desenho, logo existo

o que se vê do alto

QUAD

Em textos matemáticos, escrevo muitas vezes “\quad” para forçar um espaço entre duas coisas que quero separadas. Ouço “quad”, por vezes. Já não sei quando foi a primeira vez, mas foi numa pequena sala da Fábrica da Ciência, que ouvi o “quad”. Não sei quando começou, mas passei a ouvi-los repetidamente. No fim da semana passada, fui ouvi-los ao “Performas”, depois de ter adormecido brevemente sobre uma viagem a reuniões sobre ensino de Matemática e associativismo profissional e passagem por um encontro de professores em Torres Novas.
Acordo para me forçar a um espaço entre afazeres que quero separar. Que interesse tem isto de falar dos intervalos na vida de um professor?

“Quad” é um clássico quarteto de saxofonistas. Três deles conheço-os desde muito jovens. Não, nunca fui professor de qualquer deles. Mas acompanham-me a vida de professor e são uma parte da vida da minha esperança na educação. Simultaneamente alunos da escola generalista e do Conservatório de Música, servem-me de modelo quando me ponho a pensar sobre ensino e educação, sobre escolas, sobre cultura e seus públicos. Olho para eles e decido-me a favor de umas políticas e contra outras. No mistério das suas vidas de pessoas que realizaram, com êxito, a sua formação geral, humanista e científica, e, com maior êxito ainda, se tornaram instrumentistas. De quantas horas diárias de treino precisa um atleta ou um instrumentista até estar capaz de ler, interpretar e executar um exercício complexo, sem falhas em frente do público que segue, com todos os sentidos alerta, a execução? De que professores e treinadores precisam os instrumentistas?

“Quad” é um moderno quarteto de saxofonistas. Quantas horas mais, quanta força mais, precisam os músicos (ou os actores) para compreender o seu tempo e forçar, pelas suas escolhas, a divulgação das obras que são novas e só habitam o espaço popular por obra de mãos magníficas que não ficaram paralisadas na teia de argumentos da aranha industrial do entretenimento, essa que vende sabores alisados sobre verdetes consagrados. A cultura musical é obra de cada nesga de tempo e ouço-os - Quad - também na escolha do estilo de vida difícil de educar públicos, criar públicos de novo e puro prazer. Sem sugá-los, nem segurá-los, antes soltá-los livres para o seu tempo. Alunos das escolas, colegas e professores uns dos outros como instrumentistas cultos, eles constroem-se como exemplo.

Como podem as comunidades conhecer e proteger os seus Conservatórios? E os “Quad”?

[o aveiro;23/01/2009]

o que se vê do alto

A escola e a escala do optimismo

Perguntaram-me recentemente se gostava de crianças. Respondi que obviamente um professor só pode gostar de crianças. Na vida profissional, acompanhei crianças diferentes umas das outras: sossegadas e traquinas, curiosas e desinteressadas, activas e passivas, pobres e ricas, ... A minha única lição de vida é que elas lutam por aprender o que lhes interessa e lhes parece vital e recusam aprender o que não lhes interessa ou que não lhes parece de utilidade alguma, sabendo que a escola é um mundo de transmissão de conhecimentos e construção de competências, em grande parte, estranhas às crianças. A grande luta é, pois, ganhar a sociedade toda para o interesse e a importância do saber escolar, para oportunidade e adequação das escolhas curriculares. Se é preciso e importante, aprende-se. Aprende-se com esforço e interesse. Se as famílias e a sociedade não sentem ou não sabem que a escola é um importante sistema de criação de riqueza, as crianças não aparecem motivadas para o esforço escolar.
Nesta semana, o exemplo de um jogador de futebol aparece mais uma vez como um contra-exemplo sobre a necessidade da escola normal. Só que um jogador de futebol não representa o futuro da população.
É, por isso, que aqui relembro o interesse de tornar claro para a população o significado da escola. No Público de 3ª feira, Desidério Murcho chama a atenção para os dados de um inquérito do INE realizado em 2003 e esses sim é que interessam: na mesma faixa etária dos 30 anos, quem tivesse concluído o secundário, sem ter uma licenciatura ganhava 400 euros menos que os portadores de uma licenciatura; e isso aumentava com a idade, sendo que aos 50 anos um licenciado ganhava em média 2000 euros mensalmente, para perto de 1000 euros se tivesse só secundário e não mais de 800 se tivesse só 9º ano. Estes são os dados que interessam à maioria dos comuns mortais. Desidério Murcho tira daí razões graves para admitir que os poderes estão a favorecer os jovens mais perto do sistema escolar por origem familiar em detrimento dos pobres e desfavorecidos que, se perceberem o interesse da escola, podem aprender e ser mais empreendedores, mais diligentes e mais competentes, caso percebam a vantagem, também económica, que a escola dá.
Os pais das crianças querem o melhor para elas. É preciso tornar clara a vantagem da escola para a sociedade toda e para que a competição entre competências seja justa. Melhor para cada pessoa comum, melhor para a sociedade. Nas sociedades em desenvolvimento, precisamos de todos e de cada um no seu melhor. As habilidades e as vantagens do berço não são uma benção para o país.

