tempo de cólera
Esta crónica apanha-me na cólera da greve. A greve, convocada pelos sindicatos de professores, é uma arma contra as políticas de educação do governo. Devo confessar que me sinto pouco convocado pelos sindicatos dos professores e, menos ainda pelos pelos seus dirigentes. Aos estudantes que trabalham comigo expliquei pacientemente o que significa a greve dos professores, que, sendo cheia de riscos, ela é a mais poderosa das greves, levantando graves problemas de segurança, afectando a vida de crianças e de jovens e criando uma falha geral de sistemas de apoio às famílias. Estas greves exigem uma ponderação muito séria da parte de quem as convoca e mais ainda dos governos que devem tomar medidas para enfrentar a situação de emergência criada pela sua realização. Se realizada com êxito, uma greve de professores é uma arma poderosa e rica de consequências, podendo tornar-se entrave sério ao curso da acção dos governos ou mesmo a tornar clara a necessidade da sua substituição.
A manter-se fechada no espartilho das suas reivindicações próprias, uma greve de professores pode sempre atrair a desaprovação social pelas dificuldades que coloca às famílias. E levantar reprovação do todo social face ao sistema público de educação e ensino e à administração pública, para além das legítimas reclamações para alternativas aos sistemas de apoio.
Mas uma greve de um sector pode tornar-se numa manifestação de cólera geral, colectiva, quase esquecendo as suas motivações iniciais. E é isto que está a acontecer com esta greve de professores. O desconforto geral que ela podia ter criado está em segundo plano. Em primeiro plano, está a irritação face a um governo que se mostra autista e incapaz de mostrar verdadeira compaixão para os pobres e desempregados de hoje realmente existentes, ao mesmo tempo que demonstra pressa e preocupação com banqueiros e gestores milionários que, tendo apodrecido em montureiras de lucros especulativos, reclamam do estado que aumente as suas fortunas, salvando as suas instituições, fundações e sociedades. Se, na semana passada, vim aplaudir a posição do ministro que argumentava contra qualquer plano de salvação para os gestores de fortunas, esta semana venho escrever que Sócrates me convocou para a minha greve dos professores contra a política do governo, que, entre outras coisas, destrói a autonomia e independência da banca pública, aprovando (não é o mesmo que mandando?) que se salve o banco privado de que é principal accionista o gestor de fortunas de sempre.
[o aveiro; 5/12/2008]
A manter-se fechada no espartilho das suas reivindicações próprias, uma greve de professores pode sempre atrair a desaprovação social pelas dificuldades que coloca às famílias. E levantar reprovação do todo social face ao sistema público de educação e ensino e à administração pública, para além das legítimas reclamações para alternativas aos sistemas de apoio.
Mas uma greve de um sector pode tornar-se numa manifestação de cólera geral, colectiva, quase esquecendo as suas motivações iniciais. E é isto que está a acontecer com esta greve de professores. O desconforto geral que ela podia ter criado está em segundo plano. Em primeiro plano, está a irritação face a um governo que se mostra autista e incapaz de mostrar verdadeira compaixão para os pobres e desempregados de hoje realmente existentes, ao mesmo tempo que demonstra pressa e preocupação com banqueiros e gestores milionários que, tendo apodrecido em montureiras de lucros especulativos, reclamam do estado que aumente as suas fortunas, salvando as suas instituições, fundações e sociedades. Se, na semana passada, vim aplaudir a posição do ministro que argumentava contra qualquer plano de salvação para os gestores de fortunas, esta semana venho escrever que Sócrates me convocou para a minha greve dos professores contra a política do governo, que, entre outras coisas, destrói a autonomia e independência da banca pública, aprovando (não é o mesmo que mandando?) que se salve o banco privado de que é principal accionista o gestor de fortunas de sempre.
[o aveiro; 5/12/2008]
Porta estreita é o presente. E a saída faz-se pela porta de entrada
1.
O governo do presente português é baseado numa maioria absoluta de deputados no parlamento. Os governos de maioria absoluta têm tendência a menosprezar as opiniões (ainda que de grandes massas de eleitores) quando a opinião pública se mostra favorável à acção quase simultânea à decisão da produção do evento substituto da acção.
Por ser público o sistema das escolas e dependentes da administração pública os agentes educativos (em maioria) tudo o que se diz sobre educação e organização educacional assume grande importância no conjunto da sociedade. Mais importância assume o que se faz.
2.
Parte importante das acções do governo do presente influenciaram e alteraram o sistema educativo, afectando tanto a organização central como as escolas e os professores. Se os planos tecnológicos afectam professores e escolas, mais ainda os afecta a política para a formação e certificação escolar de adultos na base da experiência de vida, ou da generalização do ensino profissional a todas as escolas públicas. Obrigou à criação de uma agência de qualificação central e centros de novas oportunidades, alterando em muito a natureza de organizações já existentes, as prestações profissionais dos professores e, ao lado deles, a emergência de novos profissionais que já não se confundem com os professores. Nas escolas, os professores sentiram as transformações quando receberam novos serviços, alguns deles prestados fora de muros. E sentiram-nas nos centros de formação, reorganizados por concentração para novas funções e novos utentes a perder de vista a identidade com que tinham nascido. Sem falarmos do outro aspecto da concentração, iniciada antes, das escolas em agrupamentos, temperada por autonomia e transferências de poder para as autarquias.
3.
Por cada uma das muitas medidas, com carácter de urgência, dirigida ao conjunto dos professores ou a parcelas significativas de professores, o governo definiu necessidades de formação gerais e, dado o carácter de urgência, assumiu a concepção e planificação das iniciativas que entendeu por necessárias ou que foram reclamadas pelos grupos de professores afectados por cada uma das medidas. Para muitas delas, assumiu mesmo a promoção das iniciativas. E tantas elas foram que as fontes de financiamento ficaram secas depois de o governo ter ido matar a sua sede ao bebedouro geral.
Não me passa pela cabeça pôr em causa a legitimidade da administração central para promover algumas iniciativas de formação que considere imprescindíveis para executar mudanças curriculares, mudanças no sistema de administração escolar ou avaliação de professores, para só falar de algumas das políticas do presente.
Mas a actual concentração foi muito além do que é aceitável em democracia. Se é condenável ter secado as fontes de financiamento, a preocupação maior está na mobilização geral pelo governo de todas as actividades e todos os activos do conjunto do sistema. Grave em democracia é que o governo tenha subtraído à sociedade os meios (recursos e forças humanas) para as iniciativas independentes, criando a ideia de um deserto para a acção fora da esfera estreita do governo.
Uma boa parte das instituições criadas para a diversidade foram manietadas para obter efeitos que o governo prosseguia com cada medida. Organizações do ensino superior e não superior, associações de professores e seus activistas ficaram presos a urdir a teia do poder. Esta situação esclareceu-nos que as principais forças para mudanças e adaptações (curriculares ou outras) estão nas associações profissionais e espalhadas pelas escolas do território. E mostra-nos, à evidência, como uma direcção de governo, capaz de usar a seu favor a iniciativa externa, pode criar condições de organização para a esgotar em seu exclusivo benefício.
4.
As escolas e as suas associações, os professores e as suas associações precisam de reganhar a iniciativa na acção e formação independentes e marcar pela diversidade de exercícios de docência reflexiva a sua identidade profissional. No lugar e no papel dos professores. Nem mais. Não menos.
