De Muito Obrigado a De nada!
E pronto. Não é este o exemplo de recado com destinatário? É. Haverá quem não veja qualquer razão para isto ter sido escrito e publicado. Mas pode acontecer que haja o leitor: aquele que dará sentido a isto e até, quem sabe!, lhe atribuirá o valor de explicação ou justificação.
Esta coisa da exposição pública tem uma verdade própria: quem escreve, fica sempre melhor quando sabe que foi lido e não se vira do avesso quando sabe a verdade das interpretações dos outros. No meu caso, não resistirei a tentar esclarecer, iluminar zonas de sombra e a defender os pontos de vista sobre o que é público e se tornou notório por alguma razão boa ou má.
A paz nunca vem depois.
Onde fica Beslan? Ossétia? Nunca vi tal nome nos mapas. No entanto, fala-se de Beslan e da Ossétia, tantas vezes, que é como se fosse algum lugar conhecido desde há muito. E vejo as ruas e as casas de Beslan. Vejo pessoas e parece-me que as conheço, vizinhas do meu mundo sossegado. Vejo a fotografia do quarteirão da escola nº 1 de Beslam no momento em que é tirada. Posso saber o que disseste ao teu filho em Beslam nestes dias, porque ganhaste a atenção do mundo inteiro. Nunca fizeste nada por isso, mas estás aterrorizado com o mundo inteiro a ver-te. O terror bateu-te à porta e logo bateu à minha porta. Isto muda tudo, não muda? Quer dizer que, se os terroristas tivessem escolhido a minha escola da minha cidadezinha de que nunca ouviste falar tu tinhas sabido imediatamente. Se tivessem vindo aqui até à minha escola, tinham o mesmo impacto e serias tu a ouvir falar de uma cidade impronunciável. Há ainda quem sossegue na sua vidinha neste lado do mundo, porque pensa que vocês afinal são mais vulneráveis porque estão na Rússia dos problemas que o Kremlin tanto se esforça por ter e que é tão frio. Que negócios e quanto dinheiro se esconde nas fraldas das causas do terror? Não é fácil vir até aqui? Não são só as notícias que são rápidas a tomar o mundo. Que queres que te diga? Estou tão aterrorizado quanto tu estás e vejo-me a chorar os teus filhos como se chorasse os meus. Podemos chorar ao mesmo tempo. Hoje, sou eu que ouço o teu grito por sobre o meu grito. Hoje és tu quem não ouve os meus gritos, porque eu grito sobre o que vi acontecer-te. Mas amanhã? Sou professor.Se calhar, na minha escola, não haveria tantas flores para comer. Não sei que mais te dizer.
[o aveiro; 9/9/2004]
no dia combinado
a forma nova
e que todos os poemas foram já ditos e escritos
não mais que personagens de um fado bem passado
poetas são ratos de biblioteca a sobreviver
em buracos dos livros que não páram de roer
poetas são os que usam formas novas para cozer
em lume brando o poema mastigado e vomitado
até este ficar queimado pegado colado
e parecer que não tem nada a ver
nada para entender
e pouco ou nada para ler
dizem que já não há líricos tísicos nem sanatórios
e que os poemas são incerta forma para citações
ditadas e reeditadas experiências de laboratório
onde não entram nem saem emoções.
E já nem preciso é sequer manuscrever.
tirania
porque ninguém
a começar pela tua mãe
te avisou que as lâminas
de barbear
não são para comer.
crime da razão futura
mártires porque nela entraram carregando
o espanto sobre a pacatez da vida o desmando
do trágico navio que transporta ossos
para a história.
[o futuro só vai contar mártires entre
os agressores: tenham ficado vivos ou
tenham morrido abraçados a causa ou
seita com memória e os lembre entre
tanto...]
a história espalha o pó fino que sufoca
os gritos e simula na pedra funerária
que todos os outros morreram pela boca
de cena sendo actores da vida adversária
daquela história.
alto do erro
E há lugares com nomes que nos ficam. Erro! Melhor ainda: Alto do Erro!
Um pintor ingénuo não pode resistir à matemática da coisa.
O cinzento-escuro.
Assuntos escaldantes?
Houve incêndios, sim! Mortos na estrada, sim! Atentados longe daqui, claro! Genocídios de verão, também. Maus resultados nos exames. Notícias da falta de sono dos comentadores e doutores. Cassetes roubadas, cassetes publicadas, demissões do peixe miúda e do peixe gordo. Volta a Portugal. Volta à França. Pancada derrotada no futebol olímpico em directo na RTP1 e o resto dos jogos nos outros canais. A televisão pública derrotada em directo. E agora até já recomeçou o totobola!
Que é que nos pode faltar? Professores por colocar, por exemplo.
Houve quem quisesse tranquilizar a população, dizendo que o governo tinha ido de férias. Mas não foi. O que é inquietante neste verão foi ver o governo a não parar de governar. O "Independente" da semana que passou deu-me a dimensão da tragédia: eles nomeiam à velocidade de meio cinzento por hora. Até ao dia da saída do independente, 468 nomeações políticas dependentes. E lá me informou também das nomeações apressadas dos ministros de Durão. O mais exemplar é o caso do Ministro reconduzido da Saúde que, no intervalo entre governos, deu cargos de administradores aos seus colaboradores, não fosse o diabo tecê-las.
É impressionante o número de assessores, secretários, adjuntos, chefes, etc. que gravitam à volta de cada ministro e que podem ser nomeados. Ainda é para mim um mistério como se faz esta dança de cadeiras sempre que muda um ministro. Para onde vão quando saem? De onde saem quando entram?
Há mesmo pessoas que tratam só da imagem do nosso primeiro. Quem pensava que aquilo era beleza natural, ficou a saber que não, que há muito trabalho ali, muita "base" mesmo. Numa revista qualquer vi como a assessora de imagem se equilibra numa banqueta de pose. É um espanto.
