o caso independente
A Independente é um caso. Mais um caso. Quando ouvimos falar os responsáveis e ex-responsáveis daquela Universidade ficamos sem fala. Sem qualquer ponta de vergonha, os amigos de ontem esfrangalham as hipóteses de honra que sempre se presume existir em responsáveis por estabelecimentos de ensino homologados pelo nosso governo. Num combate sem tréguas, travado num terreiro de lama, os frangos velhos dizem quem são quando falam de si mesmos e de cada um dos outros. Mais claros ainda, quando falam de milhões, de dinheiros mal parados ou de origem duvidosa para não dizer tenebrosa, quando dizem eles mesmos o que fizeram por cada um dos outros com o dinheiro de quem não sabemos. Pela boca do escol da universidade independente, ficamos a saber de que escola se trata. Cada um deles é dono daquilo, cada um deles está cheio de papel, de razão, de despachos, de processos em segredo de justiça e sem segredo nenhum, acções entregues e depositadas aqui ou ali em algum vão da escada da justiça portuguesa.
Por uns tempos, a universidade independente fica fechada e, em vez das aulas dos professores, os estudantes assistem a aulas dadas pela televisão, em directo da boca do magnífico reitor ou de algum magnífico qualquer outra coisa. Em directo também, assistimos a uma cerimónia de reabertura das actividades da universidade com as aves raras fardadas de negro com enfeites amarelos nos chapéus magníficos. Quando assim aparecem, ficamos mudos de espanto. Mais espantados ficamos com a nomeação de alguns figurões pescados da imensa lista dos novos figurantes negociados sob a pressão do fragor dos combates dos frangos que se depenaram em público até termos visto as vergonhas que as togas nunca conseguirão esconder.
Cada um dos três melhores deste processo independente disse de cada um dos outros que é gatuno, sem esquecer menções especiais aos membros da família do citado. Esta universidade continua e continuará aberta e como universidade, porque o governo homologou cursos e graus e há jovens envolvidos cujos interesses têm de ser acautelados. Já não é a primeira forma de universidade que sobrevive por via desta chantagem, com prejuízo para todas as instituições de ensino superior.
Será que não há outra maneira de acordar destes pesadelos?
[o aveiro; 8/03/2007]
Por uns tempos, a universidade independente fica fechada e, em vez das aulas dos professores, os estudantes assistem a aulas dadas pela televisão, em directo da boca do magnífico reitor ou de algum magnífico qualquer outra coisa. Em directo também, assistimos a uma cerimónia de reabertura das actividades da universidade com as aves raras fardadas de negro com enfeites amarelos nos chapéus magníficos. Quando assim aparecem, ficamos mudos de espanto. Mais espantados ficamos com a nomeação de alguns figurões pescados da imensa lista dos novos figurantes negociados sob a pressão do fragor dos combates dos frangos que se depenaram em público até termos visto as vergonhas que as togas nunca conseguirão esconder.
Cada um dos três melhores deste processo independente disse de cada um dos outros que é gatuno, sem esquecer menções especiais aos membros da família do citado. Esta universidade continua e continuará aberta e como universidade, porque o governo homologou cursos e graus e há jovens envolvidos cujos interesses têm de ser acautelados. Já não é a primeira forma de universidade que sobrevive por via desta chantagem, com prejuízo para todas as instituições de ensino superior.
Será que não há outra maneira de acordar destes pesadelos?
[o aveiro; 8/03/2007]
à falta de melhor luz
Já há mais horas de luz foi o que me disseram ontem, quando saía de uma reunião de trabalho. Naquela sala, a luz do sol entrou desaforada para aquecer e para cegar. De tal modo, que algumas crianças que queriam ver-me e ao quadro branco tiveram de procurar um lugar mais para dentro na sombra da casa grande.
Para compensar, segunda e terça, a luz eléctrica foi e veio sem aviso. A tardinha de terça apanhou-me sentado tacteando as teclas da máquina de escrever. Estou convencido que posso escrever sem olhar para o teclado. E chega a ser verdade quando nem penso nisso, embora troque muitas vezes a ordem das letras seguidas se uma vier de um dedo da mão esquerda e outra vier de dedo da mão direita. Mas quando é mais preciso mostrar essa habilidade é que as coisas não correm mesmo nada bem e dou por mim incapaz de escrever correntemente se me falta a luz como está a acontecer enquanto escrevo este texto. Nestes momentos, lamento ter desprezado a possibilidade de comprar um computador com teclas a brilhar contra o escuro. Não, não me chega o branco brilhante da folha branca onde estas letras se alinham.
Sei, por isso, que a minha escola de dactilografia não bastou para escreviver num mundo sem luz . Será que eu passaria imediatamente a ser capaz de escrever se me tornasse incapaz de ver? Quem me dera que nunca o venha a saber!
Aqui ao lado, há quem tire do teclado do piano uma melodia contra a noite escura. Vibrante, ouço um texto ocupar o ar. Há textos que eu gostava de ter escrito para serem música. Não, não são grandes textos os que a melodia sugere. São os textos que só ganham sentido como parte de um bordado de sons.
Nesta escuridão, os meus dedos escrevem sobre a luz de que me falaram e eu senti na ternura da manhã clara, dos sons que se juntam para guiar as mãos capazes de bordar sons quando falta a luz. De certo modo, estou a aproveitar a oportunidade da falta de luz para falar do que simplesmente falta. Para não falar do assalto feito pelos meliantes e comediantes que entram na casa da minha cabeça pela porta da frente, olhos e ouvidos, capazes de todas as ofensas e vandalismos. Talvez a falta de luz me obrigue a descansar até que o sol volte.
Oh! Veio a luz e está na hora do telejornal. Voltemos à vida eléctrica.
[o aveiro; 01/03/2007]
Para compensar, segunda e terça, a luz eléctrica foi e veio sem aviso. A tardinha de terça apanhou-me sentado tacteando as teclas da máquina de escrever. Estou convencido que posso escrever sem olhar para o teclado. E chega a ser verdade quando nem penso nisso, embora troque muitas vezes a ordem das letras seguidas se uma vier de um dedo da mão esquerda e outra vier de dedo da mão direita. Mas quando é mais preciso mostrar essa habilidade é que as coisas não correm mesmo nada bem e dou por mim incapaz de escrever correntemente se me falta a luz como está a acontecer enquanto escrevo este texto. Nestes momentos, lamento ter desprezado a possibilidade de comprar um computador com teclas a brilhar contra o escuro. Não, não me chega o branco brilhante da folha branca onde estas letras se alinham.
Sei, por isso, que a minha escola de dactilografia não bastou para escreviver num mundo sem luz . Será que eu passaria imediatamente a ser capaz de escrever se me tornasse incapaz de ver? Quem me dera que nunca o venha a saber!
Aqui ao lado, há quem tire do teclado do piano uma melodia contra a noite escura. Vibrante, ouço um texto ocupar o ar. Há textos que eu gostava de ter escrito para serem música. Não, não são grandes textos os que a melodia sugere. São os textos que só ganham sentido como parte de um bordado de sons.
Nesta escuridão, os meus dedos escrevem sobre a luz de que me falaram e eu senti na ternura da manhã clara, dos sons que se juntam para guiar as mãos capazes de bordar sons quando falta a luz. De certo modo, estou a aproveitar a oportunidade da falta de luz para falar do que simplesmente falta. Para não falar do assalto feito pelos meliantes e comediantes que entram na casa da minha cabeça pela porta da frente, olhos e ouvidos, capazes de todas as ofensas e vandalismos. Talvez a falta de luz me obrigue a descansar até que o sol volte.
Oh! Veio a luz e está na hora do telejornal. Voltemos à vida eléctrica.
[o aveiro; 01/03/2007]
Tudo e nada nem ninguém
Nem sempre o que acontece no Carnaval pode passar por brincadeira. Ainda que de mau gosto, brincadeira?
Um governante regional fez de bobo em carnavais vários. Com a sua participação nos corsos carnavalescos encarnava o seu verdadeiro papel e mostrava que a razão para ser eleito estava em ser presidente de um carnaval regional, ser o dedo gordo de um país inteiro que exibe a pérola do atlântico presa num anel como se fora uma aliança.
Nada mais apropriado que o carnaval para anúncios de demissão e de eleição do governante regional. Já confundido com um eterno carnaval, o governante regional cacareja agora o seu instante de glória suprema. Sabe ele que o seu poder jorra de várias fontes, sendo que de uma delas jorra a notícia que é o poder unipessoal quem distribui migalhas pela ilha como chuva miudinha de riqueza, recolhida em chapéu alto de palhaço rico, atraída pelo espectáculo ruidoso do gordo bonacheirão em fato brilhante.
O governante está na ilha onde a extrema miséria social partilha um território promíscuo, contíguo ao desaforo de uma exótica vilanagem que não se farta. Fartos de saber de que barro se faz o populismo mais boçal, os tiranetes de carnaval marcaram à dentada arraiais e mesas populares em todos os cantos do território.
Dizem-nos que, em termos relativos, a região do governador de carnaval está entre as regiões de maior produto interno bruto. Neste carnaval, o governante regional contesta ao seu modo carnavalesco a lei da nação que altera a distribuição da riqueza, não mais que um nada do todo. Com a sua demissão, o governante ensaia uma saída, uma tocaia para o glorioso regresso aos ombros da costumeira maioria absoluta. Jogos. Demissão, recandidatura... plebiscito.
O governante do carnaval sabe que pode esperar os votos garantidos sobre o abuso e o uso capião. E sabe que pode contar com o bom partido que o seu partido é. Pode ter acabado com todo o decoro, pode ter assassinado toda a boa-educação, pode ter gritado ofensas aos ouvidos de todos, contra todos e a sua própria família... partidária. Mas ele sabe que o casamento partidário não treme. Casamento?
Nem sempre o que acontece no Carnaval passa por brincadeira. Afinal o todo é feito de tudo e nada nem ninguém. Não é?
[o aveiro; 22/02/2007]
Um governante regional fez de bobo em carnavais vários. Com a sua participação nos corsos carnavalescos encarnava o seu verdadeiro papel e mostrava que a razão para ser eleito estava em ser presidente de um carnaval regional, ser o dedo gordo de um país inteiro que exibe a pérola do atlântico presa num anel como se fora uma aliança.
Nada mais apropriado que o carnaval para anúncios de demissão e de eleição do governante regional. Já confundido com um eterno carnaval, o governante regional cacareja agora o seu instante de glória suprema. Sabe ele que o seu poder jorra de várias fontes, sendo que de uma delas jorra a notícia que é o poder unipessoal quem distribui migalhas pela ilha como chuva miudinha de riqueza, recolhida em chapéu alto de palhaço rico, atraída pelo espectáculo ruidoso do gordo bonacheirão em fato brilhante.
O governante está na ilha onde a extrema miséria social partilha um território promíscuo, contíguo ao desaforo de uma exótica vilanagem que não se farta. Fartos de saber de que barro se faz o populismo mais boçal, os tiranetes de carnaval marcaram à dentada arraiais e mesas populares em todos os cantos do território.
Dizem-nos que, em termos relativos, a região do governador de carnaval está entre as regiões de maior produto interno bruto. Neste carnaval, o governante regional contesta ao seu modo carnavalesco a lei da nação que altera a distribuição da riqueza, não mais que um nada do todo. Com a sua demissão, o governante ensaia uma saída, uma tocaia para o glorioso regresso aos ombros da costumeira maioria absoluta. Jogos. Demissão, recandidatura... plebiscito.
O governante do carnaval sabe que pode esperar os votos garantidos sobre o abuso e o uso capião. E sabe que pode contar com o bom partido que o seu partido é. Pode ter acabado com todo o decoro, pode ter assassinado toda a boa-educação, pode ter gritado ofensas aos ouvidos de todos, contra todos e a sua própria família... partidária. Mas ele sabe que o casamento partidário não treme. Casamento?
Nem sempre o que acontece no Carnaval passa por brincadeira. Afinal o todo é feito de tudo e nada nem ninguém. Não é?
[o aveiro; 22/02/2007]
nem bem que não acabe?
Para pior, já basta assim.
Quando estamos apanhados no delírio de uma gripe entusiástica, não nos vêm à memória frases batidas. Nada nos vem à memória. Enrolamos o que nos sobra de dignidade num lençol molhado e soçobramos, deixamos o corpo afundar na solidão do vale de lágrimas choradas por todos os poros. O corpo tudo faz para se afogar. Desses dias de puro desvario febril, não guardo memória de qualquer esforço que tenha feito para voltar a respirar, assobiar ou cantar. Deixava-me ir até à porta. Nem guardo memória de qualquer dor real. Sei onde estive por pura especulação a partir do que antes fora e do local onde me reencontrara depois. A fala e os gestos são mais cuidadosos por medo. A tosse ecoa na cabeça até esta ser uma caixa oca com as paredes a ameaçar ruína a cada novo ataque. A quem vive e trabalha comigo, dou um avanço para que possam fugir com segurança. Não guardo memória de guinada que dê novo sentido à vida. Nada terá acontecido que valha um esforço de memória.
Para melhor, está bem, está bem.