[a página da educação; dezembro de 2008]
O governo do presente português é baseado numa maioria absoluta de deputados no parlamento. Os governos de maioria absoluta têm tendência a menosprezar as opiniões (ainda que de grandes massas de eleitores) quando a opinião pública se mostra favorável à acção quase simultânea à decisão da produção do evento substituto da acção.
Por ser público o sistema das escolas e dependentes da administração pública os agentes educativos (em maioria) tudo o que se diz sobre educação e organização educacional assume grande importância no conjunto da sociedade. Mais importância assume o que se faz.
2.
Parte importante das acções do governo do presente influenciaram e alteraram o sistema educativo, afectando tanto a organização central como as escolas e os professores. Se os planos tecnológicos afectam professores e escolas, mais ainda os afecta a política para a formação e certificação escolar de adultos na base da experiência de vida, ou da generalização do ensino profissional a todas as escolas públicas. Obrigou à criação de uma agência de qualificação central e centros de novas oportunidades, alterando em muito a natureza de organizações já existentes, as prestações profissionais dos professores e, ao lado deles, a emergência de novos profissionais que já não se confundem com os professores. Nas escolas, os professores sentiram as transformações quando receberam novos serviços, alguns deles prestados fora de muros. E sentiram-nas nos centros de formação, reorganizados por concentração para novas funções e novos utentes a perder de vista a identidade com que tinham nascido. Sem falarmos do outro aspecto da concentração, iniciada antes, das escolas em agrupamentos, temperada por autonomia e transferências de poder para as autarquias.
3.
Por cada uma das muitas medidas, com carácter de urgência, dirigida ao conjunto dos professores ou a parcelas significativas de professores, o governo definiu necessidades de formação gerais e, dado o carácter de urgência, assumiu a concepção e planificação das iniciativas que entendeu por necessárias ou que foram reclamadas pelos grupos de professores afectados por cada uma das medidas. Para muitas delas, assumiu mesmo a promoção das iniciativas. E tantas elas foram que as fontes de financiamento ficaram secas depois de o governo ter ido matar a sua sede ao bebedouro geral.
Não me passa pela cabeça pôr em causa a legitimidade da administração central para promover algumas iniciativas de formação que considere imprescindíveis para executar mudanças curriculares, mudanças no sistema de administração escolar ou avaliação de professores, para só falar de algumas das políticas do presente.
Mas a actual concentração foi muito além do que é aceitável em democracia. Se é condenável ter secado as fontes de financiamento, a preocupação maior está na mobilização geral pelo governo de todas as actividades e todos os activos do conjunto do sistema. Grave em democracia é que o governo tenha subtraído à sociedade os meios (recursos e forças humanas) para as iniciativas independentes, criando a ideia de um deserto para a acção fora da esfera estreita do governo.
Uma boa parte das instituições criadas para a diversidade foram manietadas para obter efeitos que o governo prosseguia com cada medida. Organizações do ensino superior e não superior, associações de professores e seus activistas ficaram presos a urdir a teia do poder. Esta situação esclareceu-nos que as principais forças para mudanças e adaptações (curriculares ou outras) estão nas associações profissionais e espalhadas pelas escolas do território. E mostra-nos, à evidência, como uma direcção de governo, capaz de usar a seu favor a iniciativa externa, pode criar condições de organização para a esgotar em seu exclusivo benefício.
4.
As escolas e as suas associações, os professores e as suas associações precisam de reganhar a iniciativa na acção e formação independentes e marcar pela diversidade de exercícios de docência reflexiva a sua identidade profissional. No lugar e no papel dos professores. Nem mais. Não menos.
[a página da educação; dezembro de 2008]
o homem sem qualidades
Há muitos anos atrás, estava eu a morar e a trabalhar em Cabo Verde, uma professora leu a sina que está escrita na palma da minha mão. Não hesitou muito em comunicar-me a crua verdade da minha vida: em tudo eu era uma pessoa banal e muito desinteressante. Era assim como professor e assim era no amor, como pai, filho, irmão e... seria o mais que provável avô banal. Aceitei muito bem essa maldição. De certo modo, preferia assim e esforcei-me por aperfeiçoar a minha banalidade. Para mim, isso significava ir fazendo o que é preciso e o que me pedem, momento a momento. Dentro do que eu entendia por banalidade, precisava de procurar fazer o melhor possível o pouco e o muito que fizesse. Este ideal de banalidade foi-me colocando nos acontecimentos, mas sempre em segunda fila. Não disputava poderes, abandonava as batalhas mesmo que as pudesse vencer, não me deixava envolver como funcionário de causas para não julgar quem não fosse da causa, não cobiçava a vida alheia, etc: seguia religiosamente os 10 mandamentos da banalidade. Nunca pensei é que alguém um dia viesse somar as pequenas parcelas da minha vida banal e à soma atribuísse sumas virtudes, mesmo que banais.
Como é que um homem banal que passa a vida a esconder-se na banalidade pode tornar-se sombra para alguém? Como um amontoado de banalidades, claro. Sem querer passei a ser visto tal qual sou, um monte de banalidades. Só que agora há quem pense acusar-me da banalidade que eu, qual banal laborioso, construí cuidadosamente.
Tenho de confessar que sou assim, mesmo bom a fazer e a dizer banalidades. Nunca fui secretário de partido ou sindicato e também não sou contra partidos ou sindicatos, nem renego os meus votos neste ou naquele partido. Não sou banqueiro nem joguei na bolsa de valores sem valores. Custa-me a aceitar as mudanças de paleio sobre as virtudes do mercado de valores sem valores e custa-me a compreender como é que os defensores da privatização a todo o vapor se tornam defensores da nacionalização do capital em risco ou de risco. Banalidades de um esquerdista banal.
E sou banal em toda largura do olhar: se a minha profissão precisa de balizas para se dignificar perante a sociedade, digo-o, mesmo quando me confundem com o governo dos meus colegas não banais; se o ministro das finanças do meu país não está disposto a dar aval nem apoio ao banco de um qualquer bem sucedido gestor de fortunas, eu saúdo-o nesse gesto. Coisas banais. Nada há aqui que clame atenção. A minha experiência de banalidades diz-me que as coisas banais só se explicam de forma banal.
[o aveiro; 27/11/2008]
Como é que um homem banal que passa a vida a esconder-se na banalidade pode tornar-se sombra para alguém? Como um amontoado de banalidades, claro. Sem querer passei a ser visto tal qual sou, um monte de banalidades. Só que agora há quem pense acusar-me da banalidade que eu, qual banal laborioso, construí cuidadosamente.
Tenho de confessar que sou assim, mesmo bom a fazer e a dizer banalidades. Nunca fui secretário de partido ou sindicato e também não sou contra partidos ou sindicatos, nem renego os meus votos neste ou naquele partido. Não sou banqueiro nem joguei na bolsa de valores sem valores. Custa-me a aceitar as mudanças de paleio sobre as virtudes do mercado de valores sem valores e custa-me a compreender como é que os defensores da privatização a todo o vapor se tornam defensores da nacionalização do capital em risco ou de risco. Banalidades de um esquerdista banal.
E sou banal em toda largura do olhar: se a minha profissão precisa de balizas para se dignificar perante a sociedade, digo-o, mesmo quando me confundem com o governo dos meus colegas não banais; se o ministro das finanças do meu país não está disposto a dar aval nem apoio ao banco de um qualquer bem sucedido gestor de fortunas, eu saúdo-o nesse gesto. Coisas banais. Nada há aqui que clame atenção. A minha experiência de banalidades diz-me que as coisas banais só se explicam de forma banal.
