os pés de barro
Quantas vezes passaste as mãos calejadas pelo rugoso tronco na esperança de veres o tempo recuar? Quantas vezes sentiste ou imaginaste sentir no cavado da tua mão de escultor o cabo do canivete? Olhas a lâmina escondida, por breves instantes faiscando ao sol, com que cavas a tua jura de amor na velha casca da árvore. Sentado na balaustrada norte do jardim, com uma indiferença sobressaltada, disfarças os gestos meticulosos com que talhas o nome dela.
Lembras-te de cada sobressalto, do medo de seres descoberto pelos guardas do jardim ou por quem por ti passasse ou por algum colega que, se adivinhasse, não deixaria de troçar de ti, cantando o nome dela. Lembras-te de tudo. E não podes encontrar vestígios desse gesto.
Sentes a marca que fizeste, como sentirias uma mão depois de ter sido amputada. Sabes que não está lá, que não sobram vestígios desse baixo-relevo insensato e, talvez por isso, vejas agora mais nitidamente que antes o nome talhado e ainda impossível de nomear.
Tu sabes que ela nunca soube que o nome dela cavou o teu peito tão fundo quão fundo foi o teu desespero ao nomeá-la na velha árvore do extremo do jardim onde esperavas a camioneta para voltar à aldeia, ao fim da tarde, depois das aulas. Ninguém pode calcular a ternura que esta memória carrega, porque ninguém tem balança que pese paixão que nem ousou levantar os olhos e nem foi reconhecida para não ser rejeitada. Vivida por uma solidão maior, fez-se maior paixão, sem sim e sem não, e ... sem compaixão. Nunca foi além desse gesto de esperança na eternidade do nome em casca daquela árvore e abrigo.
Passavas pela tua árvore e imaginavas que ela ali estava, tão perto da entrada do parque e tão escondida pelo pequeno café-bar. De vez em quando, fotografavas a árvore como ias fotografando outras. Era isso o que dizias a ti mesmo, sabendo que ela era uma irrepetível escultura do tempo... e tua. Como vais aceitar que a tenham encontrado seca e enrugada, indefesa como tu, e tenham decidido ceifá-la? Tinhas-te convencido que ela não incomodava ali atrás do pequeno café e era, como era para ti, a mais bela árvore de torturados ramos.
Sempre soubeste que uma parte de ti ali ficara. Passados quase cinquenta anos, incapaz de perdoar a quem matou o sonho, não podes fazer mais do que tirar mais uma fotografia e passar a tua mão pela ferida vegetal, cheirar a serradura e olhar as tuas unhas que se quebraram a arranhar a eternidade.
[o aveiro;5/5/2005]
Lembras-te de cada sobressalto, do medo de seres descoberto pelos guardas do jardim ou por quem por ti passasse ou por algum colega que, se adivinhasse, não deixaria de troçar de ti, cantando o nome dela. Lembras-te de tudo. E não podes encontrar vestígios desse gesto.
Sentes a marca que fizeste, como sentirias uma mão depois de ter sido amputada. Sabes que não está lá, que não sobram vestígios desse baixo-relevo insensato e, talvez por isso, vejas agora mais nitidamente que antes o nome talhado e ainda impossível de nomear.
Tu sabes que ela nunca soube que o nome dela cavou o teu peito tão fundo quão fundo foi o teu desespero ao nomeá-la na velha árvore do extremo do jardim onde esperavas a camioneta para voltar à aldeia, ao fim da tarde, depois das aulas. Ninguém pode calcular a ternura que esta memória carrega, porque ninguém tem balança que pese paixão que nem ousou levantar os olhos e nem foi reconhecida para não ser rejeitada. Vivida por uma solidão maior, fez-se maior paixão, sem sim e sem não, e ... sem compaixão. Nunca foi além desse gesto de esperança na eternidade do nome em casca daquela árvore e abrigo.
Passavas pela tua árvore e imaginavas que ela ali estava, tão perto da entrada do parque e tão escondida pelo pequeno café-bar. De vez em quando, fotografavas a árvore como ias fotografando outras. Era isso o que dizias a ti mesmo, sabendo que ela era uma irrepetível escultura do tempo... e tua. Como vais aceitar que a tenham encontrado seca e enrugada, indefesa como tu, e tenham decidido ceifá-la? Tinhas-te convencido que ela não incomodava ali atrás do pequeno café e era, como era para ti, a mais bela árvore de torturados ramos.
Sempre soubeste que uma parte de ti ali ficara. Passados quase cinquenta anos, incapaz de perdoar a quem matou o sonho, não podes fazer mais do que tirar mais uma fotografia e passar a tua mão pela ferida vegetal, cheirar a serradura e olhar as tuas unhas que se quebraram a arranhar a eternidade.
[o aveiro;5/5/2005]
A família e os amigos.
1.
Há assuntos de família. Os assuntos de família dos outros não me dizem respeito. Não me interessa minimamente a família de Freitas do Amaral. Mesmo quando algum membro da família de Freitas do Amaral foge ao fisco e aos credores, penso que cabe à justiça tratar do caso. Não é assunto que me leve a escrever.
Mas quando o membro da família de Freitas do Amaral que foge ao fisco e aos credores (também trabalhadores por conta dele) aparece com cargo (e mais que bem remunerado) no Ministério dos Negócios Estrangeiros já tenho de me preocupar com ele e com Freitas do Amaral. É mau sinal. O homem não paga ao estado o que lhe deve e recebe do bolo para o qual não dá. E o estado paga-lhe mesmo quando não deve? Não temos um Ministério de Negócios Estranhos.
Denunciado, o familiar demitiu-se. Mas é preciso não esquecer.
2.
E as amizades? As amizades de alguns políticos são curiosas. O nosso Durão Barroso é uma das maiores atra(i)cções de amigos. Há menos de 30 anos, Durão Barroso era um jovem militante maoísta e os amigos que então tinha não vêm ao caso. Há cerca de seis anos chegou ao topo do PSD e a primeiro ministro. Nessa altura, ainda mal aquecera o seu lugar de primeiro quando um amigo de Durão Barroso, com ilha no Brasil, o convida (família incluída) para uma de boas festas com viagem em jacto particular. Quanto custará a prenda do milionário amigo? Durão não deu cavaco ao espanto do povo que maldisse entredentes a compra pelo governo de um magnífico topo de gama à empresa do amigo, bem como a concretização de outros chorudos negócios.
