Quad quartet

Saímos pela noite para o outro lado dos espelhos do navio dos espelhos e, enquanto ainda estamos desse lado, podemos dizer que nos sentimos felizes (bem e mal) quando vemos e ouvimos os quatro saxofones que nos habituámos a querer ouvir em conversas familiares ora calmas como para embalar, ora ideias repetidas por todas as vozes até ser inquietação, ora verdes anos ou tempos de verão ou tango gingão e safado com navalhas faíscando.

Assim, a sempre diferente eterna formação que ouvimos hoje - Soprano João Figueiredo, Alto Fernando Ramos, Tenor Henrique Portovedo e Barítono Romeu Costa - sob o nome Quad Quartet
atacou-nos com os clássicos Bozza e Desenclos (se é que há clássicos para saxofones) e com Carlos Paredes e Astor Piazzola.

Gosto do clássico dos clássicos Piazzola. O que haverá de mais clássico que uns tangos ao meu gosto?

Podem dizer-lhes que venham tocar tangos para a .... minha rua.

sobre o lado esquerdo

Encontrei a citação exacta:

(...) o homem que não dorme pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração».



Foi isto que escreveu o Carlos de Oliveira em sobre o lado esquerdo sob o título sobre o lado esquerdo. Tanto tempo a ler e a reler e sempre com a ideia de não ter encontrado. Deixei passar a noite e passeei de novo os olhos vigilantes pelo trabalho poético, já sem esperança. E li o que sempre li, mas... encontrando. Aqui deixo a exacta (ex)citação.

Lightenings

Já várias vezes disse que 'o lado esquerdo' é nome sugerido por um texto do Carlos de Oliveira, eu creio, em que ele escreve o desejo de "deitar-se sobre o lado esquerdo na esperança (vã?) de poder esmagar o coração". Ontem e hoje, folheei os trabalhos poéticos de Carlos de Oliveira e não encontro a minha citação exacta. Também procurei uns outros textos de Jorge de Sena em busca disso (memórias vagas...).

Não encontrei o que procurava, mas encontrei muitas outras coisas, a começar pelo Carlos de Oliveira.

Mas aqui deixo um reencontro com Seamus Heaney (na reescrita de Vasco Graça Moura) no que eu dele mais gosto (hoje):

VIII.
Dizem os anais: quando os monges de Clonmacnoise
estavam todos em prece no oratório
surgiu um barco no ar por cima deles.

A âncora desceu tão fundo que ficou presa
ao parapeito do altar e então, quando
o baloiçar do grande casco se imobilizou,

um dos tripulantes desceu agarrado à corda
e tentou libertá-la. Mas em vão. "Este homem não pode
aguentar a nossa vida aqui e vai afogar-se".

disse o abade, "a não ser que o ajudemos". Assim
fizeram, o barco solto partiu, e o homem lá trepou
para fora do maravilhoso mundo como o tinha conhecido.

o frio céu

antes neve e gelo em teu banho de espuma
que o frio no céu


da minha boca ...

asa delta

a fita que se soltou do teu chapéu
chamou-me pelo nome pronta para voar

e eu hesitei no teu decote o meu olhar
antes de ir com ela para o mais alto céu.


de tão longe ver-te como um ponto final,
quando tanto te desejei em cada pormenor,
não vejo pior
mal.

Perturbação de sentidos

1. Nada me perturba mais na vida das cidades e dos cidadãos, do que a falta de encontro entre a decisão de poder humano (politica, empresarial,...) e a vizinhança no que ela tem de humano. O que há de humano nas cidades é cada indivíduo e outro e outro..., antes de ser soma e amálgama e efeito ou fermento na soma. Nem quero saber em pormenor quem tem a culpa no processo de extinção da Filarmonia das Beiras. Sei que ninguém tem desculpa, porque tudo me sabe a metal (deve haver) e não me sobram cheiros humanos, da sorte deste e daquele, da compreensolução para o problema real deste ou daquele. Muda-se a natureza da soma da música para que uma parcela possa ser eliminada; dá lucro, não dá lucro, o maior pagador que é o maior devedor falta com opinião na hora da decisão, etc. O silêncio sobre a situação crítica de cada um dos cidadãos músicos é cada vez mais pesado. Porque começou o falatório em volta dos outros ? dos cidadãos que exerceram ou não o poder de não pensar nos músicos como pessoas individuais e na música, dia após dia após dia após dia.