[o aveiro; 27/11/2008]
do desalento e do desabafo
Os primeiros dias desta semana deixaram-me na memória impressões de acidentes brutais, da estranha e meio encapotada violência dos membros de claque e notícias de variadas reuniões sobre avaliação de professores, marcações de protestos e greves, ...
Devo confessar que admiro a resistência das pessoas que vão de uma reunião para outra, ouvindo opiniões e falando sobre saídas e soluções. Claro que são igualmente admiráveis todos os que, de reunião em reunião, sem dar mostras de cansaço, se exaltam em bloqueios às saídas para as mesmas situações. Fico cansado só de imaginar essas vidas, enquanto vagueio pelas reuniões que me cabem em sorte. Mais cansado ainda me sinto quando tenho de viajar entre Aveiro e Lisboa para olhar reuniões. Começo a sentir-me um estranho nas participações por dever de ofício. De certo modo, é como se não estivesse nos lugares onde estou e não fosse eu a falar quando falo ou não fosse eu que estivesse a ouvir. Muitas vezes, penso que não sou eu quem pensa da forma que penso e, ... quem me dera estar noutro lugar e noutro tempo.
Mais estranho ainda me sinto em algumas sessões sobre Matemática e ensino de Matemática. Há conferências em que todos quantos se debruçam sobre o ensino não superior raramente caem nele; personalidades e professores do ensino superior olham-nos como se olhassem para baixo, de um varandim. Muitas intervenções cheiram a já visto; outras cheiram a piada interessante; algumas opiniões são a alta voz do senso comum ou da falta de senso que são coisas de boa e má educação. Sinto-me sempre um pouco insecto preso no fio de ouro dos discursos simultaneamente projectados e lidos. Claro que, em cada sessão, há sempre quem nos ensine e nos lembre alguma coisa.
Sinto-me tão enfadado como tentado a promover uma conferência sobre o ensino superior em que os oradores sejam todos professores do ensino não superior. À semelhança de conferências a que assisti, os conferencistas não teriam mais que dar um exemplo ou outro de algum erro grosseiro ou aspecto mais ridículo de aulas de professores do ensino superior (que, sendo difícil tarefa, não é missão impossível).
Em acto de contrição, a comissão organizadora da conferência sobre as questões e soluções para o ensino superior de matemática assumiria a responsabilidade pela parte da formação dos professores do ensino superior que coube a professores do ensino não superior. Só para marcar uma diferença.
Ninguém tem culpa da incompreensão que me ataca. Sopro para este saco de papel e suspendo a respiração. Até voltar à vida de sempre.
[o aveiro; 20/11/2008]
Devo confessar que admiro a resistência das pessoas que vão de uma reunião para outra, ouvindo opiniões e falando sobre saídas e soluções. Claro que são igualmente admiráveis todos os que, de reunião em reunião, sem dar mostras de cansaço, se exaltam em bloqueios às saídas para as mesmas situações. Fico cansado só de imaginar essas vidas, enquanto vagueio pelas reuniões que me cabem em sorte. Mais cansado ainda me sinto quando tenho de viajar entre Aveiro e Lisboa para olhar reuniões. Começo a sentir-me um estranho nas participações por dever de ofício. De certo modo, é como se não estivesse nos lugares onde estou e não fosse eu a falar quando falo ou não fosse eu que estivesse a ouvir. Muitas vezes, penso que não sou eu quem pensa da forma que penso e, ... quem me dera estar noutro lugar e noutro tempo.
Mais estranho ainda me sinto em algumas sessões sobre Matemática e ensino de Matemática. Há conferências em que todos quantos se debruçam sobre o ensino não superior raramente caem nele; personalidades e professores do ensino superior olham-nos como se olhassem para baixo, de um varandim. Muitas intervenções cheiram a já visto; outras cheiram a piada interessante; algumas opiniões são a alta voz do senso comum ou da falta de senso que são coisas de boa e má educação. Sinto-me sempre um pouco insecto preso no fio de ouro dos discursos simultaneamente projectados e lidos. Claro que, em cada sessão, há sempre quem nos ensine e nos lembre alguma coisa.
Sinto-me tão enfadado como tentado a promover uma conferência sobre o ensino superior em que os oradores sejam todos professores do ensino não superior. À semelhança de conferências a que assisti, os conferencistas não teriam mais que dar um exemplo ou outro de algum erro grosseiro ou aspecto mais ridículo de aulas de professores do ensino superior (que, sendo difícil tarefa, não é missão impossível).
Em acto de contrição, a comissão organizadora da conferência sobre as questões e soluções para o ensino superior de matemática assumiria a responsabilidade pela parte da formação dos professores do ensino superior que coube a professores do ensino não superior. Só para marcar uma diferença.
Ninguém tem culpa da incompreensão que me ataca. Sopro para este saco de papel e suspendo a respiração. Até voltar à vida de sempre.
[o aveiro; 20/11/2008]
a longa marcha
Criança católica, ainda a cabeça era jovem deu-lhe para pensar de outro modo e abandonei a fé que guiava milhões de pessoas e toda a minha família. Estudante reneguei as tradições académicas da maioria dos meus colegas. Num país fascista e colonial, a cabeça pôs-me contra a guerra e contra o regime. Festejei a democracia e, ainda a festa não tinha bem começado, escolhi as ideias das minorias de esquerda, culpado de nem ser de direita nem participar das unidades festivas da esquerda. As ideias dominantes e lucrativas não me seduziram. Participei em manifestações quase solitárias pelos meus direitos e pelos direitos de homens e mulheres no mundo. Nas batalhas políticas, a minha cabeça não votou em qualquer dos partido do poder democrático. Ao contrário de milhões de pessoas, meus compatriotas e colegas respeitáveis, não votei nem no PS nem no PSD, não votei em Cavaco, Durão, Guterres ou Sócrates. Saí e entrei em pequenos partidos e sindicatos ao arrepio das maiorias. Também profissionalmente assim me construí. Defendi que deviam ser cumpridos programas, mesmo quando isso parecia impossível, e ao arrepio das maiorias combati e defendi ideias para programas e exames. Defendi mudanças de arrepiar para as escolas. Defendi aulas de 90 minutos ou o fim das desocupações dos alunos nas escolas quando havia manifestações de estudantes e professores contra essas mudanças. Ao arrepio das maiorias, defendi professores e estudantes antes e depois do 25 de Abril. Ao arrepio de maiorias, colaborei em grupos de trabalho, conselhos e comissões várias para fazer das minhas ideias alguma acção, sabendo que o país era e é governado por partidos que nunca contaram e não contam com os meus votos. Dando muito valor às minhas ideias, não desprezo as ideias dos outros e presto muita atenção às acções dos outros. Pela minha cabeça, condeno sem rebuços o que me parece condenável. Nunca me passou pela cabeça condenar os outros pelas seus pensamentos, quando estes não ofendem direitos fundamentais, nem pelas suas acções quando legítimas ainda que contrárias ao que penso ser certo. E não sendo tolerante, sei-me limitado e sei o mais simples de tudo: há ideias diferentes que convencem mais gente que as minhas. Todos os santos dias da minha vida foi assim. É assim hoje e continuo assim eu. Até ao fim da vida? Talvez seja afinal a velha honra que me guia a cabeça. Talvez seja assim para ser professor. A liberdade passa por aqui. A democracia também.