Ainda não passou um ano de chefe dos comissários da União Europeia e já nos dizem que Durão e família teve direito a um cruzeiro de milionário. Durão Barroso alargou o seu leque de amizades milionárias e foi um milionário grego quem lhe ofereceu o cruzeiro. Por acaso, é alguém que não quer ver-se grego nos negócios que mantém com a união de que Durão é chefe executivo.
A família não se escolhe. Os amigos escolhem-se. Os negociantes milionários escolhem, para amigos, primeiros ministros e presidentes de comissão. Há um primeiro ministro e presidente da comissão europeia que é português e aceita prendas milionárias. Em exercício.
Quem disse que estes tipos prestigiam o nome de Portugal? O bom nome?
3.
Foi para estes que se fez o "25 de Abril"?
[o aveiro, 28/04/2005]
Há assuntos de família. Os assuntos de família dos outros não me dizem respeito. Não me interessa minimamente a família de Freitas do Amaral. Mesmo quando algum membro da família de Freitas do Amaral foge ao fisco e aos credores, penso que cabe à justiça tratar do caso. Não é assunto que me leve a escrever.
Mas quando o membro da família de Freitas do Amaral que foge ao fisco e aos credores (também trabalhadores por conta dele) aparece com cargo (e mais que bem remunerado) no Ministério dos Negócios Estrangeiros já tenho de me preocupar com ele e com Freitas do Amaral. É mau sinal. O homem não paga ao estado o que lhe deve e recebe do bolo para o qual não dá. E o estado paga-lhe mesmo quando não deve? Não temos um Ministério de Negócios Estranhos.
Denunciado, o familiar demitiu-se. Mas é preciso não esquecer.
2.
E as amizades? As amizades de alguns políticos são curiosas. O nosso Durão Barroso é uma das maiores atra(i)cções de amigos. Há menos de 30 anos, Durão Barroso era um jovem militante maoísta e os amigos que então tinha não vêm ao caso. Há cerca de seis anos chegou ao topo do PSD e a primeiro ministro. Nessa altura, ainda mal aquecera o seu lugar de primeiro quando um amigo de Durão Barroso, com ilha no Brasil, o convida (família incluída) para uma de boas festas com viagem em jacto particular. Quanto custará a prenda do milionário amigo? Durão não deu cavaco ao espanto do povo que maldisse entredentes a compra pelo governo de um magnífico topo de gama à empresa do amigo, bem como a concretização de outros chorudos negócios.
Ainda não passou um ano de chefe dos comissários da União Europeia e já nos dizem que Durão e família teve direito a um cruzeiro de milionário. Durão Barroso alargou o seu leque de amizades milionárias e foi um milionário grego quem lhe ofereceu o cruzeiro. Por acaso, é alguém que não quer ver-se grego nos negócios que mantém com a união de que Durão é chefe executivo.
A família não se escolhe. Os amigos escolhem-se. Os negociantes milionários escolhem, para amigos, primeiros ministros e presidentes de comissão. Há um primeiro ministro e presidente da comissão europeia que é português e aceita prendas milionárias. Em exercício.
Quem disse que estes tipos prestigiam o nome de Portugal? O bom nome?
3.
Foi para estes que se fez o "25 de Abril"?
[o aveiro, 28/04/2005]
O que é a inovação?
Inovação é pegar em conhecimentos novos e transformá-los em riqueza! - diz uma mulher na televisão.
25 de Abril, sempre!
Não parámos de correr ao lado do nosso tempo. Ás vezes pensávamos que corríamos à sua frente. Mas isso sabemos hoje que é o puro engano que queríamos ou de que precisávamos para continuar a correr para o lado da frente, onde, por convenção, o tempo se está a desenrolar sem parar.
De todos os rumos que a conversa podia ter tomado, rumámos para o lado da liberdade e da democracia. Não demos tanta importância ao desenvolvimento sempre que ele nos aparecia como coisa desgarrada da liberdade, da democracia e até da igualdade. Houve tempos em que mantivemos uma confusão entre igualdade e igualitarismo. Mas não foi isso que estragou a caminhada.
De resto, a nossa vida não chegou para mais do que uma conversa intermitente sobre a cultura em geral, a matemática como tema e o ensino bem sucedido na aprendizagem como obsessão. Comprámos todas as ideias que havia para comprar. Tudo se resumia em encontrar uma que funcionasse. A ideia foi estratégia e táctica, pedagogia e didáctica, actividade e tarefa, situação e problema, teoria e prática, etc. Fora isso, navegámos sempre com os amigos à vista e eram eles quem nos guiavam nos disparates maiores sobre a ilusão das criação do homem novo pela educação e pelo bem estar geral, pela fraternidade universal,... A idade leva-nos a pensar que nada é tão profundo assim e que o nosso papel e o da nossa época é infinitesimal. De facto, até esses amigos fomos perdendo de vista à medida que os víamos do lado dos poderosos e sem serem os exemplos que nós queríamos ver.
Há quem arranje novos amigos dos novos conhecidos que são ricos e poderosos. Conhecemos militantes marxistas leninistas que, em trinta anos, se tornaram políticos nos partidos do poder e ganharam amigos milionários ou são eles mesmos milionários. Amigos? Estranho, não é?
Talvez não! Provavelmente não estamos a falar de amigos, mas de trocas de favores e tráfico de influências. O mais provável é que nem haja amigos nesse mundo para onde eles foram.
Fugimos desse mundo. E arriscamo-nos a ser acusados de crimes vários e cobardia. Mas se é verdade que a democracia é o melhor de entre todos os maus sistemas políticos, continuamos a acreditar que os tipos da nossa geração que foram para o poder fizeram algum mau serviço quando foram exemplos de corrupção e levaram multidões a pensar que o poder corrrompe, que todos os políticos são uma merda sem excepção e que não foi para alimentar estes filhos da puta que se fez o 25 de Abril.
Não podemos resumir o que fizemos e o que falhou de tudo o que fizemos, nem podemos saber o que sobrou do que fizemos. De certo modo, podemos fazer a lista dos desejos que perseguimos, sabendo que hoje continuamos no caminho, um pouco mais à frente no caminho para o que sabemos inacessível e não desistimos de atingir.