2. Nada me perturba mais, hoje em dia, que a falta de encontro entre o ensino e a vizinhança no que ela tem de humano. Sou professor de Matemática, agora do ensino básico de jovens à volta dos 13 anos e é perturbador ver que eles procedem comigo como se eu não falasse do que é comum. Se eu lhes der um problema em palavras faladas para resolver, raramente procuram uma real solução (mesmo quando conseguem pensar sobre ele). Não tiram medidas quando é preciso, usam uns símbolos e umas figuras que ilustram a situação sem a representar seriamente, etc. Não sabem o que é um marco num terreno (vértice de um polígono), não olham a fracção da matemática como a da língua ordinária. As palavras da matemática básica são termos constituintes do português básico ? uma ou outra excepção não contrariam a regra. E as respostas que procuramos, usando matemática, são escritas em português básico com o apoio de figuras e operações adequadas, cujos resultados são precisos para argumentar a favor desta ou daquela solução. Difícil é convencê-los que a resolução de um problema básico e a resposta que derem, em português corrente, deve ser compreendida por toda a gente ou quase.

Ninguém passará a número ou a unidade estatística por minhas mãos de professor. Uma escola básica que fale de cada individuo e da sua (e nossa) realidade talvez forme e controle os políticos para que procurem soluções sociais sem deixarem de ter em conta as pessoas autênticas, individuais.

[o aveiro; 28/10/2004]

onde a blusa abre

onde a blusa transparece

os olhos matam a sede das mãos ansiosas
do alpinista trepando pelas encostas dos seios,

e, na planta riscada sobre a terra lavrada,

esse vale do ventre em que se levanta o desejo da arquitectura
para a possuída casa ancorada em estacas de vento e de ternura,

eu desenhei a vida inteira por viver e por mais nada

deixei cair pelo fio do prumo o olhar a pique
e, ecoando grave, em queda livre, a voz calei

ali onde a blusa começa e se entreabre
uma porta escancarada.

o dia mais que perfeito

atravessam cedinho
a vila, deste lado ao de lá do monte onde a manhã dá à luz o sol,

os passos ligeiros da mulher mais bela do dia
escolhem maçãs bravas colhidas à árvore da madrugada.

ah! e eu for com ela de mãos dadas cedinho.

quem sou

por entre o lixo do hospício, vagueio como doido
varrido
por uma vassoura de penas.

a demora

espera mais um pouco.
por ti.
se fores devagar, talvez possas
fazer-te companhia mais um pouco.

afinal vão ambos para o mesmo lado!

desde ontem, a viagem é assim mais lenta.

desenho, logo existe

O pó sobre a cómoda

Um membro do governo é ouvido pela alta autoridade para a comunicação social. No caso presente, não podemos dizer que seja de uma pessoa que estamos a falar. Falamos daquilo a que é hábito chamar braço direito. A história de vida de Gomes da Silva, esmiuçada em pormenor por algumas revistas e jornais, é mesmo uma história de braço direito. Há quem admita que o braço direito tem boca. Outros pensam que não. Ouvi mesmo quem asseverasse que o braço direito fala pela boca assessorada pela lux. Este braço direito a falar como porta voz do governo, boca de bocas, pode dizer-nos que foi como politico que respondeu ao politico Marcelo. E que o que ele diz não pode, por isso, ser posto em causa e como causa para efeito silenciador. O braço direito do governo pode mesmo invocar uma conspiração dos diversos semanários, diários e telejornais contra o primeiro ministro. O braço direito tem uma boca sadia, mas vê e ouve mal. Se pudesse olhar (com olhos de ver) para os seus actos governativos e ouvir o que dizem da boca para fora, perceberia que a haver conspiração ela é a sucessão de toleimas contraditórias e meio surrealistas produzidas pelo próprio governo. O ?delirium tremens? é chocante em coisas como a colocação de professores e é indisfarçável em muitos outros assuntos. Há as bolas de ?ping? assim para um ministro e ?pong? assado para outro a saltitar entre os lados da mesa do poder e que nos fazem saltitar os olhos das órbitas.

