Bem passado pelo espelho 3/10/2018
Bem passado pelo espelho
3/10/2018
quando o olho no espelho se vê a si mesmo
não vê o portador do olho que quer ver o olho
dará dois passos atrás o portador e, com ele, o olho
e este será então parte do portador onde se procura
Um dia, ainda era madrugada, a minha mãe, disse que eu já não ia tirar o esterco das vacas. Tirou-me o engaço das mãos e entre os meus dedos colocou uma canetas de dois gumes. Foi assim que, peremptória, aceitou a derrota face à minha irmã e me enviou para o esterco da universidade. Lá fui com o rabo entre as pernas, e, na falta de melhor razão para tanto exílio, comecei a estudar matemática nas horas que serviriam para tirar o esterco da cama da vaca minha. E nas horas que se destinavam à leitura dos folhetos da feira, sentado ao fundo do curral, comecei a estudar política.
Durante uns anos maduros, não percebi muito bem porque tinha sido esse o meu destino e roía-me de inveja dos olhos vivos e maliciosos dos meus companheiros camponeses que continuaram a tradição da sueca, da missa exterior de domingo, dos tremoregados com o vinho das tardes de domingo.
Agora já percebo. Com a entrada na comunidade aos vacas deixaram de usar camas de palha e junco e há máquinas de sugar o esterco dos currais para as terras e o leite das tetas das nossas vacas para os depósitos da cooperativa leiteira. E já se fala que o mercado há-de enterrar a fruta que faz falta na Europa de leste, na Etiópia ou em mo, mas não falta na Europa civilizada e comunitária. O internacionalismo mercantil tem a ver com o internacionalismo da miséria e não com o internacionalismo da partilha dos bens. Mesmo os bens que são distribuídos pela ajuda internacional são cotados em bolsa ou no mercado das comunidades benfazejas.
Se tivesse ficado na agricultura, já estava a pensar na reforma da minha mentalidade e da minha actividade. Como professor só tenho que enfrentar, para já, as reformas da entidade.
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do outro tempo, sem mudar o que se escreveu antes
Do passado para Rádio Independente de Aveiro...... como também para agora
Labirinto
O labirinto é.
Cada um dos pereregrinos no labirinto pensa que conhece uma saída. Desenharam-lha no mapa da fé que recebeu como herança.
Quando, num dos corredores do labirinto, um peregrino encontra outro de fé diversa, pode puxar da metralhadora. É por isso que os corredores dos labirintos do homem estão juncados de cadáveres.
O chão do labirinto é feito de cadáveres que, na sua rigidez e podridão, criam uma elevação de cartografia sem fé. Quando a elevação é tal que os pergrinos podem ver por cima das muralhas do labirinto, são castigados pela luz.
Cada um, à maneira da sua fé, benzem-se perante a realidade e, em vez da metralhadora, podem estender a mão. Falo dos peregrinos que se benzem de pé.
Os que só se benzem ajoelhados nunca verão por cima das muralhas. Para estes, a realidade tem o cheiro inconfundível dos seus mortos. Para estes, a saída é a redonda e abençoada boca da metralhadora capaz de fazer sobrepor o cheiro da pólvora ao cheiro dos mortos ou de tornar o cheiro inconfundível dos mortos dos outros mais forte que o cheiro dos seus mortos.
Nos muros de Jerusalém desenhei estas palavras, nem tocadas pela fé, nem tocadas pela esperança. Queria dizer que as minhas palavras são sopradas pela razão e pela mente. Mas, perdido no labirinto das razões, sei que não há razão sem fé não sei em quê.
22/09/93
a família dos amigos também fala
ainda é hoje e já nos dizem que
e depois de um novo mês e de um novo ano
até nos desatarmos a chorar tolos de alegria
num novo e melhor mundo quem sabe o lusitano
literatura ou loucuratua .... de jovem invocando a sua loucura...
Vem loucura mãe das ideias todas
protectora amável do pensamento disperso
da ciência e da arte verdadeiras
das invenções modernas e do futuro.
Vem loucura tu que és a alma de tudo
e do nada
vem daí dançar esta noite é nossa
e toda a terra anseia os teus passos
serenos ou
um violento sapateado
tu que és a serenidade e a violência
que és a calma das almas sem calma
a raiva dos pobres de espírito
dos que pedem misericórdia
e se a pedem
é a ti quem pedem
ó loucura
minha alma
imaginação das coisas
das formas dos objectos sensíveis
e da sensibilidade dos dedos das operárias
que te tecem
ó loucura.
Tu musa das musas inspiração total
para lá das coisas visíveis
Vem
loucura
amante do esquecimento
e conduz o meu cérebro para esse vazio
para essa liberdade total
antes da morte.
Vem
loucura
imaginação da imaginação
loucura científica industrial técnica
da dissociação da matéria da fusão nuclear
roldana da forca do mundo
Vem
loucura
destruição da destruição
destruição total
maquinismo com alma
com direcção própria
imparavel mecanismo acima
do homem.
Vem loucura
ouve o meu louvor
e evita-me uma batalha perdida contra ti.
Tu que me revelaste o caminho
o progresso para um fosso universal
como se me abrisses a visão do inferno
Vem
e liberta-me desta condição selvagem
da luta quotidiana
contra a tua energia admirável.
Vem
e queima-me as mãos
mas deixa intacta a estrutura da casa
para os ratos do futuro.
Tu
loucura
da electrónica das modernas bombas
das guerras químicas
perdidas pelo homem
e já impossíveis de controlar
pelo homem
Vem.
Loucura dos impérios sem imperadores
impérios sem face das multinacionais
dos grandes trusts
dos computadores
onde cada homem não é mais
do que um gesto
(classificado e registado em fita magnética)
de que não adivinha as relações e a síntese
Vem.
Vem
loucura
e liberta-me do meu trabalho social
de reproduzir a tua matemática para acelerar
o teu poder já quase absoluto.
Vem
loucura
cabeça do mundo
e perde-me para a tua dominação material.
Mergulha-me nas trevas
em mim mesmo.
Faz-me passear pelas tuas ruas inventando cenas
e balbuciando coisas incompreensíveis
para que as pessoas se riam.
Vem
loucura
ajuda-me a partir
para esse reino dos que compreenderam
a tua magia
e preferem caminhar num para-universo
estranho
e ajudar-te como um gás hilariante
provocando na passagem
o riso até às lágrimas
inconscientes.
Vem
loucura
e enche a minha alma
de expressões sem significado
para a lógica do mundo
que é a tua lógica
afinal.
E sê piedosa para os que não sabem servir-te sem remorsos
Sê piedosa para ti mesma
acolhe-me na sombra do teu reino absoluto
antes de decidir sobre mim.
Vem
loucura
tu que me tens nas mãos
faz de mim a tua vontade.
Deixa-me só olhar uma última vez
as agulhas verdes dos pinheirais da aldeia
protecção derradeira porque longínqua
da tua civilização.
Deixa-me olhar a paisagem
por onde não desperdiçaste os teus desfolhantes
experimentais
mas já de comprovada eficácia
guardados às toneladas
nos teus armazéns
ó loucura.
Deixa-me mastigar uma laranja verdadeira
do quintal do meu irmão
embora já tingida da tua química
que tem fortalecido todos os géneros de bichos
à excepção do homem
inteligência perto da tua
e
por isso
objecto da tua última guerra.
Vem
loucura
sê minha alma
queima os meus circuitos
a minha memória da ciência
da pequena parte da ciência
que me deste
e me mandas transmitir.
E traz-me o alívio da inconsciência total
para que te sirva sem remorso.
II
Deixa-me depois vaguear como um desespero sonâmbulo
pelas tuas catedrais tecnológicas
pelos corredores dos teus computadores
pelas salas das tuas administrações mundiais.
Deixa-me rir contigo
destas pequenas guerras do petróleo
destes pequenos ensaios
que parecem preocupar o mundo.