[o aveiro; 13/11/2007]
[o aveiro; 13/11/2007]
o telhado de vidro
olhamos para o rectângulo tão limitado
e tão aberto
que podemos imaginar como é fora dele,
olhar para cima e para baixo,
para a direita e para a esquerda
sem cuidarmos de saber onde começa
nem onde acaba
a multidão de telhas
que importa saber quantas
se vemos como são tantas
e vão encaixadas
de mãos dadas
das ruas, a mais bela, a nossa
a beleza das ruas é a nossa beleza
a primitiva forma lembramos como era sem a forma
do que agora é não era mais que um desenho ou um desejo
a cor da vida que veio morar em nossa casa
tem hoje idade e boca para o outono do beijo
para darmos graças ao arquitecto de então agora
pelo detalhe das cores impressas no ar
por esta instantânea felicidade no lugar e hora
da ave que ensaia num bater de asas o nosso olhar
a beleza da nossa rua está ao nosso espelho
A cauda da causa
Por estes dias, não há notícia que não fale do pavão.
O passarão adorava passear-se e pavonear a poderosa cor do seu papo. Sabemos como ele lamenta que as convenções não lhe permitam que exiba a sua magnífica cauda quando ele a abre no máximo esplendor de cauda de pavão. Para as visitas, apresenta-se o ministro com cauda tão brilhante como um piano de cauda.
Mas hoje, as notícias não dão margem a dúvidas e é do domínio público que os negócios do pavão ou são escuros ou são sujos. Alguns passarões ainda passam pelo desfile de vaidades, com a cauda de boca fechada.
O pavão de hoje está discreto, mais do que é seu costume. Não tem comentários a fazer, espera para ver que nada do que parece é. Quando chega a tarde, já a cauda o incomoda, uma manhã inteira trilhada no trânsito dos acontecimentos. Também lhe dói a inacção do papo. As televisões fazem-lhe perguntas sobre o tempo que faz nos paraísos fiscais, sobre o dinheiro que desapareceu, sobre a cauda da causa. Não responde a perguntas quem está habituado a falar por cima de toda a suspeita e até acima dos partidos que fizeram dele o rico ex-governante. Ele só responde a pedidos.
Vai para casa. A mulher vem recebê-lo com o costume do beijo. Pergunta como lhe correu o dia a ele e a todos os seus amigos que ela conhece ou de ouvir falar ou das filas de cumprimentos das tomadas de posse e poder de ministros e secretários. Ela gosta sempre de saber da saúde de cada um deles. Ele diz que estão todos bem, na esperança que ela volte para a fantasia da vida.
Mas sabe que ela vai ouvir notícias e fica à espera. Quando ela aparece a perguntar-lhe se é verdade, ele responde: É. Que tudo está a correr mal e que estão arruinados, ele responde: É claro, mulher, que estão arruinados. Quem? - insiste ela. Nós? Que ideia, mulher! Arruinados estão os do costume. Quem? insiste ela. O estado, os contribuintes, os outros. E a nós? Não acontece nada? Mulher! No paraíso, o que queres tu que aconteça? E podemos voltar à terra? Talvez volte mais tarde, se for bom para os negócios. Como salvador.
[o aveiro; 06/11/2008]
O passarão adorava passear-se e pavonear a poderosa cor do seu papo. Sabemos como ele lamenta que as convenções não lhe permitam que exiba a sua magnífica cauda quando ele a abre no máximo esplendor de cauda de pavão. Para as visitas, apresenta-se o ministro com cauda tão brilhante como um piano de cauda.
Mas hoje, as notícias não dão margem a dúvidas e é do domínio público que os negócios do pavão ou são escuros ou são sujos. Alguns passarões ainda passam pelo desfile de vaidades, com a cauda de boca fechada.
O pavão de hoje está discreto, mais do que é seu costume. Não tem comentários a fazer, espera para ver que nada do que parece é. Quando chega a tarde, já a cauda o incomoda, uma manhã inteira trilhada no trânsito dos acontecimentos. Também lhe dói a inacção do papo. As televisões fazem-lhe perguntas sobre o tempo que faz nos paraísos fiscais, sobre o dinheiro que desapareceu, sobre a cauda da causa. Não responde a perguntas quem está habituado a falar por cima de toda a suspeita e até acima dos partidos que fizeram dele o rico ex-governante. Ele só responde a pedidos.
Vai para casa. A mulher vem recebê-lo com o costume do beijo. Pergunta como lhe correu o dia a ele e a todos os seus amigos que ela conhece ou de ouvir falar ou das filas de cumprimentos das tomadas de posse e poder de ministros e secretários. Ela gosta sempre de saber da saúde de cada um deles. Ele diz que estão todos bem, na esperança que ela volte para a fantasia da vida.
Mas sabe que ela vai ouvir notícias e fica à espera. Quando ela aparece a perguntar-lhe se é verdade, ele responde: É. Que tudo está a correr mal e que estão arruinados, ele responde: É claro, mulher, que estão arruinados. Quem? - insiste ela. Nós? Que ideia, mulher! Arruinados estão os do costume. Quem? insiste ela. O estado, os contribuintes, os outros. E a nós? Não acontece nada? Mulher! No paraíso, o que queres tu que aconteça? E podemos voltar à terra? Talvez volte mais tarde, se for bom para os negócios. Como salvador.
[o aveiro; 06/11/2008]
pássaros verdes?
Por muito que nos custe admitir, somos pássaros verdes.
Eles dizem-nos que houve desregulação, ganância desmedida, especulação criminosa, irresponsabilidade, etc e ao mesmo tempo dizem-nos que é preciso apoiar o sistema financeiro, criar fundos de garantia do estado para as poupanças dos aforradores e os depósitos dos clientes dos bancos. Como se nós pudéssemos admitir que, sem haver ladrão, as poupanças das pessoas mudem de mãos ou ganhem asas e voem. Como se nós não soubéssemos como foi difícil aplicar taxas ao grande capital financeiro e nos tivéssemos esquecido dos lucros astronómicos de bancos e sociedades financeiras ou do pede e despede gestores bancários que se tornam filantropos ao lavarem o dinheiro sujo ou saem de cena mudando de cenário. Como se nós não tivéssemos sido atropelados por banqueiros bons pais de família a ajudar à missa e a obras de divina inspiração.
Para além de admitirmos a evaporação das poupanças e das pensões como factos normais nestes tempos de crise e de centenas de milhares de desempregados, recebemos ordem para pagar o imposto que garanta aos banqueiros e financeiros o regresso ao casino de sempre com o dinheiro de sempre que é o dinheiro dos outros, esses que deram algum equivalente produtivo pelo dinheiro que guardam nos bancos da roleta russa.
Na sociedade do espectáculo, habituámo-nos ao ar respeitável de administradores de fantasias acima de toda a suspeita, administradoras de viagens pelo universo todo em representação de bairros sociais em jogos de sociedade, de culpados sem culpa formada, de colarinhos criminosos mais apontados a medo que a dedo. E não estranhamos que haja regulação sem reguladores, desregulação sem desreguladores, especulação sem especuladores, ganância sem gananciosos, irresponsabilidade sem irresponsáveis. E não nos podemos espantar que os reguladores continuem sem regular, os especuladores criminosos continuem a especular, os governadores continuem a governar-se e os administradores continuem a ministrar pouca honra e pouca vergonha.
Se não somos pássaros verdes, somos o quê? Vítimas da Dona B(r)anca. Palermas?
