loa

Avevamo studiato per l'aldil'à
un fischio, un segno di riconoscimento.
Mi provo a modularlo nella speranza
che tutti siamo già morti senza saperlo.

E. Montale; Poesia


Tínhamos combinado para o além
um assobio, um sinal de reconhecimento.
Procuro modulá-lo na esperança
de que já estejamos todos mortos sem saber.


Trad. de José Manuel Vasconcelos; Assírio e Alvim

A fé dos simples

1.
Dizem-nos que a fé move montanhas. Nós preferíamos que o vento movesse nuvens carregadas de água pura, as aconselhasse a despejarem-se como água bendita sobre o nosso chão cheio de sede. O que nós preferimos é uma invernia na primavera quando ela é precisa mais que pão para a boca. Queremos que a feira de Março seja inaugurada e vivida em invernosos dias a fio. Queremos que a água nos molhe os pés. Queremos molhar os pés, beber água que nos escorra pela cara abaixo, pelas rugas abaixo, pelas ruas abaixo. Acompanhados pelas gaitas galegas em delírio, quem não dançaria à chuva!
2.
Mover montanhas? Como montanhas imóveis sobre vulcão esperamos. Esperamos que os jornalistas não encontrem a minhoca a cada cavadela no chão seco onde não sobrevivem minhocas. Queremos ouvir os debates essenciais e não mais do que esses sobre programas de governo e que seja este que se debata e não os de cada papagaio ou cada marionete.
Dizemos que é bom ouvir algumas frases que fazem sentido. Como aquela em que o primeiro ministro diz a Portas que não tem de corrigir Freitas do Amaral porque está de acordo com ele no essencial - que o governo deve, na sua política externa, um estrito respeito pelo direito internacional, sem dizer que Durão e Portas fizeram política fora da lei internacional e das organizações das nações. Alguns exemplos de sobriedade e seriedade como este já nem lembravam aos portugueses cansados da guerra do alecrim do psd e da mangerona do pp.
3.
Em verdade vos digo que se é a fé que nos move em frente, o que nos dá alento para o caminho são algumas frases simples sobre o que é viável e pode ser feito. Podem não ser tudo nem o que é mais importante fazer, mas são coisas que podem ser feitas e podem ser boas. Produtos químicos que podem ser vendidos sem prescrição médica podem ser vendidos fora das farmácias - é uma frase simples. Viram bem a sua potência? Ou: a interrupção da actividade dos tribunais (aquilo a que chamam férias judiciais) passa de dois meses para um mês....
Quem é que não percebe as frases? E a sua potência? E a facilidade na execução? Não interessa se estou ou não de acordo. Percebo.
4
Quem me dera que houvesse uma frase simples que nos garantisse meses de chuva branda e persistente, pouco alarido e nenhuma cheia calamitosa.


[o aveiro; 24/03/2005]

A escola dos cucos

1.
Quando cai um governo absurdo, reconciliamos o nosso espírito com a nossa vida e a vida à nossa volta. Por momentos esquecemos que a vida à nossa volta se entrança como o ninho mais que perfeito para chocar o ovo da serpente absurda.
A sociedade é o nosso ninho e, ao mesmo tempo, é o ninho das nossas víboras e dos nossos adorados cucos. De quem se fala? Nesta vida social, os exemplos de sucesso na iniciativa são de cucos que, sem corar, defendem a necessidade de empurrar para fora dos ninhos os outros portugueses - trabalhadores, claro! - para melhor os depenar. O governo mais absurdo foi aquele, que sendo igual aos outros no essencial, se atribuiu o direito a um desplante de cuco humano sem culpa e sem remorsos perante a queda dos outros no desemprego e na miséria.
Os exemplos poderosos (da sociedade e, em particular, da família) (des)educam mais do que mil palavras de professores.
2.
Nos anos 30 do século passado, um filósofo falava no princípio da tragédia da pedagogia: ?Estudar é tão estranho como ser contribuinte?. Raramente se começa a estudar ou se estuda em resposta a uma necessidade individual e intrínseca. Estudamos por razões exteriores ou sociais. É preciso estudar para aprofundar e manter as actuais condições de existência de cada um de nós na sociedade. Pagamos impostos para melhorar e aprofundar a nossa organização social que regula e regulamenta as interacções entre indivíduos e grupos, organiza e presta os serviços essenciais à colectividade de indivíduos interdependentes. Fugir aos impostos significa não dar valor aos serviços sociais de educação e ensino, justiça, cuidados de saúde, protecção na doença e na velhice, etc ou significa que não acreditamos que o Estado esteja organizado para prestar esses serviços ou que temos direito a receber sem o dever de dar em troca.
O que sabemos é que as prestações individuais para o conjunto da sociedade são extremamente desvalorizadas. Uma grande parte da sociedade não confia no valor do saber escolar e não corresponde à necessidade de certas competências escolhidas como imprescindíveis pelos poderes políticos nacionais e transnacionais. Associa-lhes uma competição ganha como vingança ou perdida a favor dos mais ricos (e dos cucos) que utilizam a escola toda para perpetuar domínios e assegurar explorações ilegítimas.
A escola é como se não fosse essa arena.
3.
Esquecendo esta tragédia primordial do saber escolar e da escola, pensamos a educação e o ensino deambulando entre cenários que se substituem uns aos outros pela nossa mão de cegos que nem querem ver, lançando culpas sem remorsos sobre os que trabalham no ensino sem sucesso e desculpas sob a forma da atribuição de toda a desgraça a uma ou outra frase assassina de um papel qualquer que, bem investigado, afinal ninguém leu.
Como se pode ver pelo meu acordo com as lições de metafísica de Ortega y Gasset, com Nuno Crato (no Expresso) posso achar um disparate escrever que a tarefa principal que se põe aos professores seja conseguir que as crianças aprendam a gostar da matemática se for verdade que todo o ensino se tenha dirigido para coisas que divirtam os alunos fazendo passar a aprendizagem para segundo plano. Mas não são as universidades que procuram e aceitam como futuros professores do ensino básico pessoas que não obtiveram êxito na sua escolarização básica em Matemática. Quem diverte quem?
4.
As medidas avulsas de David Justino estragaram o que de positivo nos sobrara dos governos de Guterres em diálogo social sobre o ensino, horários de trabalho a responsabilizar os estudantes, acerto entre documentos programáticos e organização escolar para os levar a cabo, entre natureza de aprendizagens e sua certificação, entre ensino secundário e acesso ao ensino superior.
Esperamos voltar a alguns equilíbrios, principalmente, fugir das mudanças para pior no ensino secundário recorrente. E que o governo devolva aos professores o poder, a responsabilidade e as ferramentas profissionais para fazer dos jovens os responsáveis pelo seu futuro. Na nossa vida e na nossa escola?
Sem que a escola seja reserva de cucos.