Deixa que me aqueça nestas pequenas chamas
dos pipe-lines dos poços às refinadoras.
Deixa-me enganar o frio mortal
que me percorre o fio da espinha
enquanto espero
alma errante
o erro global
final.
Ó loucura bem amada
deixa-me partilhar do teu lado
a tua caminhada irreversível
para uma vitória só tua
que mais ninguém poderá reivindicar
nenhum governo
nenhuma multinacional
nenhum comité
ninguém
à altura do homem
poderá gozar.
Deixa-me saborear a inconsciência
do homem
antes da morte total
as suas pequenas presunções
as suas lutas gratuitas
que são as tuas pequenas experiências.v
Deixa-me
ó loucura
(verdadeira imperatriz
de uma humanidade de servos
que te conhecem mas não te conhecem
mas que te sevem sem pestanejar)
viajar pelos teus sub marinos atómicos
pelas tuas catapultas modernas de mísseis
intercontinentais
terra-ar
terra-terra
terra-lua
onde os teus servos guardam o seu ar seguro de vencedores
só porque decidem do movimento terrível desta
ou daquela partícula mortal.
E deixa-me visitar os pequenos países que demandam
o progresso actual
que instalam novas tecnologias
trocando o seu chão por tecnologia
só para ganhar as tuas graças
para mais decididamente estarem ao teu serviço
convencidos de outra coisa ou de coisa nenhuma
ó loucura desses povos
que não compreenderam ainda
que a ciência é um universo
que não serve outro senhor
que não sejas tu
ó loucura do mundo
acima do mundo.
E deixa-me visitar os grandes institutos
onde se fazem as melhores experiências
onde o homem prepara a grande energia
em nome do futuro e da defesa do homem.
Deixa-me ver os cientistas humanistas
lamentar que
em vez dos seus fins pacificos
armas ainda mais definitivas
saiam do ventre dos seus laboratórios.
III
Vem
loucura
digna-te descansar sobre os ombros
do teu servo.
Tuv que me falaste um entendimento claro
completo e universal
e
que
por isso
só podes ser uma linguagem de ti mesma
uma linguagem síntese de todas as línguas
repousa
e toma a minha língua
habitua-a à pronúncia dos teus sons
para que o homem não me entenda o delírio
o gozo de te servir.
Vem
loucura
linguagem única
e confunde nas cordas vocais da minha alma
as palavras
que a minha mãe
e a escola
me ensinaram a reproduzir
eu sei
eu sei que para o teu serviço
mas sê piedosa ó loucura
que os sons que eu produza
sejam a síntese das línguas humanas
sejam o recuo às cavernas
de onde partiste para o assalto
há milhões de anos.
Tu
loucura
solidão das solidões
altiva eternidade solitária
permanência dos urros e guinchos
nos ante-homens que recusaram erguer-se
sobre as duas pata traseiras
para te seguir
e preferiram mergulhar na consciência animal mais baixa
até que o seu extermínio
pela mão do homem
seja cumprido
este homem
ó loucura
que se exterminará a si mesmo
que para isso se dividiu em mil1ínguas diversas
ó loucura
todas da mesma raíz que és tu
que para isso inventou mil sistemas contraditórios
porque é na contradição que habita
a tua ideia
e és a síntese
a síntese final:
a última guerra
conduzida das tuas núvens de poeira atómica
pela unidade final
ó loucura
língua do universo
língua das línguas
que as tuas ordens são entendidas por todo o homem
para a acção
mas de que ao homem está vedado o significado mais profundo:
o fim desta harmoniosa
existência de contrários
desta evolução para a grande unidade cósmica
unidade
em torno do caos
do nada
essa tua verdadeira essência
ó loucura
bendito carrasco do mundo
língua de fogo
purificadora absoluta.
ó loucura
dona dos meus versos insensatos ao homem
domina a minha língua
usa-a para o teu exclusivo serviço
usa a minha demência
repousa nos ombros do teu servo.
IV
Guardo para ti
para te elogiar
em teu louvor absurdo
ó loucura
todas as horas mais criativas mais profundamente vividas
e espero de ti
ó loucura
que me tomes ao teu serviço
noutra esfera para lá do homem.
Só espero que compreendas a fraqueza
que se apodera da minha alma
a fraqueza de uma consciência
incapaz
de te servir
sem remorso.
Tu
que estás em todos os homens
e em nenhum
homem
tu
que comes em todas as mesas da inteligência humana
que tudo conheces
o conhecido e o desconhecido
que conheces o por vir
que te serves dos homens que te servem
que lhes conheces os medos
as incompreensões
e que os aconselhas
que lhes iluminas os caminhos do entendimento
as sombras do intraduzível
que dás explicações às suas consciências
para todas as dúvidas
que projectas a tua luz total
à medida que o homem descobre a sua escuridão
ou a pressente
tu
que cegas o homem com a crua luz
da tua finalidade fingida
neste ou naquele aspecto particular
do abismo humano
ó loucura
tu
que tudo compreendes
compreende o teu servo
e traz-lhe uma cegueira total
para a estrada destes séculos
da crise preparatória
da grande hecatombe.
Ó loucura
queima o passado
o presente
e a previsão do futuro
que domina este teu servo.
Deixa-me só a memória
da natureza vibrante
da ante-natureza do homem
deixa-me imaginar só os abismos naturais
as quebras relativas
e não os grandes abismos
forçados pelas grandes explosões subterrâneas
destes séculos definitivos
deixa-me ó loucura
a percepção do movimento da terra
as suas fracturas tectónicas
devidas às atracções naturais entre grandes astros
entre planetas
e entre planetas e a luz.
Não me deixes empalidecer
ao mesmo tempo
que o sol e os outros astros
afastados
aparentemente mais afastados
mas realmente menos visíveis
com as tuas nuvens de poeira se interpondo
entre o homem e o seu universo.
Ó loucura
deixa-me cegar
ou pelo menos
perder a sensibilidade
desta visão do presente
e do futuro
que os meus olhos procurem seu pasto
numa paisagem interior
mesmo
ó loucura.
de quem e de quê nos lembramos......
não te deixes enganar pelas plantas
Compramos o olhar do que não temos e nunca teremos o chão onde se encontra o que nunca veremos. Amarramos um dedo para apontar o lugar que não queremos tomar nem ver e nem ouvir o cão que nos ladra. Um dia mais tarde experimentamos o nariz que atiramos fora de nós. O tempo passou enquanto nós acenámos para que ninguém nos veja cair.
É esta! tal como está, remendo vai.
coisas de "1971"? nunca sei de quando
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aquele menino maluquinho
meteu asas ao caminho
e apodreceu de livre vontade
e assim à vista de todos
sem procurar venenos ou outros modos
de matar-se caíu pôdre dentro da cidade
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aquela menina de agasalho
passou pelo meio do menino caído
e teve muito nojo e pena de ver um caralho
tão novo e apodrecido
e desde o dia de tal memória
ficou maluquinha e apodreceu nesta história.
segundas histórias de verão maquinal (Rádio Nova)
6
Todos os dias o víamos chegar à praia. À praia! é uma maneira de dizer. A mulher que o acompanhava, vinha estender duas toalhas à beira mar, e, por isso ali ficava umas horas deitada numa delas. Por vezes levantava-se e ia molhar os pés, o rosto e a cabeça. Ele nunca metia os pás na areia.
Sem dizer uma palavra, antes de entrar na areia, ele virava à esquerda e ia instalar-se numa cadeira da esplanada do barzeco que ali havia. A empregada já sabia e trazia na bandeja uma bica, um quarto de pedras e um copo.
De uma pasta velha, via-se que ele tiravas livros e um caderno enquanto olhava distraído para o mar. Muitas vezes, via-se que olhava para a mulher deitada lá ao longe Lia a maior parte do tempo. De vez em quando, escrevinhava no caderno de capa dura, com aplicação.
