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dei por mim
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Dei por mim a falar
para o boneco
que estava em palco
e em pânico.
Ouvi alguém dizer
ao boneco
que estava em palco
e em pânico eu.
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escolhida a palavra
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o dia estava bom para nada
uma morrinha despejada do céu
caía mansamente na cabeça
da cidade
quem tinha deixado o chapéu
em casa nem acelerava o passo
e assobiava
as palavras que já tinha escolhido
…
ao chegar a casa
só me restava confessar a mim mesmo
que me esquecera
das palavras que tinha escolhido
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quando amanhece
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amanhecem os patos
na borda da água.
entretanto
na água
uma mulher entra decidida
a depenar o primeiro
pato do dia
e, já cansado da insónia,
um filho de paito conhecido
entra na fila dos clientes
para o leilão dos chapéus.
no mesmo instante,
a multidão dos patos
lança-se à água
no ponto onde comerão
quem os espera com um saco de pão
despedaçado
minuciosamente.
entretanto, liberta, voando
a mão que lhes acenava
migalha a migalha,
gota a gota,
sangrava.
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à torre
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ao longe, a torre.
não ouço, mas podia ouvir.
se não fosse surdo, ouviria o sino da torre.
não o vejo, mas sei que aquela torre não engana
e alberga um ou mais sinos.
não o vejo, nem o ouço, mas sei
que aquela é uma torre sineira.
e isso é tudo o que preciso de saber.
o resto é consequência.
a existência, a prova de vida,
o passeio do cego,
o passeio do surdo,
o passeio da rua.
em tempos, vi a minha rua
pela primavera,
pelo verão,
pelo outono
e pelo inverno.
conheço a minha rua de olhos fechados,
como a palma da minha mão.
gosto muito da minha rua.
já posso gostar sem sentido.
sem sentidos.
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vai andando, vamos andando
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sem pensar sempre sem pensar
no passo seguinte vais andando sem parar
e sempre procurando o lado correcto
do passeio e da passadeira
vamos andando e devagar e a parar
para ver o lado de onde vem o ar
ou para virar as costas ao ar
soprado ou para olhar para o chão
sagrado que nunca nos custa pisar
como se os nossos passos deixassem
uma marca que ao chão dissesse
alguma coisa nenhuma de nada
se lermos hoje o que dissemos
uns aos outros há alguns anos
com a emoção da zanga
– o desaguisado –
não paramos de nos rir da falta
de importância desse momento
maior que nada
e vamos andando sem parar mais um pouco
para cumprir uma decisão maior
que o flamingo que pensas
que avistaste ao longe antes de perguntar
se não podíamos aumentar a visão
com o smartphone ou outro binóculo para
confirmares que os flamingos
nos abandonaram este ano
e eu vou andando sem querer saber
da importância da falta
do flamingo porque eu gosto mesmo é
das pequenas garças que quando dão por mim
fazem uma nuvem como se todas tivessem sentido
medo da minha sombra passageira.
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o positivo do negativo
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Há fotografias que mostram as poses muito variadas
assumidas ao longo da vida,
leve e pesado, alegre e triste, à soldado e à civil,
sempre baixo e fácil de arrumar
em camas pequenas e em casas de pé baixo.
Muitas pessoas que conhecem o original
há muitos anos, quando o encontram,
repetem que ele está sempre na mesma
e ele habituou-se a retorquir que sabe que foi
velho desde sempre e, por isso, nem deram
pela seu actual pêlo branco
que faz de si um urso polar aqui
refugiado da alteração climática
na calote polar
O que pode haver de positivo no negativo?
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empurra a sombra
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No cimo do monte, alquebrado, sentou-se para descansar.
Foi-se a sombra da árvore que o tinha acolhido e
o sol caminhou para o pôr do sol e
perdeu-se numa escuridão tão soturna como fresca.
Deu por si a sonhar que com os pés empurrava
a sua sombra pela encosta abaixo.
Ainda não se tinha despegado da sua sombra
quando teve vontade de dois dedos de conversa
e lamentou não ter quem o ouvisse falar
da sua paz no encosto da sua terra,
da sua montanha.
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demolição
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Levantei-me para ver que nada há
que eu possa fazer para mudar de casa,
— disse a mulher que não queria mudar de casa
e continuou -— e, de certo modo,
é isso que eu quero porque me habituei
de tal modo a esta casa que chego a pensar
que ela é minha e só minha
ou eu sou dela e só dela.
O homem que não lia o seu velho jornal
tranquilamente, por estar sempre a ser interrompido
pela alta voz da mulher surda do andar
de cima, levantou a voz para dar
prova de vida, e disse
em voz a uma certa altura:
Devias ter dito
levantei-me para ver que
nada há que eu queira fazer
para mudar de casa.
A vizinha da casa ao lado
aumentou o volume do seu som
dizendo ou cantando o que era costume dizer:
Avé Maria cheia de graça o senhor
é convosco bendita
sois vós entre as mulheres
bendito é o fruto
do vosso ventre Jesus zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
que só se calou quando
o prédio ao lado estremeceu com um grito:
Amen.
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a luz e o tempo
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É quando vemos
a escuridão do porvir
que tentamos deixar de ver
como se não pudesse ser nossa herança,
essa escuridão.
É quando abrimos os olhos
tentando enfrentar, defrontar
e confrontar a nossa passagem
que pode acontecer vermos como eles
continuam em frente, sem saber
o que nós sentimos por tentarmos
adivinhar o que está là à frente
pelo que esteve lá à frente no nosso tempo
e ao saber como vamos ficando para trás.
Naturalmente, são como nós que fomos em frente
cheios de medo e só capazes de dar o próximo passo
em frente e entrar na,
percebemos agora,
escuridão do nosso tempo.
É quando percebemos que pode ser outra,
mais tenebrosa escuridão
a de hoje que a de ontem,
ao vê-los avançar vendo, sabemos
que eles são muito melhores que nós
e sabem mais que autorizar
a si mesmos o passo em frente.
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senhores da guerra
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Do cabelo faz um elmo de guerreiro e este,
assim triste foi denunciado pelo olhar.
Há quem consiga imaginar e imaginar-se
alegre e guerreiro simultaneamente e,
só por isso, é ainda mais triste o duelo
que trava consigo mesmo até à morte.
Não falo de piedade, quando falo dos guerreiros
na aparência alegres e a passear a idolátrica
e o esplendor para uma multidão
de crânios ocos, na verdade cada um deles oco,
sozinho e triste.
Falo só do vazio em que o elmo
encerra quem o encera antes da marcha triunfal
que é sempre uma derrota para a humanidade.
Os homens senhores da guerra acham
que todas as vítimas mortais das suas guerras
pela guerra ou das suas guerras pela paz
são danos colaterais.
E a soma dos danos colateriais só nos diz
que a humanidade é um dano colateral,
uma banalidade para os senhores da guerra
alienados da sua humanidade.
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entre o pior e o melhor
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Dizem-me que o pior ainda está por vir.
Também me dizem que é o melhor que
está ao virar da esquina.
Fiquei-me pelo meio da ponte
que liga o pior ao melhor
sem me preocupar onde era
uma coisa ou outra.
Ali permaneci por muitos anos
sem saber do melhor e sem saber do pior.
Habituei-me ao lugar onde morri
e agora é tarde para mudar de lugar.
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foi a tenpestade que baixou os braços
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Foi a tempestade que baixou os braços,
amainou finalmente
e eu tive pena dela, muita pena,
porque, pelas ruas passeiam pessoas contentes
por ela ter desistido e ter ido embora.
Todas sem saudades dela
e sem desejar vê-la de novo.
E eu que não estive com ela
quando ela se despedia
briguenta e louca.
Só hoje me deu a vontade
de dizer-lhe adeus:
” Adeus, minha bela tempestade” —
que eu namorei da janela,
— “e como foste vibrante!”
Adeus, mulher, adeus.
4/7/88
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economia do voo
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Digo-te que amanhã hei-de poisar como uma ave cansada de voar.
Digo-te hoje.
Se te digo adeus hoje sei que não posso deixar de te dizer amanhã
adeus de novo.
Cansadas as asas, poisarei no teu beiral e olhar-te-ei um instante
Só por um instante te olharei
enquanto maquinalmente aliso as minhas penas
para voltar a partir.
Partirei, depois de dar uma volta larga em frente da tua janela.
Despeço-me. Parto sem poder partir definitivamente.
Digo-te adeus. Porque hoje não sei mais que dizer
e os meus gestos têm a economia própria
de quem voa.
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umas vezes por outras
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Uma vez por outra,
via-se um senhor de fato e gravata
a passear o seu cão pela gravata:
nunca separados e, sempre de igual cor,
vestidos a rigor, um vestido como cão
e outro como cavalheiro.
Quando os viam, as pessoas perguntavam:
Quando não os vimos, onde é que eles estão?
De onde é que eles vêm?
De resto, nunca ouvi falar do cão
nem do cavalheiro a quem os via
uma vez por outra como era o meu caso.
Um dia vi, colada no vidro de uma loja
que só conhecemos fechada,
uma fotografia do cão e do cavalheiro
DESAPARECIDOS
se alguém souber do seu paradeiro,
p.f. informe Dona xmxmvmcml
para o telefone ][@€£§
Infelizmente com esses dados nunca
nos foi possível chegarmos à fala
com a Dona para lhe comunicarmos
o que não sabíamos nem sabemos.
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o homem levanta-se do seu lugar
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O homem levanta-se do seu lugar e caminha até
uma porta fechada do comboio parado
no apeadeiro.
Teimosamente carrega em botões
até que a porta se abre.
Inclina-se e, pela sua mão,
entra na carruagem um velho cego
que, imediatamente apalpa com as mãos
o que divide o espaço sem tocar nas pessoas
à volta.
Com a sua bengala segue até encontrar
o lugar disponível e senta-se.
Ainda antes de ter voltado ao lugar
a meu lado o homem que vê,
já o velho cego está sentado
no lugar que escolheu e olha-nos
onde estamos no banco do extremo oposto
ao seu na carruagem.
Ouviu cuidadosamente os passos
do homem sentado ao meu lado.
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nunca será a tua vez
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disseram-te, ouvi dizer, que um dia será o teu dia
e que uma hora será a tua hora
mas também, ouvi dizer, que agora
mesmo agora teria
sido a tua vez
assim tivesses dado por ela
antes de te atirares pela janela
na tua nudez
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rugas
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ninguém me contou o que se passou.
imagino que tenha sido como eu digo,
mas eu nunca soube ao certo quem sou
ou se a memória de mim viaja comigo
as rugas podem ser rasuras a negar
o que antes se disse a respeito do que foi
uma partida por mar uma chegada pelo ar
um quarto fechado onde o incerto me mói
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duas manhãs
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À primeira não a reconheci.
À segunda, distraí-me a olhar para ela sem pensar nisso.
A certa altura, percebi que estava a embaraçá-la
e tirei os olhos dela para olhar o relógio no pulso.
Ela viu bem que eu não uso relógio de pulso
e eu percebi que ela tinha acabado comigo.
Já era tarde e não havia nada a fazer.
Ela tinha esperado por uma palavrinha
e eu nem abrira a boca.
Mais cedo, encontrei-a e ela olhou-me
com a piedade que só as manhãs passadas conhecem.
Muito mais tarde dei por uma manhã a passar
por mim e logo que abri a boca
me pus à conversa com ela.
Não pensei em apresentar-me antes
de, deslumbrado, ter começado a falar-lhe,
confesso que falava alto e para todos
repararem, sobre a beleza da manhã
com quem tinha começado a viver naquele momento.
Nunca uma manhã passou por mim com tanta pressa.
Dentro dela, ainda agora, e ouvi tocar
as doze badaladas do sino da torre
na minha cabeça a informar-me que tinha saído
da manhã que se fizera tarde.
Percebi bem tudo o que me tinha acontecido
e porque é que nada do que me acontecera
poderia repetir-se. E sentei-me.
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as novas velhas de Alex(1)
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Um dia destes este amigo de Alex,
recebeu de Alex duas notícias:
que na década de 80 do século passado
conheceste ricardo soares e com ele te travaste
de razões, particularmente em julho de 1989,
que me ofereceste quatro páginas
a5 de uma folha a4 dobrada a que deste
um título pretensioso “Os milagres”:
Ao primeiro poema chamaste
O milagre de Fátima
Não há lugar melhor para chegar à fala
do que a cama dos meus amantes:
— D. Clementina falava assim para a mala,
pendurando no cabide alguns brilhantes—
Doravante não me deixarei cair
em tentação — continuou D. Clementina,
virada para o armário do pecado, pronta a sair
da casca que usava em menina.
Tirou a cruz sossegada no seu colo,
e depois de O beijar, poisou-a no peitoril.
Só então saíu do seu quarto de hotel parolo
para a caça ao pregrino de Abril.
Ao segundo poema chamaste
O milagre do caulino
Por um breve momento, 100 aldeões levantam o nariz
para o sino a rebate.
E a guarda nacional e republicana do meu país
dispara e abate.
A minha glória patriótica vem
deste facto percentual:
mais do que na China, também
se mata em Portugal.
Ao terceiro poema chamaste
O milagre de S. Bento
Governa-nos.
Penteia-se de manhã.
Veste um fato cinzento de lapelas brilhantes.
Nas faces es(ca)vacadas afivela um sorriso.
Mostra os dentes rutilantes.
Discursa o discurso.
O único que sabe. O geral.
O seu génio é uma parolice genial.
Envenena-nos.
O que ele sabe é que funciona.
Repete que não há alternativa
e a alternativa é como ele no discurso e na saliva:
Só tem 4 notas a sanfona.
Estamos governados
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as novas velhas de Alex (2)
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Este amigo de Alex recebeu de Alex recentemente, cópias electrónicas (a partir de um site do projecto Aveiro-Digital) de textos mais ou menos poéticos publicados então e resgatados pelo amigo de Alex.
Poderão ser visitados por aqui, em volta do que então se chamava
livro 2 – crónicas políticas
que incluia 9 pequenos textos. O terceiro deles exibia-se e dava pelo nome
deixo mulher e dois filhos e parto .
Penso que a maior parte dos três leitores de então nunca tentou perceber o título. Estou convencido que o primeiro dos três leitores sempre soube, mas nunca falou disso a não ser consigo. Aqui fica:
... tudo o que tenho trago comigo ...
Deixo mulher e dois filhos e parto.
Sempre para o norte, parto ao princípio
da tarde guiada pela estrela polar
(que se não via).
Há mesmo quem diga que a estrela polar
em vez de me guiar, me atrai.
E que não é a primeira vez que me perco
e que os meus filhos foram
cruzamentos com a estrela polar.
Também disseram que me cruzei
com um cometa passageiro (amor de um dia)
e que só isso explica a pequena cauda
luminosa (de poeiras astrais) que os meus filhos
ostentam quando se apresentam em toda a sua nudez.
Pouca gente ou ninguém diz isso,
pois apesar de estarem convencidos
disso nunca viram as esvoaçantes e luminosas
caudas verdadeiras dos meus filhos.
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Galocha
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Cortarei a relva por cortar
como se fosse um rapaz convidado
para brincar no teu jardim de brincar
onde tu mandas nas flores como em pau mandado
que eu sou para ter acesso
ao jardim dos meus sonhos secretos
onde te canto a tua vida como se fora processo
criado sobre estrume colhido nos currais mais abjectos
na esperança mais disfarçada
de que descubras o meu jeito de maldiçào
nos cheiros espalhados ao teu ar de amaldiçoada
por ti que moras na minha alma como os piolhos na solidão
Cortarei a relva por cortar
de novo amanhã e depois de amanhã futuro
para que possas rebolar-te entre as flores que vais cheirar
sem as plantar e nem eu as semeei sendo só acaso de vento podre de maduro.
