A 12 de Março,
O Expresso publica
"A motivação e a autoconfiança" de Nuno Crato. O autor refere as conclusões de vários estudos que supostamente confirmam as suas opiniões e condena os erros pedagógicos que dominaram as decisões políticas desde há vários anos. Devo confessar que, em geral, estou de acordo com as teses óbvias e cheias de senso comum de Nuno Crato. A auto-estima e a motivação são muito menos importantes para aprender matemática do que o sentido de responsabilidade, por exemplo. E é evidente que ninguém estará em desacordo com uma frase como "Um estudo mostra que a preparação académica é um factor decisivo para o sucesso".
Hoje, a 20 de Março, o
Público publica
"Sete Pecados Capitais" de António Barreto, que já se refere às políticas gerais da educação e ao programa do governo. E devo confessar que quase me sinto tentado a estar de acordo com tudo o que ele diz, na esperança de haver razão que possa retirar-nos da situação em que nos encontramos.
Sempre com a sensação estranha de ver diminuídos (como atiradores a soldo, especialistas em emboscadas ou similares) estes comentadores, professores do ensino superior, que dominam em larga medida o espaço da opinião pública e sem capacidade para mudar o clima superior em que vivem. Algumas das críticas de António Barreto ganhariam em ser dirigidas ao ensino superior. Será que estou a dizer que erram o alvo? Não. Estou a dizer que lhes falta qualquer coisa e que isso pode ser a autoridade moral. [Alguns dos comentadores da praça e dos mais moralistas - não me estou a referir aos dois aqui citados - podem dar-se ao luxo medieval de não cumprirem quaisquer prazos nos limites da indecência para formar júris, prejudicando mestrandos que se arrastam anos à espera de uma aberta...]
Ora leiam lá e digam-me porque é que o sistema educativo dos oportunistas começa no básico e vai até ao secundário? Uma boa parte dos pecados referidos não atingem um nível superior nas universidades?
Vale a pena recordar, sumariamente, os principais erros da educação portuguesa. Aqueles que têm sido, ano após ano, década após década, cometidos por quase todos os governantes, repetidos por todos os governos e confirmados pelos partidos que até agora se ocuparam da questão
Em vésperas da aprovação do programa de governo e da entrada em funções dos novos ministros, ocorre pensar que em todo o recomeço há uma oportunidade única: a de corrigir erros atávicos e iniciar vida nova. Sei que esta é uma ilusão: nunca se começa verdadeiramente na estaca zero. O mito da vida nova, das manhãs límpidas e virginais, é sonho adolescente ou totalitário. O peso do que está e a inércia do que vem de trás são tais que é sempre necessário "negociar" com o real. É nesse "negócio" que tudo se ganha e tudo se perde. Os novos ministros da educação e das universidades têm a capacidade escolher se querem, ou não, ser vencidos pelo real.
Por isso vale a pena recordar, sumariamente, os principais erros da educação portuguesa. Aqueles que têm sido, ano após ano, década após década, cometidos por quase todos os governantes, repetidos por todos os governos e confirmados pelos partidos que até agora se ocuparam da questão.
DINHEIRO. A crença nesta falácia maior: mais dinheiro traz mais educação. Após três décadas de crescimento constante da despesa pública e privada com a educação, os resultados são confrangedores. Apesar de todos os ardis administrativos ensaiados, as taxas de insucesso e de abandono continuam altíssimas. Comparados com os de outros países, os resultados escolares são desoladores. A preparação técnica e cultural dos estudantes que terminam o secundário é insuficiente. Deve ser o sector da vida portuguesa onde mais se desperdiça e pior se gasta.
PROFESSORES. A convicção de que para educar mais e melhor são precisos mais professores. A tal ponto que Portugal pode gabar-se de ter um dos mais baixos números de alunos por professor. Situação que é agravada pelo facto de existirem milhares de professores destacados, requisitados e sem aulas. Assiste-se, aliás a um fenómeno curioso: havendo, por imperativos demográficos, cada vez menos estudantes, há cada vez mais professores. É possível que haja muitos milhares de professores a mais. A recusa, que os professores exprimem com veemência, de ver os pais participar na gestão da escola ou de deixar as autarquias envolverem-se activamente na educação, é obra cimeira da sua fortaleza de privilégios. O repúdio pelos gestores profissionais, aceite pelos políticos do ministério, é a expressão singela do seu poder.