[a página da educação; 4/2005]

pausa



gaita em descanso



Gaiteiro



Gaiteiros à paisana



Galegas em Aveiro



caminho das flores



na pressa de florescer




na ânsia das flores
não esperar as folhas

que é senão cio vegetal?

na pressa de florescer



Rosalia de Castro



Quem disse que não queremos ser galegos?
A bandeira destes gaiteiros e rufadores era Rosalia de Castro. Não é a nossa?

Rosalia de Castro cantou os gaiteiros galegos. Se cantou!
Transcrevo os últimos dos 110 versos de "A Gaita Galega"
(...)
E quando a gaita galega
ali nas Castelas oiças,
ao teu coração pergunta;
e ele te dirá em resposta:
que a gaita galega
não canta, que chora.

Sete pecados capitais

A 12 de Março, O Expresso publica "A motivação e a autoconfiança" de Nuno Crato. O autor refere as conclusões de vários estudos que supostamente confirmam as suas opiniões e condena os erros pedagógicos que dominaram as decisões políticas desde há vários anos. Devo confessar que, em geral, estou de acordo com as teses óbvias e cheias de senso comum de Nuno Crato. A auto-estima e a motivação são muito menos importantes para aprender matemática do que o sentido de responsabilidade, por exemplo. E é evidente que ninguém estará em desacordo com uma frase como "Um estudo mostra que a preparação académica é um factor decisivo para o sucesso".

Hoje, a 20 de Março, o Público publica "Sete Pecados Capitais" de António Barreto, que já se refere às políticas gerais da educação e ao programa do governo. E devo confessar que quase me sinto tentado a estar de acordo com tudo o que ele diz, na esperança de haver razão que possa retirar-nos da situação em que nos encontramos.

Sempre com a sensação estranha de ver diminuídos (como atiradores a soldo, especialistas em emboscadas ou similares) estes comentadores, professores do ensino superior, que dominam em larga medida o espaço da opinião pública e sem capacidade para mudar o clima superior em que vivem. Algumas das críticas de António Barreto ganhariam em ser dirigidas ao ensino superior. Será que estou a dizer que erram o alvo? Não. Estou a dizer que lhes falta qualquer coisa e que isso pode ser a autoridade moral. [Alguns dos comentadores da praça e dos mais moralistas - não me estou a referir aos dois aqui citados - podem dar-se ao luxo medieval de não cumprirem quaisquer prazos nos limites da indecência para formar júris, prejudicando mestrandos que se arrastam anos à espera de uma aberta...]
Ora leiam lá e digam-me porque é que o sistema educativo dos oportunistas começa no básico e vai até ao secundário? Uma boa parte dos pecados referidos não atingem um nível superior nas universidades?



Vale a pena recordar, sumariamente, os principais erros da educação portuguesa. Aqueles que têm sido, ano após ano, década após década, cometidos por quase todos os governantes, repetidos por todos os governos e confirmados pelos partidos que até agora se ocuparam da questão

Em vésperas da aprovação do programa de governo e da entrada em funções dos novos ministros, ocorre pensar que em todo o recomeço há uma oportunidade única: a de corrigir erros atávicos e iniciar vida nova. Sei que esta é uma ilusão: nunca se começa verdadeiramente na estaca zero. O mito da vida nova, das manhãs límpidas e virginais, é sonho adolescente ou totalitário. O peso do que está e a inércia do que vem de trás são tais que é sempre necessário "negociar" com o real. É nesse "negócio" que tudo se ganha e tudo se perde. Os novos ministros da educação e das universidades têm a capacidade escolher se querem, ou não, ser vencidos pelo real.
Por isso vale a pena recordar, sumariamente, os principais erros da educação portuguesa. Aqueles que têm sido, ano após ano, década após década, cometidos por quase todos os governantes, repetidos por todos os governos e confirmados pelos partidos que até agora se ocuparam da questão.