É um problema para o pais ficar desequilibrado assim cheio de braços direitos. O longo braço do poder é uma ameaça. O braço direito é uma desgraça. O braço direito delgado (que primou pela falta de pudor em defesa irracional do governo da guerra) passou a braço direito do governo na lusa e agora passa a braço direito executivo na Lusomundo (sem pré-aviso aos administradores que lá estavam). A palavra delgado que nomeia a pessoa é adjectivo que qualifica tanto a inteligência dos seus argumentos como a sua vergonha. Só não deve ser delgado o soldo de quem espera a defenestração mal mudem os ventos ou haja restauração da independência. Se há conspiração visível para o controle das coisas da comunicação social, ela é a dos braços direitos.


Esperam que nos habituemos aos seus braços direitos como nos habituamos a ácaros e ao pó da casa em obras. Aaaaaaaatchim! - é a inteligência a resistir.


[o aveiro; 21/10/2004]

desenho, logo existe.

desenho, logo existe.

X-acto.

nunca nos separámos, talvez porque nunca tenhamos estado juntos.
mas houve um dia da vida comum em que deixámos de escrever nas paredes uns dos outros. não há memória do dia, mas esse dia passou em todas as máquinas como sendo o último dia, aquele em que uma mensagem marcada com o ferrete do X piscou como a última.

há quem diga que só podem ficar juntos os que gostam da mesma música ou os que partilham um modo de estar, um ponto de vista. X não respeitava essa regra e havia, por isso, muitos desencontros, silêncios e berros, como acontece nas famílias vulgares. a família X nunca chegou a ser extraordinária, manteve-se simplesmente ordinária.

não tendo havido separações de facto, basta que alguns saiam dos seus tugúrios de solidão, separação e silêncios [e amuos?] para que tropecem noutros ao desembocar na distracção do grande átrio, na sala de jantar, no ardor de uma batalha em campo aberto, num restaurante.
ficam de fora deste cenário os que são de longe e os que se mantiveram longe contra a vontade dos outros.

há os que foram para tão longe que não conseguimos deixar de os ver todos os dias.
esses só não contam na divisão da conta do almoço.

desenho, logo existe



quem anda com os pés nos bolsos do corpete
e mostra os dentes a quem sua mais que morde

usa um número acima para as câmaras da biciclete
e não sabe que pedala para onde mora a morte.


bhâskara


La quinta parte de um enjambre de abejas se posó en la flor de kadamba, la tercera parte en la flor de silinda, el triple de la diferencia entre estos números, bella niña de ojos de gacela, voló sobre una flor de kutuja, y una abeja sola quedó en el aire, atraída por el perfume de un jazmín y de un pandanus. Dime encantadora doncella, ¿cual es el número de abejas que formaban el enjambre?



[poema-problema 55 de Lîlavatî, transcrito de MUJERES, MANZANAS Y MATEMATICAS. ENTRETEJIDAS de Xaro Nomdedeu Moreno]

Plágio

No lançamento do livro do poeta Luís Serrano, sentimos como as cadeiras bonitas podem ser desconfortáveis. E como falam as circunstâncias, antes de sermos as orelhas sentadas dos convites. Uma senhora que lê estas crónicas, louvou a lupa pessoal que amplia partículas elementares. Ela consideraria notável a escrita persistente... se não houver plágio. Não há, pois não?
O mais difícil é escolher o facto, a frase ou ... a palavra chave. Aí está - plágio - a palavra-chave para a semana que passou. Obrigado. Não presumo ter pontos de vista originais e dependo da actualidade, tantas vezes feita de indisfarçáveis originalidades em maldade, mentira e ignorância atrevida.

Sabemos que Santana Lopes não é original nas tentativas de controlar a ficção da realidade. Estará ele a plagiar outros antigos governantes? Ou, pelo contrario, ele é a primeira notícia de governante que não quer governar mais que as notícias e decidiu plagiar Marcelo, como criador do facto ... da semana?

