Ela estava a demorar demais o seu pequeno almoço.
A família já tinha saído a tomar ar e esperava à porta da rua. Nem podiam voltar atrás e entrar em casa, nem podiam partir. De facto, eles não tinham a chave da casa para entrar nem a do carro para partir. Começaram por entreter-se a conversar, mas, a partir de certa altura, cada um dedicou o tempo às suas coisinhas: o pai de todos foi até à esquina comprar tabaco e recomeçou a fumar depois de 5 anos livres de fumo, o rapaz agarrou-se ao compêndio de matemática e a canivete começou a esculpir o corpo da namorada de quem tinha saudades demais até que a matemática ganhou a forma que ele queria que ela tivesse sempre, as duas gémeas começaram uma disputa sem tréguas sobre qualquer coisa que já nem ao diabo lembra. A primeira rajada de vento dispersou-os.
Quando ela desceu finalmente e, sorridente, abriu a porta da rua, não viu a família assim ao primeiro olhar. Aliás não viu viv'alma. Olhou para o relógio e chamou. Nada de volta. É tarde, estamos atrasados não é altura para brincadeiras! Nem um som.Esperou mais um pouco. Depois, deu meia volta e entrou em casa pela porta da frente. Furiosa. Ninguém a esperava tão cedo.
aos meus relatórios ajuda-os deus; a mim não
Quando escrevia relatórios é que deus me aparecia:
olhava-me cheio de compaixão e eu insistia em largas frases judiciosas, porque ele ouvira falar sobre a bondade dos relatórios longos em que umas palavras mais sinceras e desagradáveis amaciavam outras que me davam um ar amigável de conselheiro.
Nunca deus me apareceu para a poesia:
deixou-me sempre sozinho e, por isso, nunca escrevi mais que dois versos cheios de nada, de palavras que procuram outras palavras incapazes todas para desenhar a face da divindade da vida humana.
olhava-me cheio de compaixão e eu insistia em largas frases judiciosas, porque ele ouvira falar sobre a bondade dos relatórios longos em que umas palavras mais sinceras e desagradáveis amaciavam outras que me davam um ar amigável de conselheiro.
Nunca deus me apareceu para a poesia:
deixou-me sempre sozinho e, por isso, nunca escrevi mais que dois versos cheios de nada, de palavras que procuram outras palavras incapazes todas para desenhar a face da divindade da vida humana.
as famílias adoptam velhinhos já velhos feitos?
Ia a passar quando ouvi a conversa: "O que nos fazia falta agora era um velho que quisesse ser adoptado como avô ou bisavô". Virei-me para a família que ali conversava, as mulheres arrumando a tralha do picnic, um rapaz arrastando o saco das sobras e o lixo dos embrulhos para o contentor-lixeira, duas crianças esfarelando entre os dedos um pão para os peixes e os patos do canal da ria ali ao lado. E sentei-me abandonado com os olhos tristes de velho fixos no conjunto da cena familiar. Uma das mulheres da família, pareceu-me a mais velha, veio até ao meu banco e perguntou-me: "Há quanto tempo está aqui? tem ouvido as nossas conversas?" E eu respondi: "Sempre por aqui estive, desde há muitos anos pelo menos, mas ninguém deu por mim até hoje". "O que espera aqui sentado?" perguntou a mulher. "Ser adoptado" - disse, sem grande entusiasmo. "Porquê?" "Não sei, nem gosto muito de crianças nem gosto de famílias grandes e só estas podem adoptar velhos como eu". "Tem sentido" - disse a mulher. E continuou: "Eu também me sentia assim, até ter sido adoptada por esta família, tão grande que nem dão pela minha falta quando falto, nem dão pela minha presença quando estou presente. E nem tive o trabalho de constituir família. Talvez o adoptem. Começo a gostar de si."
Quando os vi prontos a partir, fui ocupar um lugar que me pareceu vazio num dos automóveis da família. Tratam-me bem, de forma tão familiar que eu, sem pensar em morrer, sinto-me incapaz de viver ali porque não há quem goste de mim verdadeiramente. Só tenho uma certeza: vão chorar quando os deixar na minha primeira e última emergência médica.
Quando os vi prontos a partir, fui ocupar um lugar que me pareceu vazio num dos automóveis da família. Tratam-me bem, de forma tão familiar que eu, sem pensar em morrer, sinto-me incapaz de viver ali porque não há quem goste de mim verdadeiramente. Só tenho uma certeza: vão chorar quando os deixar na minha primeira e última emergência médica.
O que fazemos aqui?
Na actividade politica e social, cada um dos actores ou agentes na vida pública ganha notoriedade ou visibilidade nacional, regional ou localmente. Grande parte dessa notoriedade é regulada pelos meios de comunicação social, em especial, pela televisão. De certo modo, sempre que alguém se candidata a este ou aquele lugar ou cargo público conta com isso e com a respectiva responsabilidade pública. Quanto mais perto estamos de quem nos elegeu, mais conhecidos e importantes, mais responsabilizados por cada problema local no dia a dia. Mesmo que não reunamos as condições para ultrapassar as dificuldades, sabemos que os nossos vizinhos nos responsabilizam como intermediários entre eles e o poder.