DINHEIRO. A crença nesta falácia maior: mais dinheiro traz mais educação. Após três décadas de crescimento constante da despesa pública e privada com a educação, os resultados são confrangedores. Apesar de todos os ardis administrativos ensaiados, as taxas de insucesso e de abandono continuam altíssimas. Comparados com os de outros países, os resultados escolares são desoladores. A preparação técnica e cultural dos estudantes que terminam o secundário é insuficiente. Deve ser o sector da vida portuguesa onde mais se desperdiça e pior se gasta.

PROFESSORES. A convicção de que para educar mais e melhor são precisos mais professores. A tal ponto que Portugal pode gabar-se de ter um dos mais baixos números de alunos por professor. Situação que é agravada pelo facto de existirem milhares de professores destacados, requisitados e sem aulas. Assiste-se, aliás a um fenómeno curioso: havendo, por imperativos demográficos, cada vez menos estudantes, há cada vez mais professores. É possível que haja muitos milhares de professores a mais. A recusa, que os professores exprimem com veemência, de ver os pais participar na gestão da escola ou de deixar as autarquias envolverem-se activamente na educação, é obra cimeira da sua fortaleza de privilégios. O repúdio pelos gestores profissionais, aceite pelos políticos do ministério, é a expressão singela do seu poder.

CENTRALIZAÇÃO. A arrogância burocrática e estatal, acompanhada pela estratégia dos sindicatos de professores, faz com que o Ministério da Educação (e do Ensino Superior) tenha o desplante de querer administrar, a partir de Lisboa, 12.000 escolas, mais de 200.000 professores e mais de milhão e meio de alunos. A desumanização das escolas não podia ser melhor servida. A ineficiência é outro produto deste dogma. Como se vê com o concurso anual de colocação de professores. Da centralização, resulta ainda a uniformização, erro maior. É a certeza vigente de que o sistema educativo deve ser totalmente integrado, a fim de impor gestão e procedimentos únicos. Este modelo, supostamente destinado a combater as desigualdades sociais, é o mais forte incentivo à mediocridade. Na melhor das hipóteses, à mediania. Também provoca a degradação do ensino público e a fuga das classes médias para o privado.

MODAS. A adesão entusiasta a todas as modas que, sucessivamente, se vão criando para a pedagogia, a organização curricular, a gestão escolar, a avaliação e a elaboração de programas. Aquilo a que se chama em Portugal o "facilitismo" é a coroa de glória destas modas: estudar deve ser um prazer; nunca se deve chumbar; os exames são fonte de "stress"; os professores e os estudantes são iguais em responsabilidades, direitos e deveres; os "saberes" e as "competências" são mais importantes do que os conhecimentos e o treino; a cultura geral e os clássicos, numa palavra, a educação "livresca", são privilégios das classes favorecidas. São disparates feitos políticas.

SISTEMA FECHADO. O sistema educativo e as escolas estão organizados de modo a proteger as instituições da sociedade. Isto é, a evitar o controlo social, a interferência dos pais, o interesse das empresas, o empenho dos profissionais e suas organizações e a responsabilidade das autarquias. Assim, ninguém presta contas a ninguém. Ninguém é responsável perante ninguém. Ou antes, os professores são responsáveis diante deles próprios. O quartel-general deste sistema reside no ministério, onde "especialistas", burocratas, professores destacados e delegados sindicais governam de facto.

INSTABILIDADE. Perante a indiferença das autarquias e o silêncio dos pais, a aceitação, pelo ministério, da instabilidade docente nas escolas é uma das principais causas do desastre pedagógico e educativo em que vivemos. Resulta directamente da gestão centralizada, da uniformização do sistema e da cumplicidade dos sindicatos que não querem que as escolas sejam da responsabilidade das autarquias. Apesar das lágrimas de crocodilo dos seus dirigentes, a instabilidade, o concurso nacional de professores e a gestão centralizada são armas com as quais os sindicatos forjam o seu poder e mantém os professores na sua dependência.

A GESTÃO DEMOCRÁTICA. Aquilo a que em Portugal se chama gestão democrática é tudo menos democrática. A ser alguma coisa, é demagógica e corporativa. Mas desconfia-se que também não seja bem gestão. Será qualquer coisa como autogestão docente, com o apoio do ministério e dos sindicatos, o que equivale a dizer em circuito fechado. A recusa, feita em nome da democracia, do "director de escola", é o mais pernicioso dogma da demagogia educativa reinante. A gestão democrática das escolas é o princípio fundador da irresponsabilidade dos professores perante a comunidade.