No que a esta crónica respeita, devo confessar que, do mundo que as notícias são, o melhor comentário é mesmo o da mulher que vive comigo. Diz ela que não pode jantar a ver um filme violento porque acompanha a criação das personagens e é perturbador ver o mal acontecer a pessoas que se conhecem. Menos perturbador é ver as notícias sobre a realidade ainda que violenta, já que não se conhecem as pessoas. As pessoas são afinal as vidas que construímos para elas. É ela quem o diz e eu estou a plagiar. Também diz que a realidade violenta é mais elaborada que a violência da ficção.
Com ela, volto à universidade onde nestas semanas muitos estudantes estão a faltar às aulas, plagiando públicas estudantordinarices do passado. O plágio mais tolo nem é o dos estudantes, diz ela.
Lembro-me das autoridades universitárias e policiais como cúmplices da boçalidade criminosa de parte da academia antes de 1974. A policia protegia o cortejo do delírio alcoólico de estudantes que, no Porto, contava com ministros da guerra, do ultramar e similares.
E, para minha vergonha, vem-me à memória plagiar o título de clandestinos comunicados de então - Os estudantes porcos palhaços e seus amigos porcos policias - que transformavam manifestações anti-queima em manifestações contra a guerra colonial. A policia que protegia os manifestantes dos cortejos indignos, perseguia à bastonada pelas ruas os manifestantes da dignidade. Mudou tudo?

Eu nem quero acreditar que a tragédia esteja a ser plagiada ... como farsa.


[o aveiro; 14/10/2004]

escola de poetas

A propósito de uma antiga visita de jovens poetas do Porto à Escola José Estêvão publiquei umas folhinhas em 1991.
eram assim as páginas exteriores:



Provavelmente ninguém se lembra.
Pelo sim, pelo não, vou publicando os poemas dos esquecidos na escrivaninha , sob o título exacto escola de poetas .
Pequenas coisas do passado.
Haverá quem pergunte porquê estes poetas? A pergunta tem sentido, a resposta talvez não tenha. Se são os meus preferidos? Alguns escrevem pérolas que eu arrisco pescar nas suas pequenas lagoas privadas. Mas há quem escreva mais pérolas, maiores e mais acetinadas ao meu gosto. Se os conheço bem? Conheço alguns deles, mas isso não interessa coisa alguma. Outros sempre os perdi, como perdi todos os contactos com poetas e poderosos. Fiquei a ver como cresciam. E de vez em quando ouço falar deles e de outros que também penso vir a lembrar se souber por onde eles andam ou por onde andam os poemas que eles escreveram e ninguém sabe. Eu trato desta minha parte do mundo. Outros tratarão das outras partes do mundo. Como se reconstituísse o meu muro de berlim - esse de que se guardam as pedras depois o ver derrubado.

Não é o caso do José Carlos Soares a quem escrevo todos os dias, porque todos os dias tento lembrar-me de mim antes de ter crescido para a morte, essa viagem por fazer que todos os dias me é insinuada por algum cartaz de uma funerária agência de viagens.


outra coisa



não sei o que é.
está entre as coisas que não sei o que são nem que lugar ocuparam no meu tempo e, muito menos, a que propósito aconteceram.
eu também sou uma dessas coisas.

serrano

Luís Serrano escreve:


(...)
Mastigo a terra
(...)
tem o gosto das coisas
que demoram a levedar
(...)


no livro "Nas colinas do esquecimento", agora publicado na 'Campo das Letras'

desenho do profmat

desenho. logo existe

desenho, logo existe

desenho, logo existe

mata borrão



Guardo tiques antigos

+ folhinhas de papel de embrulho para ir escrevendo até que as mãos me doam;

+ pastinhas onde trago as folhinhas (são três para nunca me faltarem quando se rompem e para dizerem com a cor dos meus dias);

+ canetas (muitas, para todas as grossuras do traço - carícia, raiva, ...)

+ papel mataborrão com toda a tinta de todos os pecados (uma espécie de jaimemorto ou gloira do arranca corações de vian).


O papel mataborrão do diário é coisa que não se mostra a estranhos.

diário PósfMat

desenho do profmat

desenho do profmat

Ranking

A opinião de Vital Moreira, no Público, - O "Ranking" do Ensino Secundário - é sensata. Também é sensato o que ele diz sobre o ensino público e o privado e sobre o que é a obrigação do Estado.

