prova de vida
Fiz parte de um pequeno grupo que concebeu e discutiu com professores os programas de matemática. Há poucos processos que tenham merecido tantos debates como esse. Anos passados nesse trabalho e de reflexão sobre ele, podemos ver-nos reflectidos em parte nas opiniões que se fizeram ouvir, ver estabelecidas novas formas democráticas de autoria e autoridade.
Apesar da qualidade da discussão, reconhecemos que poucas vezes sentimos a necessidade do debate fora das multidões que aderem tecnicamente aos argumentos a favor e contra as decisões programáticas. Na falta de melhor participação cidadã, comparamos com o que foi antes de nós e aceitamos as limitações como sendo coisa inevitável.
Convencidos sobre a fatalidade das limitações e munidos com a arrogância de quem não espera aprender em discussões sobre as adaptações do geral a este ou aquele subsistema específico, aceitámos adequar programas gerais de ensino ao ensino recorrente, ao ensino profissional ou à educação e formação. Nem nós, nem outro além de nós se lembrou de ouvir uma ou outra comunidade sobre quaisquer aspectos da nossa acção.
Essa acção influencia a vida toda de muitas pessoas em cada comunidade. Não estranhei que toda a decisão fosse feita longe de todas as ribaltas de discussão pública.
Nem imaginava que podia ser de outro modo, até que me convidaram para moderador e provocador de um debate sobre educação e formação na Murtosa. No Centro Recreativo Murtoense, na sequência de outros encontros e debates sobre variados assuntos em espaços associativos, vi-me cercado de pessoas com projecto, interessadas em levantar pontos de vista sobre o ensino e sobre a formação como quem levanta pesos e o mundo em ombros, capazes de acrescentar cor local, sabedoria e experiência ao saber de teoria feito.
Ao surpreender-se a si mesma em vida comunitária, a vida não pára de nos surpreender e, se encontra fresta aberta, cria um ensinamento maior que o anunciado no gesto de toca a reunir. Bolos e cafés, sala com história, pessoas com memória. E boas falas.
[o aveiro; 3/11/2005]
arte postal
Arranquei uma folha de papel
manteiga do meu livrinho diário.
No verso, colei um selo de 30 cêntimos
depois de escrever um nome e seu lugar,
como endereço possível.
Para saber se os melhores
correios do mundo entregam a folha
sã e salva, espero.
Ela espera sem saber.
reunião de desenhos
a reunião reunião começou ainda a tarde era uma criança luminosa.
quando acabou já o dia se tinha perdido numa escuridão outonal
e eu, abandonado, perdera a mão em luta num postal quase ilustrado.
olha
olha como o céu vela por ti:
como um véu sombrio te esconde
dos inimigos vizinhos e mesmo de ti
bem podes perguntar porque estás aí ou onde
sabes que subiste para lugar nenhum
e aí ficaste sentada do lado direito
do mais simples espírito e estreito
bocal que entoa três vozes sendo um
Banca!
A esta situação económica desequilibrada, difícil e em crise - trabalho e necessidade, salário e produto - ou propiciada por ela, opõe-se o florescimento das movimentações financeiras, optimistas, em delírio por não corresponderem, na sua imensa maioria, a quaisquer equivalentes em produtos verdadeiros. Nunca houve tantas operações financeiras como actualmente e nunca os bancos e similares deram tanto lucro. Muitos dos empreendimentos produtivos foram abandonados e trocados por deambulações e orgias financeiras. O dinheiro, que antes crescia pela troca de mercadorias, cresce agora mesmo quando não há quaisquer mercadorias, bens culturais ou trabalho incorporados na troca. Mesmo quando nada mais há além de dinheiro nesta virtual riqueza das nações.
Apesar dos lucros astronómicos, os bancos requerem privilégios fiscais e mesmo dispensas de pagamento de algumas taxas. E o governo dá. Quando a cupidez é muita e saltam fora da legalidade já de si tão favorável, alguma alma os há-de informar da eventualidade da busca de ponta de crimeada. Até o Banco de Portugal, que controla suspeitas movimentações de capitais, não dá por nada. Olha como mudo, denuncia calado.
Não é português um banco (ou instituição financeira) sem antigo ministro, secretário de estado ou similar na sua administração. Mesmo banco estrangeiro, com negócios ligados ao estado ou coisas públicas, não escapa a administrador político luso. Ética legal em acção!
[o aveiro; 27/10/2005]
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