[o aveiro;30/10/2008]
Eles dizem-nos que houve desregulação, ganância desmedida, especulação criminosa, irresponsabilidade, etc e ao mesmo tempo dizem-nos que é preciso apoiar o sistema financeiro, criar fundos de garantia do estado para as poupanças dos aforradores e os depósitos dos clientes dos bancos. Como se nós pudéssemos admitir que, sem haver ladrão, as poupanças das pessoas mudem de mãos ou ganhem asas e voem. Como se nós não soubéssemos como foi difícil aplicar taxas ao grande capital financeiro e nos tivéssemos esquecido dos lucros astronómicos de bancos e sociedades financeiras ou do pede e despede gestores bancários que se tornam filantropos ao lavarem o dinheiro sujo ou saem de cena mudando de cenário. Como se nós não tivéssemos sido atropelados por banqueiros bons pais de família a ajudar à missa e a obras de divina inspiração.
Para além de admitirmos a evaporação das poupanças e das pensões como factos normais nestes tempos de crise e de centenas de milhares de desempregados, recebemos ordem para pagar o imposto que garanta aos banqueiros e financeiros o regresso ao casino de sempre com o dinheiro de sempre que é o dinheiro dos outros, esses que deram algum equivalente produtivo pelo dinheiro que guardam nos bancos da roleta russa.
Na sociedade do espectáculo, habituámo-nos ao ar respeitável de administradores de fantasias acima de toda a suspeita, administradoras de viagens pelo universo todo em representação de bairros sociais em jogos de sociedade, de culpados sem culpa formada, de colarinhos criminosos mais apontados a medo que a dedo. E não estranhamos que haja regulação sem reguladores, desregulação sem desreguladores, especulação sem especuladores, ganância sem gananciosos, irresponsabilidade sem irresponsáveis. E não nos podemos espantar que os reguladores continuem sem regular, os especuladores criminosos continuem a especular, os governadores continuem a governar-se e os administradores continuem a ministrar pouca honra e pouca vergonha.
Se não somos pássaros verdes, somos o quê? Vítimas da Dona B(r)anca. Palermas?
[o aveiro;30/10/2008]
o medo que se recomenda
Distraído, o homem segue a rua que o guia para o trabalho. Por momentos, vai esquecido dos problemas da manhã e vai entrando pela calma da tarde. Depois de atravessar a passadeira, ouve um carro que pára a falar consigo. Distraído, aproxima-se. O carro fala pelos cotovelos como se o conhecesse há muito tempo, contando uma história qualquer. O homem distraído vai ouvindo o conto do vigário como se não fizesse parte do que está a acontecer. De certo modo, o homem deixa que o conto se conte para que tudo seja rápido ou passe a passado rapidamente. Mas o carro segue-o e já está atravessado no cruzamento de duas ruas criando uma fila de carros que apitam. Para o carro que fala com o homem não há pressas nem cuidado com os carros que apitam. Só então o homem acorda da sua distracção e pede ao carro que fala que deixe o cruzamento. Para isso, presta-se a ouvir a história do carro com alguma atenção. A preocupação do homem que anda a pé com os carros que apitam é a sua desgraça. O carro que fala começa a fazer convites cerimoniosos para isto e para aquilo e oferece coisas que de facto quer vender e, sempre incomodando o homem e os carros que querem passar, conta o conto do vigário. O homem distraído acaba por ceder e dar algum dinheiro para se libertar do assédio desconfortável do carro. O carro pede mais dinheiro e quando o homem já desperto acelera uma marcha de despedida, o carro que fala começa a gritar: “senhor doutor não me faça isso!” criando em quem passa a ideia que o homem roubado é mal educado por desprezar o carro que fala e o rouba.
O homem que caminha conta a história como se tivesse sido pressionado e roubado por um carro: Porque não quer acreditar que tenha sido pessoa a torturar a sua entrada na tarde, até fazer da sua distracção calma uma irritação assassina a que o caminhante não quer dar guarida no seu coração.
Depois do trabalho, o homem vai para casa. Da caixa do correio, retira as cartas e o papelixo do costume. Ao abrir as cartas, percebe que uma delas é a oferta de um cartão bancário que nunca pediu e não quer. Já recusou aquele cartão várias vezes. De cada vez, tentaram convencê-lo que tinha de fazer isto e mais aquilo para desfazer o que não tinha feito. A irritação assassina volta. Contra quem o rouba insistindo em ofertas que ele não quer.
Começa a ter medo de si mesmo. Desesperado, aos torturadores mascarados de amigos, o homem calmo recomenda medo equivalente.
[o aveiro; 23/10/2008]
O homem que caminha conta a história como se tivesse sido pressionado e roubado por um carro: Porque não quer acreditar que tenha sido pessoa a torturar a sua entrada na tarde, até fazer da sua distracção calma uma irritação assassina a que o caminhante não quer dar guarida no seu coração.
Depois do trabalho, o homem vai para casa. Da caixa do correio, retira as cartas e o papelixo do costume. Ao abrir as cartas, percebe que uma delas é a oferta de um cartão bancário que nunca pediu e não quer. Já recusou aquele cartão várias vezes. De cada vez, tentaram convencê-lo que tinha de fazer isto e mais aquilo para desfazer o que não tinha feito. A irritação assassina volta. Contra quem o rouba insistindo em ofertas que ele não quer.
Começa a ter medo de si mesmo. Desesperado, aos torturadores mascarados de amigos, o homem calmo recomenda medo equivalente.
[o aveiro; 23/10/2008]
os caminhos estreitos
Nestes últimos tempos, andámos muito ocupados a tratar dos temas que têm de se passear por veredas e caminhos estreitos, como é o caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esta discussão mostrou como em 10 anos mudou o discurso social e cultural relativamente às orientações sexuais e também que não mudaram as cautelas das galinhas gordas que ocupam os poleiros do poder, da oportunidade, o oportunismo de quem não encara direitos se estes estiverem fora da sua agenda cor de rosa.
Os caminhos estreitos que percorri um dia destes levavam-me até uma escola do 1º ciclo. Manhã cedo, os pais e as mães sobem pelo carreiro com as crianças pela mão até ao grande portão fechado. E ali ficam numa esquina inóspita até que alguém abre o portão por onde entram as crianças para a escola. Dei por mim a pensar como vai ser num dia de frio e chuva. Não há forma de escapar à chuva fria para os que sobem a ladeira até àquele portão.
Pela tarde, voltei à escola para uma reunião. Depois de muito tocar campaínhas, lá consegui entrar por uma porta estreita depois de a adivinhar. Lá entrar, entrei. Mas à medida que outras pessoas iam chegando para a reunião descobri que se não tinha sido fácil entrar, o difícil agora era sair já que não podia abrir a porta para os que queriam entrar.
Enquanto esperava, bem tentei encontrar um abrigo ou um simples banco onde um pai ou uma mãe pudesse sossegar na espera das crianças. Nem com a ajuda da imaginação consegui o banco e o abrigo. Não podia imaginar-me sentado naquelas escadas em dia húmido de chuva. E posso garantir que o mais fácil para qualquer responsável é reconhecer que não há o mínimo conforto naquelas salas para o trabalho produtivo de professores e estudo das crianças.
Dei por mim a pensar que muitas escolas são assim e que muitas há com muito menos condições que esta. De certo modo, não há lugar para pais e mães a não ser na compreensão humana dos professores que os recebem e, de certo modo, não há lugar para as crianças que precisam de respeitar regras de trabalho e de trabalhar. Nem há lugar para as crianças que precisam de brincar.
Não há forma de escapar a esta sensação de chuva fria nos ossos despejada dos beirais do desprezo pelas crianças. O desprezo faz da vida um caminho estreito.