Acaba assim:



Um dos grandes equívocos que todos os anos se exploram é o dos melhores resultados das escolas privadas. Ora, o que se verifica é que as melhores escolas privadas são indubitavelmente os colégios selectos das elites económico-sociais situados em Lisboa, Porto e arredores (nada menos de 14 entre os primeiros 20 lugares da lista), sendo que o colégio de Vila Real que surge em primeiro lugar é pouco significativo, dado o número reduzido de alunos levados a exame. A alta qualidade delas - em geral muito dispendiosas para os beneficiários - tem a mesma explicação que a da excelente escola de Coimbra, a que acresce muitas vezes a selecção dos alunos, o que está vedado às escolas públicas. De resto, o que é a admirar nos seus resultados é que estes não sejam melhores do que são, pois se se retirar a referida escola de Vila Real, nenhuma delas atinge os 14 valores de média, o que não é propriamente famoso.

Para além dessas escolas, que constituem um grupo à parte, o panorama das demais escolas privadas não é melhor do que os das públicas, pelo contrário. Assim, entre as 100 escolas mais mal classificadas, contamos nada menos de 20 privadas (20 por cento), o que fica acima da quota de escolas privadas no ensino secundário, que é de 18,5 por cento (112 escolas num total de 608). Ou seja, as escolas privadas obtêm os melhores resultados mas também os piores. Ora essa grande assimetria - que é ainda maior do que nas escolas públicas - só pode dever-se aos mesmos factores que explicam a assimetria das escolas em geral, sejam elas públicas ou privadas. Uma escola privada na Pampilhosa da Serra faria muito melhor do que a referida escola pública? Por isso, o argumento da superioridade das escolas privadas, só por o serem, é uma grande mistificação. Há certamente muito que corrigir na escola pública, quanto à gestão, disciplina, rigor, autonomia e responsabilização, avaliação, etc. Mas a comparação entre escolas só poderá fazer-se em igualdade de circunstâncias, desde a composição do corpo discente à percentagem de alunos submetidos a exame nas disciplinas mais problemáticas (nomeadamente Matemática e Português).

Como seria de esperar, é também nestas alturas que aparecem os campeões do ensino privado a defender o financiamento público das escolas privadas, bem como a liberdade de escolha dos alunos, sempre em nome da liberdade de ensino. Trata-se de outra propositada confusão. Entre nós, é livre a criação de escolas privadas, cuja frequência é igualmente livre, sendo o seu ensino publicamente reconhecido. Mas o Estado não tem nenhum dever de financiar as escolas privadas, nem deve fazê-lo à custa do financiamento das escolas públicas, que são uma responsabilidade constitucional sua. Em Portugal, o ensino público é um direito, o ensino privado uma liberdade. O Estado tem de garantir a toda a gente a escola pública, plural, não confessional, em igualdade de circunstâncias. Quem preferir as escolas privadas, por razões confessionais ou outras (designadamente de prestígio social), não pode invocar um direito ao pagamento do Estado. O Estado também não tem de pagar por exemplo a quem, tendo direito a serviços públicos de saúde gratuitos, prefira uma clínica privada; ou a quem, tendo transportes públicos subsidiados pelo orçamento, prefira viajar em transportes particulares. O financiamento público das escolas privadas, para além de desviar recursos das escolas públicas, que bem precisam de ser melhoradas, e de ser financeiramente incomportável (dado que o Estado não poderia reduzir correspondentemente o financiamento das escolas públicas), traduzir-se-ia sobretudo em subsidiar um privilégio dos mais ricos.

enxames

Quando saí para a Covilhã, escrevi: "Vou até à Covilhã, fazer parte do enxame de professores de Matemática, ...".
Já lá, vi mais do que uma placa a indicar o caminho para enxames. Agora sei que ENXAMES é mesmo uma freguesia do concelho do Fundão com 631 eleitores inscritos.