Dou por mim a desejar que uma parte do meu povo tenha querido conversar, para tomar decisões ou fazer escolhas sobre assuntos importantes. Não, não estive alheado dos debates sobre o referendo e nunca tive qualquer dúvida sobre a minha resposta à pergunta do referendo de domingo passado. Mas fiquei espantado com as leituras que se fizeram das palavras da pergunta. Uma parte importante do meu exercício profissional (e de cidadania, também!) depende da arte de perguntar e da vontade de responder a todas as perguntas. A pergunta de domingo precisava e merecia que a reflexão não fugisse dela. E fugiu-se até confundir as pessoas para que respondessem a uma pergunta sobre o segredo (in)confessável. O mais provável é que a última semana tenha sido apanhada em grande medida pela febre. Como eu tinha sido.
Mas não há mal que sempre dure.
Neste referendo, muito mais gente votou. E bem. Espero agora que governo e deputados actuem em conformidade com a boa vontade (expressa) da gente que "concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado". Pesadas e medidas, só estas palavras faziam a pergunta. Nenhuma mais. Nenhuma menos.
[o aveiro; 15/02/2007]
Quando estamos apanhados no delírio de uma gripe entusiástica, não nos vêm à memória frases batidas. Nada nos vem à memória. Enrolamos o que nos sobra de dignidade num lençol molhado e soçobramos, deixamos o corpo afundar na solidão do vale de lágrimas choradas por todos os poros. O corpo tudo faz para se afogar. Desses dias de puro desvario febril, não guardo memória de qualquer esforço que tenha feito para voltar a respirar, assobiar ou cantar. Deixava-me ir até à porta. Nem guardo memória de qualquer dor real. Sei onde estive por pura especulação a partir do que antes fora e do local onde me reencontrara depois. A fala e os gestos são mais cuidadosos por medo. A tosse ecoa na cabeça até esta ser uma caixa oca com as paredes a ameaçar ruína a cada novo ataque. A quem vive e trabalha comigo, dou um avanço para que possam fugir com segurança. Não guardo memória de guinada que dê novo sentido à vida. Nada terá acontecido que valha um esforço de memória.
Para melhor, está bem, está bem.
Dou por mim a desejar que uma parte do meu povo tenha querido conversar, para tomar decisões ou fazer escolhas sobre assuntos importantes. Não, não estive alheado dos debates sobre o referendo e nunca tive qualquer dúvida sobre a minha resposta à pergunta do referendo de domingo passado. Mas fiquei espantado com as leituras que se fizeram das palavras da pergunta. Uma parte importante do meu exercício profissional (e de cidadania, também!) depende da arte de perguntar e da vontade de responder a todas as perguntas. A pergunta de domingo precisava e merecia que a reflexão não fugisse dela. E fugiu-se até confundir as pessoas para que respondessem a uma pergunta sobre o segredo (in)confessável. O mais provável é que a última semana tenha sido apanhada em grande medida pela febre. Como eu tinha sido.
Mas não há mal que sempre dure.
Neste referendo, muito mais gente votou. E bem. Espero agora que governo e deputados actuem em conformidade com a boa vontade (expressa) da gente que "concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado". Pesadas e medidas, só estas palavras faziam a pergunta. Nenhuma mais. Nenhuma menos.
[o aveiro; 15/02/2007]
IX
Quando me dizes, amada, que em criança não agradavas
Às pessoas, e que a tua mãe te repudiou
Até teres crescido e desenvolvido, eu acredito -
Gosto de imaginar em ti uma criança singular.
Também à flor da videira faltam as cores e a forma,
Mas a baga madura encanta deuses e humanos.
Goethe; Erotica romana
Às pessoas, e que a tua mãe te repudiou
Até teres crescido e desenvolvido, eu acredito -
Gosto de imaginar em ti uma criança singular.
Também à flor da videira faltam as cores e a forma,
Mas a baga madura encanta deuses e humanos.
Goethe; Erotica romana
o que nomeia
posso trocar o teu nome sem te trocar pelo outro
que ao procurar-te
em teu nome convoquei
também posso trocar-te pelo nome
que a minha voz cala.
que ao procurar-te
em teu nome convoquei
também posso trocar-te pelo nome
que a minha voz cala.
ontem
ontem foi o dia da manuela. a meio da manhã, partimos para lisboa e acampámos na suprema, no vá-vá, para um lado e para outro, avenida de roma, alvalade, ... por ali para estarmos perto da manuela. de vez em quando íamos tocar à campaínha da casa da manuela. não, não era importante que ela nos respondesse ou que abrisse a porta. só precisávamos de estar por ali. não precisávamos de ser vistos nem achados. ontem foi o dia da manuela.
a sorte pequena
1. As boas notícias chegaram à câmara da capital. Uma barraca foi montada na capital da capital até ser pública e notória. Provavelmente, o acampamento está lá montado desde há muito e ninguém nos mostrava a fotografia. Finalmente, diários e semanários estão a informar-nos dos pormenores na fotografia do acampamento. Há mesmo indicações sobre quem finge nunca ter aparecido na fotografia.
E tudo se torna tão ridículo até nos tornarmos uma meia nação ridícula. Alguns actores destas corruptelas do filme da corrupção corriqueira nacional puseram-se em bicos de pés para serem arautos de uma nova era livre de toda a corrupção. Alguns actores que são também malabaristas aproveitaram a oportunidade para cavalgar uma oportunidade de poder. Quando é desvendada ou é mostrada à luz do dia, a corrupção transforma-se em circo. Os espectadores começam a seguir as peripécias das cenas que se sucedem vertiginosas na arena do circo até esquecerem o cheiro nauseabundo das traseiras onde se alimentam os felinos - corruptores e corruptos.
Já tínhamos visto algumas cenas do tipo noutras câmaras e vimos como se transforma a claridade em embrulhada.
2. As boas notícias chegam ao parlamento. Um deputado socialista prepara um pacote legislativo contra a corrupção. Os anúncios feitos sobre a produção da coisa, transformam a coisa em finalidade vital para quem propõe... Depois tudo se precipita quando o autor do pacote é convidado para um alto cargo no banco europeu para a recuperação e desenvolvimento. O deputado procura consenso em volta das suas propostas. Sobre o consenso (im)possível sai ao terreiro do parlamento o nosso primeiro e canta o que pensa sobre as propostas do deputado a caminho do cargo europeu. A maneira como o nosso primeiro solta a língua na câmara é considerada muito deselegante, mais ainda por não resistir a adjectivos que um governo não pode colar a quem vai para um cargo onde todos os adjectivos contam.
Porque será que o nosso primeiro pensou que precisava de diminuir quem estava na linha de partida? Porque será que tinha de diminuir tão claramente a bancada que o apoia e ainda mais o inefável chefe da dita?
O deputado parte com a consciência do dever contido. E a protecção dos rabos de palha não é descurada. Mantém-se a reserva. Se a corrupção está em todas as bocas, o combate à corrupção é só bocas, da boca para fora.
[o aveiro; 1/2/2007]
E tudo se torna tão ridículo até nos tornarmos uma meia nação ridícula. Alguns actores destas corruptelas do filme da corrupção corriqueira nacional puseram-se em bicos de pés para serem arautos de uma nova era livre de toda a corrupção. Alguns actores que são também malabaristas aproveitaram a oportunidade para cavalgar uma oportunidade de poder. Quando é desvendada ou é mostrada à luz do dia, a corrupção transforma-se em circo. Os espectadores começam a seguir as peripécias das cenas que se sucedem vertiginosas na arena do circo até esquecerem o cheiro nauseabundo das traseiras onde se alimentam os felinos - corruptores e corruptos.
Já tínhamos visto algumas cenas do tipo noutras câmaras e vimos como se transforma a claridade em embrulhada.
2. As boas notícias chegam ao parlamento. Um deputado socialista prepara um pacote legislativo contra a corrupção. Os anúncios feitos sobre a produção da coisa, transformam a coisa em finalidade vital para quem propõe... Depois tudo se precipita quando o autor do pacote é convidado para um alto cargo no banco europeu para a recuperação e desenvolvimento. O deputado procura consenso em volta das suas propostas. Sobre o consenso (im)possível sai ao terreiro do parlamento o nosso primeiro e canta o que pensa sobre as propostas do deputado a caminho do cargo europeu. A maneira como o nosso primeiro solta a língua na câmara é considerada muito deselegante, mais ainda por não resistir a adjectivos que um governo não pode colar a quem vai para um cargo onde todos os adjectivos contam.
Porque será que o nosso primeiro pensou que precisava de diminuir quem estava na linha de partida? Porque será que tinha de diminuir tão claramente a bancada que o apoia e ainda mais o inefável chefe da dita?
O deputado parte com a consciência do dever contido. E a protecção dos rabos de palha não é descurada. Mantém-se a reserva. Se a corrupção está em todas as bocas, o combate à corrupção é só bocas, da boca para fora.
[o aveiro; 1/2/2007]
red albinos
Na revista jazz.pt, rui eduardo paes coloca
entre os melhores discos nacionais do ano findo.
Podem ver:
gostei.
tables of mutations and polymorphismes
red albinos
let's go to war
entre os melhores discos nacionais do ano findo.
Podem ver:
gostei.
uma flor de frio
Muitas vezes, ouço-me a dizer "Antes morrer!" reagindo a alguma oferta de apoio ou de ajuda. Isso acontece quando não quero incomodar os outros que teriam de mudar algum momento da sua vida para um apoio imprevisto a mim, o outro, o estranho. Ou acontece porque eu tenho de provar todos os dias que não precisa de ajuda e que se precisasse mais valia morrer? Antes a morte que tal sorte!
Muitas vezes, ouço-me dizer "Porquê?" em resposta a cumprimentos de bom dia ou boa tarde. Não sei porque digo essas coisas que nem sempre são bem entendidas por quem faz e refaz os cumprimentos, tecendo a sua manta de relações. Quando a iniciativa é minha lá vou dizendo "Boa tarde vos dê o Senhor já que eu não tenho competência para tanto" como quem não dá valor a votos embrulhados na circunstância dos cumprimentos. De facto, só me dou ao luxo de desvalorizar os votos que eu mesmo faço. Os votos dos outros preocupam-me porque não quero vir a responsabilizar quem me desejou a boa tarde sem garantias.
Há, de facto, alguma tentativa de sinceridade nas palavras que acrescento às palavras ou em vez das palavras que uma rotina nos cola na boca como quem cola etiqueta. Já me aconteceu queixar-me do sorriso afivelado em empregados desta ou daquela empresa por técnicas grotescas de boas maneiras que aprendemos e importamos como técnicas de venda e como mercadoria. Importamos tiques, sorrisos, expressões e até as formas de andar de manequins, modelos e esqueletos que devem andar como ninguém anda e devem vestir ou despir-se ao arrepio da mudança das estações. Costumo dizer "Não, não me importo!" para acrescentar "Nem me exporto!" no sentido que não sou coisa completamente importada nem é saudável ser exportado. Expulso-me deste mundo que tende a querer tudo igual ou muito parecido para que seja garantida a venda desta ou daquela mercadoria, desta ou daquela ideia, desta ou daquela guerra.
Quem só dá valor à vida depois da morte, fala da vida pelos cotovelos. Virando os altifalantes para o céu, acotovelam todos os deuses de maculada e humana concepção. Cambaleantes modelos sem peso voam pelas catedrais da moda com uma flor de frio presa entre os lábios roxos. Animados pelo voo da voz, mostram penas de gelo a quem passa a caminho da vida tal qual é e vale antes da morte.
[o aveiro;25/01/2007]
Muitas vezes, ouço-me dizer "Porquê?" em resposta a cumprimentos de bom dia ou boa tarde. Não sei porque digo essas coisas que nem sempre são bem entendidas por quem faz e refaz os cumprimentos, tecendo a sua manta de relações. Quando a iniciativa é minha lá vou dizendo "Boa tarde vos dê o Senhor já que eu não tenho competência para tanto" como quem não dá valor a votos embrulhados na circunstância dos cumprimentos. De facto, só me dou ao luxo de desvalorizar os votos que eu mesmo faço. Os votos dos outros preocupam-me porque não quero vir a responsabilizar quem me desejou a boa tarde sem garantias.
Há, de facto, alguma tentativa de sinceridade nas palavras que acrescento às palavras ou em vez das palavras que uma rotina nos cola na boca como quem cola etiqueta. Já me aconteceu queixar-me do sorriso afivelado em empregados desta ou daquela empresa por técnicas grotescas de boas maneiras que aprendemos e importamos como técnicas de venda e como mercadoria. Importamos tiques, sorrisos, expressões e até as formas de andar de manequins, modelos e esqueletos que devem andar como ninguém anda e devem vestir ou despir-se ao arrepio da mudança das estações. Costumo dizer "Não, não me importo!" para acrescentar "Nem me exporto!" no sentido que não sou coisa completamente importada nem é saudável ser exportado. Expulso-me deste mundo que tende a querer tudo igual ou muito parecido para que seja garantida a venda desta ou daquela mercadoria, desta ou daquela ideia, desta ou daquela guerra.
