o descanso
Pareceu-me poder dizer que, em certas alturas da vida do homem que ando a perseguir, ele traz a cabeça pousada no ombro como se quisesse ver quem o persegue até eu ter a certeza que ele me está a ver. Ele quer que eu veja cada pormenor dos seus pequenos actos desinteressantes até me ver compor o quadro completo de tudo o que lhe tinha reprovado de forma desabrida.
O homem, que eu persigo pertinaz, não se deixa ficar num dos lados da sua vida na esperança que me aborreça e adormeça. Ele mostra-me mesmo nos mais obscuros pensamentos e deixa que eu veja o que ele não sabe. De certo modo, deixa-me ver o seu obscuro modo de fazer ou o seu modo de pensar e até o seu modo de falar nas reuniões. Olho para ele vendo como ele olha os textos. Ele deixa-me ver os acordos e desacordos das primeiras leituras. E deixa-me ver como cada opinião o influencia. Ele deixa-me ver como hesita demasiado até soltar uma tentativa de acordo numa dúvida que deve pairar ou numa sugestão que toma o lugar da dúvida. Ele deixa-me ver como toma o lugar do outro até perceber que mais vale ler como ele, na esperança que todos leiam desse modo esse mal o menos.
De vez em quando, o homem solta-se e deixa que o discurso se solte em alta voz como quem procura respostas nos olhares e nos esgares de quem ouve. De vez em quando, o homem deixa-me ver uma pergunta que se destaca do discurso como se fora uma faca afiada ou uma gargalhada inesperada surgida da dobra onde guarda as memórias detalhadas dos outros, essas que não são para usar. Tenho a certeza que ele dá por mim, que o persigo todos os minutos da sua vida para ganhar a vida, e começo a pensar que ele me dá tudo quanto eu preciso de saber para que eu não me canse. Há detalhes que nem me lembrava de apontar se não fosse a importância que ele lhes dá ao sublinhá-los.
Quando escrevo os meus relatórios, tenho de me controlar para não descrever detalhes que pareçam impossíveis pela observação que eu posso fazer a uma distância que não me denuncie. Tudo me é dado ver e saber sobre o homem que persigo e já sei que só durmo quando ele dorme, sem precisar de pensar nisso.
Eu sou o homem que persigo. Cada vez que um determinado quadro pode ser exposto, descanso. A crítica ao quadro exposto, ainda que errada, é uma crítica sobre o quadro que se pode ver. Porque haverá tanta gente a criticar o que não sabe e nem existe?
[o aveiro; 10/07/2008]
O homem, que eu persigo pertinaz, não se deixa ficar num dos lados da sua vida na esperança que me aborreça e adormeça. Ele mostra-me mesmo nos mais obscuros pensamentos e deixa que eu veja o que ele não sabe. De certo modo, deixa-me ver o seu obscuro modo de fazer ou o seu modo de pensar e até o seu modo de falar nas reuniões. Olho para ele vendo como ele olha os textos. Ele deixa-me ver os acordos e desacordos das primeiras leituras. E deixa-me ver como cada opinião o influencia. Ele deixa-me ver como hesita demasiado até soltar uma tentativa de acordo numa dúvida que deve pairar ou numa sugestão que toma o lugar da dúvida. Ele deixa-me ver como toma o lugar do outro até perceber que mais vale ler como ele, na esperança que todos leiam desse modo esse mal o menos.
De vez em quando, o homem solta-se e deixa que o discurso se solte em alta voz como quem procura respostas nos olhares e nos esgares de quem ouve. De vez em quando, o homem deixa-me ver uma pergunta que se destaca do discurso como se fora uma faca afiada ou uma gargalhada inesperada surgida da dobra onde guarda as memórias detalhadas dos outros, essas que não são para usar. Tenho a certeza que ele dá por mim, que o persigo todos os minutos da sua vida para ganhar a vida, e começo a pensar que ele me dá tudo quanto eu preciso de saber para que eu não me canse. Há detalhes que nem me lembrava de apontar se não fosse a importância que ele lhes dá ao sublinhá-los.
Quando escrevo os meus relatórios, tenho de me controlar para não descrever detalhes que pareçam impossíveis pela observação que eu posso fazer a uma distância que não me denuncie. Tudo me é dado ver e saber sobre o homem que persigo e já sei que só durmo quando ele dorme, sem precisar de pensar nisso.
Eu sou o homem que persigo. Cada vez que um determinado quadro pode ser exposto, descanso. A crítica ao quadro exposto, ainda que errada, é uma crítica sobre o quadro que se pode ver. Porque haverá tanta gente a criticar o que não sabe e nem existe?
[o aveiro; 10/07/2008]
os impostos inaceitáveis
Por dá cá aquela palha, ouvimos badalar a necessidade de baixar os impostos como cura para todos os males. Há dirigentes políticos, a começar pelos autarcas, que anunciam como sua virtude a vontade e a decisão de baixar impostos.
Ao defender a entrega a privados da prestação de alguns serviços fundamentais, com o argumento de que funcionariam melhor, os presidentes de câmara, vereadores e gestores da coisa pública desvalorizam a sua capacidade de gestão e acção. Ou não são eles os responsáveis dos serviços que querem alienar para outros que façam melhor? Ou não são eles que, ao mesmo tempo e a todo o tempo, garantem aos eleitores que são capazes de tudo fazer bem até merecerem ser reconduzidos nos seus lugares de gestores da coisa pública?
Não tenho nada contra os impostos cobrados claramente. Parecem-me baixos para os serviços sociais que suportam, se forem bons serviços e em boa hora prestados.