A estes sérios vícios, dever-se-á acrescentar a demagogia, usada por quase todos os protagonistas. Pelos políticos, que sistematicamente transformam a educação em prioridade (o que já é do ponto de vista orçamental) e se limitam a seguir os burocratas, os "especialistas" e os sindicatos. Pelos sindicatos, que reclamam mais professores, mais vencimentos e mais privilégios. Pelos professores que se fazem eleger pelos seus pares e não prestam contas a mais ninguém. Pelos universitários eleitos pelos estudantes e pelos funcionários. Por todos estes acima referidos que não cessam de afirmar que querem ver as comunidades, as profissões e os pais interessados na educação, mas que tudo fazem para os afastar das escolas e lhes retirar qualquer capacidade de envolvimento.
Resta acrescentar que estes pecados não se combatem com a virtude. Muito menos com a repressão escolar. Combatem-se, isso sim, com a liberdade. Com a diversidade. E com a responsabilidade.

a passadeira vertical



Por onde passo ri a rua e levanta-se para voar
Também se iça a passadeira alta nos meus receios

De olhos baixos todos os dias lendo nas pedras do mesmo passeio
Dou voltas inteiras ao mundo nem sei se sempre a sonhar

flor de ferro



olho para o jardim de uma escola interior
e não vejo mais que esta flor de ferro

Chuva na eira e no nabal

No meio de uma grande seca, estamos a mudar de governo. A coisa boa da coisa é não estarmos presos de milhares de boatos sobre pequena política e pequenos políticos. Sócrates tem-nos livrado do diz que disse. Só por nos ter livrado da visão daquele beija mão eterno e maluco da tomada de posse lhe estou grato.
No mesmo dia em que Sócrates tomou posse do cargo de Primeiro Ministro, Santana recuperou a posse do cargo de Presidente da Câmara de Lisboa. O mais fantástico é que para este regresso à Câmara, Santana Lopes conseguiu manter uma discrição de fazer inveja. Dias inteiros sem badalar a sua viagem de volta à Câmara! Deus meu, o mundo está virado do avesso.
Não lamento a falta de notícias diárias sobre o que vai ser a política de educação do governo. É interessante esperar por notícias certas e decisões que se possam discutir. E, quando for tempo disso, concordar e discordar, discutir ou até lutar contra. Até lá, podemos divulgar quais são as nossas opiniões para que elas possam ser contrastadas com as decisões do governo quando elas forem públicas.
Pelo meu lado, depois de ter levantado muitas dúvidas sobre o interesse de decisões apressadas tomadas por David Justino sobre as reformas propostas pelos governos de António Guterres fico agora dividido a respeito do que se pode fazer perante os remendos de leis de David Justino que ainda mal entraram em vigor. Não estou a ver forma de evitar imediatas alterações a parte do quadro legal. Nem estou a ver muitas possibilidades de manter nos cargos alguns nomeados da coligação PSD/PP para funções nas direcções-gerais e regionais, ou sequer manter os cargos que já nem fazem parte da orgânica do Ministério. E o mais natural é que Aveiro venha a perder o seu lugar de capital do estado da educação que tanto prestígio trouxe para alguns e tão disparatada coisa foi para outros, sendo certo que foi nada.
O que mais me preocupa no imediato? Coisa pouca. A alteração no ensino secundário de adultos está no início do processo e mais nos valera que se parasse com a mudança em curso. Será possível? Pode remediar-se?
Será que o novo governo pode reparar no desacerto existente entre os programas escritos para a revisão curricular e as decisões políticas de David Justino? Será que pode reparar o desacerto?
Que espero eu? Chuva na eira e no nabal.


[o aveiro;17/03/2005]

virei-me para trás e disse

A noite divide-se em ruas
como a manhã e a tarde

por onde vão passo a passo as horas.


E há instantes em que acontece
visitar-te ou até desaparecer

feito esquina que em teu tempo arrefece
ou gutural canto sem palavras por dizer.

Perguntam-me por Babe

E eu transcrevo

Situada a 800 metros de altitude, a leste de Bragança, constitui a porta de entrada do planalto de Lombada. No século XVIII ainda eram visiveis os restos da antiga igreja de S. Pedro, localizada perto de Castrogosa a sul. Por este mesmo local e a sul o castro da Sapeira, passava a estrada romana que de Braga se dirigia a Astorga. algumas estelas funerárias e um marco milenário documentam a romanização desta aldeia. Tem uma capela dedicado a S. Sebastião e outra que foi recuperada em 1991, dedicada a S. José. Babe ficou célebre pelo tratado de Babe, realizado em 26 de Março de 1387, entre D. João I e o Duque de Lencastre. (...)

da página da Freguesia de Babe . Pode ler tudo o que sempre quis ou não quis saber sobre Babe. E pode depois ir visitar Babe, para saborear a distância entre ler e ver.

desenho, logo existe


desenho, logo existe



Nas sessões públicas, a assistência pode desenhar a assistência.
Publico pedaços dos desenhos da Biblioteca Municipal de 5 de Março.

a porta cega



Foi em Babe que o novel João I de Portugal recebeu a esposa, Filipa de Lencastre, vinda das longínquas terras dos Anglos. Está na igreja da aldeia, a anunciar o evento, uma lápide. Fiquei espantado com a revelação, na tarde de 25.XII, quando a Babe me desloquei para assistir a algo da anunciada "Festa dos Rapazes". Não podendo afinal assistir ao ainda almoço da rapaziada na Casa do Povo - o que me desagradou nessa espécie de ritual de sociedade secreta - vagueei pela aldeia a deliciar-me com as formas e as cores das velhas casas, sobretudo de suas portas. Como, pelo teu blogue, reparei que também às portas dás atenção, aí vão algumas. A uma, que é mais janela, até lhe chamaria a "porta cega" barrada que foi das pedras da casa.