Em cada freguesia, o presidente da junta é conhecido e responsabilizado pelos seus fregueses. Em cada município, o presidente da câmara é conhecido e responsabilizado pelos munícipes. Assim deve ser e é, por isso, que cada pessoa se candidata a cargos públicos locais e é essa ligação de serviço, também afectiva, que dá sentido à representação almejada e conquistada pelos candidatos. Claro que cada um dos eleitos espera o reconhecimento, não só dos seus eleitores, mas de todos os eleitores e de cada um dos membros da comunidade.
Em democracia representativa, é preocupante descobrirmos que, a nível local, os eleitos nem são conhecidos e reconhecidos localmente. A preocupação aumenta à medida da ignorância da comunidade local (e na razão inversa da sua dimensão) sobre quem são os seus representantes, como foram eleitos e por quem, quais são as suas competências e junto de que organizações assume importância a sua representação.
Após dezenas de anos de eleições democráticas para o poder local, ficamos preocupados com o desinteresse dos eleitores e mais ainda com o desconhecimento dos jovens que estão em vias de tornar-se responsáveis, eleitores e elegíveis. Alguma coisa não está certa quando descobrimos que nenhum dos nosso alunos de matemática aplicada às ciências sociais conhece, pelo nome os representantes locais, as sedes das juntas, ... Pior ainda ficamos quando descobrimos que, em suas demandas às sedes do poder local, os jovens não retiram qualquer conforto e aproximação ao poder local e devolvem a ideia de dificuldade em obter informações e dados sobre os actos eleitorais e seus actores, sobre os cadernos eleitorais e eleitores.
A vida nos dirá das consequências deste afastamento dos jovens dos órgãos locais. Estamos a falar de jovens escolarizados que escolheram estudar matemática aplicada às ciências sociais, apoio à decisão – teoria das eleições e da partilha, entre outros assuntos sociais.
Temos de fazer pela vida. Cada pessoa sabe que, pela sua acção, pode mudar a vida, a sua e a dos outros. Para o melhor e para o pior. Para melhor! É o que queremos e não nos cansamos de repetir.
[o aveiro; 19/12/2008]
Em cada freguesia, o presidente da junta é conhecido e responsabilizado pelos seus fregueses. Em cada município, o presidente da câmara é conhecido e responsabilizado pelos munícipes. Assim deve ser e é, por isso, que cada pessoa se candidata a cargos públicos locais e é essa ligação de serviço, também afectiva, que dá sentido à representação almejada e conquistada pelos candidatos. Claro que cada um dos eleitos espera o reconhecimento, não só dos seus eleitores, mas de todos os eleitores e de cada um dos membros da comunidade.
Em democracia representativa, é preocupante descobrirmos que, a nível local, os eleitos nem são conhecidos e reconhecidos localmente. A preocupação aumenta à medida da ignorância da comunidade local (e na razão inversa da sua dimensão) sobre quem são os seus representantes, como foram eleitos e por quem, quais são as suas competências e junto de que organizações assume importância a sua representação.
Após dezenas de anos de eleições democráticas para o poder local, ficamos preocupados com o desinteresse dos eleitores e mais ainda com o desconhecimento dos jovens que estão em vias de tornar-se responsáveis, eleitores e elegíveis. Alguma coisa não está certa quando descobrimos que nenhum dos nosso alunos de matemática aplicada às ciências sociais conhece, pelo nome os representantes locais, as sedes das juntas, ... Pior ainda ficamos quando descobrimos que, em suas demandas às sedes do poder local, os jovens não retiram qualquer conforto e aproximação ao poder local e devolvem a ideia de dificuldade em obter informações e dados sobre os actos eleitorais e seus actores, sobre os cadernos eleitorais e eleitores.
A vida nos dirá das consequências deste afastamento dos jovens dos órgãos locais. Estamos a falar de jovens escolarizados que escolheram estudar matemática aplicada às ciências sociais, apoio à decisão – teoria das eleições e da partilha, entre outros assuntos sociais.
Temos de fazer pela vida. Cada pessoa sabe que, pela sua acção, pode mudar a vida, a sua e a dos outros. Para o melhor e para o pior. Para melhor! É o que queremos e não nos cansamos de repetir.
[o aveiro; 19/12/2008]
Como chamar ninguém pelo nome?
Vivemos num estado de direito e sabemos quem faz as leis, quem as fiscaliza nas suas aplicações e consequências, quem as promulga. Ninguém mais que os professores deve saber isso, saber dos passos, dar os passos. E dar lição e testemunho disso.
Cada professor vota e deve conhecer os deputados que elege, conhece os ministros e secretários de estado que assinam leis, os deputados que as podem aprovar ou reprovar. Pelo nome, conhecem quem assina as propostas de lei, quem as promulga, as chama a si e as verifica, recomenda alterações e as pode vetar. O sistema é ainda mais transparente para os dirigentes dos professores, ligados à política activa, a partidos e sindicatos.