Quem só dá valor à vida depois da morte, fala da vida pelos cotovelos. Virando os altifalantes para o céu, acotovelam todos os deuses de maculada e humana concepção. Cambaleantes modelos sem peso voam pelas catedrais da moda com uma flor de frio presa entre os lábios roxos. Animados pelo voo da voz, mostram penas de gelo a quem passa a caminho da vida tal qual é e vale antes da morte.
[o aveiro;25/01/2007]
planos da fé
1. "A Página da Educação" de Janeiro incluía artigos com vista sobre o "Plano de Acção para a Matemática Básica" da iniciativa do Ministério da Educação. Jaime Carvalho e Silva lembrou um outro plano de acompanhamento da Matemática, morto prematuramente por uma mudança de ministro. No ensino secundário, nenhum plano foi prematuro em seu parto e quase todos têm morte prematura já que raramente resistem a mais que um ministro. Quem se preocupa com estas coisas do ensino, não pode deixar de se preocupar com a doença que ataca tudo quanto mexe. Tudo o que mexe é obra de um governo e, por isso, morre às mãos do ministro que se segue.
Cada novo plano para o ensino nos vem lembrar isto. Tudo o que é nacional é bom para quem colhe louros no jardim do poder. E é por isso que morre, mesmo que seja para ressuscitar sob outro nome mais adiante.
2. O que é verdade é que muitas notícias sobre o ensino da matemática são fabricadas sob tutela centralista, genérica e... fatalista. Escrevemos pouco sobre as iniciativas locais ou talvez nem haja iniciativas locais ou específicas dignas de ser notícia. De certo modo, os governos aparecem como donos da iniciativa e isso tanto dá para a vida como para a morte. Os governos são donos da vida e da morte dos sistemas de ensino. Não porque a maioria dos serviços de educação e do ensino são prestados pelo Estado (por instituições públicas ou privadas sob tutela), mas porque os governos reservaram para si toda a iniciativa. De tal modo e tão concertados agiram, ao longo de décadas, que atrofiaram as autonomias e criaram um sistema globalmente ingovernável e localmente deficiente. Nenhuma autonomia local sobrou da montanha de letra morta que foi crescendo a cada nova lei escrita sobre a autonomia que devia ser tanto mais potente nas palavras quanto mais impotente fosse em actos.
Não podemos deixar de louvar as iniciativas centrais viradas para melhorar o ensino. Mesmo que elas sejam a prova provada da incapacidade local, a falta de capacidade para iniciar o que verdadeiramente conta. As escolas e os professores reagem com vigor a todas as iniciativas centrais porque tudo lhes falta ou porque é preciso agradar em entusiasmo e dar mostras de interesse e optimismo. Neste sistema de passa culpas é fácil condenar cada elo localizado e frágil, porque é um sistema onde ninguém tem desculpa.
3. No território onde vivem os factos, a crença de alguns actores e organizações está virada para avivar o esplendor de alguma ocasião que possa ligar-se ainda que artificialmente com a iniciativa. Outros não deixam de gritar a quem passa o desconforto do desacerto dos prazos desde a candidatura de papel à execução embrulhada na rigidez cadavérica das normas, do desacerto entre a candidatura da instituição de papel, os professores do papel da candidatura e as escolas ou professores que vivem a realidade de cada circunstância sem saber do tempo necessário a verdadeiras mudanças no território. Professores autores? Só actores ou não mais que factores, cobradores de bilhete numa viagem que a todos é recomendada e a poucos aproveita.
É verdade que quem quer fazer as coisas andar, sabe encontrar os meios necessários. E que quem não quer fazer coisa alguma, saberá encontrar as desculpas certas. Ou de outro modo: Não perguntem o que pode o governo fazer; interroguem-se sobre o que pode cada um de vocês fazer pelo vosso país. Também há quem se tenha interrogado e tenha vivido para a experiência de ser tolhido e atropelado por quem pode, louva e trava ao sabor dos ciclos de governação. Quem pode? Os grandes poderes são pequenos, mesquinhos e mal-educados muitas vezes. Os pequenos poderes armaram-se até aos dentes ou até parecerem grandes e mal-educados.
4. Os planos de acção reclamam da acção que os salve. Declarações de fé não produzem resultados em educação republicana. Digo eu... a quem sabe.
[a página da educação; 02/2007]
Cada novo plano para o ensino nos vem lembrar isto. Tudo o que é nacional é bom para quem colhe louros no jardim do poder. E é por isso que morre, mesmo que seja para ressuscitar sob outro nome mais adiante.
2. O que é verdade é que muitas notícias sobre o ensino da matemática são fabricadas sob tutela centralista, genérica e... fatalista. Escrevemos pouco sobre as iniciativas locais ou talvez nem haja iniciativas locais ou específicas dignas de ser notícia. De certo modo, os governos aparecem como donos da iniciativa e isso tanto dá para a vida como para a morte. Os governos são donos da vida e da morte dos sistemas de ensino. Não porque a maioria dos serviços de educação e do ensino são prestados pelo Estado (por instituições públicas ou privadas sob tutela), mas porque os governos reservaram para si toda a iniciativa. De tal modo e tão concertados agiram, ao longo de décadas, que atrofiaram as autonomias e criaram um sistema globalmente ingovernável e localmente deficiente. Nenhuma autonomia local sobrou da montanha de letra morta que foi crescendo a cada nova lei escrita sobre a autonomia que devia ser tanto mais potente nas palavras quanto mais impotente fosse em actos.
Não podemos deixar de louvar as iniciativas centrais viradas para melhorar o ensino. Mesmo que elas sejam a prova provada da incapacidade local, a falta de capacidade para iniciar o que verdadeiramente conta. As escolas e os professores reagem com vigor a todas as iniciativas centrais porque tudo lhes falta ou porque é preciso agradar em entusiasmo e dar mostras de interesse e optimismo. Neste sistema de passa culpas é fácil condenar cada elo localizado e frágil, porque é um sistema onde ninguém tem desculpa.
3. No território onde vivem os factos, a crença de alguns actores e organizações está virada para avivar o esplendor de alguma ocasião que possa ligar-se ainda que artificialmente com a iniciativa. Outros não deixam de gritar a quem passa o desconforto do desacerto dos prazos desde a candidatura de papel à execução embrulhada na rigidez cadavérica das normas, do desacerto entre a candidatura da instituição de papel, os professores do papel da candidatura e as escolas ou professores que vivem a realidade de cada circunstância sem saber do tempo necessário a verdadeiras mudanças no território. Professores autores? Só actores ou não mais que factores, cobradores de bilhete numa viagem que a todos é recomendada e a poucos aproveita.
É verdade que quem quer fazer as coisas andar, sabe encontrar os meios necessários. E que quem não quer fazer coisa alguma, saberá encontrar as desculpas certas. Ou de outro modo: Não perguntem o que pode o governo fazer; interroguem-se sobre o que pode cada um de vocês fazer pelo vosso país. Também há quem se tenha interrogado e tenha vivido para a experiência de ser tolhido e atropelado por quem pode, louva e trava ao sabor dos ciclos de governação. Quem pode? Os grandes poderes são pequenos, mesquinhos e mal-educados muitas vezes. Os pequenos poderes armaram-se até aos dentes ou até parecerem grandes e mal-educados.
4. Os planos de acção reclamam da acção que os salve. Declarações de fé não produzem resultados em educação republicana. Digo eu... a quem sabe.
[a página da educação; 02/2007]
há 50 anos
Há 50 anos estava a frequentar a 4ª classe da escola primária e ainda estava longe de imaginar que passados uns meses iria entrar num liceu de uma cidade onde iria pela primeira vez. .
Depois de ler alguma coisa que eu escrevera, a minha primeira professora de português avisou-me que não podia ser tratada da mesma forma que uma mulher a dias era tratada por ela e por isso devia regressar para o meu tempo e para o meu lugar que lhe parecia que eu não era de cidade nem de vila e talvez nem de aldeia. O meu primeiro professor de desenho disse que eu devia cavar batatas nas terras de minha mãe e que não podia desenhar bem, talvez porque as almas de artista não se davam bem com os ares do campo ou porque os desenhos dos camponeses não sobreviviam aos ares da cidade. De que me lembro mais? Não lembro outros gestos de professores, nem caras de professores desse tempo. Lembro corridas num pátio interior cercado de paredes altas com quatro portões fechados, ocupado por rapazes pequenos a correr enquanto fugiam uns dos outros. Lembro uma marcha qualquer a meio de uma semana e de uma farda a que faltava sempre qualquer coisa. Diziam-me que eu fazia parte da mocidade portuguesa e eu achava que, aos dez anos, era pequeno demais e era novo demais... para ser moço. Havia outra escola para as raparigas. Lembro a miha irmã mais velha que estava a acabar o liceu e me protegia de todo o mal nesse primeiro ano de cidade e que ao segundo ano já não estava por perto e eu tinha de esconder o medo que sentia em tudo quanto era esquina.
Não lembro qualquer associação de estudantes. Não lembro o jornal dos estudanes. Soube mais tarde que não podia lembrar, porque me perguntavam pelo que não existia. Nem havia liberdade de expressão, nem havia liberdade de associação. Nem liberdade.
Onde estava há 50 anos? Talvez a chegar a esta escola.
[o estêvão; 01/2007,
da associação de estudantes
da escola josé estêvão]
Depois de ler alguma coisa que eu escrevera, a minha primeira professora de português avisou-me que não podia ser tratada da mesma forma que uma mulher a dias era tratada por ela e por isso devia regressar para o meu tempo e para o meu lugar que lhe parecia que eu não era de cidade nem de vila e talvez nem de aldeia. O meu primeiro professor de desenho disse que eu devia cavar batatas nas terras de minha mãe e que não podia desenhar bem, talvez porque as almas de artista não se davam bem com os ares do campo ou porque os desenhos dos camponeses não sobreviviam aos ares da cidade. De que me lembro mais? Não lembro outros gestos de professores, nem caras de professores desse tempo. Lembro corridas num pátio interior cercado de paredes altas com quatro portões fechados, ocupado por rapazes pequenos a correr enquanto fugiam uns dos outros. Lembro uma marcha qualquer a meio de uma semana e de uma farda a que faltava sempre qualquer coisa. Diziam-me que eu fazia parte da mocidade portuguesa e eu achava que, aos dez anos, era pequeno demais e era novo demais... para ser moço. Havia outra escola para as raparigas. Lembro a miha irmã mais velha que estava a acabar o liceu e me protegia de todo o mal nesse primeiro ano de cidade e que ao segundo ano já não estava por perto e eu tinha de esconder o medo que sentia em tudo quanto era esquina.
Não lembro qualquer associação de estudantes. Não lembro o jornal dos estudanes. Soube mais tarde que não podia lembrar, porque me perguntavam pelo que não existia. Nem havia liberdade de expressão, nem havia liberdade de associação. Nem liberdade.
Onde estava há 50 anos? Talvez a chegar a esta escola.
[o estêvão; 01/2007,
da associação de estudantes
da escola josé estêvão]
fiama
nunca aprendi a desenhar embora tenha tentado desenhar
como os meus heróis desenhavam.
nunca me passou pela cabeça culpar durher, leonardo, picasso ou dali
por não os ter imitado bem nos desenhos das cabeças
da santa, do homem e do touro.
nunca aprendi o poema que ainda me falta escrever embora tenha copiado laboriosamente os poetas porque pensava que além de os ouvir ao ler precisava de conviver com eles, precisava de os acariciar,
de te acariciar.
sei desde então e até agora na hora da tua morte que não é culpa tua
eu não ter conseguido ou ter esquecido as duas linhas que eu sei que já li no ar lavado e ainda brincam às escondidas
porque eu não sei se as palavras estão perdidas ou ainda esperam som a som ou letra a letra a fala da minha mão.
como os meus heróis desenhavam.
nunca me passou pela cabeça culpar durher, leonardo, picasso ou dali
por não os ter imitado bem nos desenhos das cabeças
da santa, do homem e do touro.
nunca aprendi o poema que ainda me falta escrever embora tenha copiado laboriosamente os poetas porque pensava que além de os ouvir ao ler precisava de conviver com eles, precisava de os acariciar,
de te acariciar.
sei desde então e até agora na hora da tua morte que não é culpa tua
eu não ter conseguido ou ter esquecido as duas linhas que eu sei que já li no ar lavado e ainda brincam às escondidas
porque eu não sei se as palavras estão perdidas ou ainda esperam som a som ou letra a letra a fala da minha mão.
Santo do dia
Como qualquer outra coisa do dia, há também o santo do dia. Não aconselho vivamente, mas não queero que lhe falte o santo quando dele precisar.
Por exemplo, o santo do dia diz-me que hoje é dia do mártir S. Sebastião- o mártir, que aparece nas igrejas atado a um tronco de oliveira (?) e crivado de setas.