Santana Lopes tem treze secretárias pessoais, oito adjuntos e quatro assessores. E pode nomear até sessenta colaboradores directos. Preparem-se. Até Paulo Portas nomeou mais que Santana: trinta e cinco. E tem só quatro secretarias pessoais e só seis motoristas.
Que é que nos pode sobrar? Ficar a ver navios. Ou algum navio em particular.
[o aveiro; 2/9/2004]
educar o falar sobre o ensino
Nestes meses que medeiam o fim de um ano escolar e o início do seguinte, quem se preocupa com os assuntos sociais e o futuro não pode deixar de escrever sobre a escola de hoje. Para falar da escola e tentar influenciar a sociedade no sentido da escola melhor (a cada um a sua), utilizam-se as notas dos alunos (do secundário principalmente) como prova de que a actual escola não está bem. Em abono da verdade, dá-se razão a todos os que disseram no passado, dizem no presente e virão a dizer no futuro que a escola não está bem e tem de mudar para melhor. É claro que "estar mal" ou "melhorar" têm sentidos e significados diferentes, já que ela tem de ser adequada sistematicamente às condições da vida social, aos desenvolvimentos científico e tecnológico, etc. Alguns aspectos decisivos desta época nem a melhor escola do mundo passado podia antecipar.
Mas há assuntos em que devíamos estar todos (ou quase) de acordo. A escola de hoje tem de ser muito exigente. Se não quisermos ser cidadãos diminuídos no mundo actual precisamos de saber e de saber fazer muito mais e aprender muito mais do que no passado. O conjunto de ferramentas de que dispomos é muito maior e os protocolos para as utilizar, que fará para lhes compreender o funcionamento!, são tão diversos que não podem ser assimilados por exaustão. Esta asserção bastará para percebermos que a existência de novos meios (também de ensino) não torna a escola (como lugar de aprendizagem) mais fácil, torna-a tão só possível como instrumento social de uma sociedade que carece da escolarização de todos os seus cidadãos presentes e futuros (tanto do lado dos direitos como do lado dos deveres).
É preciso que cada um de nós (cada pai, cada mãe, cada jovem, cada professor) saiba que neste mundo complicado, a escola tem de ser complexa, mas tão simples que todos possam compreender o valor do conhecimento e consentir o trabalho exigente e disciplinado que isso representa para cada um de nós.
Mas será que isso tem alguma coisa a ver com o que se discute quando se discutem resultados? Talvez, mas pouco. Os professores e os processo portugueses são pouco exigentes? Se fossemos ver pelos resultados (reprovações, repetências, etc) o nosso sistema apresenta-se como um dos mais exigentes do mundo.
Não vou pelo caminho dos números. Mais vale educar a fala.
[o aveiro; 28/08/2004]
couve de bruxelas
Eu bem tinha escrito que o ministro do turismo de verão ia governar para os lados da quinta do lago. Por uma revista do expresso, soube que a secretaria de estado fica muito perto. E descobri agora que o primeiro ministro foi para a quinta do lago para uns dias de veraneio e devaneio, acompanhado dos seus filhos. Não sei o que é a quinta do lago a não ser das referências das colunas das tias deles. Mas deve tratar-se daquilo a que os teóricos chamam uma nova centralidade.
2.
Os algarvios viram arder a serra e a terra. Reclamam apoios rápidos. O primeiro da quinta do lago não consegue declarar o estado de calamidade para a região. Porque será?
Felizmente temos chuva. Se não tivesse chovido, o que teria ardido? Quem diz que esta chuva estraga o verão, não sabe nada de salvação. Só sabe que é de um extremo mau gosto que chova onde é mais o sol o que convém. Quem nos dera o sol na quinta do lago e nas praias todas e chuva nas florestas (já que estas são mais pasto das chamas, também da incúria, e menos pasto para os seus habitantes).
3.
Pelas fotografias que vi, a quinta do lago deve ser a capital da cusquice do bronze. Por momentos, fiquei sem saber se o salvado passa os fins de semana a palrar com os jornalistas na quinta. Ele sempre se foi confessando como tecedeira de comentários sobre a actualidade. O director da judite dá-se a conversas de treta e, coitado!, nunca imaginou que os jornalistas do correio da manha chegassem ao extremo da perfídia de o gravarem para a sua posteridade. Quem nomeou este director da treta que quer passar de vítima da sua treta a vítima de uma conspiração de treta? Neste romance só há conspirações e cabalas! De cabala do salvado, a salvado da cabala? Neste verão cabalar, chovem cabalas.
4.
O independente publicou parte das conversas. A sua directora, conhecida por plantar papéis, vem plantar extractos de conversa gravadas sem autorização. Sem autorização, também ela. Concorrência desleal ao independente de portas e guedes! E lá se foram salvado e sara, com a água do banho. Provavelmente, o futuro dirá que não se passa nada de tão passado que está.
5.
E a pública, na falta de assunto, decidiu falar da história de sucesso dos ex-maoístas. Fui ver. O sucesso dos ex-maoístas é o barroso feito couve de bruxelas e o director do público ele mesmo, para além do lamego no iraque, da esther de israel, etc. Afiançam-nos que balsemão gostava de trabalhar com ex-esquerdistas, esquecendo-se dos gostos de belmiro. Aproveito para concordar com o morgado que ironicamente dá graças ao destino por não ter tomado o poder. Mais ainda por saber quem, de entre os ex-maoístas, perseguiu o poder até lhe tomar as rédeas . Como cavaleiros montam o poder. Como cavalos, lembram-se do freio nos dentes. Quem puxa as rédeas?
Se eles são assim na sua ascensão em democracia, imaginem o que seria se tivessem tomado o poder como ditadores do proletariado. Um pais que se deixa invadir por ex-maoístas só pode ser um pais atrasado.
Ex-maoístas a cair das nuvens é chuva ácida.