De todos os rumos que a conversa podia ter tomado, rumámos para o lado da liberdade e da democracia. Não demos tanta importância ao desenvolvimento sempre que ele nos aparecia como coisa desgarrada da liberdade, da democracia e até da igualdade. Houve tempos em que mantivemos uma confusão entre igualdade e igualitarismo. Mas não foi isso que estragou a caminhada.
De resto, a nossa vida não chegou para mais do que uma conversa intermitente sobre a cultura em geral, a matemática como tema e o ensino bem sucedido na aprendizagem como obsessão. Comprámos todas as ideias que havia para comprar. Tudo se resumia em encontrar uma que funcionasse. A ideia foi estratégia e táctica, pedagogia e didáctica, actividade e tarefa, situação e problema, teoria e prática, etc. Fora isso, navegámos sempre com os amigos à vista e eram eles quem nos guiavam nos disparates maiores sobre a ilusão das criação do homem novo pela educação e pelo bem estar geral, pela fraternidade universal,... A idade leva-nos a pensar que nada é tão profundo assim e que o nosso papel e o da nossa época é infinitesimal. De facto, até esses amigos fomos perdendo de vista à medida que os víamos do lado dos poderosos e sem serem os exemplos que nós queríamos ver.
Há quem arranje novos amigos dos novos conhecidos que são ricos e poderosos. Conhecemos militantes marxistas leninistas que, em trinta anos, se tornaram políticos nos partidos do poder e ganharam amigos milionários ou são eles mesmos milionários. Amigos? Estranho, não é?
Talvez não! Provavelmente não estamos a falar de amigos, mas de trocas de favores e tráfico de influências. O mais provável é que nem haja amigos nesse mundo para onde eles foram.
Fugimos desse mundo. E arriscamo-nos a ser acusados de crimes vários e cobardia. Mas se é verdade que a democracia é o melhor de entre todos os maus sistemas políticos, continuamos a acreditar que os tipos da nossa geração que foram para o poder fizeram algum mau serviço quando foram exemplos de corrupção e levaram multidões a pensar que o poder corrrompe, que todos os políticos são uma merda sem excepção e que não foi para alimentar estes filhos da puta que se fez o 25 de Abril.
Não podemos resumir o que fizemos e o que falhou de tudo o que fizemos, nem podemos saber o que sobrou do que fizemos. De certo modo, podemos fazer a lista dos desejos que perseguimos, sabendo que hoje continuamos no caminho, um pouco mais à frente no caminho para o que sabemos inacessível e não desistimos de atingir.
... la verdad es un armario lleno de sombra
Juro que la belleza
no proporciona dulces
sueños, sino el insomnio
purísimo del hielo,
la dura, indeclinable
materia del relámpago.
Gamoneda
no proporciona dulces
sueños, sino el insomnio
purísimo del hielo,
la dura, indeclinable
materia del relámpago.
Gamoneda
Hábitos de leitura?
O prego no sapato pergunta e eu respondo:
1. Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Confesso que nunca me passaria pela cabeça querer ser um livro.
2. Já alguma vez ficaste apanhadinho por um personagem de ficção?
Também me deixei maravilhar com velhos eternos que vivem no realismo fantástico latino-americano ou personagens dos romances de Amado, London ou Gorki ou ... de Umberto Ecco, por exemplo. Mas eu sou apanhado por tudo quanto é personagem dos romances que leio. Sou um fraco.
3. Qual foi o último livro que compraste?
O último? Geometria, do Eduardo Veloso, num encontro de professores de Matemática ali para os lados de Albufeira. De vez em quando compro mais uma Geometria do Veloso. Antes, para além de alguns livros de divulgação científica, tinha comprado a "Poesia" de Montale, "A Tábua de Flandres" de Pérez-Reverte, "Glória" de Vasco Pulido Valente e "Documentos Arabicos para a História Portugueza copiados dos originais da Torre do Tombo...." de Fr. João de Sousa. E comprei as "Cartas a Lucílio" de Séneca. Não sei qual foi o último.
4. Que livros estás a ler?
Poesia, de Montale. Rimas, de Petrarca (VGM). A Tábua de Flandres, de Arturo Pérez-Reverte. E descanso a cabeça na geometria deste e daquele
5. Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Nunca saberei. Porque iria para uma ilha deserta? Para morrer? Para ler? Para fugir daqui? Escolhia alguns desafios matemáticos que pudessem dar bons desenhos na areia. E talvez levasse "A ordem alfabética" porque numa ilha deserta teria de ter presente todos os perigos de alguma boa ordem, um Vian qualquer, uma Lírica de Camões para ser feliz e infeliz com todo o encanto.
6. A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
Ao Arcêncio de "Um murtoseiro" porque sim, ao Delfim de "A sebenta" porque não? e à Rosário Fardilha de "Divas e Contrabaixo" por não a conhecer e não conhecer outra diva com contrabaixo.
1. Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Confesso que nunca me passaria pela cabeça querer ser um livro.
2. Já alguma vez ficaste apanhadinho por um personagem de ficção?
Também me deixei maravilhar com velhos eternos que vivem no realismo fantástico latino-americano ou personagens dos romances de Amado, London ou Gorki ou ... de Umberto Ecco, por exemplo. Mas eu sou apanhado por tudo quanto é personagem dos romances que leio. Sou um fraco.
3. Qual foi o último livro que compraste?
O último? Geometria, do Eduardo Veloso, num encontro de professores de Matemática ali para os lados de Albufeira. De vez em quando compro mais uma Geometria do Veloso. Antes, para além de alguns livros de divulgação científica, tinha comprado a "Poesia" de Montale, "A Tábua de Flandres" de Pérez-Reverte, "Glória" de Vasco Pulido Valente e "Documentos Arabicos para a História Portugueza copiados dos originais da Torre do Tombo...." de Fr. João de Sousa. E comprei as "Cartas a Lucílio" de Séneca. Não sei qual foi o último.
4. Que livros estás a ler?
Poesia, de Montale. Rimas, de Petrarca (VGM). A Tábua de Flandres, de Arturo Pérez-Reverte. E descanso a cabeça na geometria deste e daquele
5. Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Nunca saberei. Porque iria para uma ilha deserta? Para morrer? Para ler? Para fugir daqui? Escolhia alguns desafios matemáticos que pudessem dar bons desenhos na areia. E talvez levasse "A ordem alfabética" porque numa ilha deserta teria de ter presente todos os perigos de alguma boa ordem, um Vian qualquer, uma Lírica de Camões para ser feliz e infeliz com todo o encanto.
