de que me lembro, em chamas, os dias
Há semanas velozes. Esta semana, para além da minha vidinha, dei comigo a reunir com os pais dos estudantes que trabalham comigo e também com os pais de crianças do agrupamento de válega, perto de ovar. Há encontros em que me sinto em casa. Quando dou por mim, estou perdido em meio de conversas onde se cruzam desesperos de desemprego e insegurança, brinquedos de crianças e formas de aprender, apoios sociais, e... alegria, muita alegria jocosa temperada por castanhas e jeropiga. Não tenho pressa de voltar ao mundo dos sérios salvadores do mundo, porque é mais ou menos por ali que me posso salvar a mim mesmo. Noite magnífica, abençoada cavalgada pelas estradas, ainda que perdido na escuridão das novas estradas. (Que fiquem assim escuras! para que pulsemos com um céu polvilhado de luzeiros longínquos, que nenhum ministro queira inaugurar naquele troço, em que me perdi numa solidão magnífica e medonha, os candeeiros que apagam o céu).
No dia a seguir, subi ao calvário. IP5 e uma assistência que o não queria ser por ter desistido da matemática ou de tudo. Não foi a primeira vez que fui a Seia. Quem me convidou a lá ir talvez não tenha culpa e uma parte da sensação de desespero nesta ida e volta da vida venha de mim mesmo. Já me aconteceu ter assistências contra, mas pronta para algum tipo de luta. O tempo passou por mim e foi um soco que ao passar me deixou oco. O oco é uma falta insuportável.
E, em vez de outra coisa qualquer, a semana acaba com mais uma reunião de sábado. Hoje, sobra uma lentidão de um zigue-zague alquebrado.
Copio laboriosamente versos
Ainda não tem nome
mas há-de vir
decerto, o nome
atrás da fome
do que não está
por perto. E há-de ser aflita
a rosa nas traseiras,
um chão de vespas dentro
e uma noite inteira.
Copio laboriosamente versos de poetas. Os poetas dão-me o maior consolo. Provavelmente não há outro consolo ou a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer (mais ou menos assim escreveu Stig Dagerman. Um dia destes vou citá-lo ou transcrevê-lo - porque ele é tão desconhecido como os poetas que eu conheço). NOs poemas procuro um verso. Por vezes, leio centenas de páginas até que uma palavra vulgar me emociona... por estar ali: uma pérola no colo da mulher mais bela (sendo que a mais bela é a que amamos, quem sabe como amamos o verso e a pérola quando a vimos como um instante que nos toca nem sabemos porquê e o porquê não nos interessa).
Na escrivaninha lá está, de José Carlos Soares, o Chão de Vespas, pronto para ser lido: em busca do nome que há-de vir e ser a rosa nas traseiras, um chão de vespas dentro e uma noite inteira.
tarde tocaste
mas foi tão tarde
que é o tal fogo, o que arde
sem que o possas ver, o que me consome
e, quem sabe?, talvez me mate à fome.
lenda
- Pesquem que é um bom desporto!
Homens houve que acreditaram e fizeram
o melhor isco de homem morto.
Mais tarde disseram
que os peixes não morderam.
:-)
Os iscos usados na pesca desportiva
de mar salgado passaram pelas brasas
antes de serem petiscados em suas casas
pelas viúvas respectivas.
Orgulho e preconceito.
Trago os bolsos portugueses cheios de orgulho. Uns dizem-me que devo orgulhar-me por ter um português como chefe dos comissários europeus.
A barraca da primeira proposta de comissão em estilo rococó fez recuar Durão Barroso e os chefes dos governos da Europa do tipo Berlusconi, esse rapaz que, pela via do poder, se tornou imune à justiça do seu próprio pais. Também pelo partido do nosso ex-primeiro se passeiam algumas personagens do tipo foragido. Durão Barroso voltou com uma nova proposta de lista de comissários e esta acabou por ser aprovada no parlamento europeu.