[o aveiro; 19/08/2004]
Por uma etiqueta da ética
Pina Moura não nos lembra (porque não se lembra?) que participou também no poder de fazer ou modificar tais leis que tão bem lhe servem para participar na bagunçada que é a promiscuidade do público e do privado - interesses e influência no público que podem ser tão só prestação de serviços a privados.
Mas basta consultar qualquer enciclopédia de trazer por casa (e Pina Moura conhece-as) para ler que "se devem distinguir as normas da moralidade, em sentido restrito, das normas meramente derivadas do direito, bem como das normas puramente convencionais do costume". As leis, derivam de alguma ética e, nesse sentido normativo, podem superar algum relativismo ético. Ora acontece que, no caso de Pina Moura e de outros políticos, as leis têm servido para justificar comportamentos morais reprováveis, em nossa opinião. Sendo a ética fundamento da lei, não é do direito que emana a ética. As faltas éticas são ilustradas por actos de pessoas que não desrespeitam qualquer lei. Os que desrespeitam a lei são acusados de ilegalidade e crime.
Os "arrivistas" que passam a ministros, secretários de estado,... não desrespeitam a lei. Podemos falar da falta de ética pessoal, profissional e de dever e presumimos sobre o prejuízo do interesse público. Um artigo recente, da revista Sábado, sobre Nobre Guedes (que afinal não é nobre, nem de nome) é extremamente revelador sobre estas questões. Trata-se de um frete, também revelador das relações promíscuas deste poder com o negócio da comunicação. Para além do folhetim que pretende relativizar até o nazismo à direita de Salazar, tudo releva da dica de que os críticos da nomeação de Luís Guedes para o ambiente se esqueceram de declarações, de há meses atrás, em que este afirmara à Antena 1 que os dois ministérios mais importantes numa democracia moderna são a cultura e o ambiente.
Quantas pessoas têm a certeza que estes dois assuntos dominam a vida moderna? São milhões os que assim pensam, por bons motivos (e por maus também - há séries de TV sobre os sopranos interessados no lixo). A maioria deles não aceitaria a nomeação, por ser eticamente reprovável aceitar um cargo que não se pode exercer bem ou no sentido do bem colectivo.
Afinal, o abrigo da lei está ao nível zero da ética nas democracias modernas.
[o aveiro; 12/08/2004]
Uma humanidade de coisas.
No Paraguai, deflagra um incêndio num centro comercial. Aparentemente, para evitar pilhagens e fugas aos pagamentos, as portas de saída são fechadas. Pode não ter sido exactamente assim, mas se alguém o disse como coisa possível é porque há coisa. E a entrada de bombeiros e socorristas é também atrasada pelos seguranças. E morrem centenas de pessoas, como coisas, executadas pela coisa.
No Sudão, milhões de pessoas morrem ou passam fome às mãos da coisa, como coisas. Quando começa a escavar-se um pouco mais sobre o que emperra as Nações Unidas ou sobre as razões da falta de genica face à tragédia humanitária do Sudão, descobrem-se interesses da coisa norte-americana. Direitos humanos ou direitos da coisa? Para a coisa, as pessoas são coisas.
A coisa de que falamos é invenção dos tempos mais modernos. A coisa é um conglomerado de interesses que tanto salvam como destroem conforme as coisas em jogo. Ninguém sabe quem é quem na coisa, só conseguimos identificar uma ou outra coisa humana que joga esse xadrez: políticos que defendem a insensibilidade da coisa para as coisas humanas particulares em nome de uma lógica de benefício global que a coisa produz para as coisas humanas em geral. A coisa em geral não tem cara; toma as caras mais diversas: comentadores de serviço para as virtudes da coisa, recentes ?jotas? que saltam daqui para ali e para o poder enaltecendo a coisa em abstracto, enquanto fingem tratar de alguma coisa em concreto.
O mais engraçado de tudo isto é que todos nós sabemos que há coisas assim: nunca fizeram coisa alguma para alem de enaltecer a coisa em algum canto do poder da coisa, mas assumem lugares de governo das coisas concretas sem saberem coisa alguma além de generalidades sobre a coisa do poder em geral. E mal nos damos conta eles tomaram conta das coisas e certificam-se como especialistas em cada uma das coisas. E podemos vê-los mandando nas coisas todas, públicas e privadas, ministros ontem e administradores hoje. A explicar acidentes, por exemplo: - Logo, nesta obra, a primeira que a Petrogal estava a realizar tendo em vista a segurança dos cidadãos e não a rentabilização é que se dá o acidente? A pública Petrogal fez coisas que não consideravam a segurança dos cidadãos de Leça, esses coisas?! Estão a ver a coisa prestes a mudar-se para coisa incerta?
Estas coisas são o nosso problema e o problema do mundo. A lógica da coisa é a coisa de nos tratarem a todos como se fôramos coisas. Aqui ou ali, porque mundo é muito pequeno. A coisa é que é grande.
[o aveiro; 5/8/2004]
a segunda feira de cor
ando a escolher as cores
que fiquem bem em corredores
e vendo pela oferta mais baixa
o quadro de que se mostram pormenores
nesta caixa
fico à espera do primeiro dedo de amigo no ar
se deixar endereço, trato do envio e não cobro nem portes de correio.
o passeio de domingo
em margens
onde corra como um rio
ou ser preso na casa
de seda
em volta da mulher
e escrever o poema
numa pele de lençois
da cama por fazer
quero ser o passeio que ela faça
quando andar nas nuvens
quero ser o senhor dos passos
transumância
ladra avisos até ficar rouca
que já não cabe dentro da boca
a língua de fogo do pastor.
partida
as madrugadas onde elas estiverem na preguiça
e em alguns dias dos mais desesperados
cantarei, pela salvação da minh'alma, uma missa
Se alguém sossegar a um canto da minha igreja,
gozando a solidão do fresco da nave lateral,
farei do meu canto um tal silêncio feito em cal
até não ser mais que estátua o que de mim se veja.