[o aveiro; 16/01/2009]

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desenho o copo do fel que ferve

os anjinhos e o anjo papudo

O nosso anjo mais sisudo está sentado no banco central. Nós olhamos para ele e sabemos que ali acontece o milagre. Não há melhor que ele no jogo do sério: mesmo nos momentos mais hilariantes, para o seu ponto de vista de rico menino, ele não se desmancha. Para o jogo do sério, ele é o ídolo popular. Nem as cócegas na consciência, que a miséria do povo é, o tiram do sério.

Quando ele se arma em nosso anjo da guarda e desata as contas do nosso rosário de tudo querermos para tudo perdermos, eu rendo-me e saio para a rua pregando a má velha e a boa nova:
“Pedintes, pobres de pedir, pobres de espírito, verdadeiros pobres, só pobres, pobres no desemprego e no emprego, pobres sem abrigo, pobres ao abrigo da caridade alheia, escutem a voz da razão, do deve e do haver. Concentrem-se em frente das televisões, aguardem a sua chegada e, repetindo em voz baixa as sensatas palavras e os piedosos conselhos do nosso anjo mais papudo, afastem para todo o sempre e para bem longe de vós toda a ganância, toda a inveja, toda a luxúria, toda a arrogância e toda a preguiça. Trabalhem mesmo que a fome aperte, mesmo que não recebam tostão, mesmo que reconheçam a mão que vos rouba, mesmo que a vossa vida fuja com outro. Sede ao menos uma vez sinceros e reconhecei que o anjo sisudo merece cada um dos tostões do seu salário, por seu sábio acompanhamento cego seguido de salvação do esquema de fraude geral até este patamar de crise global, soma esquecida das suas parcelas locais, a acabar no conselho avisado: invista-se tudo em ajuda aos cotados em bolsa e inventariem-se sacrifícios para os os coitados sem bolsa, de cotão no bolso cheio de côdea nenhuma!”

Habituados a todos os trampolins, os anjos papudos treinam-se para voar, se possível. para lá do fulgor caseiro . A estes anjos não foi a divindade a dar-lhes asas. As asas, que eles usam afiveladas, foram oferecidas por uma geração de peralvilhos, a de todos nós. Eles têm a escola toda e vergonha nenhuma. A sua indiferença foi ensaiada frente aos nossos espelhos de lata e é lata mesmo!
Cegos pelo brilho do sol na lata, louvamos os anjos que nos anunciam os seus termos e condições. E damos graças por arder no lume brando português.

[o aveiro; 08/01/2009]

sobre imaginar a vida

Uma vez por ano, um amigo traz uma garrafa de vinho e nozes colhidas em nogueiras de um lugar dele que eu não conheço. Em tempos, falei com ele sobre a luz coada pelas nogueiras, coisas da imaginação que acabei por nunca ver e por isso ainda é luz de um momento mágico.