6. A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
Ao Arcêncio de "Um murtoseiro" porque sim, ao Delfim de "A sebenta" porque não? e à Rosário Fardilha de "Divas e Contrabaixo" por não a conhecer e não conhecer outra diva com contrabaixo.
Como vamos de amores?
O homem olha para trás, por cima do ombro. Os olhos pouco vêem, mas não lhe escapa uma sombra na parede. Apressa o passo para o lugar inundado pela luz. Ali chegado, descansa encostado a uma parede que nem existe. Ali sente-se bem e seguro: tem governo europeu, nacional, regional e local, tem presidente, tem pároco, bispo, cardeal e tem... papa. Não lhe falta nada porque ninguém lhe falta.
O homem olha para trás, por cima do ombro. Agora que o afastaram de todas as sombras e de todas as dúvidas, o homem pode descansar. O homem, da sua varanda de luz, diz para quem o quer olhar que nem tudo o que lhe é dado ver merece ser olhado com compreensão.
[ Cada um de nós sabe que algumas verdades apregoadas já foram desmentidas pelo rigor dos factos observados e dos resultados das experiências vividas e não mostramos compreensão pelo relativismo. Podemos combater as ideias perniciosas e opostas a evidências científicas sem condenar ou agredir fisicamente quem as defenda. E não mostramos a mínima compreensão para quem defenda a violência, viole os direitos de outros, destrua o património natural e construído de todos e de cada um, ... ]
O homem olha para trás, por cima do ombro. Ensinaram-lhe isso, mesmo antes de lhe darem a sua quota parte de ciência e de lhe cederem um lugar humano. Ensinam-lhe isso dando-lhe a beber crenças que o incluem numa parcela humana e o excluem das outras.
[Mas a aldeia global que o mundo é oferece-nos a visão do outro com suas crenças, muitas vezes tão opostas nos interesses sectários como unidas em origens comuns. E isso fez-nos olhar para os outros, para compreender e não excluir. Sem nos obrigarmos a mudar de crenças, sabemos da variedade e da unidade e aprendemos a olhar.]
O homem olha para trás, por cima do ombro. Por medo das sombras e das dúvidas. Nesta semana, ouvimos muitas vezes falar da necessidade de negar e renegar o relativismo neste sentido das crenças religiosas. De que falamos quando falamos de relativismo? No que respeita à universalidade dos direitos humanos não aceitamos qualquer relativismo cultural ou étnico nem relativismo contra as evidências científicas.
Da obra humana, o que mais há que não seja relativo?
[o aveiro; 21/04/2005]
O homem olha para trás, por cima do ombro. Agora que o afastaram de todas as sombras e de todas as dúvidas, o homem pode descansar. O homem, da sua varanda de luz, diz para quem o quer olhar que nem tudo o que lhe é dado ver merece ser olhado com compreensão.
[ Cada um de nós sabe que algumas verdades apregoadas já foram desmentidas pelo rigor dos factos observados e dos resultados das experiências vividas e não mostramos compreensão pelo relativismo. Podemos combater as ideias perniciosas e opostas a evidências científicas sem condenar ou agredir fisicamente quem as defenda. E não mostramos a mínima compreensão para quem defenda a violência, viole os direitos de outros, destrua o património natural e construído de todos e de cada um, ... ]
O homem olha para trás, por cima do ombro. Ensinaram-lhe isso, mesmo antes de lhe darem a sua quota parte de ciência e de lhe cederem um lugar humano. Ensinam-lhe isso dando-lhe a beber crenças que o incluem numa parcela humana e o excluem das outras.
[Mas a aldeia global que o mundo é oferece-nos a visão do outro com suas crenças, muitas vezes tão opostas nos interesses sectários como unidas em origens comuns. E isso fez-nos olhar para os outros, para compreender e não excluir. Sem nos obrigarmos a mudar de crenças, sabemos da variedade e da unidade e aprendemos a olhar.]
O homem olha para trás, por cima do ombro. Por medo das sombras e das dúvidas. Nesta semana, ouvimos muitas vezes falar da necessidade de negar e renegar o relativismo neste sentido das crenças religiosas. De que falamos quando falamos de relativismo? No que respeita à universalidade dos direitos humanos não aceitamos qualquer relativismo cultural ou étnico nem relativismo contra as evidências científicas.
Da obra humana, o que mais há que não seja relativo?
[o aveiro; 21/04/2005]
o que se encontra
De um caderno antigo, cai-me um papel que tinha um recado
Do outro lado, da folha há quem exista por ter sido desenhado
em 1986, em alguma reunião do sindicato.
sonito
arranjei uma des
culpa para te te
lefonar esta vez
foi bom ouvir-te
mas saber-te dis
tante tão que es
queceste o feliz
riso entredentes
não te lembrares
do meu nome inda
vá mas do cheiro
o nada guardares
triste'sim find'a
mor num tinteiro
culpa para te te
lefonar esta vez
foi bom ouvir-te
mas saber-te dis
tante tão que es
queceste o feliz
riso entredentes
não te lembrares
do meu nome inda
vá mas do cheiro
o nada guardares
triste'sim find'a
mor num tinteiro
A aranha
Não há dia que passe sem que se desvele uma ou outra faceta mais ou menos confidencial de algum ex-ministro. Não fico muito perturbado ao saber que eles são quem são e o que são e o que fazem ou fizeram.
Na última semana, ficamos a saber da natureza das habilidades de Paulo Portas quando utilizou militares fardados para dar credibilidade aos ecos da propaganda americana durante a guerra do Iraque. Os militares cumpriram ordens expressas do poder político. Durante o tempo que durou a guerra, isso aconteceu sistematicamente. Há quem saiba que os militares não podem tomar a iniciativa de serem comentadores. Mas há muita gente que pode ter pensado em liberdade na iniciativa dos fardados e que essa presença dos militares era enriquecimento da informação e não manipulação pura.