Modelos financeiros
Em sociedades como a nossa, para se garantir um acesso generalizado aos bens disponíveis (muitos ainda antes de haver deles necessidade real e sentida) criam-se outros tipos de serviços (por exemplo, serviços financeiros, banca, seguros) que antecipam meios, por via dos empréstimos (crédito), aos cidadãos para que eles comprem os produtos a todo o custo.
Os ciclos infernais de produção são acrescentados pela obtenção de lucros rápidos baseada também ela na rápida e brutal a exploração da mão de obra. A necessidade de vender é acelerada pela concorrência e por sistemas de rotação de produtos que os tornam rapidamente obsoletos. Esta necessidade de vender transforma-se em pressão sobre o conjunto dos consumidores que são cidadãos por terem acesso aos bens essenciais ao seu bem estar e são vítimas sem direitos logo que se deixam cair na passadeira rolante financeira de marcha mais rápida do que a marcha dos reais rendimentos do seu trabalho. O que há mais nas sociedades de consumo é má gestão de expectativas. E há os donos de tudo que precisam de ter cada vez maiores lucros e, de uma só vez, chegam a sacrificar produtores e consumidores. Cada produtor é consumidor e um desempregado não produz nem consome.
Os problemas sociais a este nível são de tal ordem e têm tal influência na vida pessoal, familiar e social, que os sistemas educativos tratam estes assuntos sob os mais diversos aspectos. Por exemplo, em alguns programas de Matemática portugueses, já aparecem os modelos financeiros e não só para que cada pessoa possa agir de forma mais responsável (e logo mais livre) quando recorrer ao crédito e para evitar o endividamento excessivo, mas também para participar nas decisões sociais sobre o endividamento das autarquias, dos governos, etc.
Estou em crer que poucos jovens se inscrevem em cursos com Matemática Aplicada às Ciências Sociais e continuaremos com uma população juvenil sem formação em modelos financeiros. Nem de propósito. A formação nestes aspectos é uma exigência da cidadania. Mas na falta dela, podíamos contar com o exemplo das autoridades e das instituições que mostrassem, pela sua acção, em palavras e em actos, que utilizam os seus conhecimentos sobre os modelos financeiros para fazer uma boa gestão da coisa pública. A sua imagem valeria mais que mil palavras dos professores.
Mas ... a manipulação contabilística e o manobrismo financeiro, praticados pelos governos e pelas câmaras, não ajudam a educação do povo. A Câmara de Aveiro é também um mau exemplo. Cobrar aos munícipes 3 milhões por um serviço de distribuição de um bem essencial (como é a água potável) sem pagar o que quer que seja ao fornecedor do produto acrescenta maldição de má-educação financeira genuína a tudo o que já condenámos como miséria politica em matéria de buracos negros para onde foram atraídos todos os fundos e todas as frentes da nossa ca(u)sa colectiva.
[o aveiro; 29/7/2004]
Fico parado a olhar
Fico a olhar para eles longamente.
Não se impacientam, não se lamentam da sua condição,
Não jazem acordados no escuro e chorar os pecados,
Não me maçam com discussões sobre os seus deveres para com Deus,
Nenhum está descontente,
Nenhum sofre da mania de possuir coisas,
Nenhum se ajoelha perante outro, nem ante os antepassados que viveram há milénios,
Nenhum é respeitável ou infeliz à face da terra.
Revelam a sua relação comigo e aceito-a,
Trazem-me sinais de mim, provam claramente que contêm em si mesmos,
Pergunto-me onde terão adquirido esses sinais,
Será que em tempos remotos por aí passei deixando-os negligente cair?
Avançava então e avanço agora e sempre,
Juntando e mostrando sempre mais e depressa,
Infinito e de todas as espécies sou, e igual a elas sou,
Não escolho demasiado aqueles que me recordarão,
Elejo aquele que amo e fraternalmente com ele vou.
Um garanhão de beleza imensa responde logo às minhas carícias,
A alta fronte, os olhos afastados,
Os membros reluzentes e flexíveis, a cauda longa varrendo o chão,
A ferocidade nos olhos cintilantes, as orelhas finas, com elegância se move.
As narinas dilatam-se quando os meus calcanhares o apertam,
Os bem torneados membros estremecem de prazer enquanto galopamos e regressamos.
Só te uso um minuto, garanhão, e já te deixo,
Para que preciso do teu galope quando o meu te ultrapassa?
De pé ou sentado sou mais veloz que tu.
[Whitman; Canto de Mim Mesmo.
J. A. Baptista]
Homem ao mar!
Estes dois casos são dos que têm mais piada, logo a seguir ao Santana, promotor de missa simbólica e visita guiada ao cemitério, no primeiro dia de papel de primeiro! Benza-o Deus! que ele já esqueceu como é que se faz!
E há o problema da cultura que foi feita em cacos de Roseta para ser património à altura da tia Bustorff.
Eu não acho que um professor ou um pedagogo ou um cientista da educação, etc seja forçosamente melhor ministro da educação que outro qualquer cidadão politico que se interesse pelo tema e sobre ele (sobre o sistema educativo) tenha trabalhado e produzido opinião politica. Mas acho que é muito difícil defender a ministra da anacom. Sabemos que andou nas escolas e talvez conheça uma ou outra criança a frequentar um colégio deste reino unido por um primeiro mais ungido que indigitado. Ungido por Durao e indigitado por Sampaio!
Não há educação que resista a tanta falta de educação. Porque brincar aos ministros é falta de educação, estamos à espera que nos provem que isto das nomeações de Santana não foi uma brincadeira de mau gosto. Tem de haver alguma lógica nisto.
O que mais me intrigou nesta semana que passou foi o pedido de benefício da dúvida para o governo. Ora eu, não tenho nada além de dúvidas a respeito do dito. Podem contar as minhas dúvidas todas se isso melhorar a média do benefício.