Já aprovados pelo Parlamento, mas sem terem experimentado as cadeiras da comissão, os comissários começaram a pingar escândalos que recomendavam aos governos dos seus países que os não indicassem e ao nosso orgulho Durão que os não aceitasse caso lhe fossem propostos. Ficamos a saber que afinal não estamos sozinhos no mundo quanto a governos fracos de honra e ficamos a saber que o nosso chefe dos comissários aceita tudo o que os chefes dos governos lhe impõem. A comissária da concorrência está envolvida em vários processos de violação das regras e leis da concorrência. Argumento dos defensores da comissão: não está envolvida em mais do que 3 processos o que é uma gota de água no mar de milhares de processos em investigação. Não é espantoso este argumento a favor da desdita? Outro comissário até se esqueceu de referir que tinha sido condenado a pena de prisão e afastado de cargos públicos no seu pais. Orgulho no chefe português desta comissão tão qualificada?
Este orgulho que me propõem tem de ser escondido. É por isso que trago os bolsos cheios de orgulho.
2.
É mesmo preconceito da minha parte.
Interferem com os privados da televisão. Interferem com os serviços públicos de televisão. A primeira reacção dos tipos envolvidos é falar de outras interferências no passado e por outros partidos para não terem de explicar e assumir responsabilidade pelo que está a acontecer. Como se fosse natural dizer: outros foram piores que nós, deixem-nos ser um pouco trastes. E assim fazem com quase todos os problemas. São uns chatos pouco honestos untados num verniz que cheira mal. Não há pachorra.
É mesmo preconceito da minha parte e não consigo escondê-lo.
3.
E dizem-nos: porque não nos querem modernos como os outros selvagens da Europa?
Há civilização europeia e outra Europa. Na nossa Europa não esquecemos a experiência: os votos podem dar-nos o melhor da Europa, mas já nos deram o pior de tudo o que ela tinha para nos dar.
[o aveiro; 25/11/2004]
a viola
se soubesse tocar-lhe
abraço-a
assim como
se a embrulhasse
numa canção de embalar
antes de a acordar.
desenho, logo existe
Enquanto esperávamos no Guarany, li umas linhas de uma entrevista a René Thom
(Parábolas e Catástrofes que a Dom Quixote publicou na OPUS - Biblioteca de Filosofia. A tradução perde ou ganha por não ser cuidada do ponto de vista da matemática?)
e, como sempre, fui desenhando
desenho, logo existe
o luar contigo
é o desenho
de um luar comigo
desencontros tanto acontecem
ao luar contigo
como ao luar comigo
:-)
Nenhuma orelha te arde
por eu me pensar contigo.
Contra praga de cobarde
nem precisas de abrigo.
ainda agora aqui cheguei!
Uma mensagem diz-me que eu devia ter mandado até hoje o artigo que já devia ter ido não sei quando.
Outra diz-me mesmo o que eu devia ter feito e com quem devia ter falado onde estive ontem e hoje.
Outra ainda me diz que se não existisse, tinha de ser inventado.
E há um amigo que me manda uma mensagem cujo assunto é Fw: O meu amigo Arsélio. Há mesmo quem me tenha mandado uma pergunta que só pode ser uma provocação. Aqui deixo o teor dessa mensagem:
Desculpem mas eu tenho aqui um perguntinha para vos fazer. Não será nada de complicado.
Concordam com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?
Ontem e hoje estive no Congresso das Cooperativas Portuguesas em Santarém.
Para partir foi uma aflição de aventuras de chaves fechadas a sete chaves portas a dentro das portas que é preciso abrir para as apanhar, enquanto me ia mantendo agarrado a papéis que afinal não foram enviados e nem sei onde estão.
Eu já não tenho idade para partir.
Aprendi por lá como aprendo sempre. E vi algumas pessoas que de outra forma não veria. Até vi uma pessoa que só pode não me ter reconhecido por já não se reconhecer a si mesmo. Porque passaram os anos e nós passámos com eles.
Oficial desmentido
Depois de ter estado em governos a defender o sigilo bancário como forma de cativar os investidores estrangeiros e nacionais, vem agora dizer-nos que para o ano não há sigilo bancário para ninguém. Disseram mesmo os comentadores que a esquerda ficou cativa das medidas felixes, rigorosas, populares e de controle do capitalismo selvagem ou dos selvagens capitalistas. O homem foi tão longe que até disse acabar com os benefícios fiscais dos ricos naquelas coisas chamadas poupanças ditas PPR, PPR-E, PH, etc. Os capitalistas que se cuidem.