Serviços bons e claros nunca são caros. Sou contra os impostos que não estão declarados e são cobrados de forma cobarde e clandestina. Caras são as horas de vida que pequenas e poderosas repartições nos roubam. Caras são as horas de espera para o momento de protelar decisões. Caros são os impostos que pagamos ao sermos convocados para reuniões em que os dirigentes não conseguem tomar decisões e se deixam manietar pelos truques e tiques dos pequenos poderes nas suas administrações. Caras são as horas que vivemos sem qualquer proveito e onde a única novidade é o papel (ou a nova informação) que passou a faltar hoje e não faltava ontem e sem que o dirigente em presença denuncie, contrarie e mostre que percebe a incúria, o desleixo, a fraude, o prejuízo que tal arrastar de situações cria aos utentes. A administração aparece-nos tolhida por pequenos técnicos que passam mais tempo em corredores de conversa (de empatar umas vezes para agilizar demais outras) que em trabalho a apoiar decisões.
Por vezes, damos por nós a pensar que esse é o sistema onde vivem os que querem ver reduzidos os impostos com finalidade à vista e, por isso, a exigir prestação de contas, para os substituir por arranjos e combinações entre cúmplices do estado das coisas a que chegámos.
Há quem finja que estes impostos não são cobrados. Como ilusionistas disparam palavras contra todos os impostos. Sob a toalha dessas palavras e do medo, escondem os impostos dos dias e dos passos perdidos.
[o aveiro; 03/06/2008]
Ao defender a entrega a privados da prestação de alguns serviços fundamentais, com o argumento de que funcionariam melhor, os presidentes de câmara, vereadores e gestores da coisa pública desvalorizam a sua capacidade de gestão e acção. Ou não são eles os responsáveis dos serviços que querem alienar para outros que façam melhor? Ou não são eles que, ao mesmo tempo e a todo o tempo, garantem aos eleitores que são capazes de tudo fazer bem até merecerem ser reconduzidos nos seus lugares de gestores da coisa pública?
Não tenho nada contra os impostos cobrados claramente. Parecem-me baixos para os serviços sociais que suportam, se forem bons serviços e em boa hora prestados.
Serviços bons e claros nunca são caros. Sou contra os impostos que não estão declarados e são cobrados de forma cobarde e clandestina. Caras são as horas de vida que pequenas e poderosas repartições nos roubam. Caras são as horas de espera para o momento de protelar decisões. Caros são os impostos que pagamos ao sermos convocados para reuniões em que os dirigentes não conseguem tomar decisões e se deixam manietar pelos truques e tiques dos pequenos poderes nas suas administrações. Caras são as horas que vivemos sem qualquer proveito e onde a única novidade é o papel (ou a nova informação) que passou a faltar hoje e não faltava ontem e sem que o dirigente em presença denuncie, contrarie e mostre que percebe a incúria, o desleixo, a fraude, o prejuízo que tal arrastar de situações cria aos utentes. A administração aparece-nos tolhida por pequenos técnicos que passam mais tempo em corredores de conversa (de empatar umas vezes para agilizar demais outras) que em trabalho a apoiar decisões.
Por vezes, damos por nós a pensar que esse é o sistema onde vivem os que querem ver reduzidos os impostos com finalidade à vista e, por isso, a exigir prestação de contas, para os substituir por arranjos e combinações entre cúmplices do estado das coisas a que chegámos.
Há quem finja que estes impostos não são cobrados. Como ilusionistas disparam palavras contra todos os impostos. Sob a toalha dessas palavras e do medo, escondem os impostos dos dias e dos passos perdidos.
[o aveiro; 03/06/2008]
tempo quente
Quando me esqueço de quem sou
Uma alma toca o alarme da minha porta
E à maneira dos ferros em brasa engoma-me
As palavras uma a uma antes que eu saia.
Piedosa a alma passa o seu pano de vapor
Alisando-me a testa e uma ruga cavada
Como vale de lágrimas entre o olhar perdido
E os lábios gretados pela cal da sede.
Depois é ver-me passear à soleira
Magnífico como um dente de ouro
Preso por um cordel ao trinco da porta
Que alguém abrirá ao passar.
Uma alma toca o alarme da minha porta
E à maneira dos ferros em brasa engoma-me
As palavras uma a uma antes que eu saia.
Piedosa a alma passa o seu pano de vapor
Alisando-me a testa e uma ruga cavada
Como vale de lágrimas entre o olhar perdido
E os lábios gretados pela cal da sede.
Depois é ver-me passear à soleira
Magnífico como um dente de ouro
Preso por um cordel ao trinco da porta
Que alguém abrirá ao passar.
exames... de consciência
Como passar estes dias sem falar de exames? Há exames. E todos nos afadigamos em dizer que isto vai mal. Os exames vão mal. Os alunos têm melhores resultados? Isso é mau: os exames são fáceis demais. Os alunos têm maus resultados? Isso é mau, mas não são os exames que são mais difíceis, o que acontece é que são maus os ministros, os programas, as escolas ou os professores em geral. Como passar no exame destes dias?
Os exames são mais fáceis? São mais difíceis? São diferentes? São iguais? São tudo isso, devemos dizer em abono da verdade. E há quem diga cada uma das coisas, com toda a razão cada um dos que fala quando compara com alguma coisa que tem na cabeça e que os outros não conhecem.
Hoje em dia, os exames são mais acessíveis? São, de facto são. Desde há um bom par de anos que se tem vindo (finalmente!) a publicar as perguntas que se fazem e se podem fazer sobre os programas e até mesmo as respostas que se esperam. Para esperar o quê? Que os alunos tenham piores resultados? É mau que os alunos saibam que tipo de perguntas se podem e devem fazer no fim de um ciclo de escolaridade? Não, não é. É mau que muitos alunos percebam que as questões que lhes podem ser postas são acessíveis no sentido que procuram que eles mostrem se estudaram e compreenderam o que de essencial se espera deles? Mais transparência do sistema dá mais confiança, e, com mais tempo para pensar, preparar e escrever as respostas não é natural que tenhamos melhores resultados?