São Sebastião, segundo Santo Ambrósio, nasceu em Milão. Era um valoroso capitão do exército romano, pertencente à primeira corte da guarda pretoriana. Sofreu o martírio sob o reinado de Diocleciano. Cristão convicto e ativo, tudo fazia para ajudar os irmãos na fé e trazer, ao Deus verdadeiro, soldados e prisioneiros. O próprio governador de Roma, Cromácio, e seu filho, Tibúrcio, foram por ele convertidos e confessaram a fé mediante o martírio. Denunciado como cristão, São Sebastião foi levado perante o imperador para justificar tal procedimento. E confessou publicamente a sua fé. Acusado de traição à pátria, foi condenado à morte. Amarrado a um tronco, foi varado por flechas, na presença de guarda pretoriana. São Sebastião conseguiu sobreviver, e corajosamente se apresenta perante o imperador, censurando-o pelas injustiças cometidas contra os cristãos, acusando-os de inimigos do Estado. Incitou o imperador para que os deixasse em paz. Diocleciano, entretanto, permaneceu surdo a seus apelos, mandou açoitá-lo até a morte e lançou o seu corpo em uma cloaca. Era por volta do ano 284.
No mesmo lugar, também lhe dão a oração apropriada para pedir graças e agradecer ao santo do dia. Não hesite em recorrer ao seu santo. Hoje leia e reflicta sobre uma tal prece da libertaçãos dos ídolos . Quem diria!
Pode obter a lista de santos, procurar pelo nome e até por tipologia. Não se pode pedir mais.
Há mesmo alguns santos que pensávamos nunca terem obtido tal favor de qualquer papado - Santa Joana, filha de Afonso V, a quem pode pode dirigir a oração do amor incondicional
Por exemplo, o santo do dia diz-me que hoje é dia do mártir S. Sebastião- o mártir, que aparece nas igrejas atado a um tronco de oliveira (?) e crivado de setas.
São Sebastião, segundo Santo Ambrósio, nasceu em Milão. Era um valoroso capitão do exército romano, pertencente à primeira corte da guarda pretoriana. Sofreu o martírio sob o reinado de Diocleciano. Cristão convicto e ativo, tudo fazia para ajudar os irmãos na fé e trazer, ao Deus verdadeiro, soldados e prisioneiros. O próprio governador de Roma, Cromácio, e seu filho, Tibúrcio, foram por ele convertidos e confessaram a fé mediante o martírio. Denunciado como cristão, São Sebastião foi levado perante o imperador para justificar tal procedimento. E confessou publicamente a sua fé. Acusado de traição à pátria, foi condenado à morte. Amarrado a um tronco, foi varado por flechas, na presença de guarda pretoriana. São Sebastião conseguiu sobreviver, e corajosamente se apresenta perante o imperador, censurando-o pelas injustiças cometidas contra os cristãos, acusando-os de inimigos do Estado. Incitou o imperador para que os deixasse em paz. Diocleciano, entretanto, permaneceu surdo a seus apelos, mandou açoitá-lo até a morte e lançou o seu corpo em uma cloaca. Era por volta do ano 284.
No mesmo lugar, também lhe dão a oração apropriada para pedir graças e agradecer ao santo do dia. Não hesite em recorrer ao seu santo. Hoje leia e reflicta sobre uma tal prece da libertaçãos dos ídolos . Quem diria!
Pode obter a lista de santos, procurar pelo nome e até por tipologia. Não se pode pedir mais.
Há mesmo alguns santos que pensávamos nunca terem obtido tal favor de qualquer papado - Santa Joana, filha de Afonso V, a quem pode pode dirigir a oração do amor incondicional
a arte da bicha
Muitas pessoas da minha geração acreditam piamente que aprenderam tudo o que era realmente importante e lamentam profundamente que os jovens desprezem a possibilidade de aprender esse essencial. Chegam a desprezar os novos saberes e competências que se tornaram necessárias por via do desenvolvimento científico e tecnológico, literário ou artístico. O estado moderno, em contra-corrente, não pode deixar de, apesar disso, introduzir os temas que são vitais ao futuro da comunidade embora a ignorância popular tenda a recusá-los. O estado paga este serviço e obriga até as escolas privadas a ensinar esses temas. A minha geração ensina e promove a leitura, a audição e a visualização de filmes e peças teatrais ou obras literárias, musicais, pictóricas e escultóricas que não tinham sentido há 50 anos.
Verdade seja dita que a minha geração está na idade do poder, político, económico e cultural, nos governos regionais e locais, nos jornais, nas instituições todas. E só muito contrariada tem de acalmar o seu desfavor contra o que não conhece e nem pode adivinhar. Alguém esqueceu que teve de lutar pela música eléctrica, pela poesia que não rimava ou pela literatura de Almada a negar Dantas, pela arte de Amadeo, pela liberdade de ir ou não ir para as bichas.
O acontecimento cultural das bichas para a exposição de Amadeo Souza-Cardoso serviu a um editorialista para reclamar contra apoios e subsídios aos agentes culturais que não conseguem merecer a companhia de uma bicha de povo. Diz ele que estas bichas são a prova de que não é preciso criar públicos e que o "nosso problema é responder a solicitações dos públicos que existem e que só não aparecem porque muito do que lhes é oferecido pura e simplesmente não tem qualidade"(?).
Eu não sei adivinhar o futuro de uma coisa ou de outra, mas acho que o ensino e a criação artística são bons usos para os impostos. E sei que uma bicha ou uma procissão de consagração do que está estabelecido não é a estrada real para o futuro. Amadeo não se faz fundamental para a cultura por ser motivo desta bicha gulbenkiana. Amadeo é fundamental por ter continuado persistente a fazer caminho depois de ter sobrevivido às agressões dos ofendidos visitantes da sua primeira exposição de há 90 anos. E é fácil imaginar, ameaçador e de bengala em riste contra o Amadeo de então, um editorialista capaz de louvar as bichas culturais do seu tempo.
[o aveiro; 18/01/2007]
Verdade seja dita que a minha geração está na idade do poder, político, económico e cultural, nos governos regionais e locais, nos jornais, nas instituições todas. E só muito contrariada tem de acalmar o seu desfavor contra o que não conhece e nem pode adivinhar. Alguém esqueceu que teve de lutar pela música eléctrica, pela poesia que não rimava ou pela literatura de Almada a negar Dantas, pela arte de Amadeo, pela liberdade de ir ou não ir para as bichas.
O acontecimento cultural das bichas para a exposição de Amadeo Souza-Cardoso serviu a um editorialista para reclamar contra apoios e subsídios aos agentes culturais que não conseguem merecer a companhia de uma bicha de povo. Diz ele que estas bichas são a prova de que não é preciso criar públicos e que o "nosso problema é responder a solicitações dos públicos que existem e que só não aparecem porque muito do que lhes é oferecido pura e simplesmente não tem qualidade"(?).
Eu não sei adivinhar o futuro de uma coisa ou de outra, mas acho que o ensino e a criação artística são bons usos para os impostos. E sei que uma bicha ou uma procissão de consagração do que está estabelecido não é a estrada real para o futuro. Amadeo não se faz fundamental para a cultura por ser motivo desta bicha gulbenkiana. Amadeo é fundamental por ter continuado persistente a fazer caminho depois de ter sobrevivido às agressões dos ofendidos visitantes da sua primeira exposição de há 90 anos. E é fácil imaginar, ameaçador e de bengala em riste contra o Amadeo de então, um editorialista capaz de louvar as bichas culturais do seu tempo.
[o aveiro; 18/01/2007]
ainda os muros
Ainda há muros altos protegidos dos salt(e)adores por uma mão de cacos dos vidros dos óculos partidos a quem abriu as asas e voou para entrar e ver.
Os que entraram, não conseguiram ver porque lhes partiram os óculos. Os outros foram abatidos pela barragem da aritlharia anti-aérea que sopra metralha às ordens da desconfiança dos sensores apontados a todo o comprimento e para o alto das muralhas.
Os sábados juntaram-se todos para falar disso e da necessidade de uma conferência do desarmamento de ambos os lados do muro, bem como da proibição de levantar voo e violar o espaço aéreo do muro que se transformou num país registado.
Não vimos qualquer interesse na cartografia dos países. E nos mapas só as fronteiras contam: 1, 2, 3, 4, 5, ...
Os que entraram, não conseguiram ver porque lhes partiram os óculos. Os outros foram abatidos pela barragem da aritlharia anti-aérea que sopra metralha às ordens da desconfiança dos sensores apontados a todo o comprimento e para o alto das muralhas.
Os sábados juntaram-se todos para falar disso e da necessidade de uma conferência do desarmamento de ambos os lados do muro, bem como da proibição de levantar voo e violar o espaço aéreo do muro que se transformou num país registado.
Não vimos qualquer interesse na cartografia dos países. E nos mapas só as fronteiras contam: 1, 2, 3, 4, 5, ...
missa cantada
Hoje levantei-me cedo como em todos os outros dias.
Gosto de ver aparecer a aurora quando ela quer aparecer e não só quando a minha imaginação a convoca por precisar dela. A claridade rósea que antecede e anuncia o nascer do sol dá-me a luz que me levanta e anuncia-me a luz que me guia os passos até ao dia claro.
E lembra-me alvoradas estremunhadas, o pé adolescente a explorar a nesga fria aberta entre a enxerga e a coberta pelo clarim da minha mãe, a hesitação da cara a aproximar-se do espelho do tanque de água para onde as enérgicas camponesas da minha vida lançavam em golfadas a água puxada do mais íntimo do poço.
Em cada dia, repito o arrepio estremunhado de quem acorda como quem nasce para sobreviver. Em cada dia da semana, domingo incluído, ouço os mesmos ruídos para me refazer até ao dia em que vivo. Como se eu fosse uma memória que se refaz infatigavelmente, um novo dia que é novo porque é feito de todos os dias que o antecederam. Se não ouvia a requinta da boca da minha mãe ou de alguém por ela, já ouvia o sino quebrado sobrepondo-se à neblina espessada na tentação do silêncio. Chamando o povo para a missa da alva, chamando-me para os braços da aurora, reclamando o furor da gente da terra até tudo se desfazer no falsete da alegria que é prova de vida da aldeia e vingança do tempo sobre o dia de ontem.
Algumas raparigas apressavam-se e, ainda antes da missa, já se confessavam das noites mal dormidas. Logo depois, mal refeitas da penitência e das juras de não repetir pecados confessados, mas agradecidas pela absolvição dada a todo o bem que lhes soubera, langorosas piscavam os olhos ao dia claro, aos namorados, aos amantes, ao desejo. Para que a vida se repetisse e dela sobrasse sinal de vida. Desta corrida dos dias, destas alvas estremunhadas, muitas memórias são esbatidas fotografias antigas, adivinhações, o que não se fala e o que se cala, o que se desmancha, o que é sem ser, o que foi confessado e absolvido para não mais ser visto nem achado e até o que foi morto e enterrado como uma pena ou um anjo antes de ser a alma. Se nos distraíssemos, ecoava na nave desses dias passados o sermão que contava a história inteira na voz do padre a encenar cobrança do perdão.
Fui mais poupado aos sermões da aldeia que aos sermões da televisão de hoje. Ainda ontem nem sabia que existiam e hoje há claustros de igreja que são notícia e alerta geral ao que dizem pelo que dizem sobre o aborto. E nem uma palavra sobre a absolvição, a misericórdia divina ou a misericórdia do estado!
Hoje levantei-me para mudar de país ou foi sempre assim?
[o aveiro; 11/01/2007]
Gosto de ver aparecer a aurora quando ela quer aparecer e não só quando a minha imaginação a convoca por precisar dela. A claridade rósea que antecede e anuncia o nascer do sol dá-me a luz que me levanta e anuncia-me a luz que me guia os passos até ao dia claro.
E lembra-me alvoradas estremunhadas, o pé adolescente a explorar a nesga fria aberta entre a enxerga e a coberta pelo clarim da minha mãe, a hesitação da cara a aproximar-se do espelho do tanque de água para onde as enérgicas camponesas da minha vida lançavam em golfadas a água puxada do mais íntimo do poço.
Em cada dia, repito o arrepio estremunhado de quem acorda como quem nasce para sobreviver. Em cada dia da semana, domingo incluído, ouço os mesmos ruídos para me refazer até ao dia em que vivo. Como se eu fosse uma memória que se refaz infatigavelmente, um novo dia que é novo porque é feito de todos os dias que o antecederam. Se não ouvia a requinta da boca da minha mãe ou de alguém por ela, já ouvia o sino quebrado sobrepondo-se à neblina espessada na tentação do silêncio. Chamando o povo para a missa da alva, chamando-me para os braços da aurora, reclamando o furor da gente da terra até tudo se desfazer no falsete da alegria que é prova de vida da aldeia e vingança do tempo sobre o dia de ontem.
Algumas raparigas apressavam-se e, ainda antes da missa, já se confessavam das noites mal dormidas. Logo depois, mal refeitas da penitência e das juras de não repetir pecados confessados, mas agradecidas pela absolvição dada a todo o bem que lhes soubera, langorosas piscavam os olhos ao dia claro, aos namorados, aos amantes, ao desejo. Para que a vida se repetisse e dela sobrasse sinal de vida. Desta corrida dos dias, destas alvas estremunhadas, muitas memórias são esbatidas fotografias antigas, adivinhações, o que não se fala e o que se cala, o que se desmancha, o que é sem ser, o que foi confessado e absolvido para não mais ser visto nem achado e até o que foi morto e enterrado como uma pena ou um anjo antes de ser a alma. Se nos distraíssemos, ecoava na nave desses dias passados o sermão que contava a história inteira na voz do padre a encenar cobrança do perdão.