O que me conforta é a "criação" segundo Santana. Para criar um homem é necessário barro e sopro divino. Para criar um ministro, basta que o sopro de Santana toque o nada.
[o aveiro; 22/07/2004]
descendo
descendo pela vereda verde
e estreita
afinal sobes até um calvário
onde, presa em seu sacrário,
a estátua espreita
quem se perde
verdade do amarelo
Parto para vilarinho das perdizes. Nunca vi amarelo mais perfeito que o amarelo das flores de tojo daqueles montes.
intervalo
do relatório que folheio
venho até aqui como pedinte
pedir esmola às pessoas em passeio
...
uma esmola, duas pepitas de memória
peço por uns instantes a mais de sossego
como se reclamasse o salário do cego
que canta uma lengalenga sem história
outras vezes canto tão alto um fado à janela
aquele que aconteceu ao pintor que assassinou
à facada o auto-retrato da sua última tela
esse rio de tinta para onde se atirou.
Passe-me o sal!
Quando habituei os olhos à sala e dei uma vista de olhos pelas mesas, comecei a arrepender-me de o ter deixado entrar primeiro. Nada que possa ser considerado indelicadeza; o facto é que eu tinha mesmo pressa e ele parecia-me um sujeito reformado, pacato e cheio de tempo ali a ocupar a mesa que tinha sobrado para um de nós. Durante uns momentos em que hesito - saio, não saio - fico a olhar para a mesa invejada. Quando ele levantou os olhos do papel rabiscado que passa por ementa, viu-me. E chamou-me com um gesto da mão.
Lá fui eu até à mesa, já aborrecido por ir perder o meu tempo. Mas, afinal, ele não fez mais do que convidar-me para almoçar. Em resposta às suas insistências, não mais que murmuradas, acabei por sentar-me à sua frente.
Que vai ser? - perguntou o empregado de mesa. Esperei que ele murmurasse: - Bacalhau, por favor! e água - para eu pedir - Tripas! e vinho -, claro, em voz alta. Ainda atirei: - Rápido! Com gás? - perguntou o empregado ao meu companheiro de mesa, que se riu levemente quando eu levantei a voz para dizer: - Agora têm gás na canalização ?
Enquanto esperava, pus-me a conversar. A conversar nem é bem o termo. Eu comecei a falar da vida, das ruas , do trânsito, do tempo, de futebol, ... enquanto ele me ouvia pacientemente e com atenção. Com tal ouvinte até me esqueci da pressa que tinha e continuei a falar ao mesmo tempo que comia. De vez em quando, ria-me das minhas próprias graças com a boca cheia, para que ele soubesse que era para rir. E ele sorria. Eu nem precisava de mais. Sentia-me bem.
A única vez que ele falou, na sua voz sumida, disse: Passe-me o sal! Eu bem o ouvi e logo lhe passei o sal, sem deixar de falar um só momento. Entre as coisas que disse, também pedi a conta e exclamei: à moda do porto? E, sem parar, passei para a politica. Aí foi um tal falar dos gajos de Lisboa e da pouca vergonha dos políticos, dos tachos, das reformas à nascença, dos filhos da ... Acabei a falar no Santana que era o indigitado do momento e andava a formar governo. Não podia faltar! Ainda a conta não tinha chegado e já eu estava a mandar bocas sobre aquela ideia de um ministério da economia no porto. E ri-me a bom rir. Quase me entalava com as minhas piadas. Para finalizar, ouvi-me a dizer: Tinha piada!
Você acha? - atreveu-se ele a perguntar. Então não acho! - respondi eu. O que é preciso é uma economia à moda do porto! Já estávamos à porta da tasca.
Um Mercedes encostou-se ao passeio. O condutor fardado saiu e veio abrir a porta mesmo ao meu lado: "Faz favor, senhor ministro!"
Ainda ouvi um murmúrio de boa tarde, antes de ficar sozinho na berma da rua.
[o aveiro; 15/07/2004]
a uma sombra
À volta da tua cabeça até o pó tapar os teus ouvidos,
A hora de provares essa aragem salgada
E escutares às esquinas ainda não chegou:
Dor que baste tiveste antes de morrer -
Parte! Parte! No túmulo estarás mais seguro.
[Yeats,
J. Agostinho Baptista]
O abandono da poesia
No momento, eu não disse coisa alguma.
Então ela cuspiu uma frase assassina que me atingiu em cheio num ouvido. Não aguentei e disse: Porra! Ainda fico surdo.
Ela deu meia volta sobre si mesma e sussurrou-me um murro que, passados quinze anos, ainda me dói nas mudanças de tempo. Perdi-a nesse intante em que aceitei o murro como quem aceita um ponto final numa frase mal escrita e não acabada.
Foi ela mesma quem me disse que me dedicasse a outra coisa. Não usa moços de recados para o trabalho sujo.
Uns anos mais tarde, como se dobrássemos uma esquina, cruzámo-nos ao dobrar uma página do livro que eu tentava escrever contra o tédio.
Recomendo-te o descanso eterno! - foi o que ela me disse então. Lembro-me agora da nítida frase. E começo a arrepender-me de não ter seguido à risca o seu conselho. Também me lembro de lhe ter prometido que escreveria um pedido de resignação ou demissão, ao que ela respondeu secamente - Acho bem! Ao menos isso! - enquanto se afastava para a página anterior aonde eu teria vergonha de voltar, como muito bem ela sabia. Foi assim que eu soube que ela não queria mesmo voltar a ver-me.
Depois disso, ainda lhe telefonei, sabendo que telefonava para o meu passado. Em vão.
exílio
deste canto exporto olheiras e maus olhados
e óleo de pavão que é dos mais importados
no país onde ninguém se importa antes do fim.
para deleite da canalha
que te faltava para seres o país da treta
e saltimbancando um pouco mais para a direita
adormeces na cama de visgo onde a canalha se deleita
o facto preto das cerimónias
para chorar e rir como só eu sei
há uma procissão de figurões
e no andor vai santana nua feita rei
Em segundo lugar...