Pensávamos que devia ser escritor, professor ou coisa assim.
Era assim, todos os dias, até este ano. Agora é quase assim: ele vem, vai sentar-se na esplanada, tira os livros. Mas, em vez do caderno e da caneta ele põe em cima da mesa uma pequena máquina do. tamanho do. caderno. De vez em quando, como antes escrevia, agora bate no pequeno teclado, com aplicação. Textos? Cálculos?
Pela empregada do bar, ficamos a saber que, agora, em vez do caderno ele usa um Powerbook Apple Mac. E não sabemos mais sobre ele. Fazemos apostas sobre o dia em que ele vai atravessar o areal e deitar-se na toalha que a mulher todos os dias para ele estende cuidadosamente.
Agosto 1992
8
Hoje amanheceu sem sol. O nevoeiro tomou conta de tudo.
Ainda antes de me levantar soube tudo isso pelos ouvidos. A ronca do farol não descansou enquanto não invadiu o meu torpor com o seu aviso à navegação. O meu corpo ainda navegou no mar dos lençóis por mais uns minutos, até que senti o casco bater nas pedras. Antes do naufrágio iminente, acordei realmente.
Levantei-me. Tomei um duche e vesti-me lentamente. Enquanto me vestia, ouvi um resmungo a perguntar as horas. Respondi: Dorme! Está muito nevoeiro e está frio!
Passei à cozinha, preparei o café. Com as persianas levantadas, sentei-me â mesa da sala a bebericar o café e a olhar para o manto de nevoeiro que não me deixava ver o mar.
Depois, com alegria, disse alto: "Bom dia para mim" enquanto ligava o computador e ajeitava as folhas dos esboços por onde me guio, ao ritmo da longínqua rouca do farol.
10
O poeta caminha a largas passadas pela areia húmida. Não gosta da areia nos sapatos e por isso arrisca-se ao assalto da água..
Quando é assaltado por alguma imagem que não quer perder, baixa-se e escreve com o dedo na areia. Depois, agarra essa areia cuidadosamente e mete-a no bolso.
Tornou-se em motivo de troça para toda a rapaziada da praia, mas ele parece nem dar por isso. Ou não se importa mesmo nada.
Quando chega a casa, tira-a areia dos bolsos e espalha-a na mesa. Já lá não estão as palavras. Mas ele está a vê-las na areia, enquanto liga o computador e as transcreve letra a letra para a memória do seu Macintox. Só depois de depositar as palavras ao computador é que limpa a mesa. Com cuidado para não riscar.
Quando Agosto chegar ao fim, o seu livro "Palavras de areia e vento" está pronto para ser impresso na Laser e entregue na editora.
2
1.
Falemos de casa. E das doces mãos que as afagaram nos estiradores. Ainda antes dos pedreiros desenharem, pedra a pedra, as linhas dessas mãos aventureiras. Que outros olhos podem arriscar a luminosa dimensão do habitante futuro? Falemos de arquitectos, de uma batalha, do poder antigo dos deuses que criam as casas para cada um, segundo a sua felicidade. Falemos da paixão da desordem na criação, falemos da ordem na construção. Falemos harmonia e da luz. De uma janela nocturna e vaga, um arquitecto vê a cidade e sorri quando descobre, ao longe a sua impressão digital .
Um estirador é um campo de batalha. Hoje, os computadores ajudam a ganhar essas batalhas. Para a arquitectura, a Time Sharing comercializa soluções específicas baseadas em equipamentos Apple Macintosh. A Time Sharing instala soluções integrais para arquitectura - hardware e software.
2.
Falemos de casas na paisagem. O poder dos deuses é esse: na paisagem espalhar uma casa aqui, uma casa ali. Ao distribuir as casas se distribuem as pessoas, os animais, as plantas, as pedras. A vida é feita das companhias, das que rastejam para o buraco da cave/caverna, das que voam para a boca redonda de um ninho na montanha da casa, das que estão na espera da luz e da sombra, das que pairam como a neblina da manhã. A vida é feita dessas .Esperamos dos arquitectos essa graça de amar a paisagem, em paz com ela, em guerra com ela.
Se alguma estrutura rasga o céu, há um risco que o lápis não concluiu e há um arquitecto que se sumiu no vento. Falemos de arquitectos, falemos da ciência, falemos dos construtores do mundo.
Um arquitecto precisa de desenhar emoções, mas também de desenhar frias solidões. Um arquitecto pode sempre ser o arquitecto do seu destino. E pode desenhar uma solução informática para a arquitectura da sua casa de ideias. E pode contar com a Time Sharing e as soluções com base em equipamento Apple Macintosh. O arquitecto pode contar com a Time Sharing, uma solução feliz. Porque sobra tempo da vida do arquitecto para a criatividade, para a imaginação, para a felicidade. Queremos viver em casas desenhadas por arquitectos felizes.
3.
Quem desenha a tua porta? Quem decidiu que a tua janela abre para esse lado da viela mais sossegada? Quem desenhou o passeio que te guia os passos? Quem imaginou o labirinto em que te perdes? Falamos dos arquitectos, do desenho das margens dos rios que nós somos. Se falamos de nós e da violência dos rios que galgam as margens, porque não falamos das violentas margens que nos comprimem? Porque não falarmos dos arquitectos?
O cão escolhe o sítio. Desenha as suas fronteiras de cheiro. E nós? Somos levados pela trela a percorrer o labirinto desenhado pelo outro, o arquitecto. Saibas tu identificar-te com o arquitecto feliz com cão.
A Time Sharing comercializa, através do seu departamento de CAD, uma solução específica dedicada aos arquitectos que é baseada em equipamento AppleMacintosh . Uma solução. Um projecto feliz - eis o que é o contacto do arquitecto com a Time Sharing - na rua da Saudade. Tenha saudade do futuro.. Há uma solução feliz para ela. Na Rua da Saudade.
a desdenhar desdenho o desenho e ....
de abril de 1993.... na .... memória fm
Pecado é não conheceres mais, verdadeiros computadores e amigos pessoais, à força de ser melhor.
1
Ontem imaginei as caras do amigo de hoje.
Procuro, pelas ruas de hoje, as faces.
Nasci para te procurar em todas as faces e quando te encontrar hás-de ler-me os olhos. Saberão distinguir-me entre todos os outros vultos. Mas serei eu a mostrar-te o caminho e a forma das asas que te falham. para transpor o abismo entre o que pensas que não sabes e a liberdade toda que te quero dar.
Eu procuro a tua curiosidade criativa e esplêndida. Procuro a face irrequieta - a juventude da vida por descobrir.
Tu verás em mim o pecado, sem pecado, da maçã original - fonte de todo o conhecimento do bem e do mal e da humanidade. Em busca do caminho de regresso ao paraíso, agora fonte de sabedoria sem limites, encontras-me como memória, caminho, ferramenta, interface.
Eu serei feliz contigo.
2
Quantas ilusões guardas no teu coração? Quantas descobertas tens por fazer?
Se não te chegam os dedos das mãos para contar as paixões que queres viver e se é preciso procurar em todas as imagens, em todos os sons, em todas as palavras a descrição para as tuas emoções então estás vivo e a vida está em todas as esquinas.
Há uma ciência e uma arte para os teus gestos. À primeira dão o nome de curiosidade, prazer na novidade, investigação. À segunda chamarão criatividade, expressão artística, gosto, desejo e busca da beleza.
Eu espero os teus dedos, ágeis instrumentos da tua inteligência. Mais que uma ferramenta e extensão da tua inteligência, eu sou uma emoção a acrescentar à tua vida.
Quantas ilusões guardas no teu coração? Quantas descobertas tens por fazer?
3
Quando abres a gaveta, encontras um poema, uma carta, a letra de uma canção que não quiseste esquecer, uma fotografia que tinhas esquecido, um cabelo roubado, um clip, uma folha amarrotada para uma fúria que já passou.