Pelo meu lado, em cada ano, ofereço-lhe um livro que gosto de ver, mas não posso guardar. Este ano comprei um liivro enorme que não cabe em minha casa. Guardei o livro no carro, onde vou vê-lo às escondidas da minha família. Tomo todo o cuidado quando vou visitar o meu livro. Saio de carro e páro num lugar deserto. Tiro o livro do porta bagagens e deixo passar horas folheando o livro no banco de trás.
Se alguém espreitasse a minha leitura, estaria a oferecer um livro em segunda mão e isso nunca poderia aceitar.

há moelas?

O homem entra, batendo a porta. Senta-se a uma mesa, perto da porta. Sobre o silêncio que se instalou à sua entrada, ouve-se a voz forte do homem:
Já há moelas de coelho?
Ninguém responde. Passado o tempo preciso para nada ser resposta, em voz baixa, a todos, a dona do café diz:
Rua!

Saímos todos.

se pudermos apontar o dedo, podemos contar

Leio as notícias de Gaza. Contam-se os rockets, contam-se os bombardeiros, contam-se as casas abatidas, contam-se as vítimas. Perdi a conta aos assassinos? Ou não sei quem são? Talvez nem haja assassinos para contar. Ou talvez sejam incontáveis.

Se pudermos apontar a dedo, podemos contar.

shministim - do ano velho, por um ano novo

Em Israel, jovens com pouco menos de 20 anos são condenados a penas de prisão por se recusarem, enquanto objectores de consciência, a cumprir o serviço militar obrigatório.



A associação pacifista americana "Jewish Voice for Peace", que defende, entre outras causas, o entendimento pacífico entre judeus e árabes em Israel e na Palestina, está neste momento a dinamizar uma campanha de sensibilização mundial em que pede às autoridades israelitas a libertação de todos esses jovens shministim.

O site é o seguinte: http://december18th.org/

18 de Dezembro não foi o fim do processo, mas sim o início. Visitem e, se estiverem de acordo, assinem e divulguem a petição.



copiado da disciplina das argolas

Os shministim - importante não esquecer nunca e especialmente em dias destes

a fotografia

Ainda a família dorme, o homem sai. Entra no carro. Sentado ao volante, não sabe para onde ir. Devagar, o carro segue pela rua do bairro. Há um buraco mesmo no meio da rua. Embora hoje não o possa ver na rua inundada pelas chuvas da noite, ele sabe exactamente onde está o buraco. Hesita ao chegar e pára o carro na rua deserta. Se tivesse trazido a máquina, tirava agora a sua última fotografia.

a fúria entrou pela porta da frente

Ela estava a demorar demais o seu pequeno almoço.

A família já tinha saído a tomar ar e esperava à porta da rua. Nem podiam voltar atrás e entrar em casa, nem podiam partir. De facto, eles não tinham a chave da casa para entrar nem a do carro para partir. Começaram por entreter-se a conversar, mas, a partir de certa altura, cada um dedicou o tempo às suas coisinhas: o pai de todos foi até à esquina comprar tabaco e recomeçou a fumar depois de 5 anos livres de fumo, o rapaz agarrou-se ao compêndio de matemática e a canivete começou a esculpir o corpo da namorada de quem tinha saudades demais até que a matemática ganhou a forma que ele queria que ela tivesse sempre, as duas gémeas começaram uma disputa sem tréguas sobre qualquer coisa que já nem ao diabo lembra. A primeira rajada de vento dispersou-os.

Quando ela desceu finalmente e, sorridente, abriu a porta da rua, não viu a família assim ao primeiro olhar. Aliás não viu viv'alma. Olhou para o relógio e chamou. Nada de volta. É tarde, estamos atrasados não é altura para brincadeiras! Nem um som.Esperou mais um pouco. Depois, deu meia volta e entrou em casa pela porta da frente. Furiosa. Ninguém a esperava tão cedo.

aos meus relatórios ajuda-os deus; a mim não

Quando escrevia relatórios é que deus me aparecia:
olhava-me cheio de compaixão e eu insistia em largas frases judiciosas, porque ele ouvira falar sobre a bondade dos relatórios longos em que umas palavras mais sinceras e desagradáveis amaciavam outras que me davam um ar amigável de conselheiro.