Em segundo lugar, ficou tudo o que não foi futebol. Para segundo lugar, foram os problemas e até o Durão Barroso que, de gravata verde e vermelha, para dar sorte!, apareceu nas tribunas vip sem as monumentais vaias que o brindaram antes.
E é assim que, calmamente, Durão Barroso pode sair de fininho a meio do mandato de um luso para um euro cargo, transformando o tal seu governo de salvação nacional de coligação num governo de gestão da coligação até que alguém aceite o coelho que o psd sempre teve na cartola, embora em segundo lugar. Em nome de uma Europa carente do Barroso, este deixa a salvação da nação a meio. Mas tudo se passa em nome da pátria, da honra da pátria ou dos interesses da pátria. Constatemos que há uma pátria particular deles que vai enriquecendo, embora a pátria em geral vá empobrecendo. Começo a acreditar que estes políticos são movidos pelos interesses particulares da pátria.
No meio desta confusão toda, tentam mesmo passar o presidente desta república para o segundo lugar. Tudo no maior respeito, claro. Enquanto esperam que ele cumpra o seu dever de fazer o que eles querem que seja feito pela estabilidade do país, da Europa toda e até das alianças que cabem nos dedos deles.
O segundo Santana que viu, nos astros, esta sua subida a primeiro, faz pose de estado e votos firmes de emenda daquilo que todos sabem. Diz ele que de outros grandes estadistas se disse no fim que eles tinham sido isto ou aquilo. Com Santana, as pessoas poderão condenar o que ele foi, garantindo ele que deixará de ser quem é, em nome dos altos interesses da nação, da pátria, da salvação... até da sua alma. Quem pode resistir a salvá-lo da má vida e a ajudá-lo a encontrar o bom caminho? Se o deixarem salvar a pátria, a pátria salva-o!
Isto é mesmo tudo a sério?
Em segundo lugar? Não há melhor lugar para chegar a primeiro... ministro. Neste circo, aceita-se um cargo como quem engole o trampolim para o próximo.
Nota final:
Últimos na lista da Europa desenvolvida, primeiros no futebol, Portugal e Grécia apresentam-se a concurso dos melhores organizadores de eventos desportivos a que tudo sacrificam. Será este o caminho do desenvolvimento que nos traçaram?
[o aveiro; 8/7/2004]
a cadeira da casa
e sentas-te nos meus joelhos:
a última cadeira da casa que ainda não espatifei por cobardia.
brando
és o bisonte que desafia com os cornos
a nuvem levantada pelos próprios cascos.
Sophia
Se cruzam com a noite e com o frio,
Esperei como quem espera em vão,
Tão nítido e preciso era o vazio.
(Sophia)
Sophia
Uma por uma as coisas que adorei
Talvez que a minha vida regressasse
Vencida pelo amor com que a lembrei.
(Sophia)
Estrela Rego
Há quem se espante com a possibilidade de algum dia termos podido falar um com o outro sem escolher as ideias (para esconder algumas delas das conversas). Um dia estive com ele nas casas da sua vida e guardo a nossa conversa em viagem como "a obra impossível" a que prova como o mundo dos humanos bem podia ser perfeito.
vi(r)agem
Num dia como os outros
solta-se entre as palavras
um fumo enrolado pelos açores
e o brinde tinto lava uma terra inteira:
como uma trave na arquitectura da casa da calheta
a gargalhada comum voa nos corredores
até se enterrar no sagrado chão
onde o chão não existe
porque uma mansa vaca pasta a nossa passagem
pelo mundo.
Num dia como os outros
desistimos de olhar para longe
olhando para dentro.
O beija-flor
Depois aprendi que vale a pena aparecer ao lado dos mais poderosos, ainda que seja a servir-lhes café, pontuando as suas observações com OK, ámen ou KO. Na televisão, claro. Havia já muitos programas de televisão que tinham tornado famosas pessoas até por serem capazes de passar meses fazendo nada por encomenda. Havia mesmo um menino homem que se tinha tornado famoso por aparecer sempre atrás do repórter-mira do operador de câmara que filmava multidões. Sem perder um plano das câmaras que filmaram multidões do psd, cheguei a primeiro ministro! E não é que fiz chefe das tropas quem nunca tinha sido sequer soldado raso. Não é "nice"?
Convenci-me que podia ser notícia maior, alvejando com desemprego os meus concidadãos e critica os que não tiveram pontaria para isso. Perdi o norte da consciência social e passei a defender o salve-se quem puder. Quando se afogava alguém nos naufrágios sociais por não ter dinheiro nem bóia, sossegava a minha consciência garantindo que deviam ter tido cautela e pago seguros em vez de comer, já que o estado não pode ser uma imensa bóia. Ai, a forma liberal como participei ao lado dos poderosos cabos de guerra! A insensibilidade máxima para com os náufragos culminou com a eliminação e penúria de todos os institutos de socorros a náufragos, deixando naufragar no mar liberal, a saúde, a educação e a ciência, para alem de outras que nem me lembro. Mas que espero não ter esquecido nesses exaltantes momentos de pacovice financeira em que percebi que o produto interno bruto não tinha a ver com o produto interno de matemática secundária, essa que troquei pelo direito para depois me ultrapassar pela direita.
E não é que chego a chefe dos comissários europeus! Com um pais inteiro a falar da honra que é ter-me como testa de ferro do mundo dos poderosos, não podia ser melhor! É a glória.
Para a glória ser completa, preciso de ficar nos livros de história como o tipo que ganhou o euro 2004 e ganhou muitos euros enquanto subia ao pico da Europa dos 25 que me convidaram. E que a história não fale dos ranhosos que não conseguem ver a auréola de santo padroeiro de Portugal em peregrinação e teimam em ver uma auréola da nódoa que sai de Portugal para se espalhar em volta, na Europa.