Assim é, mas nada nos permite diminuir e espalhar a crença que melhores resultados do trabalho actual só podem ser uma fraude. Uns serão...
Criticáveis são, certamente, políticas e medidas no sistema educativo dos últimos anos. Também dos responsáveis pelos exames.
Quem havia de se lembrar de um motivo para louvar os últimos governos tão diferentes em partidos e em partidas que nos pregam? Eu. Que fizeram eles de bom? Mantiveram uma organização com autonomia - o GAVE - a dirigir a concepção e elaboração de provas de exame, de testes intermédios, de publicações de perguntas e respostas. A todos eles, muito obrigado por esse pequeno nada que é afinal o tudo nada que fez alguma diferença.
Se temos de aumentar a exigência sobre os sistemas, exigindo ao mesmo tempo cada vez mais dos jovens, dos professores, das escolas? Claro, sempre! Como se faz isso? Exigindo. O que é que isso poderá ter a ver com a palavra fácil? Nada.
[o aveiro; 26/06/2008]
Os exames são mais fáceis? São mais difíceis? São diferentes? São iguais? São tudo isso, devemos dizer em abono da verdade. E há quem diga cada uma das coisas, com toda a razão cada um dos que fala quando compara com alguma coisa que tem na cabeça e que os outros não conhecem.
Hoje em dia, os exames são mais acessíveis? São, de facto são. Desde há um bom par de anos que se tem vindo (finalmente!) a publicar as perguntas que se fazem e se podem fazer sobre os programas e até mesmo as respostas que se esperam. Para esperar o quê? Que os alunos tenham piores resultados? É mau que os alunos saibam que tipo de perguntas se podem e devem fazer no fim de um ciclo de escolaridade? Não, não é. É mau que muitos alunos percebam que as questões que lhes podem ser postas são acessíveis no sentido que procuram que eles mostrem se estudaram e compreenderam o que de essencial se espera deles? Mais transparência do sistema dá mais confiança, e, com mais tempo para pensar, preparar e escrever as respostas não é natural que tenhamos melhores resultados?
Assim é, mas nada nos permite diminuir e espalhar a crença que melhores resultados do trabalho actual só podem ser uma fraude. Uns serão...
Criticáveis são, certamente, políticas e medidas no sistema educativo dos últimos anos. Também dos responsáveis pelos exames.
Quem havia de se lembrar de um motivo para louvar os últimos governos tão diferentes em partidos e em partidas que nos pregam? Eu. Que fizeram eles de bom? Mantiveram uma organização com autonomia - o GAVE - a dirigir a concepção e elaboração de provas de exame, de testes intermédios, de publicações de perguntas e respostas. A todos eles, muito obrigado por esse pequeno nada que é afinal o tudo nada que fez alguma diferença.
Se temos de aumentar a exigência sobre os sistemas, exigindo ao mesmo tempo cada vez mais dos jovens, dos professores, das escolas? Claro, sempre! Como se faz isso? Exigindo. O que é que isso poderá ter a ver com a palavra fácil? Nada.
[o aveiro; 26/06/2008]
(arte) postal
desenho em postais do correio, desenho em folhinhas a6, desenho em papel de mesa, desenho em guardanapos, e, sempre que possível, para compensar a falta de palavras, no verso escrevo endereço e colo o selo. as pessoas que recebem as folhinhas pelo correio nunca me escreveram de volta sobre qualquer dos desenhos que lhes enviei. de vez em quando, preocupo-me em saber se as folhas volantes chegaram ao seu destino. e só.
as mais incríveis folhinhas têm chegado ao seu destino e os correios de portugal ainda não pararam de me surpreender. do que eu mais gosto e o que eu mais admiro é a diligência dos carteiros no seu circuito.
admirar de admirar mesmo.
negativo de um postal, só o negativo que ora mostro.
o girassol dissidente
Recebi o teu postal de reunião. Foi bom, por uma vez, ter na caixa de correio algo diferente de uma factura para pagar!
Em troca, mando-te este girassol dissidente que nasceu aqui perto da minha casa.
Abraço
Marília
Perguntei-lhe:
- Um girassol virou-se para ti e os outros viraram-te as costas? Porquê?
Ela respondeu:
- Estes girassóis são muito esquisitos. Estão sempre virados para o mesmo sítio, no caso para nascente, independentemente da posição do sol. Excepto um, o de primeiro plano, que está sempre voltado para poente. Chamei-lhes transgénicos. Não mudaram de posição. Fotografei-os. Ficaram na mesma. Nem um se voltou para mim, nem os outros me viraram as costas. São mesmo assim, bonitos mas, esquisitos.
Darão semente?
Em troca, mando-te este girassol dissidente que nasceu aqui perto da minha casa.
Abraço
Marília
Perguntei-lhe:
- Um girassol virou-se para ti e os outros viraram-te as costas? Porquê?
Ela respondeu:
- Estes girassóis são muito esquisitos. Estão sempre virados para o mesmo sítio, no caso para nascente, independentemente da posição do sol. Excepto um, o de primeiro plano, que está sempre voltado para poente. Chamei-lhes transgénicos. Não mudaram de posição. Fotografei-os. Ficaram na mesma. Nem um se voltou para mim, nem os outros me viraram as costas. São mesmo assim, bonitos mas, esquisitos.
Darão semente?
a vontade
Não aceito um Não. Ainda há pouco disseste que eu era o maior e agora dizes-me Não? Não pode ser. Nada é pior que um Não! O pior Não é aquele que se segue a grandes declarações de amor e dedicação! O pior Não é aquele que está rodeado de pequenos sins, é aquele que nós rodeamos de todos os carinhos para ser um sim. Não me faças isso, não me digas Não!