Nunca deus me apareceu para a poesia:
deixou-me sempre sozinho e, por isso, nunca escrevi mais que dois versos cheios de nada, de palavras que procuram outras palavras incapazes todas para desenhar a face da divindade da vida humana.

as famílias adoptam velhinhos já velhos feitos?

Ia a passar quando ouvi a conversa: "O que nos fazia falta agora era um velho que quisesse ser adoptado como avô ou bisavô". Virei-me para a família que ali conversava, as mulheres arrumando a tralha do picnic, um rapaz arrastando o saco das sobras e o lixo dos embrulhos para o contentor-lixeira, duas crianças esfarelando entre os dedos um pão para os peixes e os patos do canal da ria ali ao lado. E sentei-me abandonado com os olhos tristes de velho fixos no conjunto da cena familiar. Uma das mulheres da família, pareceu-me a mais velha, veio até ao meu banco e perguntou-me: "Há quanto tempo está aqui? tem ouvido as nossas conversas?" E eu respondi: "Sempre por aqui estive, desde há muitos anos pelo menos, mas ninguém deu por mim até hoje". "O que espera aqui sentado?" perguntou a mulher. "Ser adoptado" - disse, sem grande entusiasmo. "Porquê?" "Não sei, nem gosto muito de crianças nem gosto de famílias grandes e só estas podem adoptar velhos como eu". "Tem sentido" - disse a mulher. E continuou: "Eu também me sentia assim, até ter sido adoptada por esta família, tão grande que nem dão pela minha falta quando falto, nem dão pela minha presença quando estou presente. E nem tive o trabalho de constituir família. Talvez o adoptem. Começo a gostar de si."

Quando os vi prontos a partir, fui ocupar um lugar que me pareceu vazio num dos automóveis da família. Tratam-me bem, de forma tão familiar que eu, sem pensar em morrer, sinto-me incapaz de viver ali porque não há quem goste de mim verdadeiramente. Só tenho uma certeza: vão chorar quando os deixar na minha primeira e última emergência médica.

desenho, logo existe

O que fazemos aqui?

Na actividade politica e social, cada um dos actores ou agentes na vida pública ganha notoriedade ou visibilidade nacional, regional ou localmente. Grande parte dessa notoriedade é regulada pelos meios de comunicação social, em especial, pela televisão. De certo modo, sempre que alguém se candidata a este ou aquele lugar ou cargo público conta com isso e com a respectiva responsabilidade pública. Quanto mais perto estamos de quem nos elegeu, mais conhecidos e importantes, mais responsabilizados por cada problema local no dia a dia. Mesmo que não reunamos as condições para ultrapassar as dificuldades, sabemos que os nossos vizinhos nos responsabilizam como intermediários entre eles e o poder.

Em cada freguesia, o presidente da junta é conhecido e responsabilizado pelos seus fregueses. Em cada município, o presidente da câmara é conhecido e responsabilizado pelos munícipes. Assim deve ser e é, por isso, que cada pessoa se candidata a cargos públicos locais e é essa ligação de serviço, também afectiva, que dá sentido à representação almejada e conquistada pelos candidatos. Claro que cada um dos eleitos espera o reconhecimento, não só dos seus eleitores, mas de todos os eleitores e de cada um dos membros da comunidade.

Em democracia representativa, é preocupante descobrirmos que, a nível local, os eleitos nem são conhecidos e reconhecidos localmente. A preocupação aumenta à medida da ignorância da comunidade local (e na razão inversa da sua dimensão) sobre quem são os seus representantes, como foram eleitos e por quem, quais são as suas competências e junto de que organizações assume importância a sua representação.