agarrem-me

Estou a desenhar um risco

Alguns fazedores de opinião e cientistas sociais portugueses têm realizado um trabalho persistente de análise dos resultados dos exames do 12º ano, cuja edição deste ano acaba de ser publicada sob o habitual título de ?ranking?. Já conseguiram um facto educativo da maior importância que é a entrada da palavra ranking no vocabulário de todos os portugueses por mais mal educados que eles sejam. Vi e li dois: O ?ranking? expresso do ensino secundário, também chamado o novo quadro de honra, e o Ranking ?das 608 escolas secundárias, no Público. O Público declarou um colégio como a melhor escola do país com um total de 21 provas de 5 ou 6 estudantes. Há alguém que acredite que em qualquer das outras escolas de Vila Real, públicas com centenas de alunos, não se podem isolar 10 alunos cujas médias sejam superiores a 14, 7 (que é a tal média do Colégio da Boavista)? Deus meu! O melhor disto tudo é que professores, pais e estudantes acompanham os analistas e conseguem ver efeitos de mudanças em cada escola de um ano para outro. Mas quem acredita que houve mudanças nas escolas de Aveiro com influência nos resultados dos exames do 12º ano? Só tem interesse olhar para os resultados se for para melhorar o parque escolar e a escola conjunta da cidade.
Para que se perceba melhor as tolices que se dizem a partir dos rankings, aqui ficam alguns dados simples. Nos 3 últimos rankings do Expresso, a Escola José Estêvão ocupou as seguintes posições 43, 44, 53; a Homem Cristo ocupou os lugares 35, 49 e 114; a Mário Sacramento ocupou os lugares 278, 443 e 397, enquanto a Jaime Magalhães Lima passou pelos lugares 236, 161 e 213. Já nos rankings do Público, as coisas passam-se assim: José Estêvão ? 37, 83 e 111; Homem Cristo ? 82, 46 e 125. E pelo que consegui saber, neste ano, para o ranking do Público, a Mário Sacramento está na posição 471 enquanto a Jaime Magalhães Lima está na posição 297. (Todas atrás da excelência do colégio da Boavista) E já repararam nas variações de ranking para ranking ou de ano para ano? Acreditam que elas são espelho de algum sentido de mudança? De um ano para o outro, a única coisa que muda, mudando tudo, são os alunos que prestam provas de exame.

Estamos a piorar as médias. Embora tenhamos, em cada uma das escolas, um grupo de 10 ou mais examinandos que estão muito acima da média, estamos a piorar. E isso revela vários falhanços que vale a pena estudar: dos professores e das escolas, do sistema de explicações que gira em volta das escolas, dos estudantes.

Só me ensinaram a desenhar a tristeza. Não quero desenhar o ridículo que a tristeza carrega como cruz.


[o aveiro; 07/09/2004]

a gola da samarra

que contas tu ó pobre para um fado
em dó maior... do que uma algazarra
de cães que perseguem por todo o lado
o coelho que foi gola da tua samarra

quando a tua avó era viva e tu eras a criança
a querer ser padre da tua freguesia
quando fosses grande e não fugisses para a frança


ah! se tivesses crescido outro galo lhes cantaria

letra a letra

digam-me letra a letra a minha cruz
soletrem-me do calvário o caminho
à volta sem regresso

e esmaguem entrededos uma a uma cada luz
os pontos na espiral em que definho.


é só o que vos peço.

as linhas

quando desenhas as linhas
do meu desgosto

sei que a manhã desperta
as minhas mãos no teu rosto


se na minha face rugosa alinhas
os dedos do carvão que se desfaz
ao vento da janela aberta


chego de asas caídas onde tu já nem estás

Quando voltamos ...




... já somos outros. Mas não sabemos falar disso.
Voltamos ao mesmo? Porque não fizemos mais que várias meias voltas e não desatámos os nós da língua para que tudo ficasse na mesma? Sei lá.
SInto uma infinita piedade por mim mesmo. Os outros dedicam-me uma certa piedade compreensiva e não acredito em mais que isso. Nunca compreendo nem aceito o risco do meu tempo a seu tempo. É um sinal e um ferrete.

vou sair



Por alguns dias vou sair. Vou até à Covilhã, fazer parte do enxame de professores de Matemática (no ProfMat). Não há melhor conforto.

Silêncio concertante

De vez em quando, lembro-me do Conservatório de Música de Aveiro. Há quem o veja como casa construída e instruída para a música. Mas olhando melhor, a casa da música foi devassada e devastada por uma fúria desconcertante. Da casa instruída para a música sobra um miolo dedicado à música. Lembra-me o conservatório que a música é um assunto incapaz de encher a sua casa, como se fosse a casa a apertar a música até esta se resignar à tacanhez. A surdez cultural é política, obra de políticos, tanto de ministros como de autarcas. Se em geral nos sabemos analfabetos, imaginem o que seria se contássemos a educação e a cultura musicais. A começar pelo primeiro-ministro, sabemos de que barro musical se fazem os responsáveis. Sobra-lhes o voto do espectáculo e esse, para ser notado, pode ser importado e ser pimba e pode até ser só pirotécnico para apagar as estrelas e os murmúrios da noite fecunda.

