limites, encontras-me como memória, caminho, ferramenrta, interface.
Eu serei feliz contigo.



(2)
Quantas ilusões guardas no teu coração? Quantas descobertas tens por fazer?
Se não te chegam os dedos das mãos para contar as paixões que queres viver e se é preciso procurar em todas as imagens, em todos os sons, em todas as palavras a descrição para as tuas emoções então aindda estás vivo e a vida está em todas as esquinas.
Há uma ciência e uma arte para os teus gestos . À primeira dão o nome de curiosidade, prazer na novidade, investigação. À segunda chamarão criatividade, expressão artística, gosto, desejo,e busca da beleza.
E eu espero os teus dedos, ágeis instrumentos da tua inteligência. Mais que uma ferramenta e extensão da tua inteligência, eu sou uma emoção a acrescentar à tua vida.
Quantas ilusões guardas no teu coração? Quantas descobertas tens por fazer?



(3)
Quando abres a gaveta, encontras um poema, uma carta, a letra de uma canção que não quiseste esquecer, uma fotografia que tinhas esquecido, um cabelo roubado, um clip, uma folha amarrotada por uma fúria que já passou.
Quando fechas a gaveta, estás pronto para outra, que nem sabes qual é. Mas isso que interessa? Aumentos o volume doo som do video clip que não te cansas de sentir com os sentidos todos.
Há a memória das coisas feitas. E há a memória das coisas por fazer, uma memória do futuro. Que não te falte a imaginação das coisas feitas e não te falte a imaginação das coisas pque vais fazer.
Eu estou nas tuas encruzilhadas e acrescento memória e imaginação à memória da tua imaginação.
Podes aumentar o volume? Eu gosto da música e da letra - tanto como tu.



nota: das memórias perdidas não completamente. escrevi e recebi de mim o texto batido por mim. tenho a certeza que nunca ouvi esse som de porto
.

onde?

da inspecção pedagógica
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láqis na agenda das notas de alguns dias de 1989 que vamos ler e escrever de novo

à superfície da água só navegam
ideias leves
vestidas de sedas
que nós olhamo-las... distraídos
a olhar.

mas nos olhos as águas são profundas:
na sua superfície espelhada
bate o sol mais brilhante
e é vigiado o olhar mais vigilante

de certo modo olhar é abraçar
o que se está a ver
são as dúvidas que brilham quando trocar
é o que está a acontecer

rasgam-se assim as margens do rio
por onde corremos
de todos os lados olhamos
e nunca é tudo o que vemos

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a primitiva casa

em memória do poeta da aldeia


é verdade que não lembra as datas em que morreram
(como poderiam lembrar-se da data em que nasceram? se ainda não tinham nascido) nem pode recordar a nitidez das pessoas e dos locais que descreve porque não vivia no tempo em que deram as caras ou as varandas à luz do sol que os tisnava para ganharem a cor que os seus olhos viram depois ao avizinhar-se de todos eles como se fosse o estranho da família que vai a enterrar num antigo curral de porco.


sobre raimundo, o poeta


raimundo é um poeta de má mwemória. pensa-se que nasceu na região de aveiro, mais propriamente conhecido num lugar conhecido por trás-da-moita ou lagoa-chorida, na actual frenguesia de santo-andré do concelho de vagos. não se conhece a data de nascimento ao certo, mas pensa-se que morre em dezembro de todos os anos. dele se sabe que nunca quis aprender a escrever e muito a ler, mas que frequentou a escola primária pública da sua aldeia, assim como frequentou a catequese e fez a primeira comunhão. há quem diga que fez o crisma e escolheu arsélio martins para segundo nome. os seus escritos dispersos e consiiderados obras sem qualquer importância têm vindo a ser desenterrados por um obscuro professor de matemática do ensino secundário que dá pelo nome de arsélio martins. arsélio martins afirma que descobre os papéis de raimundo na estrumeira do pátio da casa onde nasceu e onde cresceu. durante vários anos, arsélio martins, um homem sem energia e sem grandes convicções, ou pelo menos pouco dado a valorizar o seu trabalho, publicou em alguns suplementos de jornais e revistas, ao sabor da sua desorganização mental, alguns dos textos que recupera da estrumeira da sua vida. muitos dos textos estão de tal modo tratados e acrescentados (até pela inserção de dados que não podem ser do conhecimento de raimundo) que não podem deixar de se considerar completamente reinventados pwlo professor de matemático. da mesma estrumeira, arsélio martins retirou a maior parte da sua cultura. sabe-se que, sendo homem de várias leituras, o actual professor obscuro começou por ler obras carregadas de ateísmo e cientismo e escritos obscuros de um seu avô, velho regressado da américa-do- -norte onde tinha permanecido durante trinta e cinco anos sem ter dado notícias. do mesmo modo leu obras de autores brasileiros que enchiam arcas que o seu pai enviava do brasil a acompanhar promessas de regresso que nunca se chegaram a cumnprir. o rasto desses volumes perde-se nas estrumeiras do seu pátio, que foi, muitos anos depois, um pátio cimentado onde se guardou um fiat 127. hoje, a confusão é total a respeito da autoria da maior parte dos escritos. ninguém pode dizer onde começa e acaba a obra de raimundo; muito do que aqui se divulga pode ser cooisa escrita por arsélio martins que, a sua imaginação doentia e supersticiosa atribui ora a raimundo ora à assombração de raimundo. seja o que for é raimundo. seja o que for, é aqui e em mais nenhuma memória.