[o aveiro.16/10/2008]
Os caminhos estreitos que percorri um dia destes levavam-me até uma escola do 1º ciclo. Manhã cedo, os pais e as mães sobem pelo carreiro com as crianças pela mão até ao grande portão fechado. E ali ficam numa esquina inóspita até que alguém abre o portão por onde entram as crianças para a escola. Dei por mim a pensar como vai ser num dia de frio e chuva. Não há forma de escapar à chuva fria para os que sobem a ladeira até àquele portão.
Pela tarde, voltei à escola para uma reunião. Depois de muito tocar campaínhas, lá consegui entrar por uma porta estreita depois de a adivinhar. Lá entrar, entrei. Mas à medida que outras pessoas iam chegando para a reunião descobri que se não tinha sido fácil entrar, o difícil agora era sair já que não podia abrir a porta para os que queriam entrar.
Enquanto esperava, bem tentei encontrar um abrigo ou um simples banco onde um pai ou uma mãe pudesse sossegar na espera das crianças. Nem com a ajuda da imaginação consegui o banco e o abrigo. Não podia imaginar-me sentado naquelas escadas em dia húmido de chuva. E posso garantir que o mais fácil para qualquer responsável é reconhecer que não há o mínimo conforto naquelas salas para o trabalho produtivo de professores e estudo das crianças.
Dei por mim a pensar que muitas escolas são assim e que muitas há com muito menos condições que esta. De certo modo, não há lugar para pais e mães a não ser na compreensão humana dos professores que os recebem e, de certo modo, não há lugar para as crianças que precisam de respeitar regras de trabalho e de trabalhar. Nem há lugar para as crianças que precisam de brincar.
Não há forma de escapar a esta sensação de chuva fria nos ossos despejada dos beirais do desprezo pelas crianças. O desprezo faz da vida um caminho estreito.
[o aveiro.16/10/2008]
o ouvido do ovo
Foge. Se correres na direcção certa ainda vais a tempo de fugir da chuva que aí vem. Qual é a direcção certa? - perguntei eu. A da chuva - disse a chuva. Queres é molhar-me! pensei eu. E fiquei calado. A chuva percebeu o que eu estava a pensar e disse: Para não te molhares deves também correr no mesmo sentido que eu.
Para não te encontrar devo correr na tua direcção e no teu sentido?
Pois, está bem, está!
Nos últimos dias perguntaram-me opinião sobre vários assuntos. Refiro dois:
Uma vez sobre o orçamento de estado. Para onde deve ir o dinheiro? Na mesma direcção e no mesmo sentido que a educação prossegue? Na direcção da cultura e no sentido da ciência, para que os homens sejam tratados pelo nome e não pelo número. Mas se eu caminhar na direcção favorável à cultura e em sentido favorável à ciência não vou a fugir da educação? Vais, claro que vais! Foges da má educação.
Outra sobre a fraca matemática dos estudantes de engenharia. Não é de cultura científica que falam, mas antes da fraca preparação dos estudantes de engenhara e dos jovens engenheiros. O engraçado é que atribuem esse defeito ao ensino secundário. Esquecem-se que a formação secundária é forçosamente tão diversa quantos os desejos de futuro e que às portas de engenharia nada há que impeça a entrada de estudantes com fraca formação matemática. Ao contrário, há convites a todos quantos queiram entrar enquanto forem precisos, mesmo mal formados, para ocupar a instalação. Os melhores alunos de matemática podem não querer frequentar os cursos que mais precisam de matemática, podem não querer frequentar engenharia e até pode acontecer que uma parte dos alunos de engenharia nem tenha pensado nela a não ser como mal menor. O que quer dizer que o sistema de escolhas da universidade não tem quaisquer critérios de qualidade e nem os jovens cuidam de segurar as suas primeiras preferências.
No que ao acesso do ensino superior respeita, tiradas as honradas e numerosas excepções, ficamos com a ideia de que os jovens ao correrem pelo acesso ao ensino superior correm na mesma direcção e no mesmo sentido em que corre a educação científica e é, por isso, natural que não haja encontro entre os jovens, a educação e a cultura científicas.
O ensino secundário só é culpado na medida em que é deste mundo. Como tudo.
[o aveiro; 9/10/2008]
Para não te encontrar devo correr na tua direcção e no teu sentido?
Pois, está bem, está!
Nos últimos dias perguntaram-me opinião sobre vários assuntos. Refiro dois:
Uma vez sobre o orçamento de estado. Para onde deve ir o dinheiro? Na mesma direcção e no mesmo sentido que a educação prossegue? Na direcção da cultura e no sentido da ciência, para que os homens sejam tratados pelo nome e não pelo número. Mas se eu caminhar na direcção favorável à cultura e em sentido favorável à ciência não vou a fugir da educação? Vais, claro que vais! Foges da má educação.
Outra sobre a fraca matemática dos estudantes de engenharia. Não é de cultura científica que falam, mas antes da fraca preparação dos estudantes de engenhara e dos jovens engenheiros. O engraçado é que atribuem esse defeito ao ensino secundário. Esquecem-se que a formação secundária é forçosamente tão diversa quantos os desejos de futuro e que às portas de engenharia nada há que impeça a entrada de estudantes com fraca formação matemática. Ao contrário, há convites a todos quantos queiram entrar enquanto forem precisos, mesmo mal formados, para ocupar a instalação. Os melhores alunos de matemática podem não querer frequentar os cursos que mais precisam de matemática, podem não querer frequentar engenharia e até pode acontecer que uma parte dos alunos de engenharia nem tenha pensado nela a não ser como mal menor. O que quer dizer que o sistema de escolhas da universidade não tem quaisquer critérios de qualidade e nem os jovens cuidam de segurar as suas primeiras preferências.
No que ao acesso do ensino superior respeita, tiradas as honradas e numerosas excepções, ficamos com a ideia de que os jovens ao correrem pelo acesso ao ensino superior correm na mesma direcção e no mesmo sentido em que corre a educação científica e é, por isso, natural que não haja encontro entre os jovens, a educação e a cultura científicas.
O ensino secundário só é culpado na medida em que é deste mundo. Como tudo.
[o aveiro; 9/10/2008]
a linha da mão e a mão que nos embala
Nas palmas das minhas mãos cruzam-se linhas de tudo: a linha da vida, a linha do coração, etc. Cada uma dessas linhas conta uma história: que a vida acabará abruptamente; que o amor chega tarde, tanto tarda a intersecção da linha do coração com a linha da vida; que um pequeno acidente está previsto pela pequena gelha que se esforça para ser vista quase a desaguar na linha do coração.
Ninguém me tinha falado na linha da mão propriamente dita, mas duas médicas juntaram-se para me garantir que a vida das minhas mãos, tal como a conheço, está em risco e que eu devo confiar menos em mim e nas minhas mãos e mais num cirurgião. Fiquei preocupado com as minhas mãos incapazes de prever o seu próprio colapso aos 60 anos de vida, logo elas! que mostram (a quem quiser ver) a cartografia da vida, do amor, da riqueza, da saúde, .... até ao detalhe mais absurdo.
Há quem chame mão invisível ao capital financeiro e lhe atribua o papel de mola real da vida. Nem sempre foi assim, mas, hoje, não há culpados entre os jogadores da alta finança (que pouco arriscam de seu e tudo arriscam das poupanças de todos os outros). Os poderosos deste mundo enriquecem sabendo que muito do dinheiro em movimento não incorpora qualquer trabalho produtivo e transformador e cresce sem correspondente em trocas de mercadorias e bens que aumentam de valor à medida que vão integrando matéria e força de trabalho transformadora. Especulam e atribuem, em bolsa, valores ao movimento real ou inventado, fazendo da especulação uma mercadoria. Neste mercado, a um dado momento já só se transacciona o que não é. O inexistente toma valores independentes da realidade e da imaginação criadora, é especulação sobre a especulação.
