alto do erro

Quem vem pelos pirinéus, tomando o caminho a partir de Orthez para Pampelune (Pamplona ou Iruña?) passa por casas espantosas a desenhar contornos a pastagens (tanto para bestas celestiais como terrenas) e que nos enganam o olhar. É possível ver o que é impossível construção.
E há lugares com nomes que nos ficam. Erro! Melhor ainda: Alto do Erro!







Um pintor ingénuo não pode resistir à matemática da coisa.

O cinzento-escuro.

Os dias das semanas de verão passam cinzentos. São férias, senhor! - diz a semana quando a culpam de falta de assunto sério.

Assuntos escaldantes?
Houve incêndios, sim! Mortos na estrada, sim! Atentados longe daqui, claro! Genocídios de verão, também. Maus resultados nos exames. Notícias da falta de sono dos comentadores e doutores. Cassetes roubadas, cassetes publicadas, demissões do peixe miúda e do peixe gordo. Volta a Portugal. Volta à França. Pancada derrotada no futebol olímpico em directo na RTP1 e o resto dos jogos nos outros canais. A televisão pública derrotada em directo. E agora até já recomeçou o totobola!
Que é que nos pode faltar? Professores por colocar, por exemplo.

Houve quem quisesse tranquilizar a população, dizendo que o governo tinha ido de férias. Mas não foi. O que é inquietante neste verão foi ver o governo a não parar de governar. O "Independente" da semana que passou deu-me a dimensão da tragédia: eles nomeiam à velocidade de meio cinzento por hora. Até ao dia da saída do independente, 468 nomeações políticas dependentes. E lá me informou também das nomeações apressadas dos ministros de Durão. O mais exemplar é o caso do Ministro reconduzido da Saúde que, no intervalo entre governos, deu cargos de administradores aos seus colaboradores, não fosse o diabo tecê-las.

É impressionante o número de assessores, secretários, adjuntos, chefes, etc. que gravitam à volta de cada ministro e que podem ser nomeados. Ainda é para mim um mistério como se faz esta dança de cadeiras sempre que muda um ministro. Para onde vão quando saem? De onde saem quando entram?

Há mesmo pessoas que tratam só da imagem do nosso primeiro. Quem pensava que aquilo era beleza natural, ficou a saber que não, que há muito trabalho ali, muita "base" mesmo. Numa revista qualquer vi como a assessora de imagem se equilibra numa banqueta de pose. É um espanto.
Santana Lopes tem treze secretárias pessoais, oito adjuntos e quatro assessores. E pode nomear até sessenta colaboradores directos. Preparem-se. Até Paulo Portas nomeou mais que Santana: trinta e cinco. E tem só quatro secretarias pessoais e só seis motoristas.

Que é que nos pode sobrar? Ficar a ver navios. Ou algum navio em particular.


[o aveiro; 2/9/2004]

educar o falar sobre o ensino

A nossa escola é um lugar estranho aos cidadãos. Excepção feita às crianças e a alguns anciãos de colo, todos passaram pela escola. A escola é parte da normalidade das sociedades modernas e é uma casa comum. Sabe-se que é precisa mesmo quando não parece: bem ou mal foi por lá que se teve acesso a grande parte dos conhecimentos (e competências) que utilizamos todos os dias sem pensar na escola.
Nestes meses que medeiam o fim de um ano escolar e o início do seguinte, quem se preocupa com os assuntos sociais e o futuro não pode deixar de escrever sobre a escola de hoje. Para falar da escola e tentar influenciar a sociedade no sentido da escola melhor (a cada um a sua), utilizam-se as notas dos alunos (do secundário principalmente) como prova de que a actual escola não está bem. Em abono da verdade, dá-se razão a todos os que disseram no passado, dizem no presente e virão a dizer no futuro que a escola não está bem e tem de mudar para melhor. É claro que "estar mal" ou "melhorar" têm sentidos e significados diferentes, já que ela tem de ser adequada sistematicamente às condições da vida social, aos desenvolvimentos científico e tecnológico, etc. Alguns aspectos decisivos desta época nem a melhor escola do mundo passado podia antecipar.

Mas há assuntos em que devíamos estar todos (ou quase) de acordo. A escola de hoje tem de ser muito exigente. Se não quisermos ser cidadãos diminuídos no mundo actual precisamos de saber e de saber fazer muito mais e aprender muito mais do que no passado. O conjunto de ferramentas de que dispomos é muito maior e os protocolos para as utilizar, que fará para lhes compreender o funcionamento!, são tão diversos que não podem ser assimilados por exaustão. Esta asserção bastará para percebermos que a existência de novos meios (também de ensino) não torna a escola (como lugar de aprendizagem) mais fácil, torna-a tão só possível como instrumento social de uma sociedade que carece da escolarização de todos os seus cidadãos presentes e futuros (tanto do lado dos direitos como do lado dos deveres).
É preciso que cada um de nós (cada pai, cada mãe, cada jovem, cada professor) saiba que neste mundo complicado, a escola tem de ser complexa, mas tão simples que todos possam compreender o valor do conhecimento e consentir o trabalho exigente e disciplinado que isso representa para cada um de nós.

Mas será que isso tem alguma coisa a ver com o que se discute quando se discutem resultados? Talvez, mas pouco. Os professores e os processo portugueses são pouco exigentes? Se fossemos ver pelos resultados (reprovações, repetências, etc) o nosso sistema apresenta-se como um dos mais exigentes do mundo.

Não vou pelo caminho dos números. Mais vale educar a fala.