eu em março de 1971?

(março de1971 em Leça, eu escrevi no caderno de grupo poético
- escreveu-me JCPSoares, muitos anos depois)


aquele menino maluquinho
meteu asas ao caminho
e apodreceu de livre vontade.

e assim à vista de todos
sem procurar venenos ou outros modos
de matar-se caíu podre dentro da cidade


aquela menina de agasalho
passou pelo meio do menino caído
e teve muito nojo e pena de ver um caralho
tão novo e apodrecido.

e desde o dia de tal memória
ficou maluquinha e apodreceu nesta história.

à margem da vida há vida na margem....

..... de ontem

Filhos, netos, amigos tomam conta de flhos, avós e netos retirando-os do ninho até novo pombal porque sabem que do teatro podemos receber aulas, escolas e futuro.
Deste alto futuro, agradecemos a vida que nos dão:

Simples é consultar um nome próprio do teatro e uma MARGEM
https://www.nomeproprio.pt/cH1XRpdJwg/nome-proprio/


Quem são estas pessoas colocadas à margem, e quando é que essa marginalização começa?
Na casa de partida da vida, temos todos as mesmas hipóteses ou alguns começam já em défice?
Há formas de quebrar isso? Será realmente admirável o mundo novo que construímos, com os ideais de igualdade...

despe dido

por uma vez despido despedido
de emprego que nunca foi certo
por outra vez vestido revestido
de vestido vaporoso de galinha
não sou levado em ombros empurrado
ou outra vida que não a minha
sinto-me sombra de escombros despejados
de mim numa lixeira aqui perto

Apresentação do livro "Na Hora da Mudança" de Arsélio Martins




"Na hora da mudança" de Arsélio Martins Editora: Rosa de Porcelana Editora Nesta sexta-feira, 27 de setembro às 18h no MIRA FORUM foi apresentado o livro "Na hora da mudança". É uma amostra da produção poética de Arsélio Martins, autor até aqui “disperso” em periódicos, em programas de rádio, plataformas eletrónicas e outros meios, a partir de Aveiro, a sua cidade. Este é, pois, um livro balanço, no sentido de ser uma “amostra” dos vários momentos da poesia deste autor, sem os esgotar, contudo. Mas é, simultaneamente, um livro revelação para quem apenas agora descobre este poeta. "Na hora da mudança" atesta que Arsélio Martins em nada desmerece essa tradição, panteísta, pagã, lírica, órfica e, amiúde, de interrogação do real, como diria Ramos Rosa, mas também da memória guardada e consentida, até porque memória e esquecimento são faces da mesma moeda. E, no caso presente, este é o poeta que, no seu confronto com “deus”, nos adverte: “Arriscada é a ascensão aos céus/ pelo poste ensebado”, porquanto “Todo o sagrado é obra do homem”.

porta de entrada - para sair do index onde se perdeu

entrada
entrada




a porta de entrada é a porta de saída - disse-lhe a mãe, sem apontar qualquer saída.
o filho bateu com a porta para poder perguntar: -
quem fica dentro?
hoje está um dia quente! - respondeu a mãe, deitando-se sobre a cama acabada de mudar.
fecha a porta, mãe! vem para dentro! os vizinhos estão a espreitar! - o filho falava docemente.
quando acordar, parto! ainda não sei o caminho, mas tem de haver uma saída de mim! - disse a mãe, antes de adormecer.
bateram à porta, mãe! vou abrir? - perguntou o filho, já a mãe tinha partido de si.