José Carlos Soares

Ao fim da tarde

Ao fim da tarde do dia 8 de Março, o Presidente da República condecorou 30 mulheres que, em seu entender, se destacaram por altos serviços prestados à República. Ao fim da tarde, o Presidente da República chamou a atenção para as práticas discriminatórias no desempenho de funções e no emprego de um modo geral. Ao fim da tarde, lembramos as raínhas portuguesas verdadeiras e as consortes que tivemos e lamentamos que a república só possa apresentar primeiras damas consortes de presidentes.
Ao fim da tarde, sabemos que foi morto o chefe dos terroristas que tomaram de assalto o teatro de Moscovo ou uma escola em Beslan e fizeram reféns e vítimas de milhares de inocentes, tanto às mãos dos terroristas tchetchenos como dos terroristas russos. Ao fim da tarde, sabemos que ainda se atiram para as lixeiras os restos das infantis vítimas, cujos restos mortais ainda nem todos foram identificados.
Ao fim da tarde, sabemos que foram resgatadas centenas de crianças africanas que tinham sido raptadas para irem engrossar redes de escravatura, seja ela a prostituição, dos rituais de morte, de carne para canhão de alguma guerra a travar, de exploração da força de trabalho.
Ao fim da tarde, sabemos que nem o governo italiano acredita na versão americana de acidente mortal para o agente secreto italiano no caminho da libertação da jornalista italiana que tinha sido raptada no Iraque.
Ao fim da tarde, sabemos que em Madrid se reúnem ?notabilíssimos? especialistas, técnicos, académicos e políticos que contribuirão para compreender e combater o fenómeno do terror.Ao fim da tarde, em Madrid, ouvimos falar do 11 de Março do terror - esse dia sem heróis ou em que as surpreendidas vítimas são os heróis que não queriam ser heróis.
Ao fim da tarde deste dia ainda não tomaram posse das suas pastas as duas e só duas mulheres do futuro governo.
Ao fim da tarde dá-me uma vontade louca de ir aos últimos Diários da República alegrar-me. Eu sei que os Diários da República destes dias estão cheios de louvores a motoristas, secretárias, chefes de gabinete, estafetas, assessores, etc. Magníficos funcionários públicos! E para me rir, com vontade de chorar, ver as listas de nomeações para pequenos grandes lugares de todos os fiéis deste governo defunto. Quem me dera que nada disto seja verdade!
Ao fim da tarde, olho aterrorizado para o que acabo de escrever.


[o aveiro; 10/03/2005]

quarto de aluguer


A fotografia foi tirada em Fevereiro e é muito seca. Se tivesse sido tirada em Fevereiro de 2004 era a mesma toda em tons de verde.
Será verde se for tirada outra no mesmo lugar, entre montanhas, em Fevereiro de 2006?

Ao passar pela aldeia, da estrada vi um anúncio de quarto de aluguer. Fui tirar esta fotografia, pela estrada do outro lado. A janela do quarto dá para um abismo tentador.

desnorte e vergonha

1. Há quem jure a pés juntos que não há lugar algum que dê pelo nome de Agras do Norte. Há quem diga que o lugar existe, mas ir até lá é como ir ao outro lado do mundo, passando por baixo da linha ou procurando seguir os caminhos mais estreitos ao longo das linhas de ferro. Há mesmo quem pense que o melhor é não ir lá e que olhar por cima e para nascente dos últimos palheiros e outras ruínas ao fundo do Canal de S. Roque é o bastante para captar o espírito do lugar.
Agras do Norte é nome de lugar da autarquia com terrenos para construção, todos sem serventia de rua ou caminho. Quando se trata de adiar uma autorização do projecto de que já se lançou a primeira pedra, aparece Agras do Norte desvelado da sua bruma e pleno de sortilégio.
Finalmente Agras do Norte aparece ligada por uma magnífica parcela de uma montanha russa. Se tivessem esperado pela inauguração da Feira de Março e o seu parque de diversões fosse ali montado nos terrenos em volta daquela magnífica rotunda de Esgueira, Agras do Norte sairia definitivamente do seu isolamento para se apresentar como o lugar das experiências de radicais rodoviadutas sobre as ferrovias renovadas, embora pouco.
As televisões anteciparam a inauguração da montanha russa de Agras do Norte e não a deixaram diluir na Feira de Março. O Presidente da Câmara deu a cara para, assumindo metade do erro, logo o desvalorizar. Não há desculpa possível para os departamentos técnicos e de fiscalização da Refer e da Câmara que planearam e permitiram até ao fim a construção da coisa para que fosse vista em todo o seu esplendor.

2. Eu ando sempre atrasado e cheio de remorsos por tantos atrasos. À medida que me vou atrasando em alguns compromissos e muitos deles com prazos marcados por mim para mim, vou perdendo o pio e cada vez se torna mais difícil criticar os que se atrasam. A nossa Câmara acusou a CCDRC de atrasar o Plano de Urbanização da cidade por esta comissão ainda não ter emitido o parecer que já devia ter saído há 10 meses. Ficamos por aqui a achar muito bem que a Câmara critique os atrasos. Vale a pena perguntar se a Câmara sabe quantos dos seus despachos, assinaturas, pagamentos, ... estão com mais de 10 meses de atraso.

