Por onde temos andado?




Perguntam-me porque vou todos os dias à escola. Porque há várias escolas na escola. Nestes últimos dias, entre as aulas, as reuniões e o natal passámos a vida (Arsélio, Aurélio & Mariana) a traduzir o Geometriagon, da iniciativa de Giovanni Artico, para que os apreciadores da geometria de régua e compasso possam desafiar-se a si mesmos resolvendo problemas, fazendo construções, etc. É uma prenda de Natal. Ainda continuamos a polir arestas, a melhorar as adaptações (a língua e a linguagem...), mas aí está mais um Lugar Geométrico. Aceitamos ajudas, correcções, críticas e sugestões.

Sentia-me bem enquanto dividia um segmento AB em três partes. Só com o compasso. Sem me perder. Clique na bandeira portuguesa e veja os problemas. Um ou outro dos 200 ou mais pode resolver. Basta começar. Melhora-se com o exercício persistente. É o que vos digo.

Claro que o Geometriagon não sgnifica o abandono dos nossos lugares geométricos costumeiros
bloGEOMETRIA
geometrias.net
que são reforçados com a companhia que faz realçar as suas individualidades.
Voltamos a eles, já de seguida. As Geometrias merecem e precisam de parceiros, parcerias e companhias.
Nós também. É por isso que vamos à escola.

A festa

Todos nos queixamos da falta de avaliação rigorosa dos sistemas. Dizemos que quando pensamos em avaliação, estamos a pensar na avaliação dos outros e, forçados a aceitar que temos de ser avaliados como tudo o que mexe, tudo fazemos para contornar as mudanças a que uma avaliação séria nos forçaria. Falamos de avaliação e avaliamos todos os nossos dias.

É isso. Nestas vésperas das festas passamos os dias em avaliações do desempenho dos estudantes e sentimos há tanta avaliação a mais como consequências a menos. Sabemos que uma boa parte dos nossos fracassos não têm origem no trabalho de todos os dias, mas antes na falta do pão de todos os dias em cada uma das casas que habitamos. Falar de pão é falar de espírito, de cultura, da língua e das linguagens, de reconhecimento do trabalho como prestação social, ou de respeito pelos outros, de fraternidade, de solidariedade.

A avaliação nas escolas dá pela falta da primeira demão na pintura. Como se fosse natural, assume-se que nada há a esperar do lado dos primeiros pintores e a escola, sabendo que não pode dar a tal primeira demão, cobre a falta ou a ferrugem com uma demão de máscara e sobre a qual cola a sua marca, uma marca de instrução.

Os sistemas de recuperação, ao nível da marca da instrução especializada, não fazem mais que acrescentar máscara à máscara. Que se deixa cair e se perde a cada pequeno distúrbio ou sempre que alguém acerta com uma pergunta no essencial.

A frequentíssima avaliação nas escolas diz-nos o que não vale a pena e alerta-nos para o que valeria a pena mudar se o princípio de que partimos fosse que somos todos iguais em oportunidades que valem a pena, resultantes do esforço, se nutrem de mais esforço, que o que interessa é antes de mais o que se aprende e o que se sabe. E que a felicidade não tem como medida o vil metal e o privilégio. A frequentíssima avaliação nas escolas deixa-nos cansados ao mesmo tempo que diz à sociedade que estamos em férias e em festa. A sociedade fala disso avaliando-se. falando do que não sabe fazer.

Não foi a escola que contaminou a sociedade com o seu modelo de avaliação. É o contrário que acontece.

Boas festas, pois!

[o aveiro;22/12/2005]

Candidato

As campanhas políticas passam por nós e pelos dias da nossa vida. Agora passa por nós a campanha dos candidatos à Presidência da República. Passam pela nossa vida os candidatos, o que dizem os candidatos e o que dizem dos candidatos.

Por mim, passa tudo e passam todos duas vezes.

Numa primeira volta, ouço os candidatos todos apresentar as suas posições e as suas propostas políticas, para concordar com pequenos detalhes num ou noutro discurso e escolher um lado, um candidato.