Sabemos agora que mentiam com quantos dentes tinham na boca quando falavam das decisões sobre a Bombardier e a produção disto ou daquilo, ou quando enchiam a boca com a segurança interna, o reequipamento das polícias, etc.
Para além dos louvores e das nomeações de conveniência, ex-ministros trataram de formalizar negócios de milhões em fim de linha, em que o dinheiro corria dos cofres do estado para os cofres das empresas dos amigos. Apressados negócios feitos por governantes sempre de boca cheia para a moralização das contas públicas, para o controle do défice, ... para a necessidade de sacrifícios por parte dos trabalhadores, a começar na função pública. Os nomes a lucrar do lado do sector privado são figuras, figurantes e figurões que aparecem nas televisões como vasos comunicantes de sabedoria e honestidade. Andam por aí esses políticos que são banqueiros ou administradores por serem ou terem sido influentes políticos, etc. Sabemos dos negócios e sabemos dos nomes dos figurões, badalados em congresso. Sabemos até dos negócios porque o novo governo teve de anular alguns deles.
Não fiquei perturbado por saber o que afinal sabia.
O que me perturba é que estas actuações de Paulo Portas e governos só foram analisadas e criticadas pelos jornalistas e suas organizações depois da queda do governo. E dos negócios? Soubemos quando? De quantos?
Fico perturbado, porque me sobra uma ligeira sensação de controle da comunicação social que conta mais poderosos políticos comentadores que jornalistas livres de exercer a sua profissão.
[o aveiro; 14/04/2005]
Na última semana, ficamos a saber da natureza das habilidades de Paulo Portas quando utilizou militares fardados para dar credibilidade aos ecos da propaganda americana durante a guerra do Iraque. Os militares cumpriram ordens expressas do poder político. Durante o tempo que durou a guerra, isso aconteceu sistematicamente. Há quem saiba que os militares não podem tomar a iniciativa de serem comentadores. Mas há muita gente que pode ter pensado em liberdade na iniciativa dos fardados e que essa presença dos militares era enriquecimento da informação e não manipulação pura.
Sabemos agora que mentiam com quantos dentes tinham na boca quando falavam das decisões sobre a Bombardier e a produção disto ou daquilo, ou quando enchiam a boca com a segurança interna, o reequipamento das polícias, etc.
Para além dos louvores e das nomeações de conveniência, ex-ministros trataram de formalizar negócios de milhões em fim de linha, em que o dinheiro corria dos cofres do estado para os cofres das empresas dos amigos. Apressados negócios feitos por governantes sempre de boca cheia para a moralização das contas públicas, para o controle do défice, ... para a necessidade de sacrifícios por parte dos trabalhadores, a começar na função pública. Os nomes a lucrar do lado do sector privado são figuras, figurantes e figurões que aparecem nas televisões como vasos comunicantes de sabedoria e honestidade. Andam por aí esses políticos que são banqueiros ou administradores por serem ou terem sido influentes políticos, etc. Sabemos dos negócios e sabemos dos nomes dos figurões, badalados em congresso. Sabemos até dos negócios porque o novo governo teve de anular alguns deles.
Não fiquei perturbado por saber o que afinal sabia.
O que me perturba é que estas actuações de Paulo Portas e governos só foram analisadas e criticadas pelos jornalistas e suas organizações depois da queda do governo. E dos negócios? Soubemos quando? De quantos?
Fico perturbado, porque me sobra uma ligeira sensação de controle da comunicação social que conta mais poderosos políticos comentadores que jornalistas livres de exercer a sua profissão.
[o aveiro; 14/04/2005]
para onde vou
para onde vou
a vida sucessiva rolante
basta como transporte
por quem eu sou
apressa-se vítima confiante
a amante rente à morte
a vida sucessiva rolante
basta como transporte
por quem eu sou
apressa-se vítima confiante
a amante rente à morte
A regra dos três simples
José Sócrates é Primeiro Ministro, Lurdes Rodrigues é Ministra da Educação e Valter Lemos é Secretário de Estado da Educação. Escrevo aqui os nomes, porque ainda hoje há professores nas escolas públicas sem saber quem é quem no Ministério da Educação.
Vi os três juntos em visita a uma escola dos arredores de Lisboa. Juntos e ao vivo enunciaram a regra falhada e a que chamo agora a regra dos três simples, enunciada também em comunicado do governo: "Os tempos escolares devem ser totalmente preenchidos...", isto é, que "em caso de falta de alguma actividade lectiva prevista, a escola disponibilize imediatamente uma resposta para os alunos" e, para conseguir isso, diz-se que "há em todas as escolas professores cuja disponibilidade deve ser plenamente utilizada pela escola para ensinar e acompanhar os alunos em todo o dia escolar" e que ?as escolas dispõem de recursos como bibliotecas,"etc... para "a ocupação plena dos tempos escolares".
Esta regra toca um dos pontos nevrálgicos do sistema - disciplina do horário escolar dos estudantes e horário dos professores. E, se é verdade que felizmente começa a haver instalações equipadas para o trabalho escolar com os estudantes não é menos verdade que não há condições mínimas para o trabalho não lectivo dos docentes e que é, por isso, impossível garantir a presença dos professores quando não estão a dar aulas aos seus alunos. Os professores do ensino não superior carregam toda a vida numa pasta ambulante, podem não ter sequer uma gaveta, não têm certamente mesa ou cadeira para o seu trabalho não lectivo que pode ocupar mais tempo que o lectivo.
Num país em que se lê pouco, não devia ser difícil fazer o mais simples: sempre que há tempo, cada um lê, todos lêem. Porque é que uma coisa tão simples como essa não funciona? Não deve ser só por dificuldades dos professores e das instalações.
É preciso criar condições para a permanência dos professores na escola e restaurar a exigência sobre a qualidade dos serviços de educação e ensino, exigindo aos estudantes responsabilidade e cumprimento de obrigações, iniciativa e disciplina.
Sem questiúnculas sindicais de horários a contaminar o que é um problema cívico de exigência, aproveitemos para lutar pela dignidade e exigir respeito e condições para o trabalho dos profissionais nas escolas públicas.
E se faça escola rigorosamente simples.