Fui mais poupado aos sermões da aldeia que aos sermões da televisão de hoje. Ainda ontem nem sabia que existiam e hoje há claustros de igreja que são notícia e alerta geral ao que dizem pelo que dizem sobre o aborto. E nem uma palavra sobre a absolvição, a misericórdia divina ou a misericórdia do estado!
Hoje levantei-me para mudar de país ou foi sempre assim?
[o aveiro; 11/01/2007]
a história
para eu não me preocupar com o que a história vai dizer sobre os nossos tempos,
sussuraram-me que
a história vai ser escrita sobre o que for publicado nos jornais
e que cada jornalista escreve sempre a quatro mãos
e piscaram-me o olho enquanto me perguntavam se eu sabia
de quem eram as outras mãos do jornalista
e eu não sabia
sussuraram-me que
a história vai ser escrita sobre o que for publicado nos jornais
e que cada jornalista escreve sempre a quatro mãos
e piscaram-me o olho enquanto me perguntavam se eu sabia
de quem eram as outras mãos do jornalista
e eu não sabia
a coisa estranha
Não dei pela passagem dos dias. Amanhã, que é quarta feira, recomeçam as aulas e eu estive bem desperto para isso. Para todos os efeitos da escola, hoje foi claramente a terça feira. Para tudo o resto não foi terça feira. Só me resta pedir desculpa a quem esperava que fosse terça feira para mim. Nem sempre sei os ordinais dos dias que passam. Que coisa estranha esta! Há muitas maneiras de nos perdermos.
para começar, a bátega
durante o dia, copiei laboriosamente os poemas que o josé carlos soares reuniu e publicou sob o título Bátega. Para publicar na escrivaninha
de um ano... para o outro
um instante e nada mais
uma brisa a fazer soar os sinos de sincelo
e uma fogueira longínqua nos campos
que aquece o restolho em descanso
até ser a podre cama do pão e da vida:
como fermento ou larva de nervos
assim soamos hoje como o estalar de dedos
ou a senha que nos leva para o futuro dos outros.
uma brisa a fazer soar os sinos de sincelo
e uma fogueira longínqua nos campos
que aquece o restolho em descanso
até ser a podre cama do pão e da vida:
como fermento ou larva de nervos
assim soamos hoje como o estalar de dedos
ou a senha que nos leva para o futuro dos outros.
de soslaio
diz-se que,
de longa data, são os amigos que
partiram para nunca mais os veres
diz-se que,
ainda antes de os veres, são amigos os que
te sulcaram até teres dado por eles
diz-se que,
o tempo todo, são amigos os que
ficaram parados onde tu sabes sem saberes
diz-se que,
até amanhã, são amigos os que
estão emboscados no cheiro do teu medo de os perderes.
de longa data, são os amigos que
partiram para nunca mais os veres
diz-se que,
ainda antes de os veres, são amigos os que
te sulcaram até teres dado por eles
diz-se que,
o tempo todo, são amigos os que
ficaram parados onde tu sabes sem saberes
diz-se que,
até amanhã, são amigos os que
estão emboscados no cheiro do teu medo de os perderes.
eu queria tanto que vissem ...
e sentissem a matemática do natal que não resisti a roubar o "ambigrama" de Eric/Moacyr amalgamar . Cliquem na "mensagem caligráfica" para ir até ao Braisl e ver o movimento que vos quis mostrar e não só o que vos quis dizer.
a alegria da despedida
Assisto à morte deste ano com as frases de circunstância de que antes assim, coitado que sofreu tanto, coitado que viveu toda a sua vida no meio de tanto sofrimento, ocupado por guerras militares, paramilitares, sujas, santas, satânicas, religiosas e civis, por ataques terroristas, por danos colaterais, por contrabando de polónio, por isto e mais aquilo.
Mas foi também o ano em que os poderosos deste mundo tiveram de engolir mentiras e reconhecer erros do tamanho dos milhares de mortos militares e civis inocentes que foram contabilizados como danos colaterais até serem demais. Alguns políticos ficaram cercados por muralhas de mortos que mandaram matar enquanto rezavam, enquanto juravam justiça infinita, invocavam o nome de deus ou da democracia e ofereciam liberdade aos mortos quando os libertavam desta vida.
Assisto à morte deste ano com as frases de circunstância de que antes a morte que tal sorte, coitado que sofreu na carne dos seus contemporâneos a perseguição de catástrofes naturais, as mudanças climáticas, a vingança da terra mãe torturada até se retorcer nas dores de um parto de dor, a vingança do universo inteiro contra a viagem do predador maior, o vento tornado furacão correndo pela terra como se a terra fosse um desfiladeiro a devastar, o vale de lágrimas, a água violenta galgando as margens e tomando de assalto as suas linhas, as rugas por onde antes a terra escoava lágrimas de felicidade.
Mas foi também o ano em que poderosos deste mundo juntaram as suas vozes às vozes que, desde há muito anos, andam clamando até serem roucas e loucas defensoras da mudança, da paragem da ocupação selvagem do mundo natural que cria reservas naturais para a vida vegetal e animal e impermeabiliza a terra com pele de betão e alcatrão e nos fecha numa estufa, no efeito da estufa, de fronteiras atmosféricas artificiais com venenos emanados das chaminés que arranham os céus até deles fazer a ferida, a gangrena de uma civilização que se esqueceu de o ser.
Assisto à morte deste ano seguindo curiosamente as missas e pompas fúnebres, as pateadas e os aplausos a quem morre. Há quem guie os seus últimos dias para um rio poluído e podre, mas também para um rio de esquecimento.
Assistirei ao nascimento do novo ano com o optimismo desmedido na força de quem sobrevive e renasce despedindo as dores, despindo-se das dores e de todo o mal. Um ano bom é o que nos espera. Não quero menos.
[o aveiro; 28/12/2006]
Mas foi também o ano em que os poderosos deste mundo tiveram de engolir mentiras e reconhecer erros do tamanho dos milhares de mortos militares e civis inocentes que foram contabilizados como danos colaterais até serem demais. Alguns políticos ficaram cercados por muralhas de mortos que mandaram matar enquanto rezavam, enquanto juravam justiça infinita, invocavam o nome de deus ou da democracia e ofereciam liberdade aos mortos quando os libertavam desta vida.
Assisto à morte deste ano com as frases de circunstância de que antes a morte que tal sorte, coitado que sofreu na carne dos seus contemporâneos a perseguição de catástrofes naturais, as mudanças climáticas, a vingança da terra mãe torturada até se retorcer nas dores de um parto de dor, a vingança do universo inteiro contra a viagem do predador maior, o vento tornado furacão correndo pela terra como se a terra fosse um desfiladeiro a devastar, o vale de lágrimas, a água violenta galgando as margens e tomando de assalto as suas linhas, as rugas por onde antes a terra escoava lágrimas de felicidade.
Mas foi também o ano em que poderosos deste mundo juntaram as suas vozes às vozes que, desde há muito anos, andam clamando até serem roucas e loucas defensoras da mudança, da paragem da ocupação selvagem do mundo natural que cria reservas naturais para a vida vegetal e animal e impermeabiliza a terra com pele de betão e alcatrão e nos fecha numa estufa, no efeito da estufa, de fronteiras atmosféricas artificiais com venenos emanados das chaminés que arranham os céus até deles fazer a ferida, a gangrena de uma civilização que se esqueceu de o ser.
Assisto à morte deste ano seguindo curiosamente as missas e pompas fúnebres, as pateadas e os aplausos a quem morre. Há quem guie os seus últimos dias para um rio poluído e podre, mas também para um rio de esquecimento.
Assistirei ao nascimento do novo ano com o optimismo desmedido na força de quem sobrevive e renasce despedindo as dores, despindo-se das dores e de todo o mal. Um ano bom é o que nos espera. Não quero menos.
[o aveiro; 28/12/2006]
o que nos falta saber
Entre um ano e outro, apetece falar do que foi feito de nós e logo de quem gostávamos de vir a ser em vez de nós. Alguns de nós, os que fazemos propósitos firmes de emenda, ficamos contentes quando nos convencemos que uma versão melhorada do que fomos é possível. Outros, os que fazemos juras de vingança do passado, não nos satisfazemos com menos que uma mutação que nos faça vedeta da rádio e da tv. E, a alguns de nós, aos que desistimos todos os dias, satisfaz-nos escrever pequenas prosas em que não assumimos a culpa a seguir-nos para todo o lado, solteira e desengonçada desculpa para um retrato infeliz, triste e sem cura.
Gostaria de pensar em mim como versão melhorada pela idade.
Ser isto ou aquilo, assumir uma ou outra daquelas posturas na viagem de um ano para o outro, influencia as nossas decisões e isso é tanto mais importante quanto elas podem influenciar a vida de outros. Se eu acreditar que a minha humanidade pode ser melhorada, avalio os outros de forma consistente com essa ideia e a minha avaliação é feita com o único fito de consagrar o que está bem e indicar o que pode ser melhorado e isso é também em parte fazer luz sobre o que deve ser deixado para trás. Quem ensina, modifica e participa das mudanças individuais e, logo, de lentíssimas mudanças sociais. Quem aprende, muda.
A ninguém se pede que ame abstractamente a criação. Nós crescemos quando nos incorporamos no que os outros em potência são e quando lhes fornecemos a energia que os faça livres e diferentes e capazes de criar outros. Quando amamos, os pequenos vincos e as fundas rugas têm nomes de pessoas. Uma grande parte do esforço vem do exemplo, da forma de estar, do riso de vivos com a força da fragilidade, da recusa do absoluto, da fraqueza que é a crença vital de que podemos ser melhores amanhã e que podemos educar para o bem.
Acreditem ou não, por estes dias somos forçados a olhar para o espelho para nos vermos de frente. Na aparência, descrevemos os estudantes que apreciamos mesmo quando os julgamos. Na realidade, rabiscamos notas que, todas juntas, formam afinal um retrato - o nosso. O que nos falta saber é quem se esconde do outro lado do espelho à nossa frente.
[o aveiro; 21/12/2006]
Gostaria de pensar em mim como versão melhorada pela idade.
Ser isto ou aquilo, assumir uma ou outra daquelas posturas na viagem de um ano para o outro, influencia as nossas decisões e isso é tanto mais importante quanto elas podem influenciar a vida de outros. Se eu acreditar que a minha humanidade pode ser melhorada, avalio os outros de forma consistente com essa ideia e a minha avaliação é feita com o único fito de consagrar o que está bem e indicar o que pode ser melhorado e isso é também em parte fazer luz sobre o que deve ser deixado para trás. Quem ensina, modifica e participa das mudanças individuais e, logo, de lentíssimas mudanças sociais. Quem aprende, muda.
A ninguém se pede que ame abstractamente a criação. Nós crescemos quando nos incorporamos no que os outros em potência são e quando lhes fornecemos a energia que os faça livres e diferentes e capazes de criar outros. Quando amamos, os pequenos vincos e as fundas rugas têm nomes de pessoas. Uma grande parte do esforço vem do exemplo, da forma de estar, do riso de vivos com a força da fragilidade, da recusa do absoluto, da fraqueza que é a crença vital de que podemos ser melhores amanhã e que podemos educar para o bem.
Acreditem ou não, por estes dias somos forçados a olhar para o espelho para nos vermos de frente. Na aparência, descrevemos os estudantes que apreciamos mesmo quando os julgamos. Na realidade, rabiscamos notas que, todas juntas, formam afinal um retrato - o nosso. O que nos falta saber é quem se esconde do outro lado do espelho à nossa frente.
[o aveiro; 21/12/2006]
o natal dos guarda-costas
" Já poisou toda a poeira que tinha de poisar sobre a capa do livro. Já ninguém se lembra e todos se lembram daquele natal em que os patrões da indústria do bem rebolado acabaram todos presos. Depois de alguma agitação, o silêncio caiu como chuva miudinha sobre todo o bem e todo o mal. Para o bem e para o mal, uma nuvem de sossego ficou a pairar sobre o país. Como se fosse uma nuvem de algodão doce, a nuvem de sossego foi lambida pelos meninos que até aí tinham sido comprados e vendidos pelos patrões da indústria e mercadores do bem bolado. Sossegados, os meninos começaram a jogar à bola e, tão bem jogaram alguns deles, que houve jornalistas a ir ver, para dar notícia sobre as suas habilidades, e não, como antigamente, sobre as cotações no mercado dos meninos ou sobre os escândalos bovinos dos bacanalneários adjacentes aos relvados, pastos e repastos."
Nas histórias do bem, há sempre uns homens velhos e umas mulheres novas. Estas nunca dormem para ganhar a merecida fama de dormir com os velhos. Um dia, tendo sido espancada e despedida da profissão de dormir com o velho capitão da indústria, uma mulher jovem viu-se livre para a memória sobre a sua passagem pela claque da indústria do bem bolado. Gostava de falar alto sobre a sua participação para combater a solidão tricotada por guarda-costas. Uma mão atenta da indústria do bem impresso deu à estampa em livro uma encomenda de terror mesquinho, de amor mesquinho, de humor negro mesquinho. O lançamento do livro atingiu em cheio a letargia que acordou e, ainda estremunhada, mandou começar uma instrução qualquer sobre a melhor maneira de escrever velhos recados amorosos não comprometedores.