Quando eu te mando fazer isto ou aquilo é para teu bem e, por isso, está fora de causa que digas que Não fazes! Que diabo te leva a dizer Não? Não consigo compreender o teu Não. Claro que nunca me passaria pela cabeça preocupar-me com um sim senhor, pois claro! Quando dizes sim aos meus pedidos e aos meus desejos isso é tão natural que não me interrogo sobre as razões que te levam a dizer-me sim. Natural é estares de acordo comigo. Todos sabemos quem tem razão. Quem tem razão sou eu. Mesmo que eu mal te explique porque hás-de gostar de mim, natural é que gostes de mim e me digas sim, sim, sim. Não? Que ideia mais infeliz a tua!
Onde foste buscar coragem para me dizer Não? Parece impossível! Todos os meus amigos e conhecidos só podem aconselhar-te a dizer que sim ao que eu quero. Está tudo tratado para o teu sim, Se disseres que sim, vamos ser felizes para sempre! Como podes duvidar? Não te chegam as minhas promessas? Antes de dizer Não, bem podias ter pedido qualquer coisinha que te interessasse. Eu nunca te diria Não! Podia mandar-te mesmo um braçado de rosas, um maço de notas, um beijo, uma carta de amor, um cartão de boas festas e até mesmo boas festas antecipadas. Isso tudo. Não, eu não me importava nada de te prometer mundos e fundos. Ou até dar-te fundos. Agora, dizer-me Não, depois de todas as minhas promessas e depois de teres conhecimento que todos os meus conhecidos e amigos (que são toda a gente, com sabes) já me disseram sim! Parece impossível! Diz-me porquê! Eu preciso de saber porquê. Um Não, porquê?
Quem és tu para me dizer Não? Afinal quem pensas que és? Não, não podemos aceitar o teu Não. O teu Não não tem sentido. É um contra-senso. E é um contratempo!
Não te compreendo! O que é que queres? Um divórcio? É isso que tu queres? Não é melhor pararmos para reflectir? Eu sei que se pensares melhor vais dizer sim, não é? Não é? Diz alguma coisa! Vá, diz alguma coisa que me ajude a perceber. Quem julgas que és? O que é que tu queres, afinal? Dizes Não e pronto? Isso é assim? Isto não fica assim!
Quem é que tu pensas que és?
A Irlanda.
[o aveiro; 19/06/2008]
Quando eu te mando fazer isto ou aquilo é para teu bem e, por isso, está fora de causa que digas que Não fazes! Que diabo te leva a dizer Não? Não consigo compreender o teu Não. Claro que nunca me passaria pela cabeça preocupar-me com um sim senhor, pois claro! Quando dizes sim aos meus pedidos e aos meus desejos isso é tão natural que não me interrogo sobre as razões que te levam a dizer-me sim. Natural é estares de acordo comigo. Todos sabemos quem tem razão. Quem tem razão sou eu. Mesmo que eu mal te explique porque hás-de gostar de mim, natural é que gostes de mim e me digas sim, sim, sim. Não? Que ideia mais infeliz a tua!
Onde foste buscar coragem para me dizer Não? Parece impossível! Todos os meus amigos e conhecidos só podem aconselhar-te a dizer que sim ao que eu quero. Está tudo tratado para o teu sim, Se disseres que sim, vamos ser felizes para sempre! Como podes duvidar? Não te chegam as minhas promessas? Antes de dizer Não, bem podias ter pedido qualquer coisinha que te interessasse. Eu nunca te diria Não! Podia mandar-te mesmo um braçado de rosas, um maço de notas, um beijo, uma carta de amor, um cartão de boas festas e até mesmo boas festas antecipadas. Isso tudo. Não, eu não me importava nada de te prometer mundos e fundos. Ou até dar-te fundos. Agora, dizer-me Não, depois de todas as minhas promessas e depois de teres conhecimento que todos os meus conhecidos e amigos (que são toda a gente, com sabes) já me disseram sim! Parece impossível! Diz-me porquê! Eu preciso de saber porquê. Um Não, porquê?
Quem és tu para me dizer Não? Afinal quem pensas que és? Não, não podemos aceitar o teu Não. O teu Não não tem sentido. É um contra-senso. E é um contratempo!
Não te compreendo! O que é que queres? Um divórcio? É isso que tu queres? Não é melhor pararmos para reflectir? Eu sei que se pensares melhor vais dizer sim, não é? Não é? Diz alguma coisa! Vá, diz alguma coisa que me ajude a perceber. Quem julgas que és? O que é que tu queres, afinal? Dizes Não e pronto? Isso é assim? Isto não fica assim!
Quem é que tu pensas que és?
A Irlanda.
[o aveiro; 19/06/2008]
cada um
és a tua história:
aquela que guardas
em gavetas da memória
até formares a nuvem de palavras
cuspidas como uma corrente de ar
gelado como o corpo da tua voz.
és a tua história:
aquela que ouvimos soltar-se da tua boca
e vemos palavra a palavra
pendurada no arame esticado
de um estendal de rua
ou sobre o abismo a cabeça a caminho da lua
aquela que guardas
em gavetas da memória
até formares a nuvem de palavras
cuspidas como uma corrente de ar
gelado como o corpo da tua voz.