Para fazer umas obras na cozinha cooperativa, lá tive de ir ao banco ver se havia poupanças e pedir empréstimo para pagar o que as poupanças não cobrem. Recomendaram-me que reforçasse a poupança-habitação até ao fim do ano e fiquei a saber que aquela coisa do fim dos benefícios fiscais ainda não era e que as medidas felixes não entram no orçamento de 2005.
Percebia pouco disto, percebo menos agora. Perplexo, comecei a ver cartazes do banco do estado, a caixa geral de depósitos, um pouco por todo o lado a incitar-nos a todos a fugir ao fisco, usando poupanças. O mais delirante de todos dizia: "Brasil - o novo paraíso fiscal para quem quer poupar nos impostos." E eu a pensar que os capitalistas portugueses eram aconselhados a fugir para o Brasil. Mas não! O banco do estado português esclarece no mesmo cartaz a politica da campanha: "Paraíso fiscal é poupar nos impostos e ainda ganhar viagens. Este ano, poupe até ?2691 no IRS com as Soluções de Poupança Fiscal da Caixa e habilite-se ao sorteio de viagens a sítios paradisíacos. E se antecipar os investimentos até 10 de Dezembro, multiplicará as hipóteses de ser premiado". O banco do estado promove o pais como paraíso fiscal. Onde está o Félix nisto tudo?
Os velhos como eu achavam que o governo devia ser de homens e mulheres de uma só palavra que, para alem de o serem, tinham de parecer sérios e com espírito de serviço. Há uns anos, começou a valer a ideia que não podia desrespeitar a lei e era conveniente parecer sério quem quisesse ser governante.
E agora?
[o aveiro; 18/11/2004]
(d)escrevo, logo existe; mas a que sabe?
E tendo aprendido a desistir do que há de sagrado em mim,
- aquilo a chamo desejo volátil, santidade do corpo em si ou da vida vivida por si mesma no acerto ou concerto com as vidas dos outros -
todos os dias me resigno a ouvir os passos dos que se afastam, sem que me levante para os seguir.
Isto não interessa, eu sei. E apesar de saber que nada interessa, escrevo-o para que passe a existir o sem interesse
- porque afinal o sem interesse é a minha vida - única e irrepetível.
Estas frases afirmam e provam a existência. Não quero provar a unicidade. Provar, provar ... só a existência. E continuar sem saber, sem conhecer ... o sabor.
devastado
I will show you fear in a handful of dust.
Frisch whet der Wind
Der Heimat zu
Mein Irisch Kind,
Wo weilest du?
"You gave me hyacinths first a year ago;
'They call me the hyacints girl.'
- Yet when we came back, late, from the Hyacinth garden,
Your arms full, and your hair wet, I could not
Speak, and my eyes failed, I was neither
Living nor dead, and I knew nothing.
Looking into the heart of light, the silence.
Oed' und leer das Meer.
[T. S. Eliot; The waste Land]
o desejo volátil
[Vila-Matas; Batleby & Companhia]
estagnardia
Acordo ainda mais cansado ao ter de reconhecer que tudo recomeça uma e outra vez na cabeça que é onde precisamos de travar e é onde não há travões... onde não há travões. Eu posso decidir que não dou mais um passo e deixar-me adormecer paralisado nesse instante mágico em que decido sobre o meu corpo. Mas a imaginação é o filme que passa contando-me tudo o que fui e tudo o que não serei por ser incapaz de ser o dia seguinte de mim.
.... em saco roto
Como Novalis disse ...
é porque não sou um saco roto
se acordar
como só ela sabe
eu hei-de saber calar-me
no colo em que meu sonho cabe.
se acordar?
sonho acordado.
lutas de família
Nos idos de 70 do século passado, contra a queima e contra a guerra, ao lado de Pacheco Pereira militavam os pais do meu filho.
tisana 17
Era uma vez uma chave que vivia no bolso de um homem. Durante muito tempo desempenhou com honestidade o seu trabalho de abrir portas. Até que um dia descobriu que todo o seu trabalho tinha consistido sempre em abrir portas que já estavam abertas. Quando descobriu isso lançou-se corajosamente para fora do bolso. Caíu no chão. Ficou ali. Passa uma criança vê a chave e diz que coisa tão engraçada para fazer um carrinho.