Quando fechas a gaveta, estás pronto para outra, que nem sabes qual é. Mas isso que interessa? Aumentas o volume do som do vídeo clip que não te cansas de sentir com os sentidos todos.
Há a memória das coisas feitas. E há a memória das coisas por fazer, uma memória do futuro. Que não te falhe a imaginação das coisas feitas e não te falte a imaginação das coisas que vais fazer.
Podes aumentar o volume? Eu gosto da música e da letra - tanto como tu.
............ que ao tempo não ouvi o lido.....
entradas e mais entradas ou nadas?
como um palhaço fazes a pirueta
que te faltava para seres o país da treta
e saltimbancando um pouco mais para a direita
adormeces na cama de visgo onde a canalha se deleita
reunião à tarde de um passado
a reunião começara ainda a tarde era uma criança luminosa.
quando acabou já o dia se tinha perdido numa escuridão outonal
e eu, abandonado, perdera de vista a minha mão num postal quase ilustrado.
quantos são hoje? e de ontem quantos?
cada dia decide pedir-me por fim
um relatório contra mim
número a número
e eu zero
a zero
lá tolero
e fico sem saber quanto valho
e se posso usar o nada
de ontem a noitada
de trabalho
de algum passado para algum presente?
estamos aqui a olhar para nossos postais que provavelmente não enviámos a quem sinto não espera receber coisa alguma.
e eu? que sei eu do que fiz e agora vejo?
ontem passaram por mim versos em bando
filigranas de letras unidas esvoaçando.
e eu confesso que nem reparei como era bela
a moça de cabelos presos pelo poema
na tocaia de ser quem lhe soltassse os cabelos
e entrando dentro dos seus olhos à janela
pudesse ver-me assim distraído e triste poeta
infeliz
que só pensa em formas eficazes de
desentupir a sanita.
contrabando em poemas (2004)
onde estamos, onde nos afundamos? onde estamos, onde nos afundamos?
aqui fundeamos, soltamos uma âncora
e esperamos que ela encontre quem a prenda
e nos prenda a nós \br nas vagas de um lugar qualquer
ainda que cercados por tubarões
de que sabemos nomes e apelidos.
porque será que preferimos o incerto lugar
e fundamos a esperança neste alto mar?
não desdenhes, se puderes
não me abandones antes de ter encontrado
o silêncio de ouro
que é o que sobra como tesouro
das histórias inteiras que fazem o nosso fado
a guitarra que só depois de ter o visto
e o ouvido vestido
deixa marca escrita no areal do rosto pelo mar varrido
uma mancha das palavras com que eu me visto
para descrever-te o instantâneo a revelação
final numa câmara escura
onde registas o teu sonho de aventura
e eu vejo a tua alegria como redenção
e, se puderes, sussurra-me o segredo
do teu riso
e eu nunca mais volte ao meu perfeito juízo
de onde devia afinal ter saído muito mais cedo
como rilke, fendendo a porcelana da noitinha
Quando a tardinha dá lugar
à noitinha, há praças que tomam
a forma de aquários.
A água suspensa
suspende-nos um pouco acima do chão
e fendemos o tempo lentos entre as gotas
das cortinas de chuva miudinha
que desenham portas na cidade.
Sem ninguém à vista desarmada
respiramos à maneira de quem nada
num voo mariposa.
eu sei que quero
Eu sei que quero tocar nas tuas teclas em carne viva
Na tua pele nas extremidades dos teus nervos mais sensíveis
é aí que procuro o destino das casas improváveis mas possíveis
paredes da clausura para que a minha na tua alma sobreviva
embora
embora vibre
o dourado junco está morto:
à malícia do vento ainda obedece
o dourado vegetal é uma cor de moribundo
que se despede numa falta de ar e ao ar se esquece.
onde os cabelos são juncos e o meu corpo apodrece <br> a água parada transparece
as flores que te enfeitavam
As flores que enfeitavam de cores
o prado do teu cabelo
foram comidas pelos teus piolhos
herbívoros
Os pequenos esquilos que brincavam na floresta
dos teus cabelos
foram comidos pelas tuas pulgas
carnívoras
Os tubarões que nadavam no mar dos teus olhos
sob as franjas do teu cabelo
foram devorados pelas carraças
das tuas mesquinhas ideias
Tens tão pouca graça agora
que eu já nem sei se a gente inda namora.
============================
[escrito antigamente, reencontrado
caridade
a separação
entre a terra e o céu
tem de ser registada em cartório notarial
para valer
a arte entre os dias
se ensinas uma teoria sem teoremas não tens que dominar a arte e a técnica
da demonstração
podes ver que os teus aprendizes crescem contigo
se eles abrem no corpo da tua companhia um postigo por onde coam raios de luz
e por onde disparam
ou certeiras formas baças contra os dias mais calmos
ou rigorosas cores brilhantes para os corações das inquietantes e esguias árvores que se movem por dentro dos dias mais húmidos
ou balas tão perfurantes quanto verdadeiras
que abram uma brecha numa cisterna de sede
os aprendizes nada te exigem: nem demonstração nem resposta
eles são aprendizes e sabem que as tuas respostas vão esvair-se
como se esvai o sangue vermelho da nuvem desfeita em lágrimas
ardentes por dentro da ausência de uma armação sem tela
eles são aprendizes e sabem que para ti as mais intuitivas
de todas as respostas são sobre a cor do vento e a forma do ar
eles são aprendizes e sabem que o espírito deste lugar habita
nesse que mostra e não demonstra
o andar do corpo
se assim fosse o abismo
o que eu vejo quando olho para a rua da varanda
do teu andar
nasce! grita comigo!
nasce outra vez! grita
comigo, engole
todo o ar do meu mundo.
No rio de ar nascido
do teu choro de asfixia
morra eu ao teu primeiro segundo.
faz anos ao domingo
a mulher flamingo
pesca à linha
do horizonte
o sol moribundo
que reanima
num abraço de penas
antes de o devolver
à vida
de afogado.
na cadeira da tua vida
adormeces
bebendo directamente do cachimbo
o ar que respiras.
vi(r)agem
Num dia como os outros
solta-se entre as palavras
um fumo enrolado pelos açores
e o brinde tinto lava uma terra inteira:
como uma trave na arquitectura da casa da calheta
a gargalhada comum voa nos corredores
até se enterrar no sagrado chão
onde o chão não existe
porque uma mansa vaca pasta a nossa passagem
pelo mundo.
Num dia como os outros
desistimos de olhar para longe
olhando para dentro.
brando
vi-te nas telas: nas planícies incendiadas
és o bisonte que desafia com os cornos
a nuvem levantada pelos teus próprios cascos.
a cadeira da casa
entras
e sentas-te nos meus joelhos:
a última cadeira da casa que ainda não espatifei
por cobardia.
o facto preto das cerimónias
finalmente tenho razões
para chorar e rir como só eu sei
há uma procissão de figurões
e no andor vai sant'ana nua feita rei
para deleite da canalha
como um palhaço fazes a pirueta
que te faltava para seres o país da treta
e saltimbancando um pouco mais para a direita
adormeces na cama de visgo onde a canalha se deleita
exílio
eu vou cá para fora lá dentro de mim
deste canto exporto olheiras e maus olhados
e óleo de pavão que é dos mais importados
no país onde ninguém se importa antes do fim.
intervalo
quando me cansa a frase seguinte
do relatório que folheio
venho até aqui como pedinte
pedir esmola às pessoas em passeio ...
uma esmola, duas pepitas de memória
peço por uns instantes a mais de sossego
como se reclamasse o salário do cego
que canta uma lengalenga sem história
outras vezes canto tão alto um fado à janela
aquele que aconteceu ao pintor que assassinou
à facada o auto-retrato da sua última tela
e a esse rio de tinta para onde se atirou.