Ninguém mais que os professores está habituado a reclamar contra alterações de decretos por despachos. Estas alterações de circunstância que aparecem como esclarecimentos, adequações ou similares parecem trapalhadas umas vezes e trapaças outras vezes. Os professores falam da necessidade do cumprimento da lei e reclamam o direito de cidadania de lutar contra as leis para influenciar as instâncias próprias para a sua alteração ou negação. Os educadores sabem onde estão as sedes do estado de direito e sabem quem representa os seus interesses nestes jogos de poder em que a diversidade da opinião é fundamental. E sabem que essa diversidade de opinião, espelhada na assembleia, garante o sim e o não, o mais e o menos, o equilíbrio feito de pequenos nadas ou gestos do deputado que vota, quando volta da terra do nunca.
Como são professores os ministros, secretários, assessores, directores, subdirectores e funcionários da administração central, regional e local, também os professores podem ser deputados e os deputados professores. Muitos deles representam nada nem ninguém quase todo o tempo e a sua inexistência é má educação, deficiência profunda e ferida.
Os professores sabem que os seus deputados conhecem a agenda da assembleia e podem decidir faltar aos trabalhos parlamentares no dia em que podem mudar o curso da lei - sobre a avaliação de professores, por exemplo.
Mas só vagamente se fala dos deputados que faltam quando são precisos, porque todos sabemos que não sabemos se alguns deles alguma vez foram precisos. Porquê? Porque são nomes... de ninguém.
[o aveiro; 12/12/2008]
Cada professor vota e deve conhecer os deputados que elege, conhece os ministros e secretários de estado que assinam leis, os deputados que as podem aprovar ou reprovar. Pelo nome, conhecem quem assina as propostas de lei, quem as promulga, as chama a si e as verifica, recomenda alterações e as pode vetar. O sistema é ainda mais transparente para os dirigentes dos professores, ligados à política activa, a partidos e sindicatos.
Ninguém mais que os professores está habituado a reclamar contra alterações de decretos por despachos. Estas alterações de circunstância que aparecem como esclarecimentos, adequações ou similares parecem trapalhadas umas vezes e trapaças outras vezes. Os professores falam da necessidade do cumprimento da lei e reclamam o direito de cidadania de lutar contra as leis para influenciar as instâncias próprias para a sua alteração ou negação. Os educadores sabem onde estão as sedes do estado de direito e sabem quem representa os seus interesses nestes jogos de poder em que a diversidade da opinião é fundamental. E sabem que essa diversidade de opinião, espelhada na assembleia, garante o sim e o não, o mais e o menos, o equilíbrio feito de pequenos nadas ou gestos do deputado que vota, quando volta da terra do nunca.
Como são professores os ministros, secretários, assessores, directores, subdirectores e funcionários da administração central, regional e local, também os professores podem ser deputados e os deputados professores. Muitos deles representam nada nem ninguém quase todo o tempo e a sua inexistência é má educação, deficiência profunda e ferida.
Os professores sabem que os seus deputados conhecem a agenda da assembleia e podem decidir faltar aos trabalhos parlamentares no dia em que podem mudar o curso da lei - sobre a avaliação de professores, por exemplo.
Mas só vagamente se fala dos deputados que faltam quando são precisos, porque todos sabemos que não sabemos se alguns deles alguma vez foram precisos. Porquê? Porque são nomes... de ninguém.
[o aveiro; 12/12/2008]
tempo de cólera
Esta crónica apanha-me na cólera da greve. A greve, convocada pelos sindicatos de professores, é uma arma contra as políticas de educação do governo. Devo confessar que me sinto pouco convocado pelos sindicatos dos professores e, menos ainda pelos pelos seus dirigentes. Aos estudantes que trabalham comigo expliquei pacientemente o que significa a greve dos professores, que, sendo cheia de riscos, ela é a mais poderosa das greves, levantando graves problemas de segurança, afectando a vida de crianças e de jovens e criando uma falha geral de sistemas de apoio às famílias. Estas greves exigem uma ponderação muito séria da parte de quem as convoca e mais ainda dos governos que devem tomar medidas para enfrentar a situação de emergência criada pela sua realização. Se realizada com êxito, uma greve de professores é uma arma poderosa e rica de consequências, podendo tornar-se entrave sério ao curso da acção dos governos ou mesmo a tornar clara a necessidade da sua substituição.
A manter-se fechada no espartilho das suas reivindicações próprias, uma greve de professores pode sempre atrair a desaprovação social pelas dificuldades que coloca às famílias. E levantar reprovação do todo social face ao sistema público de educação e ensino e à administração pública, para além das legítimas reclamações para alternativas aos sistemas de apoio.
Mas uma greve de um sector pode tornar-se numa manifestação de cólera geral, colectiva, quase esquecendo as suas motivações iniciais. E é isto que está a acontecer com esta greve de professores. O desconforto geral que ela podia ter criado está em segundo plano. Em primeiro plano, está a irritação face a um governo que se mostra autista e incapaz de mostrar verdadeira compaixão para os pobres e desempregados de hoje realmente existentes, ao mesmo tempo que demonstra pressa e preocupação com banqueiros e gestores milionários que, tendo apodrecido em montureiras de lucros especulativos, reclamam do estado que aumente as suas fortunas, salvando as suas instituições, fundações e sociedades. Se, na semana passada, vim aplaudir a posição do ministro que argumentava contra qualquer plano de salvação para os gestores de fortunas, esta semana venho escrever que Sócrates me convocou para a minha greve dos professores contra a política do governo, que, entre outras coisas, destrói a autonomia e independência da banca pública, aprovando (não é o mesmo que mandando?) que se salve o banco privado de que é principal accionista o gestor de fortunas de sempre.