Cada geração de especuladores toma os Estados como fontes de financiamento ou retardadores da explosão das insttituições e lojas do mercado de capitais, enriquecendo um pouco mais, enquanto milhões de trabalhadores, cujas mãos não guardaram lugar para a especulação de outros, sofrem o impacto da explosão.
Nestes jogos, os que sofrem não conhecem os carrascos. Estes já começaram a soprar para a próxima bomba bolsista - nos salvados da explosão de hoje, compram barato os activos da próxima.
Sobre as linhas das minhas mãos, que nada me dizem, gosto de especular sobre as linhas da mão invisível. Se desenharmos as linhas, passamos a ver a mão? Que faremos depois?
[o aveiro; 2/9/2008]
Ninguém me tinha falado na linha da mão propriamente dita, mas duas médicas juntaram-se para me garantir que a vida das minhas mãos, tal como a conheço, está em risco e que eu devo confiar menos em mim e nas minhas mãos e mais num cirurgião. Fiquei preocupado com as minhas mãos incapazes de prever o seu próprio colapso aos 60 anos de vida, logo elas! que mostram (a quem quiser ver) a cartografia da vida, do amor, da riqueza, da saúde, .... até ao detalhe mais absurdo.
Há quem chame mão invisível ao capital financeiro e lhe atribua o papel de mola real da vida. Nem sempre foi assim, mas, hoje, não há culpados entre os jogadores da alta finança (que pouco arriscam de seu e tudo arriscam das poupanças de todos os outros). Os poderosos deste mundo enriquecem sabendo que muito do dinheiro em movimento não incorpora qualquer trabalho produtivo e transformador e cresce sem correspondente em trocas de mercadorias e bens que aumentam de valor à medida que vão integrando matéria e força de trabalho transformadora. Especulam e atribuem, em bolsa, valores ao movimento real ou inventado, fazendo da especulação uma mercadoria. Neste mercado, a um dado momento já só se transacciona o que não é. O inexistente toma valores independentes da realidade e da imaginação criadora, é especulação sobre a especulação.
Cada geração de especuladores toma os Estados como fontes de financiamento ou retardadores da explosão das insttituições e lojas do mercado de capitais, enriquecendo um pouco mais, enquanto milhões de trabalhadores, cujas mãos não guardaram lugar para a especulação de outros, sofrem o impacto da explosão.
Nestes jogos, os que sofrem não conhecem os carrascos. Estes já começaram a soprar para a próxima bomba bolsista - nos salvados da explosão de hoje, compram barato os activos da próxima.
Sobre as linhas das minhas mãos, que nada me dizem, gosto de especular sobre as linhas da mão invisível. Se desenharmos as linhas, passamos a ver a mão? Que faremos depois?
[o aveiro; 2/9/2008]
desenho, logo existe
E existe mesmo. Descansa numa prateleira. Veio de Évora, como miniatura do outro de matar a sede de água, escolhido como símbolo do encontro nacional de professores de matemática de há cinco anos.
Há matemática na natureza. Sabemos da sede (irreprimível, mas também reprimida e escondida) da matemática. Dia a dia? Quem nos dera ser uma das infinitesimais bicas da fonte.
desenho, logo existo
Se eu quisesse algum sentido para o desenho, desenhava os sentidos e nem um traço mais, mas eu passo a vida a sublinhar com um novo traço o anterior, sem que cada traço tenha sentido que mereça ser sublinhado. De certo modo, o traço de hoje não sublinha qualquer sentido de ontem, antes procura substituir, sem sentido, o sem sentido.
Estas são as fotografias descuidadas. São sempre piores que os desenhos, sendo estes, desinteressantes acidentes, notas soltas tiradas em reuniões passadas... mal passadas pelas brasas.
o guindaste
por eu gostar de guindastes, ofereceram-me um especial, plantado em oeiras para ser visto, fazendo sombra ao cristo rei da outra banda de portugal ... ali mesmo, onde o deserto começa
Regra dos sinais
Escrevo à terça feira. Não é a terça feira quem me quer ler. Quem escreve para ser publicado, sabe que vai ser lido quando for passado. Se chegar ao dia da publicação, pode ler-se, pode ler o seu passado. Escrevo para o futuro e o futuro só pode ler o passado.
Na manhã desta terça feira, um estudante finlandês matou nove alunos de um liceu. Ao que dizem, publicava num canal video cenas de treino de disparos com pistola. Como se estivesse a atirar para o futuro. Depois do massacre, disparou contra si próprio e morreu no hospital.
Interrogado pela polícia, tinha sido libertado por ter uma licença para disparar. Só depois do massacre é que os videos foram retirados da cena pública. Ficamos transidos de espanto, suspensos neste tempo em que vemos como o futuro acontece. Sempre aconteceram coisas destas e a Finlândia não é o território mais fértil em acontecimentos destes que são desastres em si mesmos e mais desastres são por estarem assinalados por imagens que os precedem e os fazem permanecer para além do tempo em que acontecem.
Sobra-nos o travo de uma derrota. Como podemos interpretar os sinais? Como podemos interromper estas roletas russas? Há uma necessidade doentia de celebrar a própria morte com o assassinato de inocentes como se estes fossem pedrinhas deixadas no caminho a aumentar o impacto de uma decisão desesperada e criminosa. Estes casos repetem-se. Só que agora somos testemunhas atadas aos testemunhos impossíveis de controlar e que nos deixam uma estranha sensação de serem cópias do passado e desejo de futuro. Neste caso, assistimos a alguma coisa parecida com os videos dos campos de treino de suicidas que se suicidam com a obrigação de matar outros para ampliar o acto. Muitas vezes, há grupos humanos a descrever a motivação dos actos suicidas. Será que as motivações dos suicidas empurrados para o martírio são diferentes das motivações deste frio finlandês que parece agir sozinho sem precisar de ser empurrado? Podemos pensar que aqueles que são empurrados são mais humanos, porque talvez nunca pudessem tomar tal decisão sozinhos e, quando têm oportunidade, escapam do acto que lhes procuraram impor.
Percebemos que não há lugares livres destes medos que assaltam os nossos dias.
Nesta esquina de terça feira, olho em volta para ver sinais. Eles disparam mais rápidos que a nossa imaginação. De que nos servem os sinais?
[o aveiro; 25/09/2008]
Na manhã desta terça feira, um estudante finlandês matou nove alunos de um liceu. Ao que dizem, publicava num canal video cenas de treino de disparos com pistola. Como se estivesse a atirar para o futuro. Depois do massacre, disparou contra si próprio e morreu no hospital.
Interrogado pela polícia, tinha sido libertado por ter uma licença para disparar. Só depois do massacre é que os videos foram retirados da cena pública. Ficamos transidos de espanto, suspensos neste tempo em que vemos como o futuro acontece. Sempre aconteceram coisas destas e a Finlândia não é o território mais fértil em acontecimentos destes que são desastres em si mesmos e mais desastres são por estarem assinalados por imagens que os precedem e os fazem permanecer para além do tempo em que acontecem.