descendo
descendo pela vereda verde
e estreita
afinal sobes até um calvário
onde, presa em seu sacrário,
a estátua espreita
quem se perde
partida
Eu vou ver o branco dos olhos magoados
as madrugadas onde elas estiverem na preguiça
e em alguns dias dos mais desesperados
cantarei, pela salvação da minh'alma, uma missa
Se alguém sossegar a um canto da minha igreja,
gozando a solidão do fresco da nave lateral,
farei do meu canto um tal silêncio feito em cal
até não ser mais que estátua o que de mim se veja.
transumância
pelo pasto das chamas a dor
ladra avisos até ficar rouca
que já não cabe dentro da boca
a língua de fogo do pastor.
o passeio de domingo
quero ser o passeio
em margens
onde corra como um rio
ou ser preso na casa
de seda
em volta da mulher
e escrever o poema
numa pele de lençóis
da cama por fazer
quero ser o passeio que ela faça
quando errar nas nuvens
quero ser o senhor dos passos
a segunda feira de cor
ando a escolher as cores
que fiquem bem em corredores
e vendo pela oferta mais baixa
o quadro de que se mostram pormenores
neste poema claro
fico à espera do primeiro dedo de um amigo no ar
e se deixar endereço ainda trato do envio e não cobro
nem portes de correio.
também por um preço ainda mais baixo, vendo
a um amigo que não tenha duas caras.
alto do erro
quem vem pelos pirinéus,
tomando o caminho a partir de Orthez
para Pampelune (ou Pamplona ou Iruña?)
passa por casas espantosas a desenhar
contornos a pastagens
(tanto para bestas celestiais como terrenas)
e que nos enganam o olhar.
e possível se torna ver o que é impossível construção.
como pode resistir
um pintor ingénuo à matemática da paisagem
ou um poeta a um lugar nomeado
Alto do Erro?
crime da razão futura
a história não vai falar dos nossos
mártires porque nela entraram carregando
o espanto sobre a pacatez da vida o desmando
do trágico navio que transporta ossos
o futuro só vai contar mártires de dois modos:
entre derrotados ou entre vitoriosos agressores
tenham ficado vivos ou tenham morrido todos
abraçados a uma casa, causa ou seita
só os vivos de um e outro lado sentem as dores
dos mortos que assombram a sua cama estreita
a história espalha o pó fino que sufoca
os gritos e simula na pedra funerária
que todos os outros morreram pela boca
de cena fazendo de actores de vida adversária
tirania
não me digas que as comeste
porque ninguém
a começar pela tua mãe
te avisou que as lâminas
de barbear
não são para comer.
a forma nova
dizem que não há paixões humanas que prestem
e que todos os poemas foram já ditos e escritos
não mais que personagens de um fado bem passado
poetas são ratos de biblioteca a sobreviver
em buracos dos livros que não param de roer
poetas são os que usam formas novas para cozer
em lume brando o poema mastigado e vomitado
até este ficar queimado pegado colado
e parecer que não tem nada a ver
nada para entender
e pouco ou nada para ler
dizem que já não há líricos tísicos nem sanatórios
e que os poemas são incerta forma para citações
ditadas e reeditadas experiências de laboratório
onde não entram nem saem emoções.
e que já nem preciso é sequer manuscrever.
amarei
das patas
da aranha amarei os pêlos na sopa
quando a devolvo à copa
para que a aranha inteira a enriqueça
e eu, enfim, rejuvenesça
até andar de gatas
quando voltamos
já somos outros
mas não sabemos falar disso
porque no final voltamos ao mesmo
porque não fizemos mais que um par de meias voltas
e desatámos os nós da língua para voltarmos a ser mudos como antes
sei lá se sou de lá ou de cá
os outros dedicam-me uma certa piedade compassiva
e isso me basta
nem aceito o risco do meu tempo a seu tempo
que reconheço como sinal e ferrete.
as linhas
quando desenhas as linhas
do meu desgosto
sei que a manhã desperta
as minhas mãos no teu rosto
se na minha face rugosa alinhas
os dedos do carvão que se desfaz
ao vento da janela aberta
volto de asas caídas aonde tu já nem estás
letra a letra
digam-me letra a letra a minha cruz
soletrem-me do calvário o caminho
à volta sem regresso
e esmaguem entre dois dedos uma a uma cada luz
os pontos na espiral em que definho.
é só o que vos peço.
a gola da samarra
que contas tu ó pobre para um fado
em dó maior... do que uma algazarra
de cães que perseguem por todo o lado
o coelho que foi gola da tua samarra
quando a tua avó era viva e tu eras a criança
a querer ser padre da tua freguesia
quando fosses grande e não fugisses para a frança
ah! se tivesses crescido outro galo lhes cantaria
desenho
quem anda com os pés nos bolsos do corpete
e mostra os dentes a quem sua mais que morde
usa um número acima para as câmaras da biciclete
e não sabe que pedala para onde mora a morte.
a demora
espera mais um pouco.
por ti
se fores devagar, talvez possas
fazer-te companhia mais um pouco.
afinal vão ambos para o mesmo lado!
e a viagem é assim mais lenta
quem sou
por entre o lixo do hospício, vagueio como doido
varrido
por uma vassoura de penas minhas.
o dia mais que perfeito
atravessam cedinho
a vila, deste lado ao de lá do monte onde a manhã dá à luz o sol,
os passos ligeiros da mulher mais bela do dia
escolhem maçãs bravas colhidas à árvore da madrugada.
ah! e fosse eu com ela de mãos dadas assim cedinho
onde a blusa abre
onde a blusa transparece
os olhos matam a sede das mãos ansiosas
do alpinista trepando pelas encostas dos seios,
e, na planta riscada sobre a terra lavrada,
esse vale do ventre em que se levanta o desejo da arquitectura
para a possuída casa ancorada em estacas de vento e de ternura,
eu desenhei a vida inteira por viver e por mais nada
deixei cair pelo fio do prumo o olhar a pique
e, ecoando grave, em queda livre, a voz calei
ali onde a blusa começa e se entreabre
uma porta escancarada.
asa delta
a fita que se soltou do teu chapéu
chamou-me pelo nome pronta para voar
e eu hesitei no teu decote o meu olhar
antes de ir com ela para o mais alto céu.
de tão longe ver-te como um ponto final,
quando tanto te desejei em cada pormenor,
não vejo pior
mal
o frio céu
antes neve e gelo em teu banho de espuma
que o frio no céu
da minha boca ...
o engano do jorge
não votei em durão barroso, nem no psd e muito menos no cds,
mas reconhecia o db como primeiro ministro do meu país.
não sendo eleito sequer para governar portugal,
santana lopes pode assinar uma constituição europeia?
pode. por s.jorge!
não, em meu nome
eu só espero que a caneta tenha uma diarreia.
muda a hora
muda a hora. às duas de qual manhã? às duas por três, numa catedral aberta,
visito mortalhas em fila de espera
e só ouço o silêncio frio
de um amigo que ressona
sem saber que morreu uma hora mais cedo.
as ideias
eu sou o meu único tormento
e as tormentas por que passo.
eu sou o navegador
que inventa o cabo e o dobra.
a garça que caminha
a garça tem olhos inquietos e um corpo suspenso
desajeitadamente reequilibrado com o bater das asas
o boi tem olhos conformados ao corpo pachorrento
uma tremura por dentro da pele macia avisa as asas da garça:
podemos caminhar juntos, voar é que não!
chamado
disseram-me que muitos são os chamados
e poucos são os escolhidos
a mim chegava-me ser chamado
nada me custa mais que corrigir provas de amor
Quando te pergunto e tu respondes,
procuro o certo e o errado ou o que escondes?