Pequenas estátuas da jovem mulher que apita aos velhos foram vendidas como balas ou gomas para grandes batalhas entre claques do deixa estar, do deixa andar e do desleixa. A mulher jovem apita arrependimento sobre o bem que encomendou contra este ou aquele e há quem disfarce a sua capacidade de fazer o bem com declarações não declarativas enroladas em sorrisos afiados como facas.
Eu só estou preocupado com a escritora. Antes de ser despedida da vida difícil para se dedicar à escrita fácil, a jovem vivia rodeada pelos que guardavam as costas dos velhos. Agora anda pelas sessões de autógrafos rodeada de guarda-costas dos centros comerciais ou da indústria do bem impresso de sucesso. Quando é que me deixam ver as costas da rapariga? Quando é que me deixam vê-los a todos pelas costas?
Defendo que lhes seja indicado o caminho da salvação e que sejam ajudados a procurar e a ir com as suas armas e bagagens para algum paraíso... Fiscal, como lhes convém. Pode ser longe?
[o aveiro; 14/12/2006]
Nas histórias do bem, há sempre uns homens velhos e umas mulheres novas. Estas nunca dormem para ganhar a merecida fama de dormir com os velhos. Um dia, tendo sido espancada e despedida da profissão de dormir com o velho capitão da indústria, uma mulher jovem viu-se livre para a memória sobre a sua passagem pela claque da indústria do bem bolado. Gostava de falar alto sobre a sua participação para combater a solidão tricotada por guarda-costas. Uma mão atenta da indústria do bem impresso deu à estampa em livro uma encomenda de terror mesquinho, de amor mesquinho, de humor negro mesquinho. O lançamento do livro atingiu em cheio a letargia que acordou e, ainda estremunhada, mandou começar uma instrução qualquer sobre a melhor maneira de escrever velhos recados amorosos não comprometedores.
Pequenas estátuas da jovem mulher que apita aos velhos foram vendidas como balas ou gomas para grandes batalhas entre claques do deixa estar, do deixa andar e do desleixa. A mulher jovem apita arrependimento sobre o bem que encomendou contra este ou aquele e há quem disfarce a sua capacidade de fazer o bem com declarações não declarativas enroladas em sorrisos afiados como facas.
Eu só estou preocupado com a escritora. Antes de ser despedida da vida difícil para se dedicar à escrita fácil, a jovem vivia rodeada pelos que guardavam as costas dos velhos. Agora anda pelas sessões de autógrafos rodeada de guarda-costas dos centros comerciais ou da indústria do bem impresso de sucesso. Quando é que me deixam ver as costas da rapariga? Quando é que me deixam vê-los a todos pelas costas?
Defendo que lhes seja indicado o caminho da salvação e que sejam ajudados a procurar e a ir com as suas armas e bagagens para algum paraíso... Fiscal, como lhes convém. Pode ser longe?
[o aveiro; 14/12/2006]
a bátega caindo
(...)
Acordo
com um som de lágrimas
nos braços. É a aventura
vestida da cinza fria
do cansaço. Bebo
o atrasado veneno da espera, um lagarto
passeando-se na boca.
(...)
José Carlos Soares; Bátega. Porto 2006
Acordo
com um som de lágrimas
nos braços. É a aventura
vestida da cinza fria
do cansaço. Bebo
o atrasado veneno da espera, um lagarto
passeando-se na boca.
(...)
José Carlos Soares; Bátega. Porto 2006
talvez dormir
Quando chega o Natal, dou por mim a seguir com redobrada atenção os anúncios. Recorto anúncios de bonecas quase vivas, as roupas, as casas para elas viverem, as máquinas, os heróis repetidos das bandas desenhadas e da televisão, os telemóveis, os jogos, as consolas, etc. Não, não os recorto dos jornais e revistas. Recordo-os da televisão que vejo e ouço. A televisão mostra o mesmo e mais qualquer coisa que o rádio, o mesmo e mais qualquer coisa que os jornais, etc. A televisão mostra mais.
E a televisão esconde mais que todos os outros meios juntos. Cada um dos três canais populares mostra-se a si mesmo, mostra o que afirma, mostra as suas meninas e os seus meninos feitos modelos, locutores, apresentadores e actores nos seus papéis e depois como actores que representam as suas próprias vidinhas, para voltarem como as personagens dos anúncios publicitários que tudo pagam e tudo compram e nos compram. Os três canais populares fazem de tudo para nos convencer que não há vida fora da vida que nos mostram. São a escola que finge vidas de sonho quando cria o vazio, quando levanta o biombo a separar a realidade... do sonho que comanda a vida.
Talvez seja por isso que a indústria se desdobra em canais e mais canais na obsessão doentia de chegarem a todos e a cada um, sem excepção. Os últimos anúncios para o estertor do mundo que conhecemos, dizem-nos que qualquer de nós deve ter acesso a 65 canais por toda a casa para que cada um faça a sua escolha de solidão em família. Acrescente-se isto aos telemóveis dos fala-sós pela rua e em casa, os computadores que nos ligam ao mundo virtual e nos separam do real, as consolas que fazem da nossa vida um jogo de guerra,... Tudo e em todos os lugares onde cada um possa grunhir a sua individualidade, até que o egoísmo supremo do desconhecimento dos outros transforme em nada as pessoas tipo pai, mãe, irmão, avó,...
Os mandantes destas indústrias e deste estado de coisas enchem a boca de declarações a favor da família e dos altos valores, enquanto vendem trincheiras que fazem das casas das famílias campos de batalha onde ninguém fale para se entender. Sem sabermos como, velhos e jovens aceitam o que antes era individualmente inaceitável - a tortura do sono e o isolamento em quartos minguantes.
De dia, as escolas abrem as salas de aula para jovens. Os jovens comparecem, uns para dormir, alguns para não despertar, outros para desesperar. Se isto é um pesadelo, é melhor acordar. Ou dormir?
[o aveiro; 7/12/2006]
E a televisão esconde mais que todos os outros meios juntos. Cada um dos três canais populares mostra-se a si mesmo, mostra o que afirma, mostra as suas meninas e os seus meninos feitos modelos, locutores, apresentadores e actores nos seus papéis e depois como actores que representam as suas próprias vidinhas, para voltarem como as personagens dos anúncios publicitários que tudo pagam e tudo compram e nos compram. Os três canais populares fazem de tudo para nos convencer que não há vida fora da vida que nos mostram. São a escola que finge vidas de sonho quando cria o vazio, quando levanta o biombo a separar a realidade... do sonho que comanda a vida.
Talvez seja por isso que a indústria se desdobra em canais e mais canais na obsessão doentia de chegarem a todos e a cada um, sem excepção. Os últimos anúncios para o estertor do mundo que conhecemos, dizem-nos que qualquer de nós deve ter acesso a 65 canais por toda a casa para que cada um faça a sua escolha de solidão em família. Acrescente-se isto aos telemóveis dos fala-sós pela rua e em casa, os computadores que nos ligam ao mundo virtual e nos separam do real, as consolas que fazem da nossa vida um jogo de guerra,... Tudo e em todos os lugares onde cada um possa grunhir a sua individualidade, até que o egoísmo supremo do desconhecimento dos outros transforme em nada as pessoas tipo pai, mãe, irmão, avó,...
Os mandantes destas indústrias e deste estado de coisas enchem a boca de declarações a favor da família e dos altos valores, enquanto vendem trincheiras que fazem das casas das famílias campos de batalha onde ninguém fale para se entender. Sem sabermos como, velhos e jovens aceitam o que antes era individualmente inaceitável - a tortura do sono e o isolamento em quartos minguantes.
De dia, as escolas abrem as salas de aula para jovens. Os jovens comparecem, uns para dormir, alguns para não despertar, outros para desesperar. Se isto é um pesadelo, é melhor acordar. Ou dormir?
[o aveiro; 7/12/2006]
a cor
se não há mais que uma cor, a cor que resta
está embalsamada e morta como o portador
que nos espreita
nós sabemos que o morto está lá tão confundido
com o castanho geral: a umbra coada é sombra,
a cor toda, a cor de tudo o que já não apodrece
onde não sobra a vida, a cor é o que permanece.
corpo humano
os alunos de artes do 11º ano da escola josé estêvão refazem a beleza interior do corpo humano.
os dias seguintes
De todas as coisas simples que fiz na vida, uma há que, quotidiana, me enchia de prazer e até alguma vaidade estética, confesso! Chegava a preparar-me para essa actividade com alguma demora mental e espreitava o espectáculo antecipadamente, criando momentos para deixar respirar a minha obra ou demorando este ou aquele aspecto para contemplação do meu público.
Estou a falar de antigas aulas de matemática falada, mas principalmente da escrita em quadros negros de ardósia. Desde a primária que cuidava da escrita, mas só muito tarde dei por mim a acrescentar a emoção da matemática manuscrita à escrita. Eu sei que o que escrevia era pré-determinado pela transmissão desta ou daquela ideia ou conceito, pela demonstração, pela técnica, ... Só que o que me dava prazer era a letra, os símbolos, as figuras limpas - brancas sobre o negro - que constituíam o quadro (igual e diferente dos outros dias) cheio de palavras, de expressões, ... cheio de gestos que me pareciam irrepetíveis. Houve mesmo alturas em que dava por mim a atribuir-me o papel de mestre escola que, pelo exemplo, pede imitação e pede autorização para ser exemplo de organização e pede admiração para aquela estrutura de andaimes seguros por nexos lógicos, humor emprestado e poesia. Se fosse hoje, teria fotografado muitos quadros antes de os apagar para todo o sempre. Do mesmo modo, tarde demais, tantas vezes desejei fotografar a memória da poesia que guardava em gavetas (de memória mesmo): a que tinha lido e a que improvisava cantando entre dentes ou discursando ao vazio.
A preocupação em sair desse palco para dar cada vez mais a ribalta aos aprendizes, felizmente ou infelizmente distantes da aprendizagem por pura imitação e memorização, fez com que fosse abandonando os gestos treinados para o quadro negro. Sem mágoa, fui substituindo o modelo que era por outro e por outro e por outro, na tentativa, talvez vã, de ser o caminho. Com nostalgia, vejo-me a voltar atrás num desejo absurdo de voltar ao tempo em que me pendurava nas paredes para colar o cartaz das minhas mãos treinando o quadro que viria a ser.
Ontem sentei-me a ouvir o debate sobre a universidade de hoje em diante. Acabei por adormecer e voltar a outra universidade onde crescia por dentro para fora de mim. Quando acordei, desenhado no quadro negro, olhava a nostalgia desenhada ao meu lado.
[o aveiro; 30/11/2006]
Estou a falar de antigas aulas de matemática falada, mas principalmente da escrita em quadros negros de ardósia. Desde a primária que cuidava da escrita, mas só muito tarde dei por mim a acrescentar a emoção da matemática manuscrita à escrita. Eu sei que o que escrevia era pré-determinado pela transmissão desta ou daquela ideia ou conceito, pela demonstração, pela técnica, ... Só que o que me dava prazer era a letra, os símbolos, as figuras limpas - brancas sobre o negro - que constituíam o quadro (igual e diferente dos outros dias) cheio de palavras, de expressões, ... cheio de gestos que me pareciam irrepetíveis. Houve mesmo alturas em que dava por mim a atribuir-me o papel de mestre escola que, pelo exemplo, pede imitação e pede autorização para ser exemplo de organização e pede admiração para aquela estrutura de andaimes seguros por nexos lógicos, humor emprestado e poesia. Se fosse hoje, teria fotografado muitos quadros antes de os apagar para todo o sempre. Do mesmo modo, tarde demais, tantas vezes desejei fotografar a memória da poesia que guardava em gavetas (de memória mesmo): a que tinha lido e a que improvisava cantando entre dentes ou discursando ao vazio.
A preocupação em sair desse palco para dar cada vez mais a ribalta aos aprendizes, felizmente ou infelizmente distantes da aprendizagem por pura imitação e memorização, fez com que fosse abandonando os gestos treinados para o quadro negro. Sem mágoa, fui substituindo o modelo que era por outro e por outro e por outro, na tentativa, talvez vã, de ser o caminho. Com nostalgia, vejo-me a voltar atrás num desejo absurdo de voltar ao tempo em que me pendurava nas paredes para colar o cartaz das minhas mãos treinando o quadro que viria a ser.
Ontem sentei-me a ouvir o debate sobre a universidade de hoje em diante. Acabei por adormecer e voltar a outra universidade onde crescia por dentro para fora de mim. Quando acordei, desenhado no quadro negro, olhava a nostalgia desenhada ao meu lado.
[o aveiro; 30/11/2006]
a exacta medida
Aquelas caras não me são estranhas. Aquelas caras não me são estranhas! A mulher repetia a frase como se estivesse a falar com os seus botões. As vozes não me soam estranhas. As vozes não me soam estranhas! A mulher repetia a frase como se precisasse de falar para si mesma para reconhecer o som da sua voz e, quem sabe?, identificar as vozes gordurosas, suadas pelos poros da televisão ligada.