CENTRALIZAÇÃO. A arrogância burocrática e estatal, acompanhada pela estratégia dos sindicatos de professores, faz com que o Ministério da Educação (e do Ensino Superior) tenha o desplante de querer administrar, a partir de Lisboa, 12.000 escolas, mais de 200.000 professores e mais de milhão e meio de alunos. A desumanização das escolas não podia ser melhor servida. A ineficiência é outro produto deste dogma. Como se vê com o concurso anual de colocação de professores. Da centralização, resulta ainda a uniformização, erro maior. É a certeza vigente de que o sistema educativo deve ser totalmente integrado, a fim de impor gestão e procedimentos únicos. Este modelo, supostamente destinado a combater as desigualdades sociais, é o mais forte incentivo à mediocridade. Na melhor das hipóteses, à mediania. Também provoca a degradação do ensino público e a fuga das classes médias para o privado.
MODAS. A adesão entusiasta a todas as modas que, sucessivamente, se vão criando para a pedagogia, a organização curricular, a gestão escolar, a avaliação e a elaboração de programas. Aquilo a que se chama em Portugal o "facilitismo" é a coroa de glória destas modas: estudar deve ser um prazer; nunca se deve chumbar; os exames são fonte de "stress"; os professores e os estudantes são iguais em responsabilidades, direitos e deveres; os "saberes" e as "competências" são mais importantes do que os conhecimentos e o treino; a cultura geral e os clássicos, numa palavra, a educação "livresca", são privilégios das classes favorecidas. São disparates feitos políticas.
SISTEMA FECHADO. O sistema educativo e as escolas estão organizados de modo a proteger as instituições da sociedade. Isto é, a evitar o controlo social, a interferência dos pais, o interesse das empresas, o empenho dos profissionais e suas organizações e a responsabilidade das autarquias. Assim, ninguém presta contas a ninguém. Ninguém é responsável perante ninguém. Ou antes, os professores são responsáveis diante deles próprios. O quartel-general deste sistema reside no ministério, onde "especialistas", burocratas, professores destacados e delegados sindicais governam de facto.
INSTABILIDADE. Perante a indiferença das autarquias e o silêncio dos pais, a aceitação, pelo ministério, da instabilidade docente nas escolas é uma das principais causas do desastre pedagógico e educativo em que vivemos. Resulta directamente da gestão centralizada, da uniformização do sistema e da cumplicidade dos sindicatos que não querem que as escolas sejam da responsabilidade das autarquias. Apesar das lágrimas de crocodilo dos seus dirigentes, a instabilidade, o concurso nacional de professores e a gestão centralizada são armas com as quais os sindicatos forjam o seu poder e mantém os professores na sua dependência.
A GESTÃO DEMOCRÁTICA. Aquilo a que em Portugal se chama gestão democrática é tudo menos democrática. A ser alguma coisa, é demagógica e corporativa. Mas desconfia-se que também não seja bem gestão. Será qualquer coisa como autogestão docente, com o apoio do ministério e dos sindicatos, o que equivale a dizer em circuito fechado. A recusa, feita em nome da democracia, do "director de escola", é o mais pernicioso dogma da demagogia educativa reinante. A gestão democrática das escolas é o princípio fundador da irresponsabilidade dos professores perante a comunidade.
A estes sérios vícios, dever-se-á acrescentar a demagogia, usada por quase todos os protagonistas. Pelos políticos, que sistematicamente transformam a educação em prioridade (o que já é do ponto de vista orçamental) e se limitam a seguir os burocratas, os "especialistas" e os sindicatos. Pelos sindicatos, que reclamam mais professores, mais vencimentos e mais privilégios. Pelos professores que se fazem eleger pelos seus pares e não prestam contas a mais ninguém. Pelos universitários eleitos pelos estudantes e pelos funcionários. Por todos estes acima referidos que não cessam de afirmar que querem ver as comunidades, as profissões e os pais interessados na educação, mas que tudo fazem para os afastar das escolas e lhes retirar qualquer capacidade de envolvimento.
Resta acrescentar que estes pecados não se combatem com a virtude. Muito menos com a repressão escolar. Combatem-se, isso sim, com a liberdade. Com a diversidade. E com a responsabilidade.