[o aveiro; 5/12/2008]
A manter-se fechada no espartilho das suas reivindicações próprias, uma greve de professores pode sempre atrair a desaprovação social pelas dificuldades que coloca às famílias. E levantar reprovação do todo social face ao sistema público de educação e ensino e à administração pública, para além das legítimas reclamações para alternativas aos sistemas de apoio.
Mas uma greve de um sector pode tornar-se numa manifestação de cólera geral, colectiva, quase esquecendo as suas motivações iniciais. E é isto que está a acontecer com esta greve de professores. O desconforto geral que ela podia ter criado está em segundo plano. Em primeiro plano, está a irritação face a um governo que se mostra autista e incapaz de mostrar verdadeira compaixão para os pobres e desempregados de hoje realmente existentes, ao mesmo tempo que demonstra pressa e preocupação com banqueiros e gestores milionários que, tendo apodrecido em montureiras de lucros especulativos, reclamam do estado que aumente as suas fortunas, salvando as suas instituições, fundações e sociedades. Se, na semana passada, vim aplaudir a posição do ministro que argumentava contra qualquer plano de salvação para os gestores de fortunas, esta semana venho escrever que Sócrates me convocou para a minha greve dos professores contra a política do governo, que, entre outras coisas, destrói a autonomia e independência da banca pública, aprovando (não é o mesmo que mandando?) que se salve o banco privado de que é principal accionista o gestor de fortunas de sempre.
[o aveiro; 5/12/2008]
Porta estreita é o presente. E a saída faz-se pela porta de entrada
1.
O governo do presente português é baseado numa maioria absoluta de deputados no parlamento. Os governos de maioria absoluta têm tendência a menosprezar as opiniões (ainda que de grandes massas de eleitores) quando a opinião pública se mostra favorável à acção quase simultânea à decisão da produção do evento substituto da acção.
Por ser público o sistema das escolas e dependentes da administração pública os agentes educativos (em maioria) tudo o que se diz sobre educação e organização educacional assume grande importância no conjunto da sociedade. Mais importância assume o que se faz.
2.
Parte importante das acções do governo do presente influenciaram e alteraram o sistema educativo, afectando tanto a organização central como as escolas e os professores. Se os planos tecnológicos afectam professores e escolas, mais ainda os afecta a política para a formação e certificação escolar de adultos na base da experiência de vida, ou da generalização do ensino profissional a todas as escolas públicas. Obrigou à criação de uma agência de qualificação central e centros de novas oportunidades, alterando em muito a natureza de organizações já existentes, as prestações profissionais dos professores e, ao lado deles, a emergência de novos profissionais que já não se confundem com os professores. Nas escolas, os professores sentiram as transformações quando receberam novos serviços, alguns deles prestados fora de muros. E sentiram-nas nos centros de formação, reorganizados por concentração para novas funções e novos utentes a perder de vista a identidade com que tinham nascido. Sem falarmos do outro aspecto da concentração, iniciada antes, das escolas em agrupamentos, temperada por autonomia e transferências de poder para as autarquias.
3.
Por cada uma das muitas medidas, com carácter de urgência, dirigida ao conjunto dos professores ou a parcelas significativas de professores, o governo definiu necessidades de formação gerais e, dado o carácter de urgência, assumiu a concepção e planificação das iniciativas que entendeu por necessárias ou que foram reclamadas pelos grupos de professores afectados por cada uma das medidas. Para muitas delas, assumiu mesmo a promoção das iniciativas. E tantas elas foram que as fontes de financiamento ficaram secas depois de o governo ter ido matar a sua sede ao bebedouro geral.
Não me passa pela cabeça pôr em causa a legitimidade da administração central para promover algumas iniciativas de formação que considere imprescindíveis para executar mudanças curriculares, mudanças no sistema de administração escolar ou avaliação de professores, para só falar de algumas das políticas do presente.
Mas a actual concentração foi muito além do que é aceitável em democracia. Se é condenável ter secado as fontes de financiamento, a preocupação maior está na mobilização geral pelo governo de todas as actividades e todos os activos do conjunto do sistema. Grave em democracia é que o governo tenha subtraído à sociedade os meios (recursos e forças humanas) para as iniciativas independentes, criando a ideia de um deserto para a acção fora da esfera estreita do governo.
Uma boa parte das instituições criadas para a diversidade foram manietadas para obter efeitos que o governo prosseguia com cada medida. Organizações do ensino superior e não superior, associações de professores e seus activistas ficaram presos a urdir a teia do poder. Esta situação esclareceu-nos que as principais forças para mudanças e adaptações (curriculares ou outras) estão nas associações profissionais e espalhadas pelas escolas do território. E mostra-nos, à evidência, como uma direcção de governo, capaz de usar a seu favor a iniciativa externa, pode criar condições de organização para a esgotar em seu exclusivo benefício.
4.