Após dezenas de anos de eleições democráticas para o poder local, ficamos preocupados com o desinteresse dos eleitores e mais ainda com o desconhecimento dos jovens que estão em vias de tornar-se responsáveis, eleitores e elegíveis. Alguma coisa não está certa quando descobrimos que nenhum dos nosso alunos de matemática aplicada às ciências sociais conhece, pelo nome os representantes locais, as sedes das juntas, ... Pior ainda ficamos quando descobrimos que, em suas demandas às sedes do poder local, os jovens não retiram qualquer conforto e aproximação ao poder local e devolvem a ideia de dificuldade em obter informações e dados sobre os actos eleitorais e seus actores, sobre os cadernos eleitorais e eleitores.

A vida nos dirá das consequências deste afastamento dos jovens dos órgãos locais. Estamos a falar de jovens escolarizados que escolheram estudar matemática aplicada às ciências sociais, apoio à decisão – teoria das eleições e da partilha, entre outros assuntos sociais.

Temos de fazer pela vida. Cada pessoa sabe que, pela sua acção, pode mudar a vida, a sua e a dos outros. Para o melhor e para o pior. Para melhor! É o que queremos e não nos cansamos de repetir.

[o aveiro; 19/12/2008]

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Como chamar ninguém pelo nome?

Vivemos num estado de direito e sabemos quem faz as leis, quem as fiscaliza nas suas aplicações e consequências, quem as promulga. Ninguém mais que os professores deve saber isso, saber dos passos, dar os passos. E dar lição e testemunho disso.

Cada professor vota e deve conhecer os deputados que elege, conhece os ministros e secretários de estado que assinam leis, os deputados que as podem aprovar ou reprovar. Pelo nome, conhecem quem assina as propostas de lei, quem as promulga, as chama a si e as verifica, recomenda alterações e as pode vetar. O sistema é ainda mais transparente para os dirigentes dos professores, ligados à política activa, a partidos e sindicatos.

Ninguém mais que os professores está habituado a reclamar contra alterações de decretos por despachos. Estas alterações de circunstância que aparecem como esclarecimentos, adequações ou similares parecem trapalhadas umas vezes e trapaças outras vezes. Os professores falam da necessidade do cumprimento da lei e reclamam o direito de cidadania de lutar contra as leis para influenciar as instâncias próprias para a sua alteração ou negação. Os educadores sabem onde estão as sedes do estado de direito e sabem quem representa os seus interesses nestes jogos de poder em que a diversidade da opinião é fundamental. E sabem que essa diversidade de opinião, espelhada na assembleia, garante o sim e o não, o mais e o menos, o equilíbrio feito de pequenos nadas ou gestos do deputado que vota, quando volta da terra do nunca.

Como são professores os ministros, secretários, assessores, directores, subdirectores e funcionários da administração central, regional e local, também os professores podem ser deputados e os deputados professores. Muitos deles representam nada nem ninguém quase todo o tempo e a sua inexistência é má educação, deficiência profunda e ferida.

Os professores sabem que os seus deputados conhecem a agenda da assembleia e podem decidir faltar aos trabalhos parlamentares no dia em que podem mudar o curso da lei - sobre a avaliação de professores, por exemplo.

Mas só vagamente se fala dos deputados que faltam quando são precisos, porque todos sabemos que não sabemos se alguns deles alguma vez foram precisos. Porquê? Porque são nomes... de ninguém.

[o aveiro; 12/12/2008]

tempo de cólera

Esta crónica apanha-me na cólera da greve. A greve, convocada pelos sindicatos de professores, é uma arma contra as políticas de educação do governo. Devo confessar que me sinto pouco convocado pelos sindicatos dos professores e, menos ainda pelos pelos seus dirigentes. Aos estudantes que trabalham comigo expliquei pacientemente o que significa a greve dos professores, que, sendo cheia de riscos, ela é a mais poderosa das greves, levantando graves problemas de segurança, afectando a vida de crianças e de jovens e criando uma falha geral de sistemas de apoio às famílias. Estas greves exigem uma ponderação muito séria da parte de quem as convoca e mais ainda dos governos que devem tomar medidas para enfrentar a situação de emergência criada pela sua realização. Se realizada com êxito, uma greve de professores é uma arma poderosa e rica de consequências, podendo tornar-se entrave sério ao curso da acção dos governos ou mesmo a tornar clara a necessidade da sua substituição.
A manter-se fechada no espartilho das suas reivindicações próprias, uma greve de professores pode sempre atrair a desaprovação social pelas dificuldades que coloca às famílias. E levantar reprovação do todo social face ao sistema público de educação e ensino e à administração pública, para além das legítimas reclamações para alternativas aos sistemas de apoio.