és a tua história:
aquela que ouvimos soltar-se da tua boca
e vemos palavra a palavra
pendurada no arame esticado
de um estendal de rua
ou sobre o abismo a cabeça a caminho da lua
a viagem
a santa mulher oscila e imagina
que é o passeio da rua que oscila
um santo homem da mesma viagem
olha para ela e sorri no olhar
um abraço abre os braços dos dois
que desatam a rir desfeitos no ar
que nuvem os leva? o crente diz
que nuvem assim é feita de dois
que é o passeio da rua que oscila
um santo homem da mesma viagem
olha para ela e sorri no olhar
um abraço abre os braços dos dois
que desatam a rir desfeitos no ar
que nuvem os leva? o crente diz
que nuvem assim é feita de dois
a chave da porta de saída
Ainda há pessoas. Cada pessoa, na sua cidade, vive rodeada de pessoas. A cidade de cada pessoa é, em primeiro lugar, a sua vizinhança. Pelas ruas em que passo, há muitas pessoas que conheço e me reconhecem. Em alguns momentos do dia a dia, muitas mais há que não conheço nem me conhecem. De certo modo, ao passar pelas ruas da minha vizinhança, eu sei quem não conheço. De vez em quando, sou assaltado por dúvidas ou estranheza a respeito de uma cara. Talvez porque a tenha visto muito frequentemente na minha vizinhança. A minha vizinhança é visitada por muitos estranhos a ela. Claro que, a certas horas do dia, é como se estivéssemos a ser visitados por automóveis e é como se não víssemos pessoas.
Ainda há pessoas. Quando ficamos cercados por automóveis, ficamos cercados por pessoas que não vimos. E elas também não olham para as pessoas daqui, porque vieram cheias de pressa ver qualquer outra coisa e anseiam ir embora para as suas vizinhanças. As nossas ruas mais frágeis ficam esburacadas em pouco tempo, pelo peso das pessoas que chegam e partem velozes. Quem manda na cidade, deve saber disso. Mas adia a reparação das ruas que não são as suas ou não são as ruas dos que têm poder para mandar nos que mandam fazer. Ainda há pessoas. Mas nas ruas da minha vizinhança, não há pessoa que tenha poder para mandar fazer. O único poder que resta à minha vizinhança é o de falar ou escrever a dar notícia.
Ainda há pessoas. Há políticos que são populares e reconhecidos pelas pessoas, porque as recebem, deixando que elas falem e dando a entender que as ouvem. Ainda há pessoas que esperam mais do falar do que a fala e esperam mais das pessoas com quem falam do que das nuvens a quem rezam. E que há mais desencontro que encontro em políticos que ouvem e falam sem tomar devida nota de coisa alguma, sem dar acção às palavras que ouvem e ainda menos às que falam. Ainda há pessoas que pesam as palavras que dizem e pesam as palavras que ouvem. Ainda há pessoas que sabem o peso do nada feito sobre o tudo nada dito.
Ainda há pessoas que (pres)sentem nas palavras ditas em infindáveis (des)encontros a maldade de quem pode estragar e adiar a vida dos outros como se a vida dos outros fosse coisa pouca. Ao mesmo tempo que, maldosamente, fingem uma simpatia sem limites de tempo para as dificuldades verdadeiras, engraxam e criam facilidades instantâneas aos grandes negócios e negociantes que não podem esperar.
Só que ... ainda há pessoas a achar que estes políticos são "estranhos" em qualquer lugar do mundo.
[o aveiro; 12/06/2008]
Ainda há pessoas. Quando ficamos cercados por automóveis, ficamos cercados por pessoas que não vimos. E elas também não olham para as pessoas daqui, porque vieram cheias de pressa ver qualquer outra coisa e anseiam ir embora para as suas vizinhanças. As nossas ruas mais frágeis ficam esburacadas em pouco tempo, pelo peso das pessoas que chegam e partem velozes. Quem manda na cidade, deve saber disso. Mas adia a reparação das ruas que não são as suas ou não são as ruas dos que têm poder para mandar nos que mandam fazer. Ainda há pessoas. Mas nas ruas da minha vizinhança, não há pessoa que tenha poder para mandar fazer. O único poder que resta à minha vizinhança é o de falar ou escrever a dar notícia.
Ainda há pessoas. Há políticos que são populares e reconhecidos pelas pessoas, porque as recebem, deixando que elas falem e dando a entender que as ouvem. Ainda há pessoas que esperam mais do falar do que a fala e esperam mais das pessoas com quem falam do que das nuvens a quem rezam. E que há mais desencontro que encontro em políticos que ouvem e falam sem tomar devida nota de coisa alguma, sem dar acção às palavras que ouvem e ainda menos às que falam. Ainda há pessoas que pesam as palavras que dizem e pesam as palavras que ouvem. Ainda há pessoas que sabem o peso do nada feito sobre o tudo nada dito.
Ainda há pessoas que (pres)sentem nas palavras ditas em infindáveis (des)encontros a maldade de quem pode estragar e adiar a vida dos outros como se a vida dos outros fosse coisa pouca. Ao mesmo tempo que, maldosamente, fingem uma simpatia sem limites de tempo para as dificuldades verdadeiras, engraxam e criam facilidades instantâneas aos grandes negócios e negociantes que não podem esperar.
Só que ... ainda há pessoas a achar que estes políticos são "estranhos" em qualquer lugar do mundo.
[o aveiro; 12/06/2008]
a oficina
o tempo todo a estudar matemática e lógica e disso só me sobrou uma melancólica dúvida quando escrevo.
hesito entre - disso, não sei nada!- e - disso , sei nada!
hesito entre - disso, não sei nada!- e - disso , sei nada!
a disciplina do regime
No âmbito das comemorações da passagem dos 40 anos sobre Maio de 1968, para uso escolar, realizou-se uma sessão em que se relatavam acontecimentos históricos da década de 60 (do século passado!) e, relativamente a algumas questões, os jovens apresentadores questionavam pessoas presentes que representavam papéis previamente distribuídos. A mim, cabia-me o papel de dirigente associativo ou estudantil e devia responder, nessa qualidade, com uma opinião sobre a repressão policial da época.
Pareceu-me que esperavam de mim que falasse da PIDE, das prisões e torturas de militantes políticos, da tropa de choque e da violência policial contra manifestantes e activistas, contra grevistas, etc...