[o aveiro; 7/04/2005]
Vi os três juntos em visita a uma escola dos arredores de Lisboa. Juntos e ao vivo enunciaram a regra falhada e a que chamo agora a regra dos três simples, enunciada também em comunicado do governo: "Os tempos escolares devem ser totalmente preenchidos...", isto é, que "em caso de falta de alguma actividade lectiva prevista, a escola disponibilize imediatamente uma resposta para os alunos" e, para conseguir isso, diz-se que "há em todas as escolas professores cuja disponibilidade deve ser plenamente utilizada pela escola para ensinar e acompanhar os alunos em todo o dia escolar" e que ?as escolas dispõem de recursos como bibliotecas,"etc... para "a ocupação plena dos tempos escolares".
Esta regra toca um dos pontos nevrálgicos do sistema - disciplina do horário escolar dos estudantes e horário dos professores. E, se é verdade que felizmente começa a haver instalações equipadas para o trabalho escolar com os estudantes não é menos verdade que não há condições mínimas para o trabalho não lectivo dos docentes e que é, por isso, impossível garantir a presença dos professores quando não estão a dar aulas aos seus alunos. Os professores do ensino não superior carregam toda a vida numa pasta ambulante, podem não ter sequer uma gaveta, não têm certamente mesa ou cadeira para o seu trabalho não lectivo que pode ocupar mais tempo que o lectivo.
Num país em que se lê pouco, não devia ser difícil fazer o mais simples: sempre que há tempo, cada um lê, todos lêem. Porque é que uma coisa tão simples como essa não funciona? Não deve ser só por dificuldades dos professores e das instalações.
É preciso criar condições para a permanência dos professores na escola e restaurar a exigência sobre a qualidade dos serviços de educação e ensino, exigindo aos estudantes responsabilidade e cumprimento de obrigações, iniciativa e disciplina.
Sem questiúnculas sindicais de horários a contaminar o que é um problema cívico de exigência, aproveitemos para lutar pela dignidade e exigir respeito e condições para o trabalho dos profissionais nas escolas públicas.
E se faça escola rigorosamente simples.
[o aveiro; 7/04/2005]
Escola de condução
Num debate sobre o código de estrada, ao falar do ensino da condução, um dos intervenientes definiu bem a tragédia da escola. Disse ele que as pessoas vão à escola para tirar a carta e que não há quem lá vá para aprender a conduzir e que pode acontecer que o instruendo assine o livro de ponto num número de vezes superior ao número de aulas frequentadas. De outro modo, um outro interveniente disse que os instrutores ensinam as pessoas para passar nos exames e não a compreender a lei para a respeitar nem a conduzir nas diversas situações que vai enfrentar na vida corrente. Por isso, dizia ele, o ensino da condução é mau só porque os exames são maus e mal feitos. Noutra altura, um dos intervenientes afirmou que há centros de exame vizinhos estando um sempre engarrafado de examinandos inscritos e outro quase sempre às moscas. Pretendia ele denunciar o facilitismo ou corrupção de algumas instituições acreditadas que fazem favores para garantir a afluência de clientela.
Esta é a tragédia do ensino da condução. Não tanto por termos escolas más, exames maus e pouco rigorosos, centros de corrupção como centros de certificação e mais por termos pais e jovens que não aprendendo o código nem condução querem obter certificação, carta, autorização dada por tais centros. Para tomar em mãos um volante como quem prime um gatilho de uma arma que não se segura e vai disparar descontroladamente.
A ser verdade o que se ouviu, o problema essencial é das condutas morais, da má educação à má condução, do desrespeito pelos direitos e pela vida dos outros.
Mas serão essas tragédias exclusivas do ensino da condução? Ou são as tragédias de todo o ensino e, só por isso, acabam como tragédias do ensino da condução? O bom senso comum diz-nos que as denúncias feitas pelos responsáveis para as escolas de condução não são estranhas às concepções de muitos pais portugueses sobre o valor de uso da escola em geral. Pouca preocupação com o conhecimento, pouca exigência com o trabalho, permissividade relativamente à assiduidade dos filhos e ao cumprimento de horários de trabalho, ... controle e reclamação sobre o quê? As notas e a certificação.
Que podemos fazer? Se a situação for esta, precisamos de políticas simples, muito simples. Não é?
[o aveiro; 31/03/2005]
Esta é a tragédia do ensino da condução. Não tanto por termos escolas más, exames maus e pouco rigorosos, centros de corrupção como centros de certificação e mais por termos pais e jovens que não aprendendo o código nem condução querem obter certificação, carta, autorização dada por tais centros. Para tomar em mãos um volante como quem prime um gatilho de uma arma que não se segura e vai disparar descontroladamente.
A ser verdade o que se ouviu, o problema essencial é das condutas morais, da má educação à má condução, do desrespeito pelos direitos e pela vida dos outros.
Mas serão essas tragédias exclusivas do ensino da condução? Ou são as tragédias de todo o ensino e, só por isso, acabam como tragédias do ensino da condução? O bom senso comum diz-nos que as denúncias feitas pelos responsáveis para as escolas de condução não são estranhas às concepções de muitos pais portugueses sobre o valor de uso da escola em geral. Pouca preocupação com o conhecimento, pouca exigência com o trabalho, permissividade relativamente à assiduidade dos filhos e ao cumprimento de horários de trabalho, ... controle e reclamação sobre o quê? As notas e a certificação.
Que podemos fazer? Se a situação for esta, precisamos de políticas simples, muito simples. Não é?
[o aveiro; 31/03/2005]
loa
Avevamo studiato per l'aldil'à
un fischio, un segno di riconoscimento.
Mi provo a modularlo nella speranza
che tutti siamo già morti senza saperlo.
E. Montale; Poesia
un fischio, un segno di riconoscimento.
Mi provo a modularlo nella speranza
che tutti siamo già morti senza saperlo.
E. Montale; Poesia
Tínhamos combinado para o além
um assobio, um sinal de reconhecimento.
Procuro modulá-lo na esperança
de que já estejamos todos mortos sem saber.
Trad. de José Manuel Vasconcelos; Assírio e Alvim
A fé dos simples
1.
Dizem-nos que a fé move montanhas. Nós preferíamos que o vento movesse nuvens carregadas de água pura, as aconselhasse a despejarem-se como água bendita sobre o nosso chão cheio de sede. O que nós preferimos é uma invernia na primavera quando ela é precisa mais que pão para a boca. Queremos que a feira de Março seja inaugurada e vivida em invernosos dias a fio. Queremos que a água nos molhe os pés. Queremos molhar os pés, beber água que nos escorra pela cara abaixo, pelas rugas abaixo, pelas ruas abaixo. Acompanhados pelas gaitas galegas em delírio, quem não dançaria à chuva!