Porque somos felizes?
Na minha vida de professor, isto acontece. Porque eu explico mal. Ou, mais frequentemente, porque os estudantes não querem saber como é que as coisas se fazem, como é que elas aparecem ou como é que escolhemos uma possibilidade entre várias. Também não querem muitas vezes saber porque é que a escolha convencional funciona. Basta-lhes que funcione para os efeitos que o professor desejar.
Em cada falhanço destas tentativas pedagógicas, apetece desistir. Mas nunca desisto, porque é possível que numa destas tentativas um estudante dê um salto para lado do processo do pensamento científico.
Os políticos todos pensam que o povo não quer saber dos processos, nem está apto a percebê-los. Pensam que o povo quer saber do que funciona ou não. Os políticos dizem ao povo o que pensam que ele quer ouvir, ainda que seja mentira. Desistiram tão radicalmente da verdade que dizem ao povo que os impostos vão descer (ainda que seja mentira) e enervam-se se os investidores e decisores europeus ouvirem o que foi dito ao povo em vez de lerem só a verdade que está escrita nos papéis onde a verdade se esconde da compreensão do povo.
De cada vez que há eleições, quase chegamos a pensar que estes políticos têm razão. De cada vez que falhamos com os estudantes, quase desistimos de explicar para impingir a receita.
Somos felizes, porque não desistimos.
[o aveiro; 11/11/2004]
nada me custa mais do que corrigir provas... de amor
procuro o certo e o errado ou o que escondes?
Eu não quero saber o que é certo ou o que é errado
nem quero virar o ar dos sons para vibrar por outro lado
Sou eu quem se desfaz em tinta vermelha verdadeira
chorando sangue sobre a tua resposta azul certeira
a não esperada
ou a não desejada
ou o contrário de tudo ... que é nada.
o homem que não aprendeu a nadar.
é ele quem o diz, quando olha para o tempo que passou, e diz também:
- só tenho pena de não ter aprendido a nadar. mas não tive iniciativa!
para continuar:
- de resto só tenho pena de ter tido a iniciativa para o resto das coisas da vida, de tal modo que não sei, por exemplo, se há alguém que goste de mim. nunca houve quem tomasse a iniciativa e me dissesse
- eu gosto de ti, desejo-te, amo-te!
ou coisa assim. sei agora, a olhar para trás que fui eu quem andou a insistir que é o mesmo que ter andado a mendigar amor, amizade, etc.
provavelmente ninguém gosta de mim e só conheço quem cedeu às minhas insistências para não ter de me aturar a tristeza e não ser capaz de me desprezar.
- só tenho pena de não ter aprendido a nadar!
é ele quem o diz.
e eu penso que ele o diz porque não precisa realmente de ter vontade para se afogar. basta deixar-se cair.
- estes anos já cá cantam!
é ele quem o diz, como se os dias e os anos tivessem caído do nada para nada.
Diz a lenda sobre Lîlavatî
Um dia Lîlavatî foi pedida em casamento por um jovem de Dravira, honesto, trabalhador e de boa casta. Fixou-se com grande júbilo a data da boda e marcou-se a hora no cilindro que tinha um pequeno orifício na base e estava aberto na sua parte superior. O cilindro introduzia-se num vaso cheio de água e o nível desta, enquanto subia, marcava as horas na sua superfície interior. No dia assinalado para a boda, Bhâskara colocou cuidadosamente o cilindro marcado no vaso cheio de água. Lîlavatî, curiosa, debruçou-se para espreitar a subida do nível de água e nesse momento uma pérola do seu colar caíu dentro sem que alguém desse por isso. Com tal má sorte que a pérola obstruíu o orifício e o dia passou sem que a hora da boda tivesse sido assinalada pelo nível da água. Assim se cumpriu o sortilégio e Lîlavatî ficou solteira para sempre.
Foi então que seu pai se propôs escrever um livro que sobrevivesse à desejada descendência da sua querida filha.