E, por força das minhas escolhas, começa uma segunda volta. À minha volta, as vozes levantam-se gritando a inutilidade da candidatura do meu candidato e sobre o facto de ele não ser afinal candidato já que não se afigura provável a sua eleição e ele levanta problemas que não os triviais das candidaturas à Presidência da República, referindo principalmente opiniões divergentes das ideias e planos dos governos. Perguntam-me algumas vezes se ele é candidato ou não ou se não é mais que uma campanha. Perguntam-me se não seria mais sério e responsável ele desistir a favor de algum outro que reuna condições para uma disputa real. [Conselhos e opiniões muito semelhantes foram utilizadas contra a candidatura do Bloco de Esquerda às Câmara e Assembleia Municipais em que participei recentemente. Se os tivesse seguido, tinha aceitado que as minhas opiniões não contam e podiam ser perfeitamente contidas nas opiniões de algum eleito de um outro partido. E eu sei que isso não é verdade.]

A democracia empobrece quando alguma corrente de opinião desiste da sua afirmação pública e desiste das suas candidaturas. Até porque desiste de fazer representar na luta política as pessoas que lhe dão vida e se revêem na opinião política do seu candidato e porta voz.

Cavaco Silva é o economista também responsável pela desgraça a que chegámos , o cara de pau salvador do país com as mesmas artes da desgraça e apoiado nos mesmos artistas. Há mesmo quem acredite que desgraça após desgraça é graça certa.

Louçã é também economista. Vem dizer-nos que o que nos salva são as pessoas em acção e que Cavaco Silva não é mais que ministro de uma cerimónia ritual da alta finança em que os acólitos são os banqueiros por ele libertados das ameaças de crise que aflige tudo o que não é capital financeiro.

Escolho Francisco Louçã.

[o aveiro; 15/12/2005]

alberto ao domingo





triste

levanto-me cedo para varrer uma tela com o pincel
como se tomasse uma vassoura e varresse o chão
maquinalmente
sem querer varrer pó a não ser para o ver sem ver
num voo que sabemos mas não vemos.

levanto-me cedo para tentar perceber o que quero fazer
entre actos ditados por outros e pelas promessas
e fico ali preso o tempo todo da eternidade da manhã
a pensar que já nada há que seja meu a não ser
o gesto maquinal de varrer coisa nenhuma para dentro.

o engano da curva

Eu vinha tão distraído que nem a vi.

Depois de a ver, todos pensam que eu minto
e que morri por a ter visto.

Assim pensaria eu, agora que a vi, se não fosse tão distraído.

molti zero

Senza voce l'insegnante si alza davanti a una classe
di pallidi bambini dalle labbra serrate.
La lavagna alle sue spalle tanto nera quanto il cielo
che dista anni luce dalla terra.

È il silenzio che l'insegnante ama,
il gusto dell'infinito che trattiene.
Le stelle come le impronte di denti sulle matite
dei bambini.
Ascoltatelo, dice felice.


Charles Simic; DIECI POESIE;
Traduzione di Andrea Molesini

Passo d'addio


Si ripiegano i bianchi abiti estivi
e tu discendi sulla meridiana,
dolce Ottobre, e sui nidi.

Trema l'ultimo canto nelle altane
dove solo era l'ombra ed ombra il sole,
tra gli affanni sopiti.

E mentre indugia tiepida la rosa
l'amara bacca già stilla il sapore
dei sorridenti addii.


[Cristina Campo]

O retrato.

No dia 5 de Dezembro passado, se fosse vivo, Ruy Luís Gomes faria 100 anos. Muita gente se lembrará de Ruy Luís Gomes como candidato à Presidência da República, oposicionista do regime fascista, que viveu muitos anos exilado na Argentina e no Brasil e, tendo regressado com o 25 de Abril, ainda foi reitor da Universidade do Porto. Outros saberão que foi um matemático e cientista de renome, citado por grandes nomes da ciência fora de fronteiras. Para os matemáticos portugueses, ele permanece como um importante pólo organizador de instrumentos colectivos para o estudo e investigação, divulgador de teorias matemáticas e físicas e reconhecem os seus rastos de organizador e cientista nas universidades e lugares por onde passou no estrangeiro. Todos nos interrogamos como teria sido diferente (só para a matemática?) se aquela geração de matemáticos não tivesse sido obrigada a partir.