2.
Mover montanhas? Como montanhas imóveis sobre vulcão esperamos. Esperamos que os jornalistas não encontrem a minhoca a cada cavadela no chão seco onde não sobrevivem minhocas. Queremos ouvir os debates essenciais e não mais do que esses sobre programas de governo e que seja este que se debata e não os de cada papagaio ou cada marionete.
Dizemos que é bom ouvir algumas frases que fazem sentido. Como aquela em que o primeiro ministro diz a Portas que não tem de corrigir Freitas do Amaral porque está de acordo com ele no essencial - que o governo deve, na sua política externa, um estrito respeito pelo direito internacional, sem dizer que Durão e Portas fizeram política fora da lei internacional e das organizações das nações. Alguns exemplos de sobriedade e seriedade como este já nem lembravam aos portugueses cansados da guerra do alecrim do psd e da mangerona do pp.
3.
Em verdade vos digo que se é a fé que nos move em frente, o que nos dá alento para o caminho são algumas frases simples sobre o que é viável e pode ser feito. Podem não ser tudo nem o que é mais importante fazer, mas são coisas que podem ser feitas e podem ser boas. Produtos químicos que podem ser vendidos sem prescrição médica podem ser vendidos fora das farmácias - é uma frase simples. Viram bem a sua potência? Ou: a interrupção da actividade dos tribunais (aquilo a que chamam férias judiciais) passa de dois meses para um mês....
Quem é que não percebe as frases? E a sua potência? E a facilidade na execução? Não interessa se estou ou não de acordo. Percebo.
4
Quem me dera que houvesse uma frase simples que nos garantisse meses de chuva branda e persistente, pouco alarido e nenhuma cheia calamitosa.
[o aveiro; 24/03/2005]
Dizem-nos que a fé move montanhas. Nós preferíamos que o vento movesse nuvens carregadas de água pura, as aconselhasse a despejarem-se como água bendita sobre o nosso chão cheio de sede. O que nós preferimos é uma invernia na primavera quando ela é precisa mais que pão para a boca. Queremos que a feira de Março seja inaugurada e vivida em invernosos dias a fio. Queremos que a água nos molhe os pés. Queremos molhar os pés, beber água que nos escorra pela cara abaixo, pelas rugas abaixo, pelas ruas abaixo. Acompanhados pelas gaitas galegas em delírio, quem não dançaria à chuva!
2.
Mover montanhas? Como montanhas imóveis sobre vulcão esperamos. Esperamos que os jornalistas não encontrem a minhoca a cada cavadela no chão seco onde não sobrevivem minhocas. Queremos ouvir os debates essenciais e não mais do que esses sobre programas de governo e que seja este que se debata e não os de cada papagaio ou cada marionete.
Dizemos que é bom ouvir algumas frases que fazem sentido. Como aquela em que o primeiro ministro diz a Portas que não tem de corrigir Freitas do Amaral porque está de acordo com ele no essencial - que o governo deve, na sua política externa, um estrito respeito pelo direito internacional, sem dizer que Durão e Portas fizeram política fora da lei internacional e das organizações das nações. Alguns exemplos de sobriedade e seriedade como este já nem lembravam aos portugueses cansados da guerra do alecrim do psd e da mangerona do pp.
3.
Em verdade vos digo que se é a fé que nos move em frente, o que nos dá alento para o caminho são algumas frases simples sobre o que é viável e pode ser feito. Podem não ser tudo nem o que é mais importante fazer, mas são coisas que podem ser feitas e podem ser boas. Produtos químicos que podem ser vendidos sem prescrição médica podem ser vendidos fora das farmácias - é uma frase simples. Viram bem a sua potência? Ou: a interrupção da actividade dos tribunais (aquilo a que chamam férias judiciais) passa de dois meses para um mês....
Quem é que não percebe as frases? E a sua potência? E a facilidade na execução? Não interessa se estou ou não de acordo. Percebo.
4
Quem me dera que houvesse uma frase simples que nos garantisse meses de chuva branda e persistente, pouco alarido e nenhuma cheia calamitosa.
[o aveiro; 24/03/2005]
A escola dos cucos
1.
Quando cai um governo absurdo, reconciliamos o nosso espírito com a nossa vida e a vida à nossa volta. Por momentos esquecemos que a vida à nossa volta se entrança como o ninho mais que perfeito para chocar o ovo da serpente absurda.
A sociedade é o nosso ninho e, ao mesmo tempo, é o ninho das nossas víboras e dos nossos adorados cucos. De quem se fala? Nesta vida social, os exemplos de sucesso na iniciativa são de cucos que, sem corar, defendem a necessidade de empurrar para fora dos ninhos os outros portugueses - trabalhadores, claro! - para melhor os depenar. O governo mais absurdo foi aquele, que sendo igual aos outros no essencial, se atribuiu o direito a um desplante de cuco humano sem culpa e sem remorsos perante a queda dos outros no desemprego e na miséria.
Os exemplos poderosos (da sociedade e, em particular, da família) (des)educam mais do que mil palavras de professores.
2.
Nos anos 30 do século passado, um filósofo falava no princípio da tragédia da pedagogia: ?Estudar é tão estranho como ser contribuinte?. Raramente se começa a estudar ou se estuda em resposta a uma necessidade individual e intrínseca. Estudamos por razões exteriores ou sociais. É preciso estudar para aprofundar e manter as actuais condições de existência de cada um de nós na sociedade. Pagamos impostos para melhorar e aprofundar a nossa organização social que regula e regulamenta as interacções entre indivíduos e grupos, organiza e presta os serviços essenciais à colectividade de indivíduos interdependentes. Fugir aos impostos significa não dar valor aos serviços sociais de educação e ensino, justiça, cuidados de saúde, protecção na doença e na velhice, etc ou significa que não acreditamos que o Estado esteja organizado para prestar esses serviços ou que temos direito a receber sem o dever de dar em troca.