As escolas e as suas associações, os professores e as suas associações precisam de reganhar a iniciativa na acção e formação independentes e marcar pela diversidade de exercícios de docência reflexiva a sua identidade profissional. No lugar e no papel dos professores. Nem mais. Não menos.
[a página da educação; dezembro de 2008]
O governo do presente português é baseado numa maioria absoluta de deputados no parlamento. Os governos de maioria absoluta têm tendência a menosprezar as opiniões (ainda que de grandes massas de eleitores) quando a opinião pública se mostra favorável à acção quase simultânea à decisão da produção do evento substituto da acção.
Por ser público o sistema das escolas e dependentes da administração pública os agentes educativos (em maioria) tudo o que se diz sobre educação e organização educacional assume grande importância no conjunto da sociedade. Mais importância assume o que se faz.
2.
Parte importante das acções do governo do presente influenciaram e alteraram o sistema educativo, afectando tanto a organização central como as escolas e os professores. Se os planos tecnológicos afectam professores e escolas, mais ainda os afecta a política para a formação e certificação escolar de adultos na base da experiência de vida, ou da generalização do ensino profissional a todas as escolas públicas. Obrigou à criação de uma agência de qualificação central e centros de novas oportunidades, alterando em muito a natureza de organizações já existentes, as prestações profissionais dos professores e, ao lado deles, a emergência de novos profissionais que já não se confundem com os professores. Nas escolas, os professores sentiram as transformações quando receberam novos serviços, alguns deles prestados fora de muros. E sentiram-nas nos centros de formação, reorganizados por concentração para novas funções e novos utentes a perder de vista a identidade com que tinham nascido. Sem falarmos do outro aspecto da concentração, iniciada antes, das escolas em agrupamentos, temperada por autonomia e transferências de poder para as autarquias.
3.
Por cada uma das muitas medidas, com carácter de urgência, dirigida ao conjunto dos professores ou a parcelas significativas de professores, o governo definiu necessidades de formação gerais e, dado o carácter de urgência, assumiu a concepção e planificação das iniciativas que entendeu por necessárias ou que foram reclamadas pelos grupos de professores afectados por cada uma das medidas. Para muitas delas, assumiu mesmo a promoção das iniciativas. E tantas elas foram que as fontes de financiamento ficaram secas depois de o governo ter ido matar a sua sede ao bebedouro geral.
Não me passa pela cabeça pôr em causa a legitimidade da administração central para promover algumas iniciativas de formação que considere imprescindíveis para executar mudanças curriculares, mudanças no sistema de administração escolar ou avaliação de professores, para só falar de algumas das políticas do presente.
Mas a actual concentração foi muito além do que é aceitável em democracia. Se é condenável ter secado as fontes de financiamento, a preocupação maior está na mobilização geral pelo governo de todas as actividades e todos os activos do conjunto do sistema. Grave em democracia é que o governo tenha subtraído à sociedade os meios (recursos e forças humanas) para as iniciativas independentes, criando a ideia de um deserto para a acção fora da esfera estreita do governo.
Uma boa parte das instituições criadas para a diversidade foram manietadas para obter efeitos que o governo prosseguia com cada medida. Organizações do ensino superior e não superior, associações de professores e seus activistas ficaram presos a urdir a teia do poder. Esta situação esclareceu-nos que as principais forças para mudanças e adaptações (curriculares ou outras) estão nas associações profissionais e espalhadas pelas escolas do território. E mostra-nos, à evidência, como uma direcção de governo, capaz de usar a seu favor a iniciativa externa, pode criar condições de organização para a esgotar em seu exclusivo benefício.
4.
As escolas e as suas associações, os professores e as suas associações precisam de reganhar a iniciativa na acção e formação independentes e marcar pela diversidade de exercícios de docência reflexiva a sua identidade profissional. No lugar e no papel dos professores. Nem mais. Não menos.
[a página da educação; dezembro de 2008]
o homem sem qualidades
Há muitos anos atrás, estava eu a morar e a trabalhar em Cabo Verde, uma professora leu a sina que está escrita na palma da minha mão. Não hesitou muito em comunicar-me a crua verdade da minha vida: em tudo eu era uma pessoa banal e muito desinteressante. Era assim como professor e assim era no amor, como pai, filho, irmão e... seria o mais que provável avô banal. Aceitei muito bem essa maldição. De certo modo, preferia assim e esforcei-me por aperfeiçoar a minha banalidade. Para mim, isso significava ir fazendo o que é preciso e o que me pedem, momento a momento. Dentro do que eu entendia por banalidade, precisava de procurar fazer o melhor possível o pouco e o muito que fizesse. Este ideal de banalidade foi-me colocando nos acontecimentos, mas sempre em segunda fila. Não disputava poderes, abandonava as batalhas mesmo que as pudesse vencer, não me deixava envolver como funcionário de causas para não julgar quem não fosse da causa, não cobiçava a vida alheia, etc: seguia religiosamente os 10 mandamentos da banalidade. Nunca pensei é que alguém um dia viesse somar as pequenas parcelas da minha vida banal e à soma atribuísse sumas virtudes, mesmo que banais.