Eu tinha aceite esse encargo. De facto, parece-me muito educativo, para os jovens que a não conheceram, (d)enunciar os aspectos da violência policial do antigo regime contra todo o tipo de iniciativa popular que escapasse ao seu controle e o pusesse em causa. E isso acabei por fazer, pelo menos em parte, denunciando a proibição e a repressão das movimentações populares, atropelos a liberdades e elementares direitos de associação e manifestação, com descrição breve da situação do movimento estudantil de Lisboa, Coimbra e Porto.
Mas acabei, sem que tal fizesse parte das minhas intenções iniciais, a diminuir a importância da repressão policial do regime fascista, exercida com particular violência contra militantes e activistas que com ela contavam, para dar toda a importância à mobilização forçada de todos os mancebos para a guerra colonial. Reclamei uma importância especial para essa violência que tocava todas as famílias portuguesas mesmo que não tomassem acção, nem manifestassem qualquer desamor ao regime. A guerra mais suja é aquela que se dirige indiscriminadamente contra todos os que, de um lado ou de outro, se tornam parte activa quando percebem, longe de todos os seus, que é matar ou morrer. Sem querer matar e sem querer morrer, sem saber matar e sem saber morrer, de cada uma das famílias portuguesas de cada uma das mais pequenas localidades, vimos partir jovens que regressavam velhos vivos, estropiados mental e fisicamente, ou mortos para sempre jovens. De Angola, da Guiné, de Moçambique. Sem querer matar ou morrer, outros partiam para o estrangeiro sem esperança de regresso.
Dei por bem gasta a minha voz contra a guerra colonial que o regime colonial travou também (e principalmente) contra o povo português.
Abril e Maio cheiram a liberdade. E eu gosto.
[o aveiro; 29/05/2008]
Pareceu-me que esperavam de mim que falasse da PIDE, das prisões e torturas de militantes políticos, da tropa de choque e da violência policial contra manifestantes e activistas, contra grevistas, etc...
Eu tinha aceite esse encargo. De facto, parece-me muito educativo, para os jovens que a não conheceram, (d)enunciar os aspectos da violência policial do antigo regime contra todo o tipo de iniciativa popular que escapasse ao seu controle e o pusesse em causa. E isso acabei por fazer, pelo menos em parte, denunciando a proibição e a repressão das movimentações populares, atropelos a liberdades e elementares direitos de associação e manifestação, com descrição breve da situação do movimento estudantil de Lisboa, Coimbra e Porto.
Mas acabei, sem que tal fizesse parte das minhas intenções iniciais, a diminuir a importância da repressão policial do regime fascista, exercida com particular violência contra militantes e activistas que com ela contavam, para dar toda a importância à mobilização forçada de todos os mancebos para a guerra colonial. Reclamei uma importância especial para essa violência que tocava todas as famílias portuguesas mesmo que não tomassem acção, nem manifestassem qualquer desamor ao regime. A guerra mais suja é aquela que se dirige indiscriminadamente contra todos os que, de um lado ou de outro, se tornam parte activa quando percebem, longe de todos os seus, que é matar ou morrer. Sem querer matar e sem querer morrer, sem saber matar e sem saber morrer, de cada uma das famílias portuguesas de cada uma das mais pequenas localidades, vimos partir jovens que regressavam velhos vivos, estropiados mental e fisicamente, ou mortos para sempre jovens. De Angola, da Guiné, de Moçambique. Sem querer matar ou morrer, outros partiam para o estrangeiro sem esperança de regresso.
Dei por bem gasta a minha voz contra a guerra colonial que o regime colonial travou também (e principalmente) contra o povo português.
Abril e Maio cheiram a liberdade. E eu gosto.
[o aveiro; 29/05/2008]
a primavera das escolas
Esta é a semana em que entramos sorrateiros na nossa escola dos outros.
Trabalhamos por ali todos os dias da nossa vida, mas conhecemos uma pequena parte da escola. Vivemos uma atrapalhação, no dia a dia, cheia de pequenas coisas que não funcionam a pedir-nos irritações e grandes exaltações em vitórias sobre pequenas coisas ou em alegrias partilhadas pelos olhares de quem se junta com vontade de ensinar ou aprender a tentar resolver problemas comuns. Trabalhamos ali todos os dias, mas raramente damos pelo que cada parte faz.
Até que alguém aparece a mostrar aos outros o que fazemos da nossa vida. E é na escola dos outros, que não conhecíamos e estava ali à mão de semear, que encontramos a razão para acertarmos o passo com a nossa vida que vale a pena. Corremos atrás da experiência dos outros, das pinturas dos outros, dos poemas e dos contos dos outros, dos prémios que os estudantes ganharam e merecem, ... da vida escolar a mostrar-se em todo o esplendor. Há quem diga que tudo isso pode ser nada, que é alguma coisa podendo ser outra muito melhor, que isso não compensa os dias de desamor e desencontro que a escola pode ser e é. Mas, para mim, estes dias valem tudo o que podemos valer e nós só mostramos o que de mais luminoso temos para mostrar. Muitas outras coisas que valem a pena não cabem nestes dias de luz, isso sei eu, contra mim falo, que tenho grande experiência no jogo das escondidas escolares.
Uma parte do que vemos em volta do dia da Escola José Estêvão tem a ver com comemorações dos 20 anos passados sobre o Maio de 68. Mas tem a ver com exposições dos alunos de artes e com apresentações públicas dos produtos da Área de Projecto de alunos do ensino básico e do ensino secundário. Há alguma coisa de prodigioso em cada um dos pequenos acontecimentos que aparecem ao virar de cada esquina. Nós que, dia após dia de labor, vasculhamos para determinar avanços ao nível dos conhecimentos adquiridos e demonstrados em provas e afins, espantamo-nos agora perante a escola das competências em acção, essa escola que é um salto, uma soma de pequenas invisibilidades a recortar-se em detalhes destes dias de luz. E transbordam em animação.
