a garça que caminha
desajeitadamente reequilibrado com o bater das asas.
o boi tem olhos conformados ao corpo pachorrento.
uma tremura por dentro da pele macia avisa as asas da garça:
podemos caminhar juntos, voar é que não!
as ideias.
e as tormentas por que passo.
eu sou o navegador
que inventa o cabo e o dobra.
da tirania e da cobardia
Não resisto a transcrever, com a devida vénia:
"Grande Reportagem" de há duas semanas denunciava uma história de terror, dessas que se lêem e não se acredita. Ou melhor, não se quer acreditar. Um jovem - de nome Diogo - quartanista de Arquitectura fora praxado até à morte pelos colegas da Tuna Universitária a que pertencia. O caso a que João Cândido da Silva já se referiu, na sua última crónica, com o sugestivo subtítulo de "Javardos", passou-se em Portugal vai para três anos. Só agora, ultrapassado o doloroso luto, saltou para os jornais, denunciado pela família num justificado alerta contra essa coisa sinistra dos rituais praxistas que continuamos a fingir não ver. Rituais que já começam a invadir o próprio ensino secundário, onde exibem a mesma ou pior violência. Fica assim minada toda a formação da personalidade de gerações inteiras dos nossos miúdos.
A reportagem justificava o editorial de Joaquim Vieira "Cultura rasca". Contra ele escreve violentamente, na edição desta semana, uma jovem socióloga de 26 anos a frequentar o mestrado. Lemos e voltamos a não querer acreditar.
Em sua defesa, e dos da sua geração, a leitora começa por alertar para o seguinte: "os nossos valores são incutidos pela sociedade que foi por vós constituída". Embora o argumento seja lapalissiano só posso concordar e partilhar a culpa na parte que me toca. OK. Posso até concordar com o argumento seguinte: o que se passou não foi "praxe", foi sobretudo um "crime" que a Justiça com a inoperância habitual, exercida por várias gerações (e não por uma única geração como sustenta a jovem), foi incapaz de castigar. E isso é grave. Gravíssimo. Mas, logo a seguir, a mestranda tenta exibir a sua superioridade moral afirmando o seguinte: "Ao invés do Diogo, optei por me impor (sublinhado meu) e recusei participar nas praxes, sem nunca ser posta de parte. Limitei-me a aparecer nas aulas após o fecho das praxes, alegadamente por estar doente. No harm done diriam os ingleses".
Chegámos ao ponto. Posso até admitir que não tinha outra solução senão fugir para não enfrentar o gang acéfalo e maioritário. Nem sempre a fuga é pura cobardia, mas a fuga travestida de colaboracionismo, para gozar dos privilégios inerentes, só pode ter esse nome.
Para esta jovem, que se faz porta-voz de uma geração, "impor-se" resume-se à adopção do comportamento desprezível mas corriqueiro de apresentar atestado médico falso. Estamos entendidos! Fica explicada a tendência compulsiva para a doença falsa e fica-se a perceber melhor por que raio a nova geração de professores, em busca de colocação, pode subitamente surgir tão achacada.
Enfrentar o "sistema", mesmo o mais injusto, dá, no mínimo, muita chatice. Além disso, corre-se o risco de poder ficar à margem do rebanho, sem direito à festa, à borga, aos copos (lá se ia a companhia para as ponchas da Madeira que a jovem académica diz tanto apreciar). E claro, lá se iria também o traje.
Dizer "não", como a minha geração era useira e vezeira, pode sempre trazer problemas ao enfrentar a turba, recusar a humilhação, denunciar, não pactuar com o sistema de abuso abjecto dos mais fracos imposto por uma ordem absurda onde a "antiguidade" é um posto e a burrice assumida premiada na dupla categoria idiota dos "veteranos".
Na minha geração os que "optavam" assim tinham um nome: cobardes, como diriam os portugueses. "Cowards" na versão anglo-saxónica...
nota póstuma
Rui Bebiano escreveu em sous les pavés, la plage
{duas da manhã e uma r.e.m.-cantiga}
You're on your ear, the ocean's near
The light has started to fade
Your high is timed, you found the climb
It's hard to focus on more than what's in front of you
Electron Blue
Adventure rings with a page and
When it dawns on you,
It sings blue
Your buzz beginning to wane.
Não tem coisa alguma a ver com as canções do r.e.m. que o rui nos lembra; só tem a ver com a minha madrugada e não é mais do que uma prova de vida a nota póstuma que escrevi como comentário.
muda a hora. às duas de qual manhã?
às duas por três, numa catedral aberta,
visito mortalhas em fila de espera
e só ouço o silêncio frio
de um amigo que ressona
sem saber que morreu uma hora mais cedo.
Já agora também gostei muito de ler por lá, citado de cor, Robin Williams: O bom rebelde . No filme - O bom rebelde -, há uma cena magnífica sobre os matemáticos... e eu também costumo citar de cor, mas aqui tenho vergonha. Penso que se trata de perguntar num bar se alguém conhece Theodore Kaczynski. Ninguém conhece o matemático. Depois pergunta-se se alguém conhece o Unabomber. E ....
amalgamar.
Os meus outros laços com o Brasil estão todos feitos e dados nos arames em que trefilámos o aço da família inemigrada.
Javardos.
Javardos
"Diogo está esquecido no WC, junto aos lavatórios. As palavras saíam-lhe dos lábios, sem cor, em sussurros. Quando os olhos dele se enevoaram, como os de um afogado, alguém decidiu chamar a ambulância. No trajecto para o hospital, "Arrepio" ouve as versões dos outros sobre o que se teria passado: "Disseