a quarta porta



As cruzes sobre as portas azuis. Todas as portas daquela casa carregam em suas ombreiras muitas cruzes.
Eu também.

a terceira porta



O interessante já não é a porta da casa, nem o mesmo azul noutra casa fechada a sete chaves. O que importa agora é a nesga entre casas. Nâo dá para passar entre as casas. Mais que o nosso olhar nada cabe.

a segunda porta



Outra porta trancada por fora. E o mesmo azul.

Contra o triunfo dos porcos

Esperámos que o povo nos devolvesse pelo voto um país sério e viável. Assim aconteceu.
Eles tinham começado a pensar que podiam manipular o público como se o país fosse o lugar de passagem dos sem cabeça e o poder como uma banheira cheia da água suja do banho de uma manada de criaturas dependentes de mama alheia. Era preciso que houvesse alguma coisa que abalasse a fé desta manada que começava a achar que todo o povo era feliz a ver como a manada engordava e se mostrava luzidia nos rodeios em sua arena.
Era preciso que acontecesse um abalo. E aconteceu. O povo votou todo o empenho em desmentir que o país estava a transformar-se em "quinta de celebridades". De tal modo o fez que os comentadores e analistas de serviço se apressaram a dizer que estes país não corresponde ao país real deles. Imaginem um país que é real quando se comporta de acordo com o império dos sentados comentadores da televisão e não é um país real quando vota na esquerda. Eles são doidos, mesmo não sendo romanos.
Esperámos que o povo nos devolvesse uma esperança qualquer. E o domingo amanheceu com um povo diferente dos conformados com o desemprego, com a corrupção, com o barulho das luzes da hipocrisia. Levantou-se o povo para mostrar aos amanuenses da tolice patética que nada é seguro para todo o sempre e que, para eles como para toda a gente, a porta por onde entraram é também porta de saída e serventia da casa política.
Esperámos que o povo nos devolvesse uma esperança qualquer. E tudo o que queríamos nos foi dado em dobro: a maioria mais que absoluta à esquerda. Os dirigentes socialistas vão ter de controlar os seus apetites e de cumprir a sua obrigação para resolver a grave crise em que o povo trabalhador foi mergulhado. Esperamos políticas de esquerda? Mais que isso: exigimos políticas de esquerda em que as pessoas sejam mais pessoas e menos unidades estatísticas.
Exigimos cultura. E civilização. Depois do que nos foi dado ver e viver com Santana Lopes, Paulo Portas e seus apaniguados arrogantes, qualquer ?nico? de educação será melhor que o nada que tínhamos. Mas não queremos pouco, queremos tudo a que temos direito e isso é mesmo muito, sendo para cada um e para mim nada mais que honra e trabalho social.


[o aveiro; 24/2/2005]

o dia depois

O dia depois amanheceu claro.

Ao vento frio dou a cara
E o passo em frente

Pendura, em cada gota de gente,
Dos meus sorrisos, o mais raro.

Olhar para eles.

Escrevo ao ritmo da transmissão do grande acontecimento que é a chegada de cinco dos líderes partidários ao único frente a frente geral televisivo desta campanha.

Antes tinha assistido ao espectáculo das transmissões das cerimónias fúnebres da carmelita Lúcia, a que não faltaram estrelas políticas e da quinta das celebridades que entraram sem passar pelas dificuldades dos populares e fiéis. O célebre Castelo Branco da quinta da TVI e sua mulher foram protegidos por alas de agentes da Polícia de Segurança Pública(?) como um fiel ou fã especial. Espantoso foi ouvir familiares de Lúcia queixarem-se que a nossa polícia de segurança pública os impedia de entrarem no local do culto e de homenagem. Quem definiu em que consistia o serviço público a prestar? Quem paga isto? Muitos daqueles a quem dificultaram as entradas. Não é?
E voltemos às transmissões das aparições dos líderes partidários. Uma repórter aparece a entrevistar os aparecidos e iluminados. Alguns deles, à saída dos automóveis são cercados por guarda costas e guarda peitos, um deles de gravata preta. Para além da repórter da RTP, há dezenas de outros fotógrafos a fotografar o movimento. Nunca me tinha interessado pelo movimento das personalidades políticas. Mas têm piada estes movimentos de personalidades nas aparições fulgurantes nos estúdios em contraste com as aparições fulgurantemente discretas nas cerimónias católicas.

Ouço agora os políticos em debate. E estou espantado. O mais extraordinário são as declarações sobre decisões políticas. Para os políticos da coligação do poder as decisões contestadas foram boas quando foram legais. Isto começa a ser recorrente. Uma coisa pode ser legal e miserável ao mesmo tempo. Mas parece que os políticos querem fazer passar a ideia de que tudo o que é legal pode ser feito. Um banco pede uma isenção sobre uma operação e ela pode ser concedida à luz da lei. Deve ser concedida? Não.

Há muitas pequenas coisas que decidem o voto. Os corpos de guarda costas, a mentira, a hipocrisia nas aparições dos políticos e nas suas declarações podem determinar o sentido de voto.

Olho para eles e sei em quem posso votar. Olho para eles e acendem-se alertas na consciência a dizer-me em quem não posso votar.

Dou aqui sentido ao meu voto nos desengravatados. Espero continuar a pagar impostos e que estes não possam ser gastos a pagar segurança a artistas de baixo nível como reverso da insegurança do povo.


[o aveiro; 17/02/2005]

carnaval

Às minhas costas, as dores passam por mim sem me deixar para trás.

Eu visitava médicos tão raramente que eles todos se tinham esquecido de mim num canto do armário da louça "esbotenada" de que conhecemos a existência mas já ninguém usa.

Nas últimas semanas visitei tantos amigos como médicos e visitei até um amigo que já me escapava há nem sei quantos anos. As pessoas da minha idade ou geração têm um molde próprio. Dou por mim a pensar que me sinto bem com os antigos, independentemente das ideias que nos distanciam e aparentemente nos separam. Há um certo conforto em voltarmos aos lugares que os outros são na nossa vida.
Daqui a pouco, partimos para esse mundo de coisas coçadas e gastas, para o interior do conforto onde não há quem nos ponha à prova; nem perguntamos nem respondemos, recostamo-nos e descansamos. Se procurássemos a paz e não a felicidade inquieta, fazíamos de lugares assim a vida eterna.

Há uns meses atrás, por não ser surdo, deixei de fumar. Ando a tentar calar-me para não me ouvir e para não morrer pela boca, como acontece aos peixes. Agora dizem-me que também não devo comer até não ser a pança do sancho montada num esqueleto de burro escanzelado. E é isto a vida?

Eu visitava médicos tão raramente.

carnaval

Na sala de estar, a mulher tinha pendurado várias janelas - daquelas pequeninas reproduções em alto relevo. Quando olhava para elas, sentado do outro lado da sala, o homem ficava sempre incomodado a pensar que alguém por trás daquelas cortinas o estava a observar. Nesses momentos, para ele era certo que estava na rua dos outros, exposto aos olhares. Porque ele está no exterior das janelas. Outras vezes, optava por aproveitar o facto de ter aquelas janelas ali na pacatez da sua sala. Ninguém saberia que ele espreitava as casas dos outros pelas janelas que a mulher tinha comprado para a sua sala. Mas não havia o que ver. Não havia os outros de que o homem fala, porque não é uma janela que faz as pessoas. E muito menos não estão perto da janelas as pessoas quando as queremos ver.
Ao fim de um certo tempo, o homem procura ver pessoas mais palpáveis e procura os lugares de ver para fora da sua casa onde está fechado. Como a janela é pequena e é muito alta, o homem só pode ver um cortejo de carros que passam numa avenida que só tem carros. Uma bicha de carros que passam ininterruptamente, com uma paragem obrigada pelas mudanças de luz do semáforo. O homem sabe que há pessoas em algum sítio, mas a sua vista não as alcança. Desiste destas janelas que são molduras de paisagens longínquas, espantosos quadros ao pôr do sol. Passa a vida a tirar fotografias aproveitando o enquadramento das suas janelas. Acaba por decidir-se e arrasta-se para a varanda onde pode debruçar-se e, com um pouco de sorte, alguém há-de estar a passar para ser visto. À hora em que tudo isto se passa, o homem só pode ver carros dos dois lados da rua. E desiste.
Há sempre a esperança da nesga que faz de janela da cozinha. Já sem esperança, o homem levanta-se e vai para o único lugar que dá para as casas dos vizinhos. E confirma que todos fugiram para onde não são vistos nem achados.

Volta à sala. E, de comando na mão, abre a última janela. Nesta, pode escolher o que quer ver como estando lá, fora de si. Pode escolher o carnaval (e vê-lo prolongado por duas semanas). As primeiras tentativas dão-lhe imagens e notícias do carnaval inaugural no Palácio de Cristal do Porto e de dois corsos em Castelo Branco. Mais uma vez, repete que não é uma janela que faz as pessoas. Sem coragem para mais carnavais e para esquecer as dores nas costas, o homem fecha os olhos que é uma maneira de fechar todas as janelas. E adormece.


[o aveiro; 8/2/2005]

carnaval

Começou o carnaval... em Castelo Branco,
depois de um corso inaugural em Palácio de Cristal.

ainda

Na quinta, tentei perder as costas pelas costas da cidade.
Comprando livros e discos. Mas antes que o dia tivesse acabado já tinha dado os discos e enviado pelo correio um dos livros. Os outros foram para trás das costas.
Na sexta, perdi-me e fui parar ao médico sem que as costas me tivessem virado as costas.
No sábado, ainda nem sei se tome lugar dentro do comboio ou se hei-de virar-lhe as costas.

a canção do bandido

1.
Ainda não tinha assistido a qualquer debate ao vivo desta campanha. Para suprir essa falha na minha cultura, na segunda feira fui ao Porto assistir a um debate sobre a cultura em geral. Lá estavam representantes dos cinco partidos ou coligações com assento no parlamento para um debate proposto pela Plateia - associação de trabalhadores das artes cénicas - e moderado por uma jornalista do Público.
Pelo que me foi dado ouvir, o documento da Plateia recolhe o apoio de todos os partidos, apesar de levantar problemas, reclamar de injustiças e apontar faltas a quem tem governado e objectivos para quem venha a governar. Gostei de ver um conhecido actor de teatro e da televisão a actuar (e bem) como agitador de ideias, mas devo confessar que os políticos da direita presentes no debate são mesmo muito bons actores. Mostraram-se fabulosos e capazes de se dominarem mesmo quando foram denunciados os vencimentos milionários dos capatazes e comissários do poder nas instituições culturais ou quando foram denunciados os critérios e os loucos juízos emitidos pelos júris dos concursos nas áreas da cultura. Será que alguém mente por razões culturais?
2.
Na semana passada, participei em jornadas nacionais sobre educação ambiental em que se debatia a década das nações unidas da educação para o desenvolvimento sustentável. Não me espantou muito que o governo não se fizesse representar num debate alargado sobre um programa mundial que vai marcar uma década em aspectos tão importantes como a educação, o ambiente e o desenvolvimento sustentável. Não me espantou, mas é triste. Mais triste ainda termos constatado a inexistência de quadros superiores da administração pública que tivessem autonomia para participar nesse debate. Sabemos que o que se vai passar não pode depender em absoluto deste ou daquele governo.
3.
Nas artes cénicas, representações boas. No ambiente, representações em falta. Para compensar, uma revista semanal fez mais um génio português a partir de um meco de estrada e fez um apelo desesperado contra a esquerda e a favor do centrão como se estivesse em perigo o estilo de vida das tias da linha e isso fosse a identidade nacional que é preciso preservar. Agora têm sido apontados a dedo génios portugueses, um por semana, todos nos partidos do poder. Génios da lâmpada? Sabemos que é o nosso mau génio farsante, um fado menor, a canção do bandido, a fruta da época.


[o aveiro; 3/2/2005]


Notas:
Vale a pena ler na revista "Sábado" da semana passada: um espantoso e desesperado editorial, a elevação de Miguel Esteves Cardoso à categoria de génio, o artigo de opinião de MEC sobre a entrevista a F. Louçã.

de costas

Não posso mexer-me muito. Doem-me as costas. Por ter passado alguns dias sentado a ouvir, olhar e escrever muitas muitas horas por dia. Para além das horas que passei sentado de carro entre a casa e a capital do império dos sentados que discutiam a década das nações unidas da educação para o desenvolvimento sustentável.

Espero que a década possa ser vivida em caminhadas ao ar mais ou menos livre. E eu possa caminhar ao lado como se os visse de uma outra dobra no mesmo tempo, lentamente caminhando entre os sessenta e os setenta.

Por uma maioria de razão

Estamos em tempo de eleições. Diz-se um pouco de tudo.
O retrato do negócio do poder é feito pelas afirmações e acusações trocadas entre o PS e o PSD, sobre o modo como cada um deles serve as suas clientelas quando está no governo. Cada um deles espera que os seus simpatizantes pensem que é mentira o que deles dizem ou que achem muito bem na esperança de ver chegar a sua vez. Sobre o outro no poder, sabemos que cada um fala verdade em grande medida. Há qualquer coisa de paradoxal nestas acusações mútuas.
Há quem diga que o actual modelo partidário está esgotado. Mas sabemos que o modelo não está esgotado para os fins das clientelas. A defesa acérrima das maiorias absolutas para os partidos que venham a formar governo é disso o sinal mais óbvio. A seriedade de um partido mede-se pela capacidade de se colocar como parceiro em plataformas negociais sobre processos sociais que as decisões políticas podem melhorar. Um programa de governo que juntasse diferentes forças políticas seria uma nova dimensão e teria extraordinária força, acima dos interesses partidários, pela defesa da sociedade e da protecção e melhoria das condições de vida do povo todo, no seu presente e no seu futuro.
Exigir a maioria absoluta para um partido é a prova de que se quer governar sem contestação, logo para fins menores ou para interesses que não são os da sociedade inteira. Na sociedade portuguesa, as maiorias absolutas significaram sempre o desvio grosseiro para o abuso do poder, para interesses ilegítimos de clientelas partidárias e para a corrupção. Claro que há os que dizem que nada disto é com eles e até fazem reuniões sobre a sua verticalidade nesta questão das clientelas, como se cada um de nós não reconhecesse o imoral das suas nomeações locais.
Um outro aspecto prende-se com palavras como competitividade e produtividade, etc. E falam-nos dos exemplos de países como a Finlândia, dando a entender que lá se pratica a receita que eles nos querem aplicar. Mas não é nada do que eles defendem que lá vinga. Por lá há pouca corrupção, impostos muito elevados, estado com muito peso na segurança e assistência social, e os bens sociais como a saúde, as pensões, a educação e ensino ou o fomento científico são todos produzidos por serviços públicos.
A receita não é a maioria absoluta para a libertinagem dos liberais. Nós precisamos de uma maioria da razão.

[o aveiro; 27/01/2005]

Olho para o retrato


Olho para o retrato do meu pai e tento ver-me na idade de ser só ninguém
Mas não sei o que foi retocado no retrato nem o que é vinco feito a vapor
Por um ferro de soldar as fissuras abertas e cicatrizadas pelo uso da dor
Das viagens feitas em nome do pai para bem dos filhos e abandono da mãe

santo, onde?

torturado

Vertigem

Pela sombra da escada sobem
as sombras

Sentado no último degrau
animo o pé da minha sombra
a elevar-se do chão
até ao primeiro degrau

bush

toca com as asas o turbilhão que deseja
o anjo da guarda e lobo do rebanho do mal

por um eixo - do inferno ao céu - vertical
inclina o planeta que oscila e se despeja

A memória minada

1. As asiáticas ondas assassinas deixaram um rasto de morte e destruição, não só por terem provocado directamente a morte de cerca de cento e sessenta mil pessoas, mas também pelas pragas que acompanham a destruição em grande escala. Os efeitos mortais da sede de água potável, da fome, da doença, etc podem ser contrariados com ajuda humanitária. E são.
Uma das pragas simbólicas tinha a ver com campos minados pelas guerrilhas, cujas minas tinham sido localizadas e assinaladas para serem destruídas e, por efeito da calamidade, foram dispersas e ficaram fora de qualquer controle.
Passam os dias e as imagens da tragédia começam a ser substituídas por outras imagens, mesmo que algumas sejam retratos de penteados com franja de nervos de alguns políticos que farejam com o nariz um destino para o país.
É assim que nos habituamos a passear por um mundo minado. Camadas de pó de arroz escondem a falta de arroz para os famintos do mundo. A Organização das Nações Unidas publicou novo relatório sobre a crescente fome no mundo que vem dizer o óbvio: se os governos poderosos tivessem cumprido as promessas a fome não era flagelo. Será que os governos vão cumprir o que prometeram relativamente às vítimas do ?tsunami??
A memória dos povos é também um campo minado.

2. Na semana passada, uma notícia importante ocupou as traseiras da discrição nos jornais e televisões. Finalmente, os Estados Unidos encerraram a busca das armas de destruição no Iraque. O relatório final fecha a questão dizendo que nunca houve armas de destruição maciça do lado do Iraque. Na base de uma mentira, fez-se uma guerra de invasão para transformar o Iraque num imenso campo de treino do terror. E Bush foi reeleito. E devastado que está o Iraque pelas armas, já se discute se é ou não razoável nova guerra, agora contra o Irão.
E os nossos cabos de guerra, Durão Barroso à cabeça, que nos podem dizer sobre a guerra passada? Que guerras anseiam apoiar? Que assassinatos preparam? Pelas armas? Pela fome? Que arma de destruição maciça vão usar? A manipulação da informação na sua génese e formas de propagação é a guerra das guerras transformando a memória dos povos num imenso campo minado.

3. Não esquecer é resistir.


[o aveiro; 20/01/2005]

do pedinte

Será pedir demais pedir-te que me ames?

Nem preciso que me respondas
Basta que não te ofendas e ao ver-me
Não mudes de passeio nem te escondas.


Será pedir demais pedir-te que me ames?

Abre o porta-moedas e tira os dois dedos
De conversa que trazes escrita nas costas
De um bilhete com as dobras dos segredos.

Será pedir demais pedir-te que me ames?

assalto ao prazer do riso

os ministros do meu país

já não soletram disparates
preferem disparar dislates

pelos dois canos serrados do nariz.


O sistema

Ansiamos a despedida definitiva deste governo de Santana Lopes. Ansiamos mesmo. Há algo de pestilento num governo como este. O mau cheiro não vem do desacordo que sempre tivemos e teremos das políticas de partidos com o Social Democrata ou o Popular. E nem terá a ver essencialmente com esta ou aquela medida de grande política, já que não houve tempo senão para a baixa política.
O que provoca a pestilência é um mundo de pequenas coisas, qual delas a mais ridícula ou a mais triste e perigosa. Um ministro que diz que não disse o que disse, outro que gasta à tripa forra ao mesmo tempo que debita postas de pescada para emagrecer o estado e matar o estado providência, outro que mostra cicatrizes de facadas enquanto esfaqueia um amigo qualquer, o que freta aviões para aviar um passeio oficioso, o que nos faz pagar um kit para a sua emergência médica, etc. Festival pimba!
Com a dissolução da Assembleia da República, Jorge Sampaio devolveu-nos a ilusão de podermos escolher outros deputados e, por essa via, escolhermos outro governo. Mas mal nos deixa viver a ilusão, porque sempre vai dizendo, entredentes, que é a política do centro que salva o país e que é preciso até arranjar leis eleitorais que facilitem maiorias, sendo que na sua cabeça só pode o governar o país um dos partidos siameses - socialista ou social democrata - que coincidem em muitos detalhes e genericamente em tudo o que de importante se pode dizer para Portugal e para a Europa.
Já os ouvimos dizer como usurpam o estado para os interesses dos grupos e das pessoas que vivem como suas borboletas. E que as pessoas sérias desses partidos aceitam a corrupção como doença da democracia e uma factura a pagar para que o país progrida em liberdade.
Para fora, defendem que não pode haver estado providência para os pobres e desvalidos. Sem quererem admitir que há um estado providência para demolir - o deles mesmos e das gamelas legais onde a legião do centro come o dinheiro que tem de ser tirado da boca dos pobres.
Não admira que Pulido Valente, cronista ex-deputado do PSD, diga que o problema não está na falta de maiorias para governar. O problema está nos partidos que obtêm as maiorias, no que eles são em sua essência. Não tendo feito favor ao PSD, Santana Lopes fez um favor ao centrão. Pode mesmo haver quem vote no PS para derrotar o PSD. Para quê?


[o aveiro; 13/01/2005]

quando passamos por lá


Quando não passamos perto ficamos sem saber como é passarmos lá
Mas falamos dessa passagem apertada e escura com displicência

Para sermos admirados pelos pobres de pedir não há melhor ciência
Do que ser a forma do bolo com as velas apagadas pela experiência
Essa que nunca vivemos por já a termos lido sem sair de cá

Passamos pela morte perdendo tudo: rimas ritmos cadência.

a lã do tempo

O que eu queria era o casaco de lã
Que deitei fora entre a viela e o largo da infância
Num dia em que o sol o rompeu e à manhã
E eu suei as estopinhas atrás da bola das minhas meias

A falta que ele me faz
Nestes dias em que os glaciares deslizam
Sobre a minha cabeça e os pingos do nariz vermelho
Congelam no ar acima do chão dos becos da cidade

A falta que ele me faz
O casaco ... e a ágilidade de quando era rapaz

na soleira

Senta-te meu amor aqui nesta soleira
E deixa que a luz grave na palma da minha mão
De ti uma imagem que sejas tu na escuridão

Que não sei se é tua a ausência ou minha a cegueira.

Pingo de vergonha

Há uns dias, uma página de um Diário da República de 14 de Outubro chegava-me anexada a uma mensagem que chamava a atenção para um Despacho da Presidência do Conselho de Ministros a nomear uma jovem professora para Vice-Presidente do Instituto do Consumidor. O Despacho descreve funções do Instituto e considera que a nomeada "reúne capacidades pessoais e técnicas, a que associa qualificada formação e experiência, decorrente do desempenho, ao longo da sua carreira, de funções técnicas e de formação, coordenação e organização de recursos, nomeadamente no sector cooperativo, que permitem concluir pelo seu adequado perfil para o exercício do cargo".
O currículo da nomeada, também vem na página do Diário da República, desmente vergonhosamente esse parágrafo. Esclarece que a nomeada foi professora de Filosofia e, na falta de melhor, acrescenta em linhas autónomas que esta elaborou e corrigiu provas (membro da elaboração - escreveu ela!), ou que frequentou acções de formação (na área da educação e conhecimento, escreveu ela!). Não é o que fazem os professores? Como cereja no bolo das suas competências para o cargo, diz-se que foi da direcção da MoviJovem. Tropeça até na escrita do seu currículo - insignificante até para professora!
No dia 4 de Janeiro, em artigo do Público, o mandante da nomeação declara que está bem justificada a nomeação pelo que se pode ler no despacho e a nomeada ainda joga ao ataque, achando que foi bem nomeada e que se fosse a levar em conta os currículos ela não teria oportunidade de mostrar o que vale. E que bem que ela mostra o que vale! Já várias vezes falei das duas faces das nomeações destes governos. Criminoso é quem nomeia sem critérios de competência - prejudicando e desacreditando a administração pública. De baixo estofo é quem aceita sabendo que não tem condições para o exercício e que não pode merecer qualquer respeito de subordinados e parceiros.
Este caso não é o único, é só mais um caso público que diz tudo sobre este governo. E sobre outros governos que assim procederam. E diz tudo sobre a nomeada que vai ter no seu currículo uma passagem como Vice-Presidente do Instituto do Consumidor para não parar de subir na vida fácil. O mesmo aconteceu com Ministros, Secretários de Estado, etc.
São formas de vida. Vende-se de tudo: corpo, alma, honra, dignidade. Sem pingo ... de vergonha.


[o aveiro; 6/1/2005]

E fora eu esperar-te

A vida inteira

Fora eu esperar-te
Em carne viva numa esquina de ruas
E como uma carícia aérea visses
A ternura do meu desejo ao olhar-te

A vida inteira

Estenderas a mão até quase tocar-me
E não te afastaras mais que dois dedos
Para que a vida pudesse parar nesse instante
Da ansiedade em teu olhar ao desejar-me

A vida inteira

Fora o instante mais que perfeito
Ou imperfeito mas que se recordasse

A vida inteira.

O caso notável de um debate

Um prego no sapato continuou uma discussão que tinha passado por mim. Não me interessa minimamente a toleima - Filomena Mónica e os "filhos de Rousseau - que anima a luta de correntes sociológicas e de ciências da educação e de matemáticos. Não me convencem. A teoria de uma conspiração de algumas ciências da educação ou cientistas da educação dominantes que estaria a dominar tudo e teria levado o ensino a um desastre é coisa que só pode defender quem não ensina crianças e adolescentes na "escola para todos". Nós sabemos que a realidade nunca tem a ver com o que se escreve e até sabemos que quem ganha na prática são o autoritarismo e o paleio do senso comum básico - e que infelizmente tem um efeito devastador na escola para todos. Vivo num mundo em que os dois lados da toleima teimam em entrar-me pelos ouvidos como se estivessem mais interessados em levar-me à surdez que em resolver qualquer problema. De vez em quando, frente a frente chego a acordo com cada um dos lados para ver o contrário do que se disse ser repetido logo ali ao lado para outro público... que espera a novidade e o sossego da consciência com alguma atribuição de culpa a outros.

Mas afinal quem ensina e certifica a imensa maioria dos professores de matemática? Qual é a corrente dominante na formação de professsores de matemática em Portugal? Quem fala mais alto nisto afinal? Se há uma conspiração vencedora, qual é a facção que venceu e não assume a responsabilidade do falhanço?


O que me interessa disto tudo é mesmo a utilização das propriedades das operações e a ilustração geométrica para as igualdades algébricas no básico. A figura ora vale mais que mil palavras ora abafa todas as palavras do futuro.... No ensino da matemática, qual o papel das figuras?

daqui para ali - a geometria

durante uns dias, aqui fizemos experiências com assuntos de geometria.
não foi em vão e não se finou vazia a experiência.
passa a ter nome e vida em casa própria:


O paraíso da tragédia

Até ao momento em que escrevemos, contam-se cerca de 60 mil vítimas mortais de um maremoto no Índico. Nas primeiras horas, a busca dos europeus em férias fez passar para segundo plano a tragédia dos milhares de mortos e dos milhões de desalojados asiáticos. As imagens são devastadoras e sucedem-se os números da destruição em vidas humanas, casas e carros, seguidos dos números da ajuda humanitária internacional. Os meios de comunicação colocam-nos no centro da tragédia, como se lá estivéssemos na vizinha Ásia, sofredores e impotentes.
E é então que começamos a prestar atenção a outros dados que vão sendo lançados.
Parece que a ocorrência de maremotos e ?tsunami? é muito mais rara no Índico que no Pacífico. E se os sistemas de aviso do Pacífico para os maremotos, ondas e marés invulgares estivessem montados no Índico? Haveria menos vítimas! - é o que dizem os cientistas, já que passaram horas entre o maremoto e a chegada das ondas às costas da Ásia. Os meios de comunicação existem para comunicar e mostrar a tragédia a todo o mundo em tempo real. Porque não funcionam para os alertas que antecedem e podem evitar parte da tragédia? Parte desta tragédia é a denúncia do drama que o modelo de globalização encerra.
E dizem os cientistas que o modelo de desenvolvimento é responsável pela dimensão da tragédia, já que provocou alterações profundas dos eco-sistemas marinhos e das orlas marítimas do continente asiático. Desde a destruição dos recifes de corais para a cultura intensiva de algumas espécies e a substituição das espécies arbóreas tradicionais das orlas costeiras até à concentração de populações humanas na beira do oceano, dele tradicionalmente afastadas.
Todos estes problemas estão estudados e contra os modelos de desenvolvimento, seguidos na maioria dos países atingidos pela tragédia, os cientistas e as organizações internacionais sempre lançaram alertas.
Estamos agora a assistir à maior operação de ajuda humanitária de sempre e rezando para que a contaminação das águas e as doenças não dupliquem o número de mortos da tragédia. Afogados no combate à tragédia, esquecemos a lição da verdade sobre os negócios do paraíso ... e as vantagens dos modelos de salvação. Que 2005 seja um ano de boa memória!

[o aveiro; 30/12/2004]

Natal

Milhares de mortos, provavelmente milhões de desalojados...

a cor falhada

É por pouco tempo mais, mas ainda tenho de fazer algumas experiências com o Cinderella e outras minudências por aqui mesmo. Agora aqui deixo cores. Podem clicar sobre elas? Se tudo correr bem, devem ir parar a uma página activa onde podem aumentar, rodar, etc a coroa das cores (movendo a bolinha preta perto de uma frase Pode puxar por aqui) . A experiência precisa de ser melhorada na sua animação.
Correu mal - confesso!, mas como prenda de natal bem intencionada foi o melhor que consegui nesta nesga de tempo em que sobrevive o espírito natalício.

Problema com sete lados

Num heptágono regular [ABCDEFG] de lado 1, a soma dos inversos dos comprimentos das diagonais AC e AD vale 1? Podemos provar isso? Quem ainda se lembra como se desenha com régua e compasso um heptágono regular?

[Sugestão da lista de problemas das Olimpíadas Brasileiras de Matemática: O Teorema de Ptolomeu pode ajudar]

Ptolomeu

Um quadrilátero qualquer [ABCD] com vértices sobre uma circunferência tem uma propriedade interessante:
AB.CD+BC.AD=AC.BD
Nós ilustramos isso bem numa construção dinâmica - sobre o teorema de ptolomeu -, que pode manipular em parte, se isso o puder ajudar a acreditar na veracidade da afirmação que fizemos acima.

É claro que o melhor que pode fazer é demonstrar o teorema. É mesmo necessário que o quadrilátero seja inscritível numa circunferência?

Talvez valha a pena olhar o célebre Teorema de Pitágoras como um caso particular deste.

Estamos a fazer experiências n'O Lado Esquerdo a pensar numa outra coisa sobre problemas de matemática - geometria, em particular.


desenho, logo existe


32KB