Como é que um homem banal que passa a vida a esconder-se na banalidade pode tornar-se sombra para alguém? Como um amontoado de banalidades, claro. Sem querer passei a ser visto tal qual sou, um monte de banalidades. Só que agora há quem pense acusar-me da banalidade que eu, qual banal laborioso, construí cuidadosamente.
Tenho de confessar que sou assim, mesmo bom a fazer e a dizer banalidades. Nunca fui secretário de partido ou sindicato e também não sou contra partidos ou sindicatos, nem renego os meus votos neste ou naquele partido. Não sou banqueiro nem joguei na bolsa de valores sem valores. Custa-me a aceitar as mudanças de paleio sobre as virtudes do mercado de valores sem valores e custa-me a compreender como é que os defensores da privatização a todo o vapor se tornam defensores da nacionalização do capital em risco ou de risco. Banalidades de um esquerdista banal.
E sou banal em toda largura do olhar: se a minha profissão precisa de balizas para se dignificar perante a sociedade, digo-o, mesmo quando me confundem com o governo dos meus colegas não banais; se o ministro das finanças do meu país não está disposto a dar aval nem apoio ao banco de um qualquer bem sucedido gestor de fortunas, eu saúdo-o nesse gesto. Coisas banais. Nada há aqui que clame atenção. A minha experiência de banalidades diz-me que as coisas banais só se explicam de forma banal.
[o aveiro; 27/11/2008]
Como é que um homem banal que passa a vida a esconder-se na banalidade pode tornar-se sombra para alguém? Como um amontoado de banalidades, claro. Sem querer passei a ser visto tal qual sou, um monte de banalidades. Só que agora há quem pense acusar-me da banalidade que eu, qual banal laborioso, construí cuidadosamente.
Tenho de confessar que sou assim, mesmo bom a fazer e a dizer banalidades. Nunca fui secretário de partido ou sindicato e também não sou contra partidos ou sindicatos, nem renego os meus votos neste ou naquele partido. Não sou banqueiro nem joguei na bolsa de valores sem valores. Custa-me a aceitar as mudanças de paleio sobre as virtudes do mercado de valores sem valores e custa-me a compreender como é que os defensores da privatização a todo o vapor se tornam defensores da nacionalização do capital em risco ou de risco. Banalidades de um esquerdista banal.
E sou banal em toda largura do olhar: se a minha profissão precisa de balizas para se dignificar perante a sociedade, digo-o, mesmo quando me confundem com o governo dos meus colegas não banais; se o ministro das finanças do meu país não está disposto a dar aval nem apoio ao banco de um qualquer bem sucedido gestor de fortunas, eu saúdo-o nesse gesto. Coisas banais. Nada há aqui que clame atenção. A minha experiência de banalidades diz-me que as coisas banais só se explicam de forma banal.
[o aveiro; 27/11/2008]
do desalento e do desabafo
Os primeiros dias desta semana deixaram-me na memória impressões de acidentes brutais, da estranha e meio encapotada violência dos membros de claque e notícias de variadas reuniões sobre avaliação de professores, marcações de protestos e greves, ...
Devo confessar que admiro a resistência das pessoas que vão de uma reunião para outra, ouvindo opiniões e falando sobre saídas e soluções. Claro que são igualmente admiráveis todos os que, de reunião em reunião, sem dar mostras de cansaço, se exaltam em bloqueios às saídas para as mesmas situações. Fico cansado só de imaginar essas vidas, enquanto vagueio pelas reuniões que me cabem em sorte. Mais cansado ainda me sinto quando tenho de viajar entre Aveiro e Lisboa para olhar reuniões. Começo a sentir-me um estranho nas participações por dever de ofício. De certo modo, é como se não estivesse nos lugares onde estou e não fosse eu a falar quando falo ou não fosse eu que estivesse a ouvir. Muitas vezes, penso que não sou eu quem pensa da forma que penso e, ... quem me dera estar noutro lugar e noutro tempo.
Mais estranho ainda me sinto em algumas sessões sobre Matemática e ensino de Matemática. Há conferências em que todos quantos se debruçam sobre o ensino não superior raramente caem nele; personalidades e professores do ensino superior olham-nos como se olhassem para baixo, de um varandim. Muitas intervenções cheiram a já visto; outras cheiram a piada interessante; algumas opiniões são a alta voz do senso comum ou da falta de senso que são coisas de boa e má educação. Sinto-me sempre um pouco insecto preso no fio de ouro dos discursos simultaneamente projectados e lidos. Claro que, em cada sessão, há sempre quem nos ensine e nos lembre alguma coisa.
Sinto-me tão enfadado como tentado a promover uma conferência sobre o ensino superior em que os oradores sejam todos professores do ensino não superior. À semelhança de conferências a que assisti, os conferencistas não teriam mais que dar um exemplo ou outro de algum erro grosseiro ou aspecto mais ridículo de aulas de professores do ensino superior (que, sendo difícil tarefa, não é missão impossível).
Em acto de contrição, a comissão organizadora da conferência sobre as questões e soluções para o ensino superior de matemática assumiria a responsabilidade pela parte da formação dos professores do ensino superior que coube a professores do ensino não superior. Só para marcar uma diferença.
