A geração rasca

Ao referir-se aos jovens estudantes de há uns anos atrás, Vicente Jorge Silva criou a designação de "geração rasca". Desde essa altura que debatemos se a atribuição dessa designação tinha sido bem ou mal feita, com base em acontecimentos como aqueles de propagandear o rabo descoberto ao virá-lo para a ministra, pedindo fotografia e filme para jornais e televisões. Infelizmente para nós todos, os jovens estudantes (e não só) não resistem a promover espectáculos e piores bebedeiras sem qualquer intenção política - veja-se o que se passa nas praxes, queimas, ... ou nos públicos locais de deboche autorizado e até incentivado pelo estado.
Sempre tive por certo que as designações são tão correctas como incorrectas. Depende do observador e do observado, do ponto de vista, do local de observação. No caso em estudo, eu sempre considerei que Vicente Jorge Silva tinha errado o alvo, até porque nem havia lugar a fechar aqueles manifestantes numa geração com o sentido que lhe era atribuído. Hoje e ontem, muitas daquelas manifestações são feitas por jovens (e encorajadas por adultos que as fizeram antes) e olhadas com complacência tolerante por muitos adultos (incluindo dirigentes das universidades, deputados, membros de governos, etc). Há várias idades para incluir numa mesma geração e há pessoas da mesma idade que não fazem, para esses efeitos, parte da mesma geração.
Já depois disso, Vicente Jorge Silva teve oportunidade de passar pelo parlamento com a eficácia conhecida. Nestes últimos dias, Vicente Jorge Silva deve ter percebido que tinha errado o alvo. Basta ver como todos os responsáveis se (des)tratam uns aos outros e como demonstram que não recuaram perante nenhuma aldrabice para conquistarem o poder ou parte do poder. António Guterres e Durão Barroso, Cadilhe e Cavaco Silva, Marques Mendes e Isaltino ou Valentim Loureiro, Santana Lopes e Portas,... mas também Constâncio, Pina Moura, Sócrates e Fernando Gomes e a chusma de economistas e advogados que mandaram no país desde o tempo em que este não sabia ler nem escrever até ao tempo em que se transformou numa quinta de celebridades sem saber ler nem escrever. Se há uma geração rasca, ela tem estes e muitos outros expoentes. Toda a semana passada li argumentos do punho dos expoentes a favor desta tese.
Se há alguma geração rasca, ela é a de Vicente Jorge Silva. A minha geração, afinal.


[o aveiro;2/6/2005]

o frio do dia



não falas comigo ou sou eu que te não ouço
à distância que edificaste como muro e muralha?

não falas comigo porque os anos te pesam hoje
mais que ontem quando travávamos desejo e batalha?


escreve-me uma carta: escreve pela tua mão
o desamor que te faz mudar de passeio ao ver-me

ou leva-me de volta às regueiras dos montes
por uma mão que aprenda, ruga a ruga, a ler-me.


verás que o tempo passou mais e menos do que devia
por mim longos anos quando por ti não mais que um dia.

breve

Se te posso suportar,
és uma dor ligeira,
se não posso,
serás uma dor breve!



[Séneca; Cartas a Lucílio]

Rios que correm

Aqui onde me lêem, a vida corre como um rio.
Aos vinte e quatro dias do mês de Maio, a Escola Secundária Mário Sacramento lembra o seu patrono. Eu fui visitá-la para falar de um aspecto da batalha mundial pelos direitos humanos - o trabalho da Amnistia Internacional. A educação para os direitos humanos nunca foi tão necessária e tão urgente e ela só ganha sentido se constituir em si mesma participação cívica para a juventude de hoje, felizmente tão longe das graves violações de há uns anos atrás, mas preguiçosamente convencida da perenidade das garantias dos direitos democráticos, incapaz de dar pelo perigo se ele tomar conta do caminho.
Ninguém pode imaginar a alegria que é para um professor como eu visitar uma escola que está melhor, limpa e acolhedora... e a fervilhar. Sentindo-me em casa.
Aos vinte e cinco dias do mês de Maio, a Escola Secundária José Estêvão abre-se para um dia especial. Olhamos para ela e sentimos que ela precisa de obras para melhorar. Melhorar as condições para todos os que nela trabalham e estudam e de acolhimento a todos os que a ela acorrem. Todos nos queixamos disto ou daquilo, mas temos de reconhecer que as escolas estão a mudar para melhor e isso só pode acontecer porque elas são habitadas pela humanidade inteira. Comparamos as bibliotecas de ontem e de hoje e salta-nos a tampa para o lado da alegria.
Quem nos dera que os patronos destas escolas de Aveiro fossem anjos da guarda! As vidas e obras de José Estêvão e Mário Sacramento, bem como a dos patronos de outras escolas de Aveiro, devem ser lembradas e estudadas pelos nossos jovens. Procuramos muitas vezes fora de nós o que nós fomos, somos e podemos ser. Porque não uma ou outra pública leitura de trechos de José Estêvão e Mário Sacramento? Na esperança de lhes ouvir a viva voz por nossa interposta voz e promessa de os honrar.
As escolas levantam em ombros as figuras maiores da cidade. Por muitos problemas que as escolas tenham, o maior reconhecimento de um cidadão honrado é o que uma escola lhes pode dar, confirmando que a eles se deve a escola e que eles fizeram escola.
José Estêvão é uma escola. Mário Sacramento é uma escola. Não podíamos dizer melhor.


[o aveiro; 26/05/2005]

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...