Sobra-nos o travo de uma derrota. Como podemos interpretar os sinais? Como podemos interromper estas roletas russas? Há uma necessidade doentia de celebrar a própria morte com o assassinato de inocentes como se estes fossem pedrinhas deixadas no caminho a aumentar o impacto de uma decisão desesperada e criminosa. Estes casos repetem-se. Só que agora somos testemunhas atadas aos testemunhos impossíveis de controlar e que nos deixam uma estranha sensação de serem cópias do passado e desejo de futuro. Neste caso, assistimos a alguma coisa parecida com os videos dos campos de treino de suicidas que se suicidam com a obrigação de matar outros para ampliar o acto. Muitas vezes, há grupos humanos a descrever a motivação dos actos suicidas. Será que as motivações dos suicidas empurrados para o martírio são diferentes das motivações deste frio finlandês que parece agir sozinho sem precisar de ser empurrado? Podemos pensar que aqueles que são empurrados são mais humanos, porque talvez nunca pudessem tomar tal decisão sozinhos e, quando têm oportunidade, escapam do acto que lhes procuraram impor.
Percebemos que não há lugares livres destes medos que assaltam os nossos dias.
Nesta esquina de terça feira, olho em volta para ver sinais. Eles disparam mais rápidos que a nossa imaginação. De que nos servem os sinais?
[o aveiro; 25/09/2008]
ao arrepio
Ontem e amanhã não são dias meus
Hoje é que vejo as gaivotas voando desesperadas
Entre cruzes erguidas como pára-raios recortados nos céus da janela
Hoje é o meu dia, o dia em que as nuvens chocam
Hoje é dia em que o escuro como breu cai com estrondo
Entre as farpas finíssimas da chuva que voa
Ontem e amanhã não são dias meus:
Não me lembro de ontem e amanhã nem sei quem é.
Hoje é o dia que me fala de ontem e me lembra amanhã
Ontem foi para esquecer e hoje é para me lembrar já nem me lembro bem de quê.
Hoje é que vejo as gaivotas voando desesperadas
Entre cruzes erguidas como pára-raios recortados nos céus da janela
Hoje é o meu dia, o dia em que as nuvens chocam
Hoje é dia em que o escuro como breu cai com estrondo
Entre as farpas finíssimas da chuva que voa
Ontem e amanhã não são dias meus:
Não me lembro de ontem e amanhã nem sei quem é.
Hoje é o dia que me fala de ontem e me lembra amanhã
Ontem foi para esquecer e hoje é para me lembrar já nem me lembro bem de quê.
as regras, as ruas, os nomes
Vou sempre pelo mesmo caminho. Como se tivesse medo de me perder um dia a caminho de casa ou a caminho da escola. Que relação há entre a caminho de casa e a caminho da escola? Não são um só.
Levanto-me cedo por saber isso. O caminho da escola é mais rápido que o caminho de casa. Não é por ter mais pressa de chegar à escola, mas é verdade que os minutos são passos contados. Como se tivesse medo da campaínha que marca as horas de entrar e de sair? Nunca saberei ao certo. Vou cedo para evitar contratempos.
Nas primeiras aulas, tenho de lembrar algumas regras aos alunos. Porque é que há a regra da pontualidade? Sempre que uma pessoa chega atrasada prejudica-se a si mesma. Só? Quem chega atrasado a um trabalho colectivo prejudica o trabalho dos outros que com ele contam se é que os não coloca em risco. As regras que nós aprendemos a seguir protegem cada um e todos nós. Nem precisamos de pensar. Sabemos que, ao fazermos a nossa parte, tornamos a vida dos outros mais fácil. E sabemos que a nossa vida é mais difícil quando alguém falha a sua contribuição. É assim em tudo.
Vou sempre pelo mesmo caminho. Olho os carros de frente e escolho o passeio ao lado dos carros que se aproximam de mim. Não sei se é regra, mas é mais fácil fugir do perigo que vejo aproximar-se de mim e é mais confortável sentir-me afastado do possível perigo que não vejo. Mais ainda quando falha o passeio. Faço os meus caminhos a pé e sigo regras e rotinas sem dar por isso. E de cada vez que descubro uma nova rotina que sem pensar cumpro, descubro também as pequenas contrariedades da cidade feita para os carros. E aprecio os carreiros abertos nos relvados por peões que seguem em frente depois de atravessarem uma passadeira. Os passeios em volta ficam cheios do cotão do abandono a que os peões os votam.
Dou por mim a pensar no exercício do poder. Entro na primeira aula em que possso falar de modelos matemáticos que apoiam decisões, escolhas. Ainda nos estamos a apresentar e eu pergunto a jovens, com mais de 15 anos, que vivem por aqui, os nomes das freguesias de residência, dos respectivos presidentes de junta e de câmara.
Eles não sabem os nomes. Não amaldiçoam pessoas por maus traçados, obstáculos, buracos. É tudo culpa do sistema.
A escola deve ensinar nomes próprios? Os nossos nomes?
[o aveiro; 18/09/2008]
Levanto-me cedo por saber isso. O caminho da escola é mais rápido que o caminho de casa. Não é por ter mais pressa de chegar à escola, mas é verdade que os minutos são passos contados. Como se tivesse medo da campaínha que marca as horas de entrar e de sair? Nunca saberei ao certo. Vou cedo para evitar contratempos.
Nas primeiras aulas, tenho de lembrar algumas regras aos alunos. Porque é que há a regra da pontualidade? Sempre que uma pessoa chega atrasada prejudica-se a si mesma. Só? Quem chega atrasado a um trabalho colectivo prejudica o trabalho dos outros que com ele contam se é que os não coloca em risco. As regras que nós aprendemos a seguir protegem cada um e todos nós. Nem precisamos de pensar. Sabemos que, ao fazermos a nossa parte, tornamos a vida dos outros mais fácil. E sabemos que a nossa vida é mais difícil quando alguém falha a sua contribuição. É assim em tudo.
Vou sempre pelo mesmo caminho. Olho os carros de frente e escolho o passeio ao lado dos carros que se aproximam de mim. Não sei se é regra, mas é mais fácil fugir do perigo que vejo aproximar-se de mim e é mais confortável sentir-me afastado do possível perigo que não vejo. Mais ainda quando falha o passeio. Faço os meus caminhos a pé e sigo regras e rotinas sem dar por isso. E de cada vez que descubro uma nova rotina que sem pensar cumpro, descubro também as pequenas contrariedades da cidade feita para os carros. E aprecio os carreiros abertos nos relvados por peões que seguem em frente depois de atravessarem uma passadeira. Os passeios em volta ficam cheios do cotão do abandono a que os peões os votam.
Dou por mim a pensar no exercício do poder. Entro na primeira aula em que possso falar de modelos matemáticos que apoiam decisões, escolhas. Ainda nos estamos a apresentar e eu pergunto a jovens, com mais de 15 anos, que vivem por aqui, os nomes das freguesias de residência, dos respectivos presidentes de junta e de câmara.
Eles não sabem os nomes. Não amaldiçoam pessoas por maus traçados, obstáculos, buracos. É tudo culpa do sistema.
A escola deve ensinar nomes próprios? Os nossos nomes?
[o aveiro; 18/09/2008]
duas sem três
disseste-me em cada rua o nome da rua
e tomei boa nota de todos os nomes
parece-me agora que os nomes
saltaram de placa em placa
e se fizeram linhas de outra placa
como um rol de exigências
na primeira linha, a liberdade
e tomei boa nota de todos os nomes
parece-me agora que os nomes
saltaram de placa em placa
e se fizeram linhas de outra placa
como um rol de exigências
na primeira linha, a liberdade
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