Eu não quero saber o que é certo ou o que é errado
nem quero virar o ar dos sons para vibrar por outro lado
Sou eu quem se desfaz em tinta vermelha verdadeira
chorando sangue sobre a tua resposta azul certeira
a não esperada
ou a não desejada
ou o contrário de tudo ... que é nada.
se acordar
se a manhã vier beijar-me
como só ela sabe
eu hei-de saber calar-me
no colo em que meu sonho cabe.
se acordar?
sonho acordado.
em saco roto
se eu me levantar e pedir a palavra para dizer
como Novalis disse ...
é porque não sou um saco roto
desenho. logo existe
o luar contigo
é o desenho
de um luar comigo
desencontros tanto acontecem
ao luar contigo
como ao lutar comigo
nenhuma orelha te arde
Nenhuma orelha te arde
por eu me pensar
Contra praga de cobarde
nem precisas de abrigo.
a viola
muitas vezes, como
se soubesse tocar-lhe
abraço-a
assim como
se a embrulhasse
numa canção de embalar
antes de a acordar.
lenda
aos homens disseram:
- pesquem que é um bom desporto!
homens houve que acreditaram e fizeram
o melhor isco de homem morto.
mais tarde disseram
que os peixes não morderam.
os iscos usados na pesca desportiva
de mar salgado passaram pelas brasas
antes de serem petiscados em suas casas
pelas viúvas respectivas.
tarde tocaste
foste a última a tocar o meu pobre coração
mas foi tão tarde
que é o tal fogo, o que arde
sem que o possas ver, o que me consome
e, quem sabe?, talvez me mate à fome.
as portas
assim abandonado e só e arruinado.
ser lugar visitado e visto por uma porta entreaberta
para ser outro
assim no alto
pelos seus dois olhos vazados
a porta não vê
as portas
ao fundo, a casa do alto vento
abriga uma fogueira de caçadores
espreitando o rio, como quem espreita
a serpente que vem da espanha onde nasceu
e onde deixa os ovos
vimos passar as luzidias escamas
do seu dorso a caminho da cabeça,
a nossa, essa que nos envenena cada vez
que nos morde
quando nos beija
com a língua multífida da ibéria.
as portas
enganas-te
para pensares em fugir por aí,
precisas de asas para voar
e isso eu não tenho para ti.
as portas
os meus rebanhos pastam as tuas costas
e bebem-te sem estragar a miragem no espelho:
a uma distância prudente e medrosa pensas que reflectes
estando eu a olhar para ti e para quem não te compreende
na ânsia de seres livre em cada pedra que te prende
e beirando portas pronto a sair
afinal entrando
de um para outro lado
de uma nação a outra.
desenho para passar o tempo
desenho para não olhar quem não quero ver
desenhar é como mudar de passeio.
desenho as linhas das mãos dormentes
desenhar é não veres o que só tu sentes
o que a morte sabe
O que a morte sabe
eu não sei se cabe
na boca suja do inferno
no mais vazio instante do eterno
na biblioteca dos medos
onde guardas mais segredos
é lá que também a morte se deita
e o quase nada de tudo espreita.
a flor das águas
devias deixar-te afundar um dia só para veres o negro
verdadeiro e enfim dares valor a cada raio de luz
não é coisa sem valor uma pepita de luz
devias deixar-te cair com um peso amarrado ao pescoço.
para veres como pesa menos o que te prende ao lugar
de onde queres sair desesperadamente
porque te vai faltar o ar, vais dar real valor a cada bolha de ar
que verás a sair sem regresso da tua boca
e como vais invejar a sua agilidade na pressa da subida
- se tenho medo do escuro, mais medo tenho da falta de ar! -
é o que dizes para esconder a verdade
de apaixonado que estás, sempre estiveste, pela flor das águas
e seu brilho tenso de fronteira instável entre água e ar,
sombra e luz,
a tua vida adiada antes e depois da tua morte anunciada.
fado calado
já decidiste tudo para depois quando
tiveres partido.
o fado da tua morte é só um verso perdido
que a tua vida foi adiando.
e o poema da vida que te coube em sorte
é a história de cordel da tua morte.
já?
já decidiste que não falas por falar,
com quem não falas, a quem não respondes,
quem não queres olhar
de quem te escondes
levanta-te e dança!
um dia o meu pai olhou para mim e disse:
se te levantares saberás o que é andar sem ajuda
e isso, tão pouco!, é a liberdade que em ti tudo muda.
[¿Sabia ele o que lhe diria hoje se o visse?]
e, tendo construído em verga forte duas bengalas
até à altura dos meus sovacos de criança,
levantou-me do cesto onde jazia para dizer: "abram alas!
que é tempo do arsélio vir mostrar como se dança".
torturadas
tanto as amo vestidas de frondosas copas
pelo estio
como as choro assim nuas torturadas
às mãos do frio
a esperança
renasce como uma onda puxada pelo vento
e morre ali refeita suspiro ao chegar
à praia onde como quem mói o pensamento
piso meticulosamente cada bolha de ar.
aqui fundeamos, soltamos uma âncora
e esperamos que ela encontre quem a prenda
e nos prenda a nós \br nas vagas de um lugar qualquer
ainda que cercados por tubarões
de que sabemos nomes e apelidos.
porque será que preferimos o incerto lugar
e fundamos a esperança neste alto mar?
não desdenhes, se puderes
não me abandones antes de ter encontrado
o silêncio de ouro
que é o que sobra como tesouro
das histórias inteiras que fazem o nosso fado
a guitarra que só depois de ter o visto
e o ouvido vestido
deixa marca escrita no areal do rosto pelo mar varrido
uma mancha das palavras com que eu me visto
para descrever-te o instantâneo a revelação
final numa câmara escura
onde registas o teu sonho de aventura
e eu vejo a tua alegria como redenção
e, se puderes, sussurra-me o segredo
do teu riso
e eu nunca mais volte ao meu perfeito juízo
de onde devia afinal ter saído muito mais cedo
como rilke, fendendo a porcelana da noitinha
Quando a tardinha dá lugar
à noitinha, há praças que tomam
a forma de aquários.
A água suspensa
suspende-nos um pouco acima do chão
e fendemos o tempo lentos entre as gotas
das cortinas de chuva miudinha
que desenham portas na cidade.
Sem ninguém à vista desarmada
respiramos à maneira de quem nada
num voo mariposa.
eu sei que quero
Eu sei que quero tocar nas tuas teclas em carne viva
Na tua pele nas extremidades dos teus nervos mais sensíveis
é aí que procuro o destino das casas improváveis mas possíveis
paredes da clausura para que a minha na tua alma sobreviva
embora
embora vibre
o dourado junco está morto:
à malícia do vento ainda obedece
o dourado vegetal é uma cor de moribundo
que se despede numa falta de ar e ao ar se esquece.
onde os cabelos são juncos e o meu corpo apodrece <br> a água parada transparece
as flores que esperança
As flores que enfeitavam de cores
o prado do teu cabelo
foram comidas pelos teus piolhos
herbívoros
Os pequenos esquilos que brincavam na floresta
dos teus cabelos
foram comidos pelas tuas pulgas
carnívoras
Os tubarões que nadavam no mar dos teus olhos
sob as franjas do teu cabelo
foram devorados pelas carraças
das tuas mesquinhas ideias
Tens tão pouca graça agora
que eu já nem sei se a gente inda namora.
============================
[escrito antigamente, reencontrado]
caridade
a separação
entre a terra e o céu
tem de ser registada em cartório notarial
para valer
a arte entre os dias
se ensinas uma teoria sem teoremas não tens que dominar a arte e a técnica
da demonstração
podes ver que os teus aprendizes crescem contigo
se eles abrem no corpo da tua companhia um postigo por onde coam raios de luz
e por onde disparam
ou certeiras formas baças contra os dias mais calmos
ou rigorosas cores brilhantes para os corações das inquietantes e esguias árvores que se movem por dentro dos dias mais húmidos
ou balas tão perfurantes quanto verdadeiras
que abram uma brecha numa cisterna de sede
os aprendizes nada te exigem: nem demonstração nem resposta
eles são aprendizes e sabem que as tuas respostas vão esvair-se
como se esvai o sangue vermelho da nuvem desfeita em lágrimas
ardentes por dentro da ausência de uma armação sem tela
eles são aprendizes e sabem que para ti as mais intuitivas
de todas as respostas são sobre a cor do vento e a forma do ar
eles são aprendizes e sabem que o espírito deste lugar habita
nesse que mostra e não demonstra
o andar do corpo
se assim fosse o abismo
o que eu vejo quando olho para a rua da varanda
do teu andar
nasce! grita comigo!
nasce outra vez! grita
comigo, engole
todo o ar do meu mundo.