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por quem grita? por quem gritamos?
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alguém ouviu a floresta das palavras?
a mim que nada ouço, parece
que as palavras são feitas
silêncio da sílica amorfa que forra
as paredes do rio de lava que não foi mais longe
por ter arrefecido ao ar ainda longe da foz que não conheceu.
ir em frente para a foz,
inclinados para trás como quem quer cair na nascente.
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nascente da foz
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nunca me espanto com tanto quanto sei
tu fazeres de ti e eu de mim sem voz
para que os dois lados da rua que nos separa
sejam as margens afinal de um rio de mágoas
e já não há tempo para nos juntarmos a nascente
nem coragem para mergulharmos à chegada na foz
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proibida a entrada <
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proibida a entrada
a menos que nada
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quando um rio galga
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quando um rio galga
a meretíssima meretriz
que escreve para o público
umas redondilhas sobre o seu nariz
ao seu jeito de quem se assoa
ao emaranhado ninho púbico
onde se assoou meia lisboa
sabe bem a quem abraçar para aquecer
o seu mealheiro de falso pudor
debitando fel essa praga de fedor
contra a contra cultura de contra-poder
a melra usa e abusa do seu meio
como fosse ele aquela antiga virtude
que faz gala maior no vício e amiúde
do que pinga da ganância faz seu recheio
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nada a nada se desenha tudo
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afagar o papel com as pontas dos dedos
desenhar a tua luz que se refugia
por dentro da esquina mais sombria
nos meus olhos chorando-te os medos
em ti desenhar-te o corpo pelas linhas
que os meus olhos vêem e os dedos sentem
dobrando os lençóis em que te embaínhas
como espada de palavras que a mim e ti mentem
e eu fosse o meu espírito perdido de mim
em ti de papel passado
© adealmeida
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pterodactilografo
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extinto
1
estou perdido numa era
que se separou do nosso tempo
por um rasgão de monteiro
algures onde não havia mãos
e as asas ainda não escreviam
teorias nem eram ferramentas
para voar sobre papeis
que ainda nem tinham pernas
para andar
contavam-se apenas como penas
os papeis da dívida
que só pode ser divina
e por isso negociável numa nuvem
entre o céu e o inferno
entre os credores que são testasv
de ferro de deus e do diabo
2.
um antigo governo nomeou
um contrato milionário
a ser pago pelo estado
visando doar
a um grande grupo financeiro
um novo banco
cuja propriedade era já
do velho povo
nação valente
e imortal
de pessoas sobrevivas
em cada momento
no território
3.
variáveis conjuntos de pessoas
tomados como uma só mole
imensa
de contribuintes
fiadores
que vão morrendo
à medida que nascem
cada vez menos
novos contribuintes
fiadores
formando a mesma mole
cada vez menos imensa
como
comentam os pterodactilógrafos
justificando assim
novas e maiores contribuições
devidas por dívidas atribuídas
por estrangeirados e estranhos
a cada uma das partículas da mole
imensa
por divisão entre todos
menos os estranhos estrangeirados
para lhes pagar
a esses estranhos
tratantes
vigilantes
e visitantes
que vêm pastar o prado
cercado
por uma vedação de arame farpado
que, para ser privado,
só sendo sustentado pela mole cada vez menos imensa
e cada vez mais intensa
4.
régio monteiro
sabe que vai ser assassinado
e enterrado para ser comido,
na derradeira morada
que é uma casa de pasto,
por necrófagos em tudo semelhantes
aos assassinantes
como ele foi
em vida
abusando de nome e assinatura
em sentenças de morte capital
à mole humana sem digna sepultura
que dá pelo nome de portugal
Que não descanse em paz ó régio monteiro!
© adealmeida
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para uma teoria da devolução pg.3
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o primeiro sinal estava nas folhas
recebidas e o último esteve nas folhas
marcadas por sinais a anunciar
o seu regresso a casa.
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