Mas uma greve de um sector pode tornar-se numa manifestação de cólera geral, colectiva, quase esquecendo as suas motivações iniciais. E é isto que está a acontecer com esta greve de professores. O desconforto geral que ela podia ter criado está em segundo plano. Em primeiro plano, está a irritação face a um governo que se mostra autista e incapaz de mostrar verdadeira compaixão para os pobres e desempregados de hoje realmente existentes, ao mesmo tempo que demonstra pressa e preocupação com banqueiros e gestores milionários que, tendo apodrecido em montureiras de lucros especulativos, reclamam do estado que aumente as suas fortunas, salvando as suas instituições, fundações e sociedades. Se, na semana passada, vim aplaudir a posição do ministro que argumentava contra qualquer plano de salvação para os gestores de fortunas, esta semana venho escrever que Sócrates me convocou para a minha greve dos professores contra a política do governo, que, entre outras coisas, destrói a autonomia e independência da banca pública, aprovando (não é o mesmo que mandando?) que se salve o banco privado de que é principal accionista o gestor de fortunas de sempre.


[o aveiro; 5/12/2008]

a maneira de andar

dei-te a mão para subires
mas quiseste subir voando

Santiago

Santiago

Santiago

Porta estreita é o presente. E a saída faz-se pela porta de entrada

1.
O governo do presente português é baseado numa maioria absoluta de deputados no parlamento. Os governos de maioria absoluta têm tendência a menosprezar as opiniões (ainda que de grandes massas de eleitores) quando a opinião pública se mostra favorável à acção quase simultânea à decisão da produção do evento substituto da acção.
Por ser público o sistema das escolas e dependentes da administração pública os agentes educativos (em maioria) tudo o que se diz sobre educação e organização educacional assume grande importância no conjunto da sociedade. Mais importância assume o que se faz.

2.
Parte importante das acções do governo do presente influenciaram e alteraram o sistema educativo, afectando tanto a organização central como as escolas e os professores. Se os planos tecnológicos afectam professores e escolas, mais ainda os afecta a política para a formação e certificação escolar de adultos na base da experiência de vida, ou da generalização do ensino profissional a todas as escolas públicas. Obrigou à criação de uma agência de qualificação central e centros de novas oportunidades, alterando em muito a natureza de organizações já existentes, as prestações profissionais dos professores e, ao lado deles, a emergência de novos profissionais que já não se confundem com os professores. Nas escolas, os professores sentiram as transformações quando receberam novos serviços, alguns deles prestados fora de muros. E sentiram-nas nos centros de formação, reorganizados por concentração para novas funções e novos utentes a perder de vista a identidade com que tinham nascido. Sem falarmos do outro aspecto da concentração, iniciada antes, das escolas em agrupamentos, temperada por autonomia e transferências de poder para as autarquias.


3.
Por cada uma das muitas medidas, com carácter de urgência, dirigida ao conjunto dos professores ou a parcelas significativas de professores, o governo definiu necessidades de formação gerais e, dado o carácter de urgência, assumiu a concepção e planificação das iniciativas que entendeu por necessárias ou que foram reclamadas pelos grupos de professores afectados por cada uma das medidas. Para muitas delas, assumiu mesmo a promoção das iniciativas. E tantas elas foram que as fontes de financiamento ficaram secas depois de o governo ter ido matar a sua sede ao bebedouro geral.