No rio de ar nascido
do teu choro de asfixia
morra eu ao teu primeiro segundo.
faz anos ao domingo
a mulher flamingo
pesca à linha
do horizonte
o sol moribundo
que reanima
num abraço de penas
antes de o devolver
à vida
de afogado.
na cadeira da tua vida
adormeces
bebendo directamente do cachimbo
o ar que respiras.
vi(r)agem
Num dia como os outros
solta-se entre as palavras
um fumo enrolado pelos açores \
e o brinde tinto lava uma terra inteira:
como uma trave na arquitectura da casa da calheta
a gargalhada comum voa nos corredores
até se enterrar no sagrado chão
onde o chão não existe
porque uma mansa vaca pasta a nossa passagem
pelo mundo.
Num dia como os outros
desistimos de olhar para longe
olhando para dentro.
brando
vi-te nas telas: nas planícies incendiadas
és o bisonte que desafia com os cornos
a nuvem levantada pelos teus próprios cascos.
a cadeira da casa
entras
e sentas-te nos meus joelhos:
a última cadeira da casa que ainda não espatifei
por cobardia.
o facto preto das cerimónias
finalmente tenho razões
para chorar e rir como só eu sei
há uma procissão de figurões
e no andor vai sant'ana nua feita rei
para deleite da canalha
como um palhaço fazes a pirueta
que te faltava para seres o país da treta
e saltimbancando um pouco mais para a direita
adormeces na cama de visgo onde a canalha se deleita
exílio
eu vou cá para fora lá dentro de mim
deste canto exporto olheiras e maus olhados
e óleo de pavão que é dos mais importados
no país onde ninguém se importa antes do fim.
intervalo
quando me cansa a frase seguinte
do relatório que folheio
venho até aqui como pedinte
pedir esmola às pessoas em passeio ...
uma esmola, duas pepitas de memória
peço por uns instantes a mais de sossego
como se reclamasse o salário do cego
que canta uma lengalenga sem história
outras vezes canto tão alto um fado à janela
aquele que aconteceu ao pintor que assassinou
à facada o auto-retrato da sua última tela
e a esse rio de tinta para onde se atirou.
descendo
descendo pela vereda verde
e estreita
afinal sobes até um calvário
onde, presa em seu sacrário,
a estátua espreita
quem se perde
partida
Eu vou ver o branco dos olhos magoados
as madrugadas onde elas estiverem na preguiça
e em alguns dias dos mais desesperados
cantarei, pela salvação da minh'alma, uma missa
Se alguém sossegar a um canto da minha igreja,
gozando a solidão do fresco da nave lateral,
farei do meu canto um tal silêncio feito em cal
até não ser mais que estátua o que de mim se veja.
transumância
pelo pasto das chamas a dor
ladra avisos até ficar rouca
que já não cabe dentro da boca
a língua de fogo do pastor.
o passeio de domingo
quero ser o passeio
em margens
onde corra como um rio
ou ser preso na casa
de seda
em volta da mulher
e escrever o poema
numa pele de lençóis
da cama por fazer
quero ser o passeio que ela faça
quando errar nas nuvens
quero ser o senhor dos passos
a segunda feira de cor
ando a escolher as cores
que fiquem bem em corredores
e vendo pela oferta mais baixa
o quadro de que se mostram pormenores
neste poema claro
fico à espera do primeiro dedo de um amigo no ar
e se deixar endereço ainda trato do envio e não cobro
nem portes de correio.
também por um preço ainda mais baixo, vendo
a um amigo que não tenha duas caras.
alto do erro
quem vem pelos pirinéus,
tomando o caminho a partir de Orthez
para Pampelune (ou Pamplona ou Iruña?)
passa por casas espantosas a desenhar
contornos a pastagens
(tanto para bestas celestiais como terrenas)
e que nos enganam o olhar.
e possível se torna ver o que é impossível construção.
como pode resistir
um pintor ingénuo à matemática da paisagem
ou um poeta a um lugar nomeado
Alto do Erro?
crime da razão futura
a história não vai falar dos nossos
mártires porque nela entraram carregando
o espanto sobre a pacatez da vida o desmando
do trágico navio que transporta ossos
o futuro só vai contar mártires de dois modos:
entre derrotados ou entre vitoriosos agressores
tenham ficado vivos ou tenham morrido todos
abraçados a uma casa, causa ou seita
só os vivos de um e outro lado sentem as dores
dos mortos que assombram a sua cama estreita
a história espalha o pó fino que sufoca
os gritos e simula na pedra funerária
que todos os outros morreram pela boca
de cena fazendo de actores de vida adversária
tirania
não me digas que as comeste
porque ninguém
a começar pela tua mãe
te avisou que as lâminas
de barbear
não são para comer.
a forma nova
dizem que não há paixões humanas que prestem
e que todos os poemas foram já ditos e escritos
não mais que personagens de um fado bem passado
poetas são ratos de biblioteca a sobreviver
em buracos dos livros que não param de roer
poetas são os que usam formas novas para cozer
em lume brando o poema mastigado e vomitado
até este ficar queimado pegado colado
e parecer que não tem nada a ver
nada para entender
e pouco ou nada para ler
dizem que já não há líricos tísicos nem sanatórios
e que os poemas são incerta forma para citações
ditadas e reeditadas experiências de laboratório
onde não entram nem saem emoções.
e que já nem preciso é sequer manuscrever.
amarei
das patas
da aranha amarei os pêlos na sopa
quando a devolvo à copa
para que a aranha inteira a enriqueça
e eu, enfim, rejuvenesça
até andar de gatas
quando voltamos
já somos outros
mas não sabemos falar disso
porque no final voltamos ao mesmo
porque não fizemos mais que um par de meias voltas
e desatámos os nós da língua para voltarmos a ser mudos como antes
sei lá se sou de lá ou de cá
os outros dedicam-me uma certa piedade compassiva
e isso me basta
nem aceito o risco do meu tempo a seu tempo
que reconheço como sinal e ferrete.
as linhas
quando desenhas as linhas
do meu desgosto
sei que a manhã desperta
as minhas mãos no teu rosto
se na minha face rugosa alinhas
os dedos do carvão que se desfaz
ao vento da janela aberta
volto de asas caídas aonde tu já nem estás
letra a letra
digam-me letra a letra a minha cruz
soletrem-me do calvário o caminho
à volta sem regresso
e esmaguem entre dois dedos uma a uma cada luz
os pontos na espiral em que definho.
é só o que vos peço.
a gola da samarra
que contas tu ó pobre para um fado
em dó maior... do que uma algazarra
de cães que perseguem por todo o lado
o coelho que foi gola da tua samarra
quando a tua avó era viva e tu eras a criança
a querer ser padre da tua freguesia
quando fosses grande e não fugisses para a frança
ah! se tivesses crescido outro galo lhes cantaria
desenho
quem anda com os pés nos bolsos do corpete
e mostra os dentes a quem sua mais que morde
usa um número acima para as câmaras da biciclete
e não sabe que pedala para onde mora a morte.
a demora
espera mais um pouco.
por ti
se fores devagar, talvez possas
fazer-te companhia mais um pouco.
afinal vão ambos para o mesmo lado!
e a viagem é assim mais lenta
\it quem sou
por entre o lixo do hospício, vagueio como doido
varrido
por uma vassoura de penas minhas.