Numa semana de entrevistas e debates, o que mais me interessou foi este debate travado com o nosso passado enquanto olhámos para a vida de Ruy Luís Gomes. Pacheco Pereira debateu o homem numa totalidade de significados dos compromissos políticos que Ruy Luís Gomes assumiu, sobre os quais operámos a separação de alguns momentos da sua saga para o transformar em herói da nossa vida. Manuel Arala Chaves questionou o matemático amigo mais velho e o político e foi-nos dando as respostas de Ruy Luís Gomes em cada tempo, escritas por suas mãos em postais de circunstância ou nas publicações que acolheram os seus gestos e a sua voz. Assistimos à exaltação da admiração da testemunha perante a personagem, ao espanto face a atitudes e actos, à determinação em tudo tentar compreender para encaixar na personagem que passou pela sua vida desde a adolescência na década de 50 até aos anos 80 do século passado.

O que mais me interessou nestes debate e entrevista a Ruy Luís Gomes, na passagem dos 100 anos sobre o seu nascimento, foi o retoque de humanidade que Manuel Arala Chaves e Pacheco Pereira acrescentaram ao retrato que dele tínhamos. Fragilidades e rugas não diminuem Ruy Luís Gomes, antes o suavizam e nos devolvem um retrato colorido para substituir o velho retrato a preto e branco ou sépia que arrumáramos na nossa memória.

Enquanto nos fazia a revelação de uma fotografia de Ruy Luís Gomes, Manuel Arala Chaves revelava-se. Isso mesmo. Com a sua fala sobre o outro, é o seu próprio retrato que o retratista nos deixa afinal. Desenhado no ar. Instantâneo, porque a vida pode ser um instante.


Nota: Eu só espero que as gentes de Aveiro mereçam o museu vivo de Matemática - Atractor - que, pela vontade de Arala Chaves, há-de ter casa em Ovar. E possam saber desde já dele pela Matemática que está no Pavilhão do Conhecimento no Parque das Nações e pelas exposições que correm pelo país atrás das pessoas (com pressa de chegar não sabemos aonde).

Ruy Luis Gomes

Em 1976 ou 1977(?), participei na organização de acções de protesto contra a ditadura brasileira por alturas do assassinato de vários dirigentes do Partido Comunista do Brasil. Lembro-me dos nomes de Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Drumond. Marquei o primeiro encontro com Ruy Luis Gomes para lhe pedir que assinasse o nosso protesto contra a tortura e o assassinato. Recebeu sem complicações na sua casa (ao Pinheiro Manso) o então jovem professor radical que eu era. E recordo-me da simplicidade primordial de um espírito superior que, desde então até hoje, é fonte do meu optimismo humanista.

Encontrei-o ainda uma ou outra vez nas reuniões em que reerguemos a Sociedade Portuguesa de Matemática, no norte.

Sempre tive dificuldades em relacionar-me com pessoas importantes e mais ainda quando, como acontecia com Ruy Luís Gomes, elas faziam parte da galeria dos nossos maiores, dos mitos. À distância, como sempre e ainda hoje, tenho de reconhecer que sou devedor de Ruy Luis Gomes. Só isso! Neste 5 de Dezembro, quando passam 100 anos sobre o seu nascimento aqui fica reconhecida essa dívida,... que se vai pagando no dia a dia da vida.

coberta que fosse

Coberta que fosse
de aves, ficava
num longo dizer

a rapariga. Havia misturado
um perfume a erva brava
e a canela. Nem sei

por que me lembro
do que já queima
os lábios, agora que se dobra

o coração no frio.



[José Carlos Soares; terra de chá, son de poesía]

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...