O homem esticava a sua atenção para tentar perceber aquelas contas que se faziam com um grande número de pequenas quantidades, soma milionária de parcelas pequeníssimas. Vinham-lhe à memória as histórias dos golpes de bancários vigaristas que tiravam um cêntimo a cada conta de cada um de milhares de clientes do banco. Sempre se tinha deixado fascinar por esses golpes e chegava a imaginar caras patuscas para os seus autores. Acordou para olhar com atenção para aquelas caras. Os seus golpistas eram uns vigaristas simpáticos parecidos com o Robin dos Bosques que roubavam os banqueiros ou os clientes dos banqueiros para si mesmos ou para um grupo de amigos ou mesmo para uma seita de pobres tipos que de pouco precisavam. Tinha começado a perceber que o golpe tinha sido feito legalmente pelos próprios bancos sob as ordens daqueles senhores.
Não! Ouviu-se a dizer em voz alta, falando para a mulher. Estas caras que estás a ver não podes lembrar-te delas das nossas conversas sobre os heróis que associámos ao golpe dos centavos. Continuou ele. Também duvido que te lembres das caras e das vozes por serem banqueiros. Dos bancos nunca conhecemos mais do que o pessoal dos balcões.
Está bem. Tens razão. Eu nunca ouvi falar um banqueiro dos nossos dias. Concordou ela.
O homem e a mulher calaram-se para continuar a ouvir os senhores. Ouviram os senhores defender que é legítimo o que é legal, que, enquanto o vigarizado não reclamar, o vigarista não pode ter culpa nem remorso, até porque isso seria perda de iniciativa e eficácia. Ao determinar um fio de irracionalidade sem vergonha nos discursos dos senhores, a mulher virou-se para o homem para lhe dizer: Não estranho as caras e as vozes destes senhores e nem estranho o que dizem. Eles e as suas ideias devem ter passado por algum governo português ou pela administração de alguma empresa pública portuguesa.
Só pode! Concordou o homem.
E calaram-se.
[o aveiro; 23/11/2006]
O homem esticava a sua atenção para tentar perceber aquelas contas que se faziam com um grande número de pequenas quantidades, soma milionária de parcelas pequeníssimas. Vinham-lhe à memória as histórias dos golpes de bancários vigaristas que tiravam um cêntimo a cada conta de cada um de milhares de clientes do banco. Sempre se tinha deixado fascinar por esses golpes e chegava a imaginar caras patuscas para os seus autores. Acordou para olhar com atenção para aquelas caras. Os seus golpistas eram uns vigaristas simpáticos parecidos com o Robin dos Bosques que roubavam os banqueiros ou os clientes dos banqueiros para si mesmos ou para um grupo de amigos ou mesmo para uma seita de pobres tipos que de pouco precisavam. Tinha começado a perceber que o golpe tinha sido feito legalmente pelos próprios bancos sob as ordens daqueles senhores.
Não! Ouviu-se a dizer em voz alta, falando para a mulher. Estas caras que estás a ver não podes lembrar-te delas das nossas conversas sobre os heróis que associámos ao golpe dos centavos. Continuou ele. Também duvido que te lembres das caras e das vozes por serem banqueiros. Dos bancos nunca conhecemos mais do que o pessoal dos balcões.
Está bem. Tens razão. Eu nunca ouvi falar um banqueiro dos nossos dias. Concordou ela.
O homem e a mulher calaram-se para continuar a ouvir os senhores. Ouviram os senhores defender que é legítimo o que é legal, que, enquanto o vigarizado não reclamar, o vigarista não pode ter culpa nem remorso, até porque isso seria perda de iniciativa e eficácia. Ao determinar um fio de irracionalidade sem vergonha nos discursos dos senhores, a mulher virou-se para o homem para lhe dizer: Não estranho as caras e as vozes destes senhores e nem estranho o que dizem. Eles e as suas ideias devem ter passado por algum governo português ou pela administração de alguma empresa pública portuguesa.
Só pode! Concordou o homem.
E calaram-se.
[o aveiro; 23/11/2006]
eu sou a cova em que o meu corpo cabe
hoje
as flores estão a murchar nos castiçais
que marcam o território, a cova aberta,
o brusco rasgão na terra que me cabe em herança
e para onde a alma me foge,
alma errante, sem corpo ansiando o meu corpo
escondido como uma cova fora da cova
como um sulco por quem a finados dobram silêncios
os ocos dos sinos
hoje
eu sou a cova em que o meu corpo cabe
e nela falta.
as flores estão a murchar nos castiçais
que marcam o território, a cova aberta,
o brusco rasgão na terra que me cabe em herança
e para onde a alma me foge,
alma errante, sem corpo ansiando o meu corpo
escondido como uma cova fora da cova
como um sulco por quem a finados dobram silêncios
os ocos dos sinos
hoje
eu sou a cova em que o meu corpo cabe
e nela falta.
perto de longe
Uma vez por outra, dou por mim a prometer que não volto a fazer isto ou aquilo. Porque sou velho demais para continuar a fazer isso, porque é preciso deslocar-me e as pernas não ajudam, porque é muito importante dedicar-me às minhas aulas e à minha escola e a nada mais que isso, porque posso estar a perder o norte e já começam a amontoar-se disparates à minha porta da boca, na ponta da língua. Depois, acabo por ceder a quem manda (que são outros que não eu) e lá vou fazer uma ou outra viagem para defender pontos de vista sobre a matemática e o seu ensino. Depois de cada surtida para fora de mim mesmo, ensimesmo e penso nas tiradas que me parecem excessivas. É claro que, se há debate real, mais do que a descrição da ideia e dos seus contornos, é preciso atrair atenção para o ponto de vista que empurramos da penumbra dos bastidores para a luz da ribalta. Precisamos de empolgar uma mente até que suba ao palco e contracene com a nossa ideia, ainda que seja para a condenar. Nesse instante trágico em que damos lugar a uma ideia, prometemos não voltar a sair de casa. Até que um novo compromisso nos atira para longe de nós e contra nós.
Na semana passada, atei os olhos no abandono da estação dos caminhos de ferro de Oliveira do Bairro. O que mais me espantou nesta viagem foi a distância real entre Aveiro e Oliveira do Bairro para quem lá vai de comboio. Não devia ser longe. Mas é.
Na mesma surtida, espantou-me ver como são curtos os caminhos entre as pessoas que se ocupam do saber, da educação, da cultura científica no futuro, da fala entre as gerações. Onde alguns me apontaram a distância de um abismo, vi como fica perto a porta da casa onde comungamos o privilégio de chamar pelos nomes os jovens que trabalham e se destacam nas escolas locais. Havia uma ponta de vaidade e orgulho na voz dos responsáveis do "Jornal da Bairrada" quando chamavam pelos melhores filhos da terra. É esse fio de voz que nos leva daqui até ao futuro. Os jornais locais são o fio em que nos equilibramos quando encetamos a nossa travessia de funâmbulos. Se cairmos nesse caminho, caímos em casa. Esse é o conforto que anseio ao procurar uma casa comum em Aveiro
A ver passar os comboios em Oliveira do Bairro, liguei os quatro cantos da casa comum de Aveiro por comboio. Linha por linha.
[o aveiro; 16/11/2006]
Na semana passada, atei os olhos no abandono da estação dos caminhos de ferro de Oliveira do Bairro. O que mais me espantou nesta viagem foi a distância real entre Aveiro e Oliveira do Bairro para quem lá vai de comboio. Não devia ser longe. Mas é.
Na mesma surtida, espantou-me ver como são curtos os caminhos entre as pessoas que se ocupam do saber, da educação, da cultura científica no futuro, da fala entre as gerações. Onde alguns me apontaram a distância de um abismo, vi como fica perto a porta da casa onde comungamos o privilégio de chamar pelos nomes os jovens que trabalham e se destacam nas escolas locais. Havia uma ponta de vaidade e orgulho na voz dos responsáveis do "Jornal da Bairrada" quando chamavam pelos melhores filhos da terra. É esse fio de voz que nos leva daqui até ao futuro. Os jornais locais são o fio em que nos equilibramos quando encetamos a nossa travessia de funâmbulos. Se cairmos nesse caminho, caímos em casa. Esse é o conforto que anseio ao procurar uma casa comum em Aveiro
A ver passar os comboios em Oliveira do Bairro, liguei os quatro cantos da casa comum de Aveiro por comboio. Linha por linha.
[o aveiro; 16/11/2006]
a língua da tecnologia
As novas tecnologias de comunicação global permitem novas formas de ensinar e aprender. Os professores portugueses podem aproveitar a tecnologia para multiplicar as possibilidades de levar até aos outros os conteúdos de ensino, mas também para organizar os trabalhos necessários aos aprendizes para aprenderem a matéria do seu ensino. Podemos mesmo utilizar, a favor do nosso ensino, os contributos que um mundo de pessoas cria e nos dá de mão beijada no momento propício. Uma parte do que precisamos aparece em outras línguas e, por via disso, o nosso ensino fica acrescentado de valor com aprendizagens úteis.
Neste mundo de oportunidades, somos infinitamente mais livres que a geração que nos precedeu. Mas podemos cair na tentação de deixarmos de ser utilizadores e produtores de conteúdos próprios e podemos deixar que as línguas dominantes nos comam a língua até ao ponto de deixarmos que, no nosso trabalho quotidiano, todos os textos do nosso dia a dia estejam impregnados de termos de outras línguas e, particularmente, de termos e palavras de outras línguas registados como marcas de produtos a vender. Por esta via, os professores podem emigrar da pátria da língua para, sem sair das escolas portuguesas, se transformarem em coveiros da língua portuguesa tal como a conhecemos e é o mais notável traço da nossa identidade.
Em todas as nossas lições, devemos deixar marca da língua tanto pela fala como pela escrita. Mas a nossa marca portuguesa também deve estar nos lugares da rede global em que nos integramos, sem deixarmos de ser nós, nem deixar os outros ser por nós. Por isso, não são aceitáveis iniciativas dirigidas para o ensino básico onde se não respeita a norma da língua e aparecem diversas línguas numa mistura que parece informar os jovens da aceitação escolar de uma nova língua. Não há qualquer razão para aceitar isto em ambientes escolares de jovens a crescer em graça e sabedoria até uma identidade que ou tarda ou é, já agora, bastarda.
A conversar é que a gente se entende e que a gente também se afirma e se confirma. A escola ensina outras línguas, porque disso depende compreender o mundo e ser parte dele. Ao mesmo tempo, afirma a mãe língua de todos os dias, porque esta escola serve uma parte independente e notável deste mundo em rede.
[o aviero; 9/11/2006]
Neste mundo de oportunidades, somos infinitamente mais livres que a geração que nos precedeu. Mas podemos cair na tentação de deixarmos de ser utilizadores e produtores de conteúdos próprios e podemos deixar que as línguas dominantes nos comam a língua até ao ponto de deixarmos que, no nosso trabalho quotidiano, todos os textos do nosso dia a dia estejam impregnados de termos de outras línguas e, particularmente, de termos e palavras de outras línguas registados como marcas de produtos a vender. Por esta via, os professores podem emigrar da pátria da língua para, sem sair das escolas portuguesas, se transformarem em coveiros da língua portuguesa tal como a conhecemos e é o mais notável traço da nossa identidade.
Em todas as nossas lições, devemos deixar marca da língua tanto pela fala como pela escrita. Mas a nossa marca portuguesa também deve estar nos lugares da rede global em que nos integramos, sem deixarmos de ser nós, nem deixar os outros ser por nós. Por isso, não são aceitáveis iniciativas dirigidas para o ensino básico onde se não respeita a norma da língua e aparecem diversas línguas numa mistura que parece informar os jovens da aceitação escolar de uma nova língua. Não há qualquer razão para aceitar isto em ambientes escolares de jovens a crescer em graça e sabedoria até uma identidade que ou tarda ou é, já agora, bastarda.
A conversar é que a gente se entende e que a gente também se afirma e se confirma. A escola ensina outras línguas, porque disso depende compreender o mundo e ser parte dele. Ao mesmo tempo, afirma a mãe língua de todos os dias, porque esta escola serve uma parte independente e notável deste mundo em rede.
[o aviero; 9/11/2006]
escória
Diocleciano Gulpilhares é um cientista social. Mais concretamente , podemos classificá-lo como garimpeiro, o que anda ao "garimpo", não de rio em rio, mas de texto em texto.
[Durante um tempo, eu pensei que uma pessoa, quando lia livros, lia livros. Ou, quando muito, quando alguém acompanhava a leirua com a preocupação de tirar notas, eu diria que estudava. Têm-me convencido que alguns mortais, talvez porque leiam intencionalmente este livro em vez daquele, quando lêem estão a fazer pequisa ou a investigar. Os professores dizem isso às crianças e, desde pequenos, elas perdem os hábitos de leitura simples para os substtuir por hábitos de pesquisa :-) E pior ainda: estas crianças entregam aos professores babados, os resultados das suas pesquisas. Cópias laboriosas de páginas de enciclopédia são trabalhos classificados como património pelos professores.]