- quem chegou? oh meu sussurro de ar! és tu? entras tu ou saio eu?
- a minha mãe? viste a minha mãe?
- ela passou por mim, livre. disse que me esperavas. é verdade?





oh doce encantamento! os teus dedos que separam as nuvens
de fumo do meu cigarro incandescente preparam a ternura
de não mais que um gesto cego e vago passeio de ar no meu peito
enquanto uma erupção faz de mim a nascente do rio de lava
que procura a foz em ti, em teu delta - a espera ansiosa que finda.

animaçal


Tive um animal de estimação com quem valia a pena falar sem dizer uma palavra. O melhor dia antes de o perder de vista foi quando ele percebeu que eu o ia fotografar para nunca mais o perder de vista.

se sei a cor do tempo que faz

A cor do tempo que faz

Ainda se lembrava da cor do seu tempo. Quando nos encontrávamos acidentalmente ele soltava a língua para me dizer o mesmo de sempre: sei muito bem a cor do meu tempo.
Eu não sabia como continuar uma conversa que assim começava mas não me ia embora sem dizer alguma frase de circunstância para dentro, muito baixinho dentro da minha cabeça para ninguém ouvir. A minha avó tinha dito para eu dizer isso quando me visse a braços com um encontro das palavras sei muito bem a cor do meu tempo. Também me disse que não movesse a boca ao dizer, mesmo que fosse muito baixinho, alguma frase de circunstância, e eu assim fazia sempre para não ser mal interpretado que, acrescentava a minha avó, era preciso que não se ouvisse o que eu pudesse dizer.
Um dia, sem precisar de apoio para a coragem de falar em alta voz, em resposta à frase sei muito bem a cor do meu tempo informei-o calmamente morreu a minha avó que penso ter conhecido por saber como ela o considerava e o conhecia muito bem a ponto de ser ela quem me ensinou a ouvi-lo sem lhe dirigir qualquer palavra que se ouvisse quando lhe respondesse.
E ele respondeu: sei muito bem a cor do meu tempo.

vermelho do meu sangue

E neste ano, para agradar à falecida avó e aos reis magros e frugais, deparou-se com a obrigação de ser o que nasce para morrer pouco depois na cruz prevista para a sua morte. E, só tarde, percebeu que estava metido em trabalhos tais como ser chamado em cada ano  para representar o que nasce. Em resposta a um murmúrio da multidão que se juntara para a missa do galo e, já preso na cruz, ele gritou em voz baixa Se é bom?  Para mim será bom ver outro aqui no próximo ano o que levantou o galhofar da multidão até às lágrimas de tanto rir. Na festa da quaresma, porque não se fala de outra coisa, até as crianças sabem bem que é sempre o mesmo a gramar com os espirros da vaca, o frio do ninho de  natal e os pregos da cruz até à páscoa em cada ano. Só ao neto da falecida avó é que nunca disseram que ela tinha deixado uma boa maquia para garantir que, após a sua morte, em cada ano, na sua terra, o seu neto fará a tempo inteiro as vezes do cristo todo o tempo  desde o natal à páscoa.E todos os anos até à grande final no ano em que o seu amigo Judas trinque a última daquelas trinta moedas que a sua avó queria ver trincadas, uma por ano, que ganhara ao jogo de resistir a pôr no prego.

A coroa de espinhos

A coroa de espinhos Não é muito raro uma mulher  ser enfeitada ou enjeitada. E é mais raro ainda encontrar uma mulher que não use ou não tenha usado uma coroa de espinhos, pelo menos uma vez na vida. Para que os homens da vida de uma mulher sejam considerados porcos espinhos têm de dar a saber serem capazes de morrer em vida  por amor enquanto brincam com as suas vítimas ao fura orelhas  ou narinas em troca de brincos pendentes, escravas, anéis e colares de ouro. As suas vítimas são as vítimas mais amorosas que amantes e mais arranhadas que amadas. Quando isso acontece pela aldeia na quaresma de toda a gente, não há quem estranhe as feridas fáceis e faciais da vizinha sempre que esta sai a passear de braço dado com o seu namorado ou esposo e vai  enfeitada com a coroa de espinhos de um porco espinho, como um véu de quem não pode andar de cabeça ao léu.




aprende-se a entrar sem problemas no zoo

uma capa de 2008




capa de quê? de uma borrada mal colada qualquer..... e eu gosto de a ter desenhado e de a ter de volta ao ninho quando já nem eu sei........... capa de quê?