3. Se perdemos o norte, perdemos a vergonha.



[o aveiro; 3/3/2005]

a quarta porta



As cruzes sobre as portas azuis. Todas as portas daquela casa carregam em suas ombreiras muitas cruzes.
Eu também.

a terceira porta



O interessante já não é a porta da casa, nem o mesmo azul noutra casa fechada a sete chaves. O que importa agora é a nesga entre casas. Nâo dá para passar entre as casas. Mais que o nosso olhar nada cabe.

a segunda porta



Outra porta trancada por fora. E o mesmo azul.

Contra o triunfo dos porcos

Esperámos que o povo nos devolvesse pelo voto um país sério e viável. Assim aconteceu.
Eles tinham começado a pensar que podiam manipular o público como se o país fosse o lugar de passagem dos sem cabeça e o poder como uma banheira cheia da água suja do banho de uma manada de criaturas dependentes de mama alheia. Era preciso que houvesse alguma coisa que abalasse a fé desta manada que começava a achar que todo o povo era feliz a ver como a manada engordava e se mostrava luzidia nos rodeios em sua arena.
Era preciso que acontecesse um abalo. E aconteceu. O povo votou todo o empenho em desmentir que o país estava a transformar-se em "quinta de celebridades". De tal modo o fez que os comentadores e analistas de serviço se apressaram a dizer que estes país não corresponde ao país real deles. Imaginem um país que é real quando se comporta de acordo com o império dos sentados comentadores da televisão e não é um país real quando vota na esquerda. Eles são doidos, mesmo não sendo romanos.
Esperámos que o povo nos devolvesse uma esperança qualquer. E o domingo amanheceu com um povo diferente dos conformados com o desemprego, com a corrupção, com o barulho das luzes da hipocrisia. Levantou-se o povo para mostrar aos amanuenses da tolice patética que nada é seguro para todo o sempre e que, para eles como para toda a gente, a porta por onde entraram é também porta de saída e serventia da casa política.
Esperámos que o povo nos devolvesse uma esperança qualquer. E tudo o que queríamos nos foi dado em dobro: a maioria mais que absoluta à esquerda. Os dirigentes socialistas vão ter de controlar os seus apetites e de cumprir a sua obrigação para resolver a grave crise em que o povo trabalhador foi mergulhado. Esperamos políticas de esquerda? Mais que isso: exigimos políticas de esquerda em que as pessoas sejam mais pessoas e menos unidades estatísticas.
Exigimos cultura. E civilização. Depois do que nos foi dado ver e viver com Santana Lopes, Paulo Portas e seus apaniguados arrogantes, qualquer ?nico? de educação será melhor que o nada que tínhamos. Mas não queremos pouco, queremos tudo a que temos direito e isso é mesmo muito, sendo para cada um e para mim nada mais que honra e trabalho social.


[o aveiro; 24/2/2005]

o dia depois

O dia depois amanheceu claro.

Ao vento frio dou a cara
E o passo em frente

Pendura, em cada gota de gente,
Dos meus sorrisos, o mais raro.

Olhar para eles.

Escrevo ao ritmo da transmissão do grande acontecimento que é a chegada de cinco dos líderes partidários ao único frente a frente geral televisivo desta campanha.

Antes tinha assistido ao espectáculo das transmissões das cerimónias fúnebres da carmelita Lúcia, a que não faltaram estrelas políticas e da quinta das celebridades que entraram sem passar pelas dificuldades dos populares e fiéis. O célebre Castelo Branco da quinta da TVI e sua mulher foram protegidos por alas de agentes da Polícia de Segurança Pública(?) como um fiel ou fã especial. Espantoso foi ouvir familiares de Lúcia queixarem-se que a nossa polícia de segurança pública os impedia de entrarem no local do culto e de homenagem. Quem definiu em que consistia o serviço público a prestar? Quem paga isto? Muitos daqueles a quem dificultaram as entradas. Não é?
E voltemos às transmissões das aparições dos líderes partidários. Uma repórter aparece a entrevistar os aparecidos e iluminados. Alguns deles, à saída dos automóveis são cercados por guarda costas e guarda peitos, um deles de gravata preta. Para além da repórter da RTP, há dezenas de outros fotógrafos a fotografar o movimento. Nunca me tinha interessado pelo movimento das personalidades políticas. Mas têm piada estes movimentos de personalidades nas aparições fulgurantes nos estúdios em contraste com as aparições fulgurantemente discretas nas cerimónias católicas.

Ouço agora os políticos em debate. E estou espantado. O mais extraordinário são as declarações sobre decisões políticas. Para os políticos da coligação do poder as decisões contestadas foram boas quando foram legais. Isto começa a ser recorrente. Uma coisa pode ser legal e miserável ao mesmo tempo. Mas parece que os políticos querem fazer passar a ideia de que tudo o que é legal pode ser feito. Um banco pede uma isenção sobre uma operação e ela pode ser concedida à luz da lei. Deve ser concedida? Não.