Nos últimos tempos, estamos preocupados (como é nosso dever!) com as desgraças das colocações dos professores dos ensinos básico e secundário. Mas alguém sabe como são colocados os professores dos conservatórios, se há quadro, que tipos de contratos celebram os professores, em que prazos, como são pagos? Ainda mais do que todos os outros, os músicos e professores de música têm quadros desajustados, contratos de favor ou quase, em completa desarticulação com os restantes segmentos de educação e ensino. Se existe, a vida dos conservatórios é desconcertante.

As escolas profissionais de música e os departamentos especializados no ensino superior não substituem nem sequer menorizam o papel das academias de música locais e os conservatórios regionais. Nada existe em Aveiro que possa substituir o Conservatório no seu papel.
Discutimos muito o ensino artístico e, em especial o sempre marginal ensino da música e formação do gosto, quando discutimos a revisão curricular nos governos de António Guterres. Já tínhamos discutido no tempo de Cavaco Silva e tinham-se dado passos tímidos na articulação geral e de contratações de professores. Não ouvimos falar do assunto nas alterações à revisão curricular. Ou tudo está bem, ou está tão mal que... o doente já não fala e... nem se fala disso.

Está aí alguém?


[o aveiro; 30/09/2004]

crítica improvisada

Fui (ou)ver os improvisos - space2004part#2 - a'o navio dos espelhos. A minha curiosidade ia para a forma em que caberia o sax do João Figueiredo e senti algum desconcerto confortável com a possibilidade de ter identificado monólogos amigáveis ao meu gosto e ter gostado de algumas discussões (improvisadas) a dois e a três. [Nas grandes peças(?), as discussões (entre instrumentos e instrumentistas ou mesmo entre naipes) são as minhas preferidas.] Gostei de ouvir e é verdade que fico convencido pela criação de ambientes sonoros electrónicos a partir de pequenas coisas como as que o João Martins faz. Há alguma delicadeza insegura nos gestos e na pose, entre o que não é e os saxofones que tanto melopeiam carícias de vento como atropelam todo o sossego. Gosto do João Tiago a oscilar entre o afago das peles esticadas e... a violência explosiva e logo contida pela desistência a dar lugar aos sopros e sussurros. Em alguns momentos, impovisamos não estar ali porque passamos ao que so(nha)mos e onde estamos não é mais que uma paragem na passagem para outro lado.


A vida modesta dos experimentadores é provada nestes espaços tipo "intensamente livre" que era o nome da povoação a ver-se por trás dos músicos. Há alguma coisa de mágico nestes pequenos senões e serões. E uma livraria pode mesmo ser uma "livreria", um navio para as viagens que fazemos mesmo aqui para o outro lado dos espelhos que nos reflectem no que vale a pena.

amarei

das patas
da aranha amarei os pêlos na sopa
quando a devolvo à copa
para que a aranha inteira a enriqueça

e eu, enfim, rejuvenesça

até andar de gatas


dos que improvisam no que é de improvisar.

Em Aveiro, na livraria o navio dos espelhos , mesmo ao lado do Teatro Aveirense, há música na próxima sexta feira. Eles esclarecem:


>>>24.Set.sexta. 21h00
Space 2004 # part 2 festival de música experimental e improvisada
Improvisação: João Figueiredo.sax, João Martins.sax, João Tiago.bat
Festival de MÚSICA onde procuramos abordar os novos rumos da música contemporânea, possibilitados quer pela via da experimentação/improvisação quer pelas novas tecnologias digitais. Uma plataforma de ensaio de formas e formações musicais.
Organização: Rock'n'Cave


Encontrei n'o navio dos espelhos alguns dos livros de poesia que tinha deixado de encontrar por aí. E alguns discos também. E encontrei-a aberta numa noite em que tentávamos (sem conseguir) encontrar o teatro aveirense aberto. Não é fantástico?

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