Quando Diocleciano era jovem, ainda não era assim. Mas em algumas cadeiras aprendeu essa forma de estar a pesquisar. E, agora, acabada a liccenciatura, lança-se na investigação pura: formula hipóteses já formuladas por um amigo americano. E ninguém o pode parar. À medida que aprofunda esta sua forma de garimpar de livro em livro, Dicoleciano vai eprdendo o norte e já nem sabe que minério precioso garimpa.
Diocleciano é um garimpeiro moderno. Esquecido de procurar o ouro dos livros, é um garimpeiro da escória.
pretextos; 1993
[Durante um tempo, eu pensei que uma pessoa, quando lia livros, lia livros. Ou, quando muito, quando alguém acompanhava a leirua com a preocupação de tirar notas, eu diria que estudava. Têm-me convencido que alguns mortais, talvez porque leiam intencionalmente este livro em vez daquele, quando lêem estão a fazer pequisa ou a investigar. Os professores dizem isso às crianças e, desde pequenos, elas perdem os hábitos de leitura simples para os substtuir por hábitos de pesquisa :-) E pior ainda: estas crianças entregam aos professores babados, os resultados das suas pesquisas. Cópias laboriosas de páginas de enciclopédia são trabalhos classificados como património pelos professores.]
Quando Diocleciano era jovem, ainda não era assim. Mas em algumas cadeiras aprendeu essa forma de estar a pesquisar. E, agora, acabada a liccenciatura, lança-se na investigação pura: formula hipóteses já formuladas por um amigo americano. E ninguém o pode parar. À medida que aprofunda esta sua forma de garimpar de livro em livro, Dicoleciano vai eprdendo o norte e já nem sabe que minério precioso garimpa.
Diocleciano é um garimpeiro moderno. Esquecido de procurar o ouro dos livros, é um garimpeiro da escória.
pretextos; 1993
antigamente
Sérgio Cabeleira vai resistindo menos mal ao quarto minguante, à lua nova e até ao quarto crescente. Mas à lua cheia não pode ele resistir.
Quando a lua cheia se levanta brilhante no ar, a atracção é fatal e Sérgio não pode lutar contra isso. É atraído porque é oco! - disse a Lola e eu acredito. Lola diz que quando uma mulher se apaixonar verdadeiramente por Sérgio, o feitiço da lua será quebrado. Um homem oco pode ser cheio por uma mulher verdadeira.
É Lola que que nos ensina que o feitiço da lua pode ser derrotado por um feitiço de mulher.
Sérgio Cabeleira não sabe que assim é e é talvez por isso que não olha para as mulheres como se elas pudessem ser o seu recheio. Ou porque não quer ser um perú.
pretextos; 1993
Quando a lua cheia se levanta brilhante no ar, a atracção é fatal e Sérgio não pode lutar contra isso. É atraído porque é oco! - disse a Lola e eu acredito. Lola diz que quando uma mulher se apaixonar verdadeiramente por Sérgio, o feitiço da lua será quebrado. Um homem oco pode ser cheio por uma mulher verdadeira.
É Lola que que nos ensina que o feitiço da lua pode ser derrotado por um feitiço de mulher.
Sérgio Cabeleira não sabe que assim é e é talvez por isso que não olha para as mulheres como se elas pudessem ser o seu recheio. Ou porque não quer ser um perú.
pretextos; 1993
do que sei
diz-se
do que sei
posso dizer-te
que as margens do biombo são galgadas pela lua
quando vem desvelar a sua face oculta
do que sei
posso dizer-te
que as margens do biombo são galgadas pela lua
quando vem desvelar a sua face oculta
esconder para esquecer
Aproveito uma aberta entre dois temporais para escrever uma clareira, para escrever uma "branca". Nós escrevemos uma "branca" quando não nos lembramos de coisa alguma que interesse escrever. Por enquanto, a "branca" ainda é de outros.
Na semana passada, foi lançado o livro "Desastre no ensino da Matemática: como recuperar o tempo perdido". O livro reuniu intervenções de notáveis sobre o passado e foi lançado numa conferência de outros notáveis sobre o futuro do ensino da Matemática. Esta conferência reuniu vários ex-ministros da educação e conselheiros que são representativos de todos os os governos e partidos com pastas da educação desde o 25 de Abril.
Houve desastre e ficamos a saber que responsáveis pelas políticas da educação dos últimos 30 anos estão de saúde e, apesar do desastre, estão bem na vida e continuam capazes de dizer ao país do futuro o que deve ser feito para recuperar o tempo perdido por eles, com eles, apesar deles, ...
[Porque o empreendimento da educação correu mal, todos os educadores e professores são condenados, com pouco direito a defesa, todos os dias. Destes se diz que progrediram até ao topo das suas carreiras, sem qualquer avaliação. Ao contrário, os coitados dos ministros do tempo perdido foram avaliados e, por isso, voaram tão mais alto quanto mais contribuíram para o êxito do desastre ou para o fracasso da educação.]
Nos intervalos das aulas de matemática do dia seguinte à conferência, tentei descortinar o que teriam dito aqueles ministros do tempo perdido do título do livro. Aos ouvidos chegaram-me as banalidades com que os passa-culpas palitam os dentes e coçam a consciência. Dei por mim a pensar que mais valia comprar e ler o livro logo que pudesse, para saber mais.
E só à noite percebi o vazio que acontecera, quando um dos responsáveis da coisa disse, para quem o quis ouvir, que não lhes interessara o passado e que tinham combinado só falar do futuro. Estão a ver a maravilha?
Para os efeitos, o passado é um desastre. Para parte das causas, o passado é uma branca.
Dia a dia, dou por mim mais velho e incapaz. Fico feliz por conseguir reconhecer os erros passados e corrigir, quando dou por eles, os erros de hoje. Peço a Deus que não me deixe cair na tentação da irresponsabilidade e prefiro, apesar dos erros, pensar que o passado não foi uma completa bronca, e desejar que não venha a ser... a grande "branca".
[o aveiro;2/11/2006]
Na semana passada, foi lançado o livro "Desastre no ensino da Matemática: como recuperar o tempo perdido". O livro reuniu intervenções de notáveis sobre o passado e foi lançado numa conferência de outros notáveis sobre o futuro do ensino da Matemática. Esta conferência reuniu vários ex-ministros da educação e conselheiros que são representativos de todos os os governos e partidos com pastas da educação desde o 25 de Abril.
Houve desastre e ficamos a saber que responsáveis pelas políticas da educação dos últimos 30 anos estão de saúde e, apesar do desastre, estão bem na vida e continuam capazes de dizer ao país do futuro o que deve ser feito para recuperar o tempo perdido por eles, com eles, apesar deles, ...
[Porque o empreendimento da educação correu mal, todos os educadores e professores são condenados, com pouco direito a defesa, todos os dias. Destes se diz que progrediram até ao topo das suas carreiras, sem qualquer avaliação. Ao contrário, os coitados dos ministros do tempo perdido foram avaliados e, por isso, voaram tão mais alto quanto mais contribuíram para o êxito do desastre ou para o fracasso da educação.]
Nos intervalos das aulas de matemática do dia seguinte à conferência, tentei descortinar o que teriam dito aqueles ministros do tempo perdido do título do livro. Aos ouvidos chegaram-me as banalidades com que os passa-culpas palitam os dentes e coçam a consciência. Dei por mim a pensar que mais valia comprar e ler o livro logo que pudesse, para saber mais.
E só à noite percebi o vazio que acontecera, quando um dos responsáveis da coisa disse, para quem o quis ouvir, que não lhes interessara o passado e que tinham combinado só falar do futuro. Estão a ver a maravilha?
Para os efeitos, o passado é um desastre. Para parte das causas, o passado é uma branca.
Dia a dia, dou por mim mais velho e incapaz. Fico feliz por conseguir reconhecer os erros passados e corrigir, quando dou por eles, os erros de hoje. Peço a Deus que não me deixe cair na tentação da irresponsabilidade e prefiro, apesar dos erros, pensar que o passado não foi uma completa bronca, e desejar que não venha a ser... a grande "branca".
[o aveiro;2/11/2006]
a privada
A semana entusiasmou-se com o êxito em bolsa de uma nova energia, aquela maravilhosa energia limpa soprada para dentro de milhares de balões coloridos (a uma só cor adequada, diga-se!). Nós devemos ficar contentes com os encaixes dos governos e devemos entusiasmar-nos com os desfiles dos dentes mais brancos e afiados acabadinhos de sair de um governo para as administrações das empresas. Essas empresas são ou foram públicas no todo ou em parte até que a parte pública se torna interessante como privada e a iniciativa pública se desvela em zelos para tornar privado o que era público. Quando vejo ex e actuais ministros, ex e actuais administradores nestas festas bolsistas, chego a pensar que há uma unidade de missão para meter o país na privada.
A semana pública entusiasmou-se com a semana privada. Os balões laranja nem chegam para as encomendas.
Do governo vieram todas as indicações e leis que obrigariam a mexidas nos preços da electricidade. Mas o instante da divulgação pública da coisa calhou em má altura, logo em cima de negociações salariais que o não são e em cima da apresentação do orçamento, etc. Ministros, secretários e outros escribas das leis que obrigaram ao aumento lançam-se em declarações contraditórias. Com tal bagunça, acabámos a assistir a um debate sobre custos e preços da energia eléctrica e sobre a política energética do país. Na primeira parte, ouvimos esclarecimentos sobre custos e preços praticados e sobre a composição do preço que os consumidores pagam. Na segunda parte, ouvimos falar de políticas energéticas, numa discussão que uniu o conjunto dos interessados no actual sistema de produção da energia, incluindo as renováveis, contra o nuclear. Mas interessante mesmo foi ver os ministros e secretários do estado de ontem a apresentarem-se hoje como presidentes de empresas dos sectores que tutelaram. E aparecem tão independentes, tão defensores do interesse público até à ânsia de não vender a energia que vendem.
São eles que afagam a lâmpada para receber o soldo devido ao génio.
[o aveiro; 26/10/2006]
A semana pública entusiasmou-se com a semana privada. Os balões laranja nem chegam para as encomendas.
Do governo vieram todas as indicações e leis que obrigariam a mexidas nos preços da electricidade. Mas o instante da divulgação pública da coisa calhou em má altura, logo em cima de negociações salariais que o não são e em cima da apresentação do orçamento, etc. Ministros, secretários e outros escribas das leis que obrigaram ao aumento lançam-se em declarações contraditórias. Com tal bagunça, acabámos a assistir a um debate sobre custos e preços da energia eléctrica e sobre a política energética do país. Na primeira parte, ouvimos esclarecimentos sobre custos e preços praticados e sobre a composição do preço que os consumidores pagam. Na segunda parte, ouvimos falar de políticas energéticas, numa discussão que uniu o conjunto dos interessados no actual sistema de produção da energia, incluindo as renováveis, contra o nuclear. Mas interessante mesmo foi ver os ministros e secretários do estado de ontem a apresentarem-se hoje como presidentes de empresas dos sectores que tutelaram. E aparecem tão independentes, tão defensores do interesse público até à ânsia de não vender a energia que vendem.
São eles que afagam a lâmpada para receber o soldo devido ao génio.
[o aveiro; 26/10/2006]
excelente
Os nossos governantes actuais que são muitos dos mesmos do passado andam a dizer que é preocupante o actual sistema de avaliação dos professores porque não distingue os bons profissionais dos menos bons e nem sequer dos maus profissionais. Eu inclino-me para pensar que eles têm razão quando falam. Mas não acredito neles. Porquê?
É fácil adivinhar. Fui dirigente de uma escola durante muitos anos. E, sem trair a lealdade a que me obrigo como funcionário público, posso garantir que um ministro atribuíu a classificação de excelente professor do ensino secundário a um funcionário público que não era professor do ensino secundário nos termos que a lei exigia para ser considerado excelente professor do ensino secundário. Prerrogativa de ministro? Talvez legal. Legítima? Eticamente reprovável, digo eu, até porque desautorizou os pareceres necessários dos dirigentes, sem dar cavaco às tropas. [Um ex-ministro socialista diz que a ética é a lei (que ele fez e ele a ele aplica....)]
É fácil adivinhar poque é que eu não posso confiar nos melhores de entre eles.
Há quem faça greve como luta. Há quem faça greve por luto. Há quem faça greve por nojo. Por nojo, mesmo.
É fácil adivinhar. Fui dirigente de uma escola durante muitos anos. E, sem trair a lealdade a que me obrigo como funcionário público, posso garantir que um ministro atribuíu a classificação de excelente professor do ensino secundário a um funcionário público que não era professor do ensino secundário nos termos que a lei exigia para ser considerado excelente professor do ensino secundário. Prerrogativa de ministro? Talvez legal. Legítima? Eticamente reprovável, digo eu, até porque desautorizou os pareceres necessários dos dirigentes, sem dar cavaco às tropas. [Um ex-ministro socialista diz que a ética é a lei (que ele fez e ele a ele aplica....)]
É fácil adivinhar poque é que eu não posso confiar nos melhores de entre eles.
Há quem faça greve como luta. Há quem faça greve por luto. Há quem faça greve por nojo. Por nojo, mesmo.
Subscrever:
Mensagens (Atom)
-
Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
-
eu bem me disse que estava a ser parvo por pensar que só com os meus dentes chegavam para morder até o futuro e n...