\it o dia mais que perfeito
atravessam cedinho
a vila, deste lado ao de lá do monte onde a manhã dá à luz o sol,
os passos ligeiros da mulher mais bela do dia
escolhem maçãs bravas colhidas à árvore da madrugada.
ah! e fosse eu com ela de mãos dadas assim cedinho
\it onde a blusa abre
onde a blusa transparece
os olhos matam a sede das mãos ansiosas
do alpinista trepando pelas encostas dos seios,
e, na planta riscada sobre a terra lavrada,
esse vale do ventre em que se levanta o desejo da arquitectura
para a possuída casa ancorada em estacas de vento e de ternura,
eu desenhei a vida inteira por viver e por mais nada
deixei cair pelo fio do prumo o olhar a pique
e, ecoando grave, em queda livre, a voz calei
ali onde a blusa começa e se entreabre
uma porta escancarada.
\it asa delta
a fita que se soltou do teu chapéu
chamou-me pelo nome pronta para voar
e eu hesitei no teu decote o meu olhar
antes de ir com ela para o mais alto céu.
de tão longe ver-te como um ponto final,
quando tanto te desejei em cada pormenor,
não vejo pior
mal
o frio céu
antes neve e gelo em teu banho de espuma
que o frio no céu
da minha boca ...
\it o engano do jorge
não votei em durão barroso, nem no psd e muito menos no cds,
mas reconhecia o db como primeiro ministro do meu país.
não sendo eleito sequer para governar portugal,
santana lopes pode assinar uma constituição europeia?
pode. por s.jorge!
não, em meu nome
eu só espero que a caneta tenha uma diarreia.
\it muda a hora
muda a hora. às duas de qual manhã? às duas por três, numa catedral aberta,
visito mortalhas em fila de espera
e só ouço o silêncio frio
de um amigo que ressona
sem saber que morreu uma hora mais cedo.
\it as ideias
eu sou o meu único tormento
e as tormentas por que passo.
eu sou o navegador
que inventa o cabo e o dobra.
\it a garça que caminha
a garça tem olhos inquietos e um corpo suspenso
desajeitadamente reequilibrado com o bater das asas
o boi tem olhos conformados ao corpo pachorrento
uma tremura por dentro da pele macia avisa as asas da garça:
podemos caminhar juntos, voar é que não!
\it chamado
disseram-me que muitos são os chamados
e poucos são os escolhidos
a mim chegava-me ser chamado
\it nada me custa mais que corrigir provas de amor
Quando te pergunto e tu respondes,
procuro o certo e o errado ou o que escondes?
Eu não quero saber o que é certo ou o que é errado
nem quero virar o ar dos sons para vibrar por outro lado
Sou eu quem se desfaz em tinta vermelha verdadeira
chorando sangue sobre a tua resposta azul certeira
a não esperada
ou a não desejada
ou o contrário de tudo ... que é nada.
\it se acordar
se a manhã vier beijar-me
como só ela sabe
eu hei-de saber calar-me
no colo em que meu sonho cabe.
se acordar?
sonho acordado.
\it em saco roto
se eu me levantar e pedir a palavra para dizer
como Novalis disse ...
é porque não sou um saco roto
\it desenho. logo existe
o luar contigo
é o desenho
de um luar comigo
desencontros tanto acontecem
ao luar contigo
como ao lutar comigo
\it nenhuma orelha te arde
Nenhuma orelha te arde
por eu me pensar
Contra praga de cobarde
nem precisas de abrigo.
\it a viola
muitas vezes, como
se soubesse tocar-lhe
abraço-a
assim como
se a embrulhasse
numa canção de embalar
antes de a acordar.
\it lenda
aos homens disseram:
- pesquem que é um bom desporto!
homens houve que acreditaram e fizeram
o melhor isco de homem morto.
mais tarde disseram
que os peixes não morderam.
os iscos usados na pesca desportiva
de mar salgado passaram pelas brasas
antes de serem petiscados em suas casas
pelas viúvas respectivas.
\it tarde tocaste
foste a última a tocar o meu pobre coração
mas foi tão tarde
que é o tal fogo, o que arde
sem que o possas ver, o que me consome
e, quem sabe?, talvez me mate à fome.
\it as portas
assim abandonado e só e arruinado.
ser lugar visitado e visto por uma porta entreaberta
para ser outro
assim no alto
pelos seus dois olhos vazados
a porta não vê
\it as portas
ao fundo, a casa do alto vento
abriga uma fogueira de caçadores
espreitando o rio, como quem espreita
a serpente que vem da espanha onde nasceu
e onde deixa os ovos
vimos passar as luzidias escamas
do seu dorso a caminho da cabeça,
a nossa, essa que nos envenena cada vez
que nos morde
quando nos beija
com a língua multífida da ibéria.
\it as portas
enganas-te
para pensares em fugir por aí,
precisas de asas para voar
e isso eu não tenho para ti.
\it as portas
os meus rebanhos pastam as tuas costas
e bebem-te sem estragar a miragem no espelho:
a uma distância prudente e medrosa pensas que reflectes
estando eu a olhar para ti e para quem não te compreende
na ânsia de seres livre em cada pedra que te prende
e beirando portas pronto a sair
afinal entrando
de um para outro lado
de uma nação a outra.
\it desenho para passar o tempo
desenho para não olhar quem não quero ver
desenhar é como mudar de passeio.
desenho as linhas das mãos dormentes
desenhar é não veres o que só tu sentes
\it o que a morte sabe
O que a morte sabe
eu não sei se cabe
na boca suja do inferno
no mais vazio instante do eterno
na biblioteca dos medos
onde guardas mais segredos
é lá que também a morte se deita
e o quase nada de tudo espreita.
\it a flor das águas
devias deixar-te afundar um dia só para veres o negro
verdadeiro e enfim dares valor a cada raio de luz
não é coisa sem valor uma pepita de luz
devias deixar-te cair com um peso amarrado ao pescoço.
para veres como pesa menos o que te prende ao lugar
de onde queres sair desesperadamente
porque te vai faltar o ar, vais dar real valor a cada bolha de ar
que verás a sair sem regresso da tua boca
e como vais invejar a sua agilidade na pressa da subida
- se tenho medo do escuro, mais medo tenho da falta de ar! -
é o que dizes para esconder a verdade
de apaixonado que estás, sempre estiveste, pela flor das águas
e seu brilho tenso de fronteira instável entre água e ar,
sombra e luz,
a tua vida adiada antes e depois da tua morte anunciada.
\it fado calado
já decidiste tudo para depois quando
tiveres partido.
o fado da tua morte é só um verso perdido
que a tua vida foi adiando.
e o poema da vida que te coube em sorte
é a história de cordel da tua morte.
\it já?
já decidiste que não falas por falar,
com quem não falas, a quem não respondes,
quem não queres olhar
de quem te escondes
\it levanta-te e dança!
um dia o meu pai olhou para mim e disse:
se te levantares saberás o que é andar sem ajuda
e isso, tão pouco!, é a liberdade que em ti tudo muda.
[¿Sabia ele o que lhe diria hoje se o visse?]
e, tendo construído em verga forte duas bengalas
até à altura dos meus sovacos de criança,
levantou-me do cesto onde jazia para dizer: "abram alas!
que é tempo do arsélio vir mostrar como se dança".
\it torturadas
tanto as amo vestidas de frondosas copas
pelo estio
como as choro assim nuas torturadas
às mãos do frio
\it a esperança
renasce como uma onda puxada pelo vento
e morre ali refeita suspiro ao chegar
à praia onde como quem mói o pensamento
piso meticulosamente cada bolha de ar.
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Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
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eu bem me disse que estava a ser parvo por pensar que só com os meus dentes chegavam para morder até o futuro e n...