Há muitas pequenas coisas que decidem o voto. Os corpos de guarda costas, a mentira, a hipocrisia nas aparições dos políticos e nas suas declarações podem determinar o sentido de voto.

Olho para eles e sei em quem posso votar. Olho para eles e acendem-se alertas na consciência a dizer-me em quem não posso votar.

Dou aqui sentido ao meu voto nos desengravatados. Espero continuar a pagar impostos e que estes não possam ser gastos a pagar segurança a artistas de baixo nível como reverso da insegurança do povo.


[o aveiro; 17/02/2005]

carnaval

Às minhas costas, as dores passam por mim sem me deixar para trás.

Eu visitava médicos tão raramente que eles todos se tinham esquecido de mim num canto do armário da louça "esbotenada" de que conhecemos a existência mas já ninguém usa.

Nas últimas semanas visitei tantos amigos como médicos e visitei até um amigo que já me escapava há nem sei quantos anos. As pessoas da minha idade ou geração têm um molde próprio. Dou por mim a pensar que me sinto bem com os antigos, independentemente das ideias que nos distanciam e aparentemente nos separam. Há um certo conforto em voltarmos aos lugares que os outros são na nossa vida.
Daqui a pouco, partimos para esse mundo de coisas coçadas e gastas, para o interior do conforto onde não há quem nos ponha à prova; nem perguntamos nem respondemos, recostamo-nos e descansamos. Se procurássemos a paz e não a felicidade inquieta, fazíamos de lugares assim a vida eterna.

Há uns meses atrás, por não ser surdo, deixei de fumar. Ando a tentar calar-me para não me ouvir e para não morrer pela boca, como acontece aos peixes. Agora dizem-me que também não devo comer até não ser a pança do sancho montada num esqueleto de burro escanzelado. E é isto a vida?

Eu visitava médicos tão raramente.

carnaval

Na sala de estar, a mulher tinha pendurado várias janelas - daquelas pequeninas reproduções em alto relevo. Quando olhava para elas, sentado do outro lado da sala, o homem ficava sempre incomodado a pensar que alguém por trás daquelas cortinas o estava a observar. Nesses momentos, para ele era certo que estava na rua dos outros, exposto aos olhares. Porque ele está no exterior das janelas. Outras vezes, optava por aproveitar o facto de ter aquelas janelas ali na pacatez da sua sala. Ninguém saberia que ele espreitava as casas dos outros pelas janelas que a mulher tinha comprado para a sua sala. Mas não havia o que ver. Não havia os outros de que o homem fala, porque não é uma janela que faz as pessoas. E muito menos não estão perto da janelas as pessoas quando as queremos ver.
Ao fim de um certo tempo, o homem procura ver pessoas mais palpáveis e procura os lugares de ver para fora da sua casa onde está fechado. Como a janela é pequena e é muito alta, o homem só pode ver um cortejo de carros que passam numa avenida que só tem carros. Uma bicha de carros que passam ininterruptamente, com uma paragem obrigada pelas mudanças de luz do semáforo. O homem sabe que há pessoas em algum sítio, mas a sua vista não as alcança. Desiste destas janelas que são molduras de paisagens longínquas, espantosos quadros ao pôr do sol. Passa a vida a tirar fotografias aproveitando o enquadramento das suas janelas. Acaba por decidir-se e arrasta-se para a varanda onde pode debruçar-se e, com um pouco de sorte, alguém há-de estar a passar para ser visto. À hora em que tudo isto se passa, o homem só pode ver carros dos dois lados da rua. E desiste.
Há sempre a esperança da nesga que faz de janela da cozinha. Já sem esperança, o homem levanta-se e vai para o único lugar que dá para as casas dos vizinhos. E confirma que todos fugiram para onde não são vistos nem achados.

Volta à sala. E, de comando na mão, abre a última janela. Nesta, pode escolher o que quer ver como estando lá, fora de si. Pode escolher o carnaval (e vê-lo prolongado por duas semanas). As primeiras tentativas dão-lhe imagens e notícias do carnaval inaugural no Palácio de Cristal do Porto e de dois corsos em Castelo Branco. Mais uma vez, repete que não é uma janela que faz as pessoas. Sem coragem para mais carnavais e para esquecer as dores nas costas, o homem fecha os olhos que é uma maneira de fechar todas as janelas. E adormece.


[o aveiro; 8/2/2005]

carnaval

Começou o carnaval... em Castelo Branco,
depois de um corso inaugural em Palácio de Cristal.

ainda

Na quinta, tentei perder as costas pelas costas da cidade.
Comprando livros e discos. Mas antes que o dia tivesse acabado já tinha dado os discos e enviado pelo correio um dos livros. Os outros foram para trás das costas.
Na sexta, perdi-me e fui parar ao médico sem que as costas me tivessem virado as costas.
No sábado, ainda nem sei se tome lugar dentro do comboio ou se hei-de virar-lhe as costas.