Esta animação, que acontece em cada escola, é o ânimo de que cada escola precisa para se continuar, para se confirmar como uma parte criativa e activa da comunidade. Engenho e arte, afinal.
[o aveiro; 22/05/2008]
Trabalhamos por ali todos os dias da nossa vida, mas conhecemos uma pequena parte da escola. Vivemos uma atrapalhação, no dia a dia, cheia de pequenas coisas que não funcionam a pedir-nos irritações e grandes exaltações em vitórias sobre pequenas coisas ou em alegrias partilhadas pelos olhares de quem se junta com vontade de ensinar ou aprender a tentar resolver problemas comuns. Trabalhamos ali todos os dias, mas raramente damos pelo que cada parte faz.
Até que alguém aparece a mostrar aos outros o que fazemos da nossa vida. E é na escola dos outros, que não conhecíamos e estava ali à mão de semear, que encontramos a razão para acertarmos o passo com a nossa vida que vale a pena. Corremos atrás da experiência dos outros, das pinturas dos outros, dos poemas e dos contos dos outros, dos prémios que os estudantes ganharam e merecem, ... da vida escolar a mostrar-se em todo o esplendor. Há quem diga que tudo isso pode ser nada, que é alguma coisa podendo ser outra muito melhor, que isso não compensa os dias de desamor e desencontro que a escola pode ser e é. Mas, para mim, estes dias valem tudo o que podemos valer e nós só mostramos o que de mais luminoso temos para mostrar. Muitas outras coisas que valem a pena não cabem nestes dias de luz, isso sei eu, contra mim falo, que tenho grande experiência no jogo das escondidas escolares.
Uma parte do que vemos em volta do dia da Escola José Estêvão tem a ver com comemorações dos 20 anos passados sobre o Maio de 68. Mas tem a ver com exposições dos alunos de artes e com apresentações públicas dos produtos da Área de Projecto de alunos do ensino básico e do ensino secundário. Há alguma coisa de prodigioso em cada um dos pequenos acontecimentos que aparecem ao virar de cada esquina. Nós que, dia após dia de labor, vasculhamos para determinar avanços ao nível dos conhecimentos adquiridos e demonstrados em provas e afins, espantamo-nos agora perante a escola das competências em acção, essa escola que é um salto, uma soma de pequenas invisibilidades a recortar-se em detalhes destes dias de luz. E transbordam em animação.
Esta animação, que acontece em cada escola, é o ânimo de que cada escola precisa para se continuar, para se confirmar como uma parte criativa e activa da comunidade. Engenho e arte, afinal.
[o aveiro; 22/05/2008]
viagens como presentes
Estou cansado demais para algumas viagens que a vida me reserva. Mas tenho de reconhecer que o mundo está mais pequeno e que me sinto muito confortável quando tenho de me deslocar ao Porto e a Lisboa. A experiência tem demonstrado que posso confiar nos horários dos comboios nessas deslocações e a minha velhice dá graças por isso. Na última semana tive de ir a Lisboa a uma conferência sobre o ensino da matemática em Portugal e devo agradecer a quem teve a paciência de me levar até lá e de me devolver a casa no fim da coisa.
Nem tudo foi assim tão fácil e lá tive de me levantar na madrugada de sábado para ir até ao Alentejo para onde me guiei o melhor que soube. Levei-me como professor com cabeça para o Alentejo e voltei agarrado a um pão com cabeça. Trocas vantajosas, penso eu.
Nos outros dias da semana, viajei entre a escola e a livraria da Universidade onde, por uns dias, esteve em visita a Exposição ‘Experimentar a Matemática’. Três peregrinações a pé, pela manhã de Aveiro, pelos passeios bordados de árvores entre a Escola José Estêvão e a Universidade. Ida e volta, em boa companhia. Alguma marcha forçada temperada pelo convívio, alguma desconfiança natural até à alegria das experiências e das descobertas a exigir a imposição do regresso inadiável. Coisas simples que ajudam a Matemática e a Ciência. Uma experiência significativa, realizada com êxito, vale mais que mil orações de sapiência. Não me canso de lembrar que os novos meios criados no nosso tempo e expostos para serem experimentados são do domínio dos prodígios para as pessoas da minha idade e do domínio da necessidade que precisamos de entusiasmar nestes dias. Tenho tanta pena de não saber nem poder realizar todas as viagens que é preciso fazer com os jovens.
Reconhecemos (e agradecemos) aos professores e monitores, que ajudaram os jovens na sua viagem experimental, a virtude magnífica da alegria científica de quem gosta da viagem. E a quem não viveu em visita a experiência matemática recomendamos a visita virtual em http://www.experiencingmaths.org. e a http://www.atractor.pt ou às exposições da Associação Atractor, no Porto, ou no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa. A Matemática também mora em viagens que não cansam.
[o aveiro; 15/05/2008]
Nem tudo foi assim tão fácil e lá tive de me levantar na madrugada de sábado para ir até ao Alentejo para onde me guiei o melhor que soube. Levei-me como professor com cabeça para o Alentejo e voltei agarrado a um pão com cabeça. Trocas vantajosas, penso eu.
Nos outros dias da semana, viajei entre a escola e a livraria da Universidade onde, por uns dias, esteve em visita a Exposição ‘Experimentar a Matemática’. Três peregrinações a pé, pela manhã de Aveiro, pelos passeios bordados de árvores entre a Escola José Estêvão e a Universidade. Ida e volta, em boa companhia. Alguma marcha forçada temperada pelo convívio, alguma desconfiança natural até à alegria das experiências e das descobertas a exigir a imposição do regresso inadiável. Coisas simples que ajudam a Matemática e a Ciência. Uma experiência significativa, realizada com êxito, vale mais que mil orações de sapiência. Não me canso de lembrar que os novos meios criados no nosso tempo e expostos para serem experimentados são do domínio dos prodígios para as pessoas da minha idade e do domínio da necessidade que precisamos de entusiasmar nestes dias. Tenho tanta pena de não saber nem poder realizar todas as viagens que é preciso fazer com os jovens.