[o aveiro; 1/7/2004]
Os profissionais patriotas
Quando acontece a necessidade de selecção, não hesitamos em procurar os portugueses que mais se destacam mesmo que eles estejam emigrados. Há casos em que procuramos no estrangeiro os portugueses que desprezámos e empurrámos para o estrangeiro por termos dificultado a sua vida por cá. Do mesmo modo, tem acontecido estranharmos a diferença entre o tratamento que damos aos que querem imigrar quando o querem, daquele que é dado aos que entram com contratos milionários ou que, depois de entrarem, acabam por mostrar uma competência profissional de excelência, capaz de ombrear com profissionais de outros países. Quando tal acontece, nem é raro que aceitemos que esses imigrantes passem imediatamente a ser portugueses.
Assim tem acontecido especialmente com os atletas e as selecções de atletas. Assim, de repente, lembro-me de dezenas de emigrantes e um ou dois imigrantes. E dou por mim a ficar todo contente. A nação do futebol e das selecções não é uma coisa de pessoas, muito menos da sua naturalidade ou residência. E a pátria do futebol é só uma coisa de tão diminuta razão como é a adesão irracional a um clube.
Como explicar a minha alegria com as vitórias da selecção nacional de futebol neste Euro 2004? E a bandeira que se agita na minha varanda?
Fico maravilhado com o bailado, com os passes de bola que vão de um pé até outro e parecem tabelar naturalmente para ir para outro pé de onde parte para algum sítio certo. Algumas das coreografias mostraram-se esplendorosas aos meus olhos. É claro que tal não é propriedade da selecção portuguesa e dos profissionais portugueses. Algumas vezes, fico com a sensação que até é mais bonito o baile mandado das outras selecções de folclore. Também não é pois a prática profissional do grupo de baile mais bem pago do país que me leva a esperar só as vitórias da selecção. Até porque às vezes damos por nós a querer a vitória mesmo quando jogamos pior que os adversários.
Desisto! Sem pôr em causa a noção de nação e sem destruir a pátria, é a irracionalidade que na minha alma festeja as vitórias da selecção de Madaíl e Scolari e outros jogadores desta bolsa (ou a vida!) que não me são simpáticos e até podem ser de outra nação que não é a minha. E talvez por isso haja quem não me considere patriota e nacionalista. Dos seus pontos de vista, devem ter razão.
Viva Portugal!
[o aveiro; 24/06/2004/]
pequena diferença na europa.
Nem um BEijo de feira em Aveiro. E, no distrito, o Bloco de Esquerda triplicou o número de votantes, afirmando-se como "terceira" força política na maioria dos concelhos, tão pequena quanto potente nas diferenças. No concelho de Aveiro, assim é: pura força das ideias e seu movimento.
Acompanhei parte da campanha das eleições para o parlamento europeu e participei num painel sobre o tema aqui mesmo em Aveiro. Afligiu-me que nunca sobrasse tempo aos políticos para explicar que politicas vão defender no parlamento europeu. As campanhas partidárias ficaram marcadas mais pelas quezílias e questões de baixa politica interna e menos pelas diferenças politicas. Bandeirinhas, saquinhos, beijinhos, ? e papagaios a imitar aves de rapina que voam alto demais e fingem estar a ver o que de nós escondem.
Fiquei convencido. Os grandes partidos PS e PSD não esclarecem as diferenças, porque têm politicas europeias mas não têm diferenças e sobra-lhes não mais que diferenças de estilo de mandador no baile da alternância. A julgar pelo que bradam aos céus, ao poder não interessa muito que os portugueses escolham entre diferentes politicas europeias, preferem que se pronunciem sobre o governo da nação e a astúcia no negocismo dos fundos estruturantes do Portugal feito à sua medida.
A noite dos resultados não podia ser mais consistente com a campanha opaca!
A coligação PSD/PP, que quer amarrar Portugal à sua força, descobre que entre os abstencionistas estão muitos dos que apoiam a coligação e lamenta que os indicadores da ?retoma?, publicados pelo INE, não tenham sido suficientes para convencer o eleitorado a retomá-los (Assim mesmo!?!) Garantem que vão para a Europa trabalhar por Portugal e esperam que os outros deputados eleitos façam o mesmo. Do outro lado, a aritmética conduz toda a gente ao mesmo: o governo que começou a legislativa com maioria agora está reduzido ao apoio de um terço dos votantes e deve tirar lições da maior derrota de sempre infligida a uma coligação de direita e extrema-direita.
Convenhamos que, para o que estava em jogo, é mais sério somar os votos do PS aos do PSD do que somar os votos do BE aos do PS. Sem dizer o quê, Durão disse o essencial: ?As nossas ideias(?) de Europa ganharam e vamos fazer o melhor por Portugal?. Não se estava a referir a outra coisa senão aos 19 deputados PS+PSD. Para dar valor ao voto, ao BE bastava ter falado na plataforma europeia para a sobrevivência mínima e do reforço das seguranças sociais mais débeis, da luta contra o liberalismo selvagem nos sectores essenciais (a água, energia, etc) , na paz?. Dizem-me que as pessoas não votaram em politicas para a Europa e o que percebem e esperam é aquilo que lhes disseram.
Até quando vamos fugir da Europa?
[o aveiro; 17/06/2004]
Votar pela EUROPAZ
Eles querem que eu, peixe-miúdo ou arraia-miúda, acredite que meus são os seus interesses de tubarões. Não se cansam de repetir que defendem a mesma europa que eu e que a sua europa é boa para mim. Tentam mesmo dizer-me que os deputados que eu eleger, se forem de algum cardume de não tubarões, não podem fazer senão política de tubarões e deixar-se comer.