Ninguém tem culpa da incompreensão que me ataca. Sopro para este saco de papel e suspendo a respiração. Até voltar à vida de sempre.
[o aveiro; 20/11/2008]
Devo confessar que admiro a resistência das pessoas que vão de uma reunião para outra, ouvindo opiniões e falando sobre saídas e soluções. Claro que são igualmente admiráveis todos os que, de reunião em reunião, sem dar mostras de cansaço, se exaltam em bloqueios às saídas para as mesmas situações. Fico cansado só de imaginar essas vidas, enquanto vagueio pelas reuniões que me cabem em sorte. Mais cansado ainda me sinto quando tenho de viajar entre Aveiro e Lisboa para olhar reuniões. Começo a sentir-me um estranho nas participações por dever de ofício. De certo modo, é como se não estivesse nos lugares onde estou e não fosse eu a falar quando falo ou não fosse eu que estivesse a ouvir. Muitas vezes, penso que não sou eu quem pensa da forma que penso e, ... quem me dera estar noutro lugar e noutro tempo.
Mais estranho ainda me sinto em algumas sessões sobre Matemática e ensino de Matemática. Há conferências em que todos quantos se debruçam sobre o ensino não superior raramente caem nele; personalidades e professores do ensino superior olham-nos como se olhassem para baixo, de um varandim. Muitas intervenções cheiram a já visto; outras cheiram a piada interessante; algumas opiniões são a alta voz do senso comum ou da falta de senso que são coisas de boa e má educação. Sinto-me sempre um pouco insecto preso no fio de ouro dos discursos simultaneamente projectados e lidos. Claro que, em cada sessão, há sempre quem nos ensine e nos lembre alguma coisa.
Sinto-me tão enfadado como tentado a promover uma conferência sobre o ensino superior em que os oradores sejam todos professores do ensino não superior. À semelhança de conferências a que assisti, os conferencistas não teriam mais que dar um exemplo ou outro de algum erro grosseiro ou aspecto mais ridículo de aulas de professores do ensino superior (que, sendo difícil tarefa, não é missão impossível).
Em acto de contrição, a comissão organizadora da conferência sobre as questões e soluções para o ensino superior de matemática assumiria a responsabilidade pela parte da formação dos professores do ensino superior que coube a professores do ensino não superior. Só para marcar uma diferença.
Ninguém tem culpa da incompreensão que me ataca. Sopro para este saco de papel e suspendo a respiração. Até voltar à vida de sempre.
[o aveiro; 20/11/2008]
a longa marcha
Criança católica, ainda a cabeça era jovem deu-lhe para pensar de outro modo e abandonei a fé que guiava milhões de pessoas e toda a minha família. Estudante reneguei as tradições académicas da maioria dos meus colegas. Num país fascista e colonial, a cabeça pôs-me contra a guerra e contra o regime. Festejei a democracia e, ainda a festa não tinha bem começado, escolhi as ideias das minorias de esquerda, culpado de nem ser de direita nem participar das unidades festivas da esquerda. As ideias dominantes e lucrativas não me seduziram. Participei em manifestações quase solitárias pelos meus direitos e pelos direitos de homens e mulheres no mundo. Nas batalhas políticas, a minha cabeça não votou em qualquer dos partido do poder democrático. Ao contrário de milhões de pessoas, meus compatriotas e colegas respeitáveis, não votei nem no PS nem no PSD, não votei em Cavaco, Durão, Guterres ou Sócrates. Saí e entrei em pequenos partidos e sindicatos ao arrepio das maiorias. Também profissionalmente assim me construí. Defendi que deviam ser cumpridos programas, mesmo quando isso parecia impossível, e ao arrepio das maiorias combati e defendi ideias para programas e exames. Defendi mudanças de arrepiar para as escolas. Defendi aulas de 90 minutos ou o fim das desocupações dos alunos nas escolas quando havia manifestações de estudantes e professores contra essas mudanças. Ao arrepio das maiorias, defendi professores e estudantes antes e depois do 25 de Abril. Ao arrepio de maiorias, colaborei em grupos de trabalho, conselhos e comissões várias para fazer das minhas ideias alguma acção, sabendo que o país era e é governado por partidos que nunca contaram e não contam com os meus votos. Dando muito valor às minhas ideias, não desprezo as ideias dos outros e presto muita atenção às acções dos outros. Pela minha cabeça, condeno sem rebuços o que me parece condenável. Nunca me passou pela cabeça condenar os outros pelas seus pensamentos, quando estes não ofendem direitos fundamentais, nem pelas suas acções quando legítimas ainda que contrárias ao que penso ser certo. E não sendo tolerante, sei-me limitado e sei o mais simples de tudo: há ideias diferentes que convencem mais gente que as minhas. Todos os santos dias da minha vida foi assim. É assim hoje e continuo assim eu. Até ao fim da vida? Talvez seja afinal a velha honra que me guia a cabeça. Talvez seja assim para ser professor. A liberdade passa por aqui. A democracia também.