Não me passa pela cabeça pôr em causa a legitimidade da administração central para promover algumas iniciativas de formação que considere imprescindíveis para executar mudanças curriculares, mudanças no sistema de administração escolar ou avaliação de professores, para só falar de algumas das políticas do presente.
Mas a actual concentração foi muito além do que é aceitável em democracia. Se é condenável ter secado as fontes de financiamento, a preocupação maior está na mobilização geral pelo governo de todas as actividades e todos os activos do conjunto do sistema. Grave em democracia é que o governo tenha subtraído à sociedade os meios (recursos e forças humanas) para as iniciativas independentes, criando a ideia de um deserto para a acção fora da esfera estreita do governo.
Uma boa parte das instituições criadas para a diversidade foram manietadas para obter efeitos que o governo prosseguia com cada medida. Organizações do ensino superior e não superior, associações de professores e seus activistas ficaram presos a urdir a teia do poder. Esta situação esclareceu-nos que as principais forças para mudanças e adaptações (curriculares ou outras) estão nas associações profissionais e espalhadas pelas escolas do território. E mostra-nos, à evidência, como uma direcção de governo, capaz de usar a seu favor a iniciativa externa, pode criar condições de organização para a esgotar em seu exclusivo benefício.

4.
As escolas e as suas associações, os professores e as suas associações precisam de reganhar a iniciativa na acção e formação independentes e marcar pela diversidade de exercícios de docência reflexiva a sua identidade profissional. No lugar e no papel dos professores. Nem mais. Não menos.



[a página da educação; dezembro de 2008]

Santiago

o homem sem qualidades

Há muitos anos atrás, estava eu a morar e a trabalhar em Cabo Verde, uma professora leu a sina que está escrita na palma da minha mão. Não hesitou muito em comunicar-me a crua verdade da minha vida: em tudo eu era uma pessoa banal e muito desinteressante. Era assim como professor e assim era no amor, como pai, filho, irmão e... seria o mais que provável avô banal. Aceitei muito bem essa maldição. De certo modo, preferia assim e esforcei-me por aperfeiçoar a minha banalidade. Para mim, isso significava ir fazendo o que é preciso e o que me pedem, momento a momento. Dentro do que eu entendia por banalidade, precisava de procurar fazer o melhor possível o pouco e o muito que fizesse. Este ideal de banalidade foi-me colocando nos acontecimentos, mas sempre em segunda fila. Não disputava poderes, abandonava as batalhas mesmo que as pudesse vencer, não me deixava envolver como funcionário de causas para não julgar quem não fosse da causa, não cobiçava a vida alheia, etc: seguia religiosamente os 10 mandamentos da banalidade. Nunca pensei é que alguém um dia viesse somar as pequenas parcelas da minha vida banal e à soma atribuísse sumas virtudes, mesmo que banais.
Como é que um homem banal que passa a vida a esconder-se na banalidade pode tornar-se sombra para alguém? Como um amontoado de banalidades, claro. Sem querer passei a ser visto tal qual sou, um monte de banalidades. Só que agora há quem pense acusar-me da banalidade que eu, qual banal laborioso, construí cuidadosamente.

Tenho de confessar que sou assim, mesmo bom a fazer e a dizer banalidades. Nunca fui secretário de partido ou sindicato e também não sou contra partidos ou sindicatos, nem renego os meus votos neste ou naquele partido. Não sou banqueiro nem joguei na bolsa de valores sem valores. Custa-me a aceitar as mudanças de paleio sobre as virtudes do mercado de valores sem valores e custa-me a compreender como é que os defensores da privatização a todo o vapor se tornam defensores da nacionalização do capital em risco ou de risco. Banalidades de um esquerdista banal.
E sou banal em toda largura do olhar: se a minha profissão precisa de balizas para se dignificar perante a sociedade, digo-o, mesmo quando me confundem com o governo dos meus colegas não banais; se o ministro das finanças do meu país não está disposto a dar aval nem apoio ao banco de um qualquer bem sucedido gestor de fortunas, eu saúdo-o nesse gesto. Coisas banais. Nada há aqui que clame atenção. A minha experiência de banalidades diz-me que as coisas banais só se explicam de forma banal.

[o aveiro; 27/11/2008]

santiago

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