Lîlavatî, de Bhâskara, é o livro que sobreviveu a Lîlavatî.
Esta é a resposta atrasada ao comentário de André Carvalho sobre o problema 55 de Bhâskara que o André Moreira prontamente resolveu, cedendo ao romantismo histórico dos matemáticos.
eu não tenho gato
Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?
[António Gedeão]
sob a pele
quando apenas a pele havemos convocado
mas quanto mais a pele a vemos sem disfarce
mais sob a pele apela o sangue amotinado
Quem nos faz de repente esta rampa temer
da cópula de um dia à cúpula do dia
Porque há-de sob o sangue a alma estremecer
se decretámos nós que ela não existia.
David Moura Ferreira
Porquinho da Índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-Índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
levava ele pra a sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-Índia foi a minha primeira namorada.
Manuel Bandeira.
Morro do Encanto
Falta a morte chegar... Ela me espia
Neste instante talvez, mal suspeitando
Que eu já morri quando o que eu fui morria.
Petrópolis, 21-12-1953
Manuel Bandeira: Nocturno do Morro do Encanto.
O pecado.
e eu transcrevo
Não sejamos hipócritas. A mais válida das razões para recusarmos a herança judaico-cristã é também a mais simples: a preguiça é um dos seus pecados mortais.
hoje.
Os dias depois do dia antes.
Ainda não sabemos. No momento em que escrevemos não sabemos. O Jorge ou o João? Qual deles será o próximo presidente dos Estados Unidos? Podemos tratá-los familiarmente assim em português e tudo. Afinal, as eleições para presidente dos EU são travadas em todos os cantos do mundo. Travadas é o termo certo, porque é de mais ou menos guerras que tratamos quando falamos das eleições do João e do Jorge.
Quando esta crónica sair impressa no jornal é possível que já se saiba. Ou que nada se saiba e se ande a contar e a recontar os votos para apurar o vencedor. Já foi assim quando o Jorge chegou a presidente pela primeira vez. E então também já se perderam e se encontraram votos onde menos eram esperados. Tal como está a acontecer agora.
A única verdadeira novidade é que estas eleições são tão globais que até Bin Laden, o inimigo mais chegado de Jorge (Bush), veio mostrar interesse e empenho nas eleições americanas. Só faltou dizer ao povo americano: votem no Jorge que é ele quem mais quer jogar comigo ao terror e ao jogo do mais - mais ricos de um lado, mais pobres cada vez mais pobres de outro.
Esta foi a semana antes.
[2. Voos domésticos.]
A meio do seu mandato para que tinha sido eleito, Durão virou as costas e foi para comissário a bordo do Europa. Para lá anda, com seu beicinho ?tem-te que não caias?. Depois de nos ter deixado, como presente envenenado, um projecto de primeiro ministro com um palmarés brilhante na passerelle dos presidentes modelos de câmara. De facto, ele, o Santana, passou ou passeou por duas câmaras de cidades cosmopolitas antes dele e ?altamente? depois dele. Ainda houve quem protestasse e tentasse convencer o nosso Jorge a não aceitar o presidente-modelo. Mas o nosso Jorge foi insensível aos protestos e nomeou Santana Lopes para que este formasse governo. Assim, sem passar por eleições, Santana chegou a primeiro ministro contra todas as previsões mas tendo a seu favor muitas pressões e muita vontade de entrar em qualquer jogo da glória. Até à semana passada, ainda era uma vergonha nossa, um problema domestico, quase privado,
Mas tudo mudou. Santana Lopes foi a Roma assinar a Constituição Europeia aparentemente em nome do governo e do povo português. Para a história, ficará a assinatura a ouro de Santana Lopes nas actas romanas. O Santana está nas alturas. E eu vou, de olhos no chão, assobiando pelas ruas da amargura a disfarçar, para que não me misturem com os farsantes vendilhões do templo de onde não são varridos pela história mal contada.
Resta-me escolher Não quando vier o referendo sobre a dita Constituição. Digo já. Não há qualquer conspiração nisto.
Esta foi a semana depois.