a canção do bandido

1.
Ainda não tinha assistido a qualquer debate ao vivo desta campanha. Para suprir essa falha na minha cultura, na segunda feira fui ao Porto assistir a um debate sobre a cultura em geral. Lá estavam representantes dos cinco partidos ou coligações com assento no parlamento para um debate proposto pela Plateia - associação de trabalhadores das artes cénicas - e moderado por uma jornalista do Público.
Pelo que me foi dado ouvir, o documento da Plateia recolhe o apoio de todos os partidos, apesar de levantar problemas, reclamar de injustiças e apontar faltas a quem tem governado e objectivos para quem venha a governar. Gostei de ver um conhecido actor de teatro e da televisão a actuar (e bem) como agitador de ideias, mas devo confessar que os políticos da direita presentes no debate são mesmo muito bons actores. Mostraram-se fabulosos e capazes de se dominarem mesmo quando foram denunciados os vencimentos milionários dos capatazes e comissários do poder nas instituições culturais ou quando foram denunciados os critérios e os loucos juízos emitidos pelos júris dos concursos nas áreas da cultura. Será que alguém mente por razões culturais?
2.
Na semana passada, participei em jornadas nacionais sobre educação ambiental em que se debatia a década das nações unidas da educação para o desenvolvimento sustentável. Não me espantou muito que o governo não se fizesse representar num debate alargado sobre um programa mundial que vai marcar uma década em aspectos tão importantes como a educação, o ambiente e o desenvolvimento sustentável. Não me espantou, mas é triste. Mais triste ainda termos constatado a inexistência de quadros superiores da administração pública que tivessem autonomia para participar nesse debate. Sabemos que o que se vai passar não pode depender em absoluto deste ou daquele governo.
3.
Nas artes cénicas, representações boas. No ambiente, representações em falta. Para compensar, uma revista semanal fez mais um génio português a partir de um meco de estrada e fez um apelo desesperado contra a esquerda e a favor do centrão como se estivesse em perigo o estilo de vida das tias da linha e isso fosse a identidade nacional que é preciso preservar. Agora têm sido apontados a dedo génios portugueses, um por semana, todos nos partidos do poder. Génios da lâmpada? Sabemos que é o nosso mau génio farsante, um fado menor, a canção do bandido, a fruta da época.


[o aveiro; 3/2/2005]


Notas:
Vale a pena ler na revista "Sábado" da semana passada: um espantoso e desesperado editorial, a elevação de Miguel Esteves Cardoso à categoria de génio, o artigo de opinião de MEC sobre a entrevista a F. Louçã.

de costas

Não posso mexer-me muito. Doem-me as costas. Por ter passado alguns dias sentado a ouvir, olhar e escrever muitas muitas horas por dia. Para além das horas que passei sentado de carro entre a casa e a capital do império dos sentados que discutiam a década das nações unidas da educação para o desenvolvimento sustentável.

Espero que a década possa ser vivida em caminhadas ao ar mais ou menos livre. E eu possa caminhar ao lado como se os visse de uma outra dobra no mesmo tempo, lentamente caminhando entre os sessenta e os setenta.

Por uma maioria de razão

Estamos em tempo de eleições. Diz-se um pouco de tudo.
O retrato do negócio do poder é feito pelas afirmações e acusações trocadas entre o PS e o PSD, sobre o modo como cada um deles serve as suas clientelas quando está no governo. Cada um deles espera que os seus simpatizantes pensem que é mentira o que deles dizem ou que achem muito bem na esperança de ver chegar a sua vez. Sobre o outro no poder, sabemos que cada um fala verdade em grande medida. Há qualquer coisa de paradoxal nestas acusações mútuas.
Há quem diga que o actual modelo partidário está esgotado. Mas sabemos que o modelo não está esgotado para os fins das clientelas. A defesa acérrima das maiorias absolutas para os partidos que venham a formar governo é disso o sinal mais óbvio. A seriedade de um partido mede-se pela capacidade de se colocar como parceiro em plataformas negociais sobre processos sociais que as decisões políticas podem melhorar. Um programa de governo que juntasse diferentes forças políticas seria uma nova dimensão e teria extraordinária força, acima dos interesses partidários, pela defesa da sociedade e da protecção e melhoria das condições de vida do povo todo, no seu presente e no seu futuro.
Exigir a maioria absoluta para um partido é a prova de que se quer governar sem contestação, logo para fins menores ou para interesses que não são os da sociedade inteira. Na sociedade portuguesa, as maiorias absolutas significaram sempre o desvio grosseiro para o abuso do poder, para interesses ilegítimos de clientelas partidárias e para a corrupção. Claro que há os que dizem que nada disto é com eles e até fazem reuniões sobre a sua verticalidade nesta questão das clientelas, como se cada um de nós não reconhecesse o imoral das suas nomeações locais.
Um outro aspecto prende-se com palavras como competitividade e produtividade, etc. E falam-nos dos exemplos de países como a Finlândia, dando a entender que lá se pratica a receita que eles nos querem aplicar. Mas não é nada do que eles defendem que lá vinga. Por lá há pouca corrupção, impostos muito elevados, estado com muito peso na segurança e assistência social, e os bens sociais como a saúde, as pensões, a educação e ensino ou o fomento científico são todos produzidos por serviços públicos.
A receita não é a maioria absoluta para a libertinagem dos liberais. Nós precisamos de uma maioria da razão.

[o aveiro; 27/01/2005]

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