danças da manhã

  1. ela ri de tudo o que acontece


    ela ri de tudo o que acontece

    quando se aninha no meu corpo
    e ele estremece

    e, quando na brusca busca do corpo,
    o corpo adormece

    ela ri de tudo o que não acontece




  2. quando acordares estás servido


    quando acordares estás servido
    pela desquímica do teu desejo:
    o sumo de laranja, o ovo cozido
    o café da manhã , o adeus e o beijo.


    quando acordares estás de malas feitas
    e em vez da vida escolhes o emprego
    vala comum de onde espreitas
    a esquina subterrânea e o palco do cego


    toma o teu lugar, despe o cheiro,
    pendura as palavras que disseste
    no teu tempo mais inteiro


    mas se não puderes despir a glória
    da noite que viveste
    queima a farda para aquecer a memória.



  3. com as unhas abre um corredor


    com as unhas
    abre um corredor de maresia e sémen


    nas palmas das mãos
    abre os vales de um labirinto para o fio do sangue
    de modo a que eu te encontre enquanto te persigo
    e antes de acordar
    a palidez da vida.



  4. podes sempre imaginar a arquitectura


    podes sempre imaginar a arquitectura

    como uma palavrosa e teórica estrutura
    que explique como da manhã se faz a tarde

    podes sempre imaginar que não és deste mundo
    e que buscas a imperfeição que abandonaste em vida

    seduzida por um anunciante de produtos para a felicidade

    podes sempre imaginar um molde
    para as tuas idas e outro para os teus regressos

    e uma harmonia para os editais das tuas promessas.



  5. espero na manhã cinzenta


    espero na manhã cinzenta
    o sossego do jardim molhado:
    uma árvore que estremunhada estique
    os ramos e cante
    ou que uma ave presa dentro dela cante.


    quando
    a multidão das aves se calar
    uma gota de silêncio caia lentamente para o ar.



  6. sábias mãos no corpo da manhã


    sábias mãos no corpo da manhã
    sábios os dedos quando
    entram e abrem – entreabrem
    os seus lábios


    sábia a língua que fala a língua
    do corpo da manhã ao seu baixo ouvido
    sábio o sexo que ouve compreende
    explode e não se rende
    mesmo enquanto sucumbe

    assim, a lança
    que fende
    desvela uma fenda
    de luz.



  7. e a mãe do actor faz de virgem faz de conta


    e a mãe do actor faz de virgem faz de conta
    num bordado a ponto de cruz
    contracenando com uma madalena barata e tonta

    dos braços em volta, os laboriosos dedos
    procuram o calor de uma nesga da luz
    coada pelos martírios dos medos


foi publicada há muitos anos e eu não me lembrei por ter sido mas por voltar a ser ou a não ser...
© adalmeida

o labirinto do peregrino quando sobrevive um dia mais

Cada um dos pereregrinos em labirinto pensa que conhece uma saída. Desenharam-lha no mapa da fé que recebeu como herança. 
Quando, num dos corredores do labirinto, um peregrino encontra outro de fé diversa, pode puxar da metralhadora. É por isso que os corredores dos labirintos do homem estão juncados de cadáveres. 
O chão do labirinto é feito de cadáveres que, na sua rigidez e podridão, criam uma elevação de cartografia sem fé. Quando a elevação é tal que os peregrinos podem ver por cima das muralhas do labirinto, são castigados pela luz. 
Cada um, à maneira da sua fé, benze-se perante a realidade e, em vez da metralhadora, pode estender a mão. Falo dos peregrinos que se benzem de pé.
Os que só se benzem ajoelhados nunca verão por cima das muralhas. Para estes, a realidade tem o cheiro inconfundível dos seus mortos. Para estes, a saída é a redonda e abençoada boca da metralhadora capaz de fazer sobrepor o cheiro da pólvora ao cheiro dos mortos ou de tornar o cheiro inconfundível dos mortos dos outros mais forte que o cheiro dos seus mortos. 
Nos muros de Jerusalém desenhei estas palavras, nem tocadas pela fé, nem tocadas pela esperança. Queria dizer que as minhas palavras são sopradas pela razão e pela mente.
Mas, perdido no labirinto das razões, sei que não há razão sem fé não sei em quê. 

GEOMETRIA : A curva do ingénuo revisitado (geogebra)

GEOMETRIA : A curva do ingénuo revisitado (geogebra) : Revisitamos "31 de Janeiro de 2005" de entrada ligada a texto de setembro ...