[o aveiro; 28/08/2004]

couve de bruxelas

1.
Eu bem tinha escrito que o ministro do turismo de verão ia governar para os lados da quinta do lago. Por uma revista do expresso, soube que a secretaria de estado fica muito perto. E descobri agora que o primeiro ministro foi para a quinta do lago para uns dias de veraneio e devaneio, acompanhado dos seus filhos. Não sei o que é a quinta do lago a não ser das referências das colunas das tias deles. Mas deve tratar-se daquilo a que os teóricos chamam uma nova centralidade.

2.
Os algarvios viram arder a serra e a terra. Reclamam apoios rápidos. O primeiro da quinta do lago não consegue declarar o estado de calamidade para a região. Porque será?
Felizmente temos chuva. Se não tivesse chovido, o que teria ardido? Quem diz que esta chuva estraga o verão, não sabe nada de salvação. Só sabe que é de um extremo mau gosto que chova onde é mais o sol o que convém. Quem nos dera o sol na quinta do lago e nas praias todas e chuva nas florestas (já que estas são mais pasto das chamas, também da incúria, e menos pasto para os seus habitantes).

3.
Pelas fotografias que vi, a quinta do lago deve ser a capital da cusquice do bronze. Por momentos, fiquei sem saber se o salvado passa os fins de semana a palrar com os jornalistas na quinta. Ele sempre se foi confessando como tecedeira de comentários sobre a actualidade. O director da judite dá-se a conversas de treta e, coitado!, nunca imaginou que os jornalistas do correio da manha chegassem ao extremo da perfídia de o gravarem para a sua posteridade. Quem nomeou este director da treta que quer passar de vítima da sua treta a vítima de uma conspiração de treta? Neste romance só há conspirações e cabalas! De cabala do salvado, a salvado da cabala? Neste verão cabalar, chovem cabalas.

4.
O independente publicou parte das conversas. A sua directora, conhecida por plantar papéis, vem plantar extractos de conversa gravadas sem autorização. Sem autorização, também ela. Concorrência desleal ao independente de portas e guedes! E lá se foram salvado e sara, com a água do banho. Provavelmente, o futuro dirá que não se passa nada de tão passado que está.

5.
E a pública, na falta de assunto, decidiu falar da história de sucesso dos ex-maoístas. Fui ver. O sucesso dos ex-maoístas é o barroso feito couve de bruxelas e o director do público ele mesmo, para além do lamego no iraque, da esther de israel, etc. Afiançam-nos que balsemão gostava de trabalhar com ex-esquerdistas, esquecendo-se dos gostos de belmiro. Aproveito para concordar com o morgado que ironicamente dá graças ao destino por não ter tomado o poder. Mais ainda por saber quem, de entre os ex-maoístas, perseguiu o poder até lhe tomar as rédeas . Como cavaleiros montam o poder. Como cavalos, lembram-se do freio nos dentes. Quem puxa as rédeas?
Se eles são assim na sua ascensão em democracia, imaginem o que seria se tivessem tomado o poder como ditadores do proletariado. Um pais que se deixa invadir por ex-maoístas só pode ser um pais atrasado.

Ex-maoístas a cair das nuvens é chuva ácida.


[o aveiro; 19/08/2004]

Por uma etiqueta da ética

A ética da politica é a ética da lei, é a ética do estado de direito - eis o que, no fundamental, diz Pina Moura ao Público, quando questionado sobre a critica à sua aceitação de um cargo de direcção na petrolífera espanhola Iberdrola, empresa com a qual, enquanto Ministro da Economia e das Finanças, negociou a privatização da Petrogal. Para Pina Moura, a verdade é que "a ética não pode ser outra que não a ética da lei e das instituições encarregues de interpretar e aplicar a lei".
Pina Moura não nos lembra (porque não se lembra?) que participou também no poder de fazer ou modificar tais leis que tão bem lhe servem para participar na bagunçada que é a promiscuidade do público e do privado - interesses e influência no público que podem ser tão só prestação de serviços a privados.
Mas basta consultar qualquer enciclopédia de trazer por casa (e Pina Moura conhece-as) para ler que "se devem distinguir as normas da moralidade, em sentido restrito, das normas meramente derivadas do direito, bem como das normas puramente convencionais do costume". As leis, derivam de alguma ética e, nesse sentido normativo, podem superar algum relativismo ético. Ora acontece que, no caso de Pina Moura e de outros políticos, as leis têm servido para justificar comportamentos morais reprováveis, em nossa opinião. Sendo a ética fundamento da lei, não é do direito que emana a ética. As faltas éticas são ilustradas por actos de pessoas que não desrespeitam qualquer lei. Os que desrespeitam a lei são acusados de ilegalidade e crime.

Os "arrivistas" que passam a ministros, secretários de estado,... não desrespeitam a lei. Podemos falar da falta de ética pessoal, profissional e de dever e presumimos sobre o prejuízo do interesse público. Um artigo recente, da revista Sábado, sobre Nobre Guedes (que afinal não é nobre, nem de nome) é extremamente revelador sobre estas questões. Trata-se de um frete, também revelador das relações promíscuas deste poder com o negócio da comunicação. Para além do folhetim que pretende relativizar até o nazismo à direita de Salazar, tudo releva da dica de que os críticos da nomeação de Luís Guedes para o ambiente se esqueceram de declarações, de há meses atrás, em que este afirmara à Antena 1 que os dois ministérios mais importantes numa democracia moderna são a cultura e o ambiente.
Quantas pessoas têm a certeza que estes dois assuntos dominam a vida moderna? São milhões os que assim pensam, por bons motivos (e por maus também - há séries de TV sobre os sopranos interessados no lixo). A maioria deles não aceitaria a nomeação, por ser eticamente reprovável aceitar um cargo que não se pode exercer bem ou no sentido do bem colectivo.

Afinal, o abrigo da lei está ao nível zero da ética nas democracias modernas.


[o aveiro; 12/08/2004]

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...