[o aveiro; 13/11/2007]
[o aveiro; 13/11/2007]
o telhado de vidro
olhamos para o rectângulo tão limitado
e tão aberto
que podemos imaginar como é fora dele,
olhar para cima e para baixo,
para a direita e para a esquerda
sem cuidarmos de saber onde começa
nem onde acaba
a multidão de telhas
que importa saber quantas
se vemos como são tantas
e vão encaixadas
de mãos dadas
das ruas, a mais bela, a nossa
a beleza das ruas é a nossa beleza
a primitiva forma lembramos como era sem a forma
do que agora é não era mais que um desenho ou um desejo
a cor da vida que veio morar em nossa casa
tem hoje idade e boca para o outono do beijo
para darmos graças ao arquitecto de então agora
pelo detalhe das cores impressas no ar
por esta instantânea felicidade no lugar e hora
da ave que ensaia num bater de asas o nosso olhar
a beleza da nossa rua está ao nosso espelho
A cauda da causa
Por estes dias, não há notícia que não fale do pavão.
O passarão adorava passear-se e pavonear a poderosa cor do seu papo. Sabemos como ele lamenta que as convenções não lhe permitam que exiba a sua magnífica cauda quando ele a abre no máximo esplendor de cauda de pavão. Para as visitas, apresenta-se o ministro com cauda tão brilhante como um piano de cauda.
Mas hoje, as notícias não dão margem a dúvidas e é do domínio público que os negócios do pavão ou são escuros ou são sujos. Alguns passarões ainda passam pelo desfile de vaidades, com a cauda de boca fechada.
O pavão de hoje está discreto, mais do que é seu costume. Não tem comentários a fazer, espera para ver que nada do que parece é. Quando chega a tarde, já a cauda o incomoda, uma manhã inteira trilhada no trânsito dos acontecimentos. Também lhe dói a inacção do papo. As televisões fazem-lhe perguntas sobre o tempo que faz nos paraísos fiscais, sobre o dinheiro que desapareceu, sobre a cauda da causa. Não responde a perguntas quem está habituado a falar por cima de toda a suspeita e até acima dos partidos que fizeram dele o rico ex-governante. Ele só responde a pedidos.
Vai para casa. A mulher vem recebê-lo com o costume do beijo. Pergunta como lhe correu o dia a ele e a todos os seus amigos que ela conhece ou de ouvir falar ou das filas de cumprimentos das tomadas de posse e poder de ministros e secretários. Ela gosta sempre de saber da saúde de cada um deles. Ele diz que estão todos bem, na esperança que ela volte para a fantasia da vida.
Mas sabe que ela vai ouvir notícias e fica à espera. Quando ela aparece a perguntar-lhe se é verdade, ele responde: É. Que tudo está a correr mal e que estão arruinados, ele responde: É claro, mulher, que estão arruinados. Quem? - insiste ela. Nós? Que ideia, mulher! Arruinados estão os do costume. Quem? insiste ela. O estado, os contribuintes, os outros. E a nós? Não acontece nada? Mulher! No paraíso, o que queres tu que aconteça? E podemos voltar à terra? Talvez volte mais tarde, se for bom para os negócios. Como salvador.
[o aveiro; 06/11/2008]
O passarão adorava passear-se e pavonear a poderosa cor do seu papo. Sabemos como ele lamenta que as convenções não lhe permitam que exiba a sua magnífica cauda quando ele a abre no máximo esplendor de cauda de pavão. Para as visitas, apresenta-se o ministro com cauda tão brilhante como um piano de cauda.
Mas hoje, as notícias não dão margem a dúvidas e é do domínio público que os negócios do pavão ou são escuros ou são sujos. Alguns passarões ainda passam pelo desfile de vaidades, com a cauda de boca fechada.
O pavão de hoje está discreto, mais do que é seu costume. Não tem comentários a fazer, espera para ver que nada do que parece é. Quando chega a tarde, já a cauda o incomoda, uma manhã inteira trilhada no trânsito dos acontecimentos. Também lhe dói a inacção do papo. As televisões fazem-lhe perguntas sobre o tempo que faz nos paraísos fiscais, sobre o dinheiro que desapareceu, sobre a cauda da causa. Não responde a perguntas quem está habituado a falar por cima de toda a suspeita e até acima dos partidos que fizeram dele o rico ex-governante. Ele só responde a pedidos.
Vai para casa. A mulher vem recebê-lo com o costume do beijo. Pergunta como lhe correu o dia a ele e a todos os seus amigos que ela conhece ou de ouvir falar ou das filas de cumprimentos das tomadas de posse e poder de ministros e secretários. Ela gosta sempre de saber da saúde de cada um deles. Ele diz que estão todos bem, na esperança que ela volte para a fantasia da vida.
Mas sabe que ela vai ouvir notícias e fica à espera. Quando ela aparece a perguntar-lhe se é verdade, ele responde: É. Que tudo está a correr mal e que estão arruinados, ele responde: É claro, mulher, que estão arruinados. Quem? - insiste ela. Nós? Que ideia, mulher! Arruinados estão os do costume. Quem? insiste ela. O estado, os contribuintes, os outros. E a nós? Não acontece nada? Mulher! No paraíso, o que queres tu que aconteça? E podemos voltar à terra? Talvez volte mais tarde, se for bom para os negócios. Como salvador.
[o aveiro; 06/11/2008]
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