Ora isso não é verdade. Toda a gente sabe que não há um só Portugal e que o portugal de quem cai no desemprego hoje não é o de quem cria e justifica cada lugar de desemprego e o respectivo precário subsídio português. O portugal armado até aos dentes com a mentira e na vassalagem aos senhores da guerra não é o meu. Os negócios privados na água, na energia, na educação, saúde e solidariedade social são do país deles. O portugal xenófobo e do trabalho sem direitos é o portugal de "durão & portas, s.a". É um portugal selvagem e de vassalagem que eles exportam para fora, nos seus sorrisos bajuladores. Para dentro, são cobras cuspideiras de tranquilizantes fundos estruturais, canalizados para portugal que enriquece por a esmola ser grande e empobrece enquanto subsidia o "pato-bravo-novo-rico".
Quantas Europas diferentes cabem na Europa? Os nossos ?construtores? portugueses passam a vida a colocar-nos no pelotão da frente. Alguém acredita que os países que realizaram referendos e votaram contraditorios sobre diversos aspectos da adesão e do desenvolvimento da Europa comunitária estão atrás de nós? Há mais Portugal para além do "Portugal, S.A.". Há outra Europa e é por essa que vou votar: Europa com políticas de paz e contra a guerra; dos serviços públicos europeus com defesa do emprego e pela imigração com direitos, do co-financiamendo dos sistemas de protecção social dos mais débeis, do equilíbrio ecológico e de poupança da energia. Eles falam dos fundos estruturais como quem agita um cheque-brinde. E pedem-nos cheques em branco, enquanto se disfarçam de palhaços mal educados com piadas sobre a vidinha de cada um e se calam sobre a vénia que fazem.
A Europa não é só uma fortaleza ou empresa multinacional. Há a Europa dos cidadãos e eu voto pelas políticas da cidadania europeia livre e solidária com o mundo. O meu voto tem a direcção e o sentido do bem comum.
[o aveiro; 10/06/2004]
faz anos ao domingo
pesca à linha
do horizonte
o sol moribundo
reanima
num abraço de penas
antes de o devolver
à vida
de afogado.
A Câmara Escura
Passou mais de um ano e nem um papel a Câmara produziu sobre o processo 110/2003. Pelo menos, a Cooperativa não recebeu coisa alguma.
Há 25 anos, a Cooperativa aguentou anos e anos sem ter conseguido construir uma casa. Todos sabem que a existência da Cooperativa depende da vontade dos cooperadores e só nós, cooperadores, a podemos matar. Mas,... o processo de construção da Urbanização Chave exigiu que fosse levantada uma pequena empresa cooperativa. E sabemos, nós e o Presidente da Câmara, que a empresa cooperativa pode ser assassinada pela incúria impune dos serviços públicos. A falta de resposta e despacho asfixia a empresa cooperativa e, quem sabe?, algumas outras empresas. A favor de quem?
Não posso acreditar que tenhamos eleito a Câmara para isto. Não pedimos qualquer excepção; só pedimos razão para a nossa razão. E clemência! Nunca fui em futebóis, mas, se vier resposta, prometo ir ver um jogo de futebol. É obra!
[o aveiro, 27/05/2004]
Dormideira
Recebo, na minha caixa de correio, um panfleto de um 'comité por um Portugal livre - free Portugal' que reza assim: "Tem compaixão de Nossa Senhora. Com o teu voto não permitas que o Seu Filho seja posto fora da Europa" No verso, há um alerta. Diz-se que o Parlamento Europeu tomou a "inquietante decisão" de chumbar "uma proposta do PPE, na qual se pedia que se fizesse uma referencia explícita às raízes cristãs da Europa no texto da Constituição Europeia". E, a seguir à frase: "É triste ver como os da esquerda votaram contra", um quadro esclarece o sentido do voto de cada deputado português, sem esquecer de colar ao PSD e ao CDS a sigla da coligação para as europeias "Força Portugal". Eles (quem são eles?) não aceitam outras opiniões, outra fé ou falta dela, nem as raízes mais fundas. Estarão dispostos a uma cruzada? Fico para aqui a tremer de medo (tenho razões para isso) e a torcer-me de riso com o ridículo da grandeza de alma cristã dos euro-deputados do PSD e do CDS-PP. Oh, Cristo, vem cá abaixo ver isto! - diria a minha mãe.
Assim se estraga uma boa recordação da infância que me tinha embalado no fim de semana. Veio-me à memória o retrato do retardado fascista Américo de DEUS Rodrigues Thomaz exposto nas paredes interiores da igreja da minha infância.
Em liberdade, algumas almas penadas querem as nossas depenadas. E, por isso, não posso deixar-me embalar, adormecer e perder o tino. Confiar a minha alma a esta malta de capitalistas liberais maoístas e maus cristãos é condená-la às penas do inferno, seja o que isso for.
Como um Cristo (que sempre fui - é o que dizem!) e acordado, vou votar contra.
[o aveiro; 20/05/2004]
Trackback?
O argumento a favor do "trackback" é bom. O professor é bom. Estou a experimentar. Caso funcione, aqui fica o agradecimento e a recomendação para uma visita a outro mundo. Esse blog e a página pessoal do autor constituem um bom ponto de partida para entrar no debate sobre o ensino superior em mudança.
Lei de Bases de barro.
Passando pelos intervalos da chuva e praticamente sem discussão pública vai ser votada a lei de bases do ensino, apenas com os votos da maioria. Deve tratar-se da medida mais absurda e demagógica das muitas a que temos assistido na vigência deste governo. Choveram apelos à discussão, à busca de consenso, a alterações pontuais de aqui e dali, mas o governo não ouviu nada. Fossem elas vindas dos partidos da oposição ou de instituições de ensino, o governo preferiu manter-se no mais profundo autismo político e fazer aprovar uma coisa que terá a validade do executivo. Ou seja, nenhuma. Passaremos os próximos anos debaixo de uma avalanche diluviana de problemas até que se perceba que a lei de bases é para esquecer. E o pior disto tudo é que nesta enxurrada irá o que ela tem de bom e o que tem de mau, sendo previsível que para o ensino sobrará o caos que já é visível. Lamentável.
E eu estou de acordo.
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