O que sabemos é que as prestações individuais para o conjunto da sociedade são extremamente desvalorizadas. Uma grande parte da sociedade não confia no valor do saber escolar e não corresponde à necessidade de certas competências escolhidas como imprescindíveis pelos poderes políticos nacionais e transnacionais. Associa-lhes uma competição ganha como vingança ou perdida a favor dos mais ricos (e dos cucos) que utilizam a escola toda para perpetuar domínios e assegurar explorações ilegítimas.
A escola é como se não fosse essa arena.
3.
Esquecendo esta tragédia primordial do saber escolar e da escola, pensamos a educação e o ensino deambulando entre cenários que se substituem uns aos outros pela nossa mão de cegos que nem querem ver, lançando culpas sem remorsos sobre os que trabalham no ensino sem sucesso e desculpas sob a forma da atribuição de toda a desgraça a uma ou outra frase assassina de um papel qualquer que, bem investigado, afinal ninguém leu.
Como se pode ver pelo meu acordo com as lições de metafísica de Ortega y Gasset, com Nuno Crato (no Expresso) posso achar um disparate escrever que a tarefa principal que se põe aos professores seja conseguir que as crianças aprendam a gostar da matemática se for verdade que todo o ensino se tenha dirigido para coisas que divirtam os alunos fazendo passar a aprendizagem para segundo plano. Mas não são as universidades que procuram e aceitam como futuros professores do ensino básico pessoas que não obtiveram êxito na sua escolarização básica em Matemática. Quem diverte quem?
4.
As medidas avulsas de David Justino estragaram o que de positivo nos sobrara dos governos de Guterres em diálogo social sobre o ensino, horários de trabalho a responsabilizar os estudantes, acerto entre documentos programáticos e organização escolar para os levar a cabo, entre natureza de aprendizagens e sua certificação, entre ensino secundário e acesso ao ensino superior.
Esperamos voltar a alguns equilíbrios, principalmente, fugir das mudanças para pior no ensino secundário recorrente. E que o governo devolva aos professores o poder, a responsabilidade e as ferramentas profissionais para fazer dos jovens os responsáveis pelo seu futuro. Na nossa vida e na nossa escola?
Sem que a escola seja reserva de cucos.
[a página da educação; 4/2005]
Quando cai um governo absurdo, reconciliamos o nosso espírito com a nossa vida e a vida à nossa volta. Por momentos esquecemos que a vida à nossa volta se entrança como o ninho mais que perfeito para chocar o ovo da serpente absurda.
A sociedade é o nosso ninho e, ao mesmo tempo, é o ninho das nossas víboras e dos nossos adorados cucos. De quem se fala? Nesta vida social, os exemplos de sucesso na iniciativa são de cucos que, sem corar, defendem a necessidade de empurrar para fora dos ninhos os outros portugueses - trabalhadores, claro! - para melhor os depenar. O governo mais absurdo foi aquele, que sendo igual aos outros no essencial, se atribuiu o direito a um desplante de cuco humano sem culpa e sem remorsos perante a queda dos outros no desemprego e na miséria.
Os exemplos poderosos (da sociedade e, em particular, da família) (des)educam mais do que mil palavras de professores.
2.
Nos anos 30 do século passado, um filósofo falava no princípio da tragédia da pedagogia: ?Estudar é tão estranho como ser contribuinte?. Raramente se começa a estudar ou se estuda em resposta a uma necessidade individual e intrínseca. Estudamos por razões exteriores ou sociais. É preciso estudar para aprofundar e manter as actuais condições de existência de cada um de nós na sociedade. Pagamos impostos para melhorar e aprofundar a nossa organização social que regula e regulamenta as interacções entre indivíduos e grupos, organiza e presta os serviços essenciais à colectividade de indivíduos interdependentes. Fugir aos impostos significa não dar valor aos serviços sociais de educação e ensino, justiça, cuidados de saúde, protecção na doença e na velhice, etc ou significa que não acreditamos que o Estado esteja organizado para prestar esses serviços ou que temos direito a receber sem o dever de dar em troca.
O que sabemos é que as prestações individuais para o conjunto da sociedade são extremamente desvalorizadas. Uma grande parte da sociedade não confia no valor do saber escolar e não corresponde à necessidade de certas competências escolhidas como imprescindíveis pelos poderes políticos nacionais e transnacionais. Associa-lhes uma competição ganha como vingança ou perdida a favor dos mais ricos (e dos cucos) que utilizam a escola toda para perpetuar domínios e assegurar explorações ilegítimas.
A escola é como se não fosse essa arena.
3.
Esquecendo esta tragédia primordial do saber escolar e da escola, pensamos a educação e o ensino deambulando entre cenários que se substituem uns aos outros pela nossa mão de cegos que nem querem ver, lançando culpas sem remorsos sobre os que trabalham no ensino sem sucesso e desculpas sob a forma da atribuição de toda a desgraça a uma ou outra frase assassina de um papel qualquer que, bem investigado, afinal ninguém leu.
Como se pode ver pelo meu acordo com as lições de metafísica de Ortega y Gasset, com Nuno Crato (no Expresso) posso achar um disparate escrever que a tarefa principal que se põe aos professores seja conseguir que as crianças aprendam a gostar da matemática se for verdade que todo o ensino se tenha dirigido para coisas que divirtam os alunos fazendo passar a aprendizagem para segundo plano. Mas não são as universidades que procuram e aceitam como futuros professores do ensino básico pessoas que não obtiveram êxito na sua escolarização básica em Matemática. Quem diverte quem?
4.
As medidas avulsas de David Justino estragaram o que de positivo nos sobrara dos governos de Guterres em diálogo social sobre o ensino, horários de trabalho a responsabilizar os estudantes, acerto entre documentos programáticos e organização escolar para os levar a cabo, entre natureza de aprendizagens e sua certificação, entre ensino secundário e acesso ao ensino superior.
Esperamos voltar a alguns equilíbrios, principalmente, fugir das mudanças para pior no ensino secundário recorrente. E que o governo devolva aos professores o poder, a responsabilidade e as ferramentas profissionais para fazer dos jovens os responsáveis pelo seu futuro. Na nossa vida e na nossa escola?
Sem que a escola seja reserva de cucos.
[a página da educação; 4/2005]
Subscrever:
Mensagens (Atom)
-
Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
-
eu bem me disse que estava a ser parvo por pensar que só com os meus dentes chegavam para morder até o futuro e n...