Reconhecemos (e agradecemos) aos professores e monitores, que ajudaram os jovens na sua viagem experimental, a virtude magnífica da alegria científica de quem gosta da viagem. E a quem não viveu em visita a experiência matemática recomendamos a visita virtual em http://www.experiencingmaths.org. e a http://www.atractor.pt ou às exposições da Associação Atractor, no Porto, ou no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa. A Matemática também mora em viagens que não cansam.
[o aveiro; 15/05/2008]
do que não existe como detonador
Pelos nossos jornais, ficamos a saber que um furacão devastou a Birmânia e sabemos que ninguém sabe a dimensão da tragédia, quantos são os milhares de mortos ou os milhares de desaparecidos. Pensamos mesmo que não houve quem, a mando da ditadura militar, se tenha dado ao trabalho de contar. Qualquer número serve. Se formos a um mapa deste tempo, nem encontramos a Birmânia. As pessoas do meu tempo lembram-se da palavra e é por isso que os jornais portugueses falam da Birmânia e não de Myanmar. Algumas pessoas podem ter ouvido falar de uma frágil mulher birmanesa que lidera a resistência contra o regime militar. Se o país que já nem é o mesmo nome, não tem birmaneses que possam ser vítimas de um furacão. Como chamaremos hoje aos que nomeávamos como birmaneses? Não sei. Onde fica Rangum? O que pode ter sobrado como desolação? Quem, sendo de longe, viu de perto o que aconteceu, disse que nem bombeiros, nem exército, nem quaisquer autoridades apareceram para socorrer quem pediu socorro, como se houvesse a ausência de estado a somar à desolação. Que podemos esperar de uma ditadura militar omnipresente para a opressão?
Um outro furacão está a varrer o planeta, todo o planeta. A subida dos preços no sector da alimentação mundial é o furacão, a maior tempestade. A subida dos preços do petróleo tornou apetecíveis (lucrativos, diga-se) muitos produtos alimentares tornados matérias primas para a produção de combustíveis. E todos demoram eternidade a decidir se os estados devem intervir na regulação forçada do mercado ou se devem deixar o mercado dos especuladores funcionar, que é o mesmo que espalhar a fome a nível mundial, a devastar florestas, a acelerar mudanças na produção agro-alimentar que já não alimenta bocas humanas e se tornou em mais uma prova da voracidade da besta que não hesita em devorar a humanidade. A besta está a devorar florestas e a assistir às marchas de esfomeados e desempregados com a satisfação de quem vê entrar homens nas bolsas de disponíveis para o trabalho escravo, em troca da côdea, sem lhes ver o crispado coração, o punho cerrado.
Cada um dos constituintes da besta garante que não é parte da besta. Ninguém é o que parece. Estamos em Maio, mês do furacão. Aos poderosos, recomendamos uma visita de estudo ao museu de história natural das devastações. Saibam que tão temíveis são os que nem existem como os que resistem.
[o aveiro; 08/05/2008]
Um outro furacão está a varrer o planeta, todo o planeta. A subida dos preços no sector da alimentação mundial é o furacão, a maior tempestade. A subida dos preços do petróleo tornou apetecíveis (lucrativos, diga-se) muitos produtos alimentares tornados matérias primas para a produção de combustíveis. E todos demoram eternidade a decidir se os estados devem intervir na regulação forçada do mercado ou se devem deixar o mercado dos especuladores funcionar, que é o mesmo que espalhar a fome a nível mundial, a devastar florestas, a acelerar mudanças na produção agro-alimentar que já não alimenta bocas humanas e se tornou em mais uma prova da voracidade da besta que não hesita em devorar a humanidade. A besta está a devorar florestas e a assistir às marchas de esfomeados e desempregados com a satisfação de quem vê entrar homens nas bolsas de disponíveis para o trabalho escravo, em troca da côdea, sem lhes ver o crispado coração, o punho cerrado.
Cada um dos constituintes da besta garante que não é parte da besta. Ninguém é o que parece. Estamos em Maio, mês do furacão. Aos poderosos, recomendamos uma visita de estudo ao museu de história natural das devastações. Saibam que tão temíveis são os que nem existem como os que resistem.
[o aveiro; 08/05/2008]
eu nunca fui a santiago
eu nunca fui eu mesmo.
eu nunca fui.
eu nunca caí em mim mesmo.
eu nunca caí.
eu nunca fui a minha casa.
eu nunca fui a casa.
eu nunca fui casa.
eu nunca fui.
eu nunca fui a santiago.
pelo meu pé
a minha mãe levou-me a fátima
com ela e com santo andré
contando quilómetros
pelas contas do rosário.
para voltarmos ao mesmo lugar
que já não era o mesmo lugar
eu tinha deitado fora uma a uma
as contas do meu rosário
e não era preciso porque o regresso
foi um sonho solto numa camioneta
eu nunca fui.
eu nunca caí em mim mesmo.
eu nunca caí.
eu nunca fui a minha casa.
eu nunca fui a casa.
eu nunca fui casa.
eu nunca fui.
eu nunca fui a santiago.
pelo meu pé
a minha mãe levou-me a fátima
com ela e com santo andré
contando quilómetros
pelas contas do rosário.
para voltarmos ao mesmo lugar
que já não era o mesmo lugar
eu tinha deitado fora uma a uma
as contas do meu rosário
e não era preciso porque o regresso
foi um sonho solto numa camioneta
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