[o aveiro; 4/11/2004]
a garça que caminha
desajeitadamente reequilibrado com o bater das asas.
o boi tem olhos conformados ao corpo pachorrento.
uma tremura por dentro da pele macia avisa as asas da garça:
podemos caminhar juntos, voar é que não!
as ideias.
e as tormentas por que passo.
eu sou o navegador
que inventa o cabo e o dobra.
da tirania e da cobardia
Não resisto a transcrever, com a devida vénia:
"Grande Reportagem" de há duas semanas denunciava uma história de terror, dessas que se lêem e não se acredita. Ou melhor, não se quer acreditar. Um jovem - de nome Diogo - quartanista de Arquitectura fora praxado até à morte pelos colegas da Tuna Universitária a que pertencia. O caso a que João Cândido da Silva já se referiu, na sua última crónica, com o sugestivo subtítulo de "Javardos", passou-se em Portugal vai para três anos. Só agora, ultrapassado o doloroso luto, saltou para os jornais, denunciado pela família num justificado alerta contra essa coisa sinistra dos rituais praxistas que continuamos a fingir não ver. Rituais que já começam a invadir o próprio ensino secundário, onde exibem a mesma ou pior violência. Fica assim minada toda a formação da personalidade de gerações inteiras dos nossos miúdos.
A reportagem justificava o editorial de Joaquim Vieira "Cultura rasca". Contra ele escreve violentamente, na edição desta semana, uma jovem socióloga de 26 anos a frequentar o mestrado. Lemos e voltamos a não querer acreditar.
Em sua defesa, e dos da sua geração, a leitora começa por alertar para o seguinte: "os nossos valores são incutidos pela sociedade que foi por vós constituída". Embora o argumento seja lapalissiano só posso concordar e partilhar a culpa na parte que me toca. OK. Posso até concordar com o argumento seguinte: o que se passou não foi "praxe", foi sobretudo um "crime" que a Justiça com a inoperância habitual, exercida por várias gerações (e não por uma única geração como sustenta a jovem), foi incapaz de castigar. E isso é grave. Gravíssimo. Mas, logo a seguir, a mestranda tenta exibir a sua superioridade moral afirmando o seguinte: "Ao invés do Diogo, optei por me impor (sublinhado meu) e recusei participar nas praxes, sem nunca ser posta de parte. Limitei-me a aparecer nas aulas após o fecho das praxes, alegadamente por estar doente. No harm done diriam os ingleses".
Chegámos ao ponto. Posso até admitir que não tinha outra solução senão fugir para não enfrentar o gang acéfalo e maioritário. Nem sempre a fuga é pura cobardia, mas a fuga travestida de colaboracionismo, para gozar dos privilégios inerentes, só pode ter esse nome.
Para esta jovem, que se faz porta-voz de uma geração, "impor-se" resume-se à adopção do comportamento desprezível mas corriqueiro de apresentar atestado médico falso. Estamos entendidos! Fica explicada a tendência compulsiva para a doença falsa e fica-se a perceber melhor por que raio a nova geração de professores, em busca de colocação, pode subitamente surgir tão achacada.
Enfrentar o "sistema", mesmo o mais injusto, dá, no mínimo, muita chatice. Além disso, corre-se o risco de poder ficar à margem do rebanho, sem direito à festa, à borga, aos copos (lá se ia a companhia para as ponchas da Madeira que a jovem académica diz tanto apreciar). E claro, lá se iria também o traje.
Dizer "não", como a minha geração era useira e vezeira, pode sempre trazer problemas ao enfrentar a turba, recusar a humilhação, denunciar, não pactuar com o sistema de abuso abjecto dos mais fracos imposto por uma ordem absurda onde a "antiguidade" é um posto e a burrice assumida premiada na dupla categoria idiota dos "veteranos".
Na minha geração os que "optavam" assim tinham um nome: cobardes, como diriam os portugueses. "Cowards" na versão anglo-saxónica...
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GEOMETRIA : A curva do ingénuo revisitado (geogebra) : Revisitamos "31 de Janeiro de 2005" de entrada ligada a texto de setembro ...
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Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
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eu bem me disse que estava a ser parvo por pensar que só com os meus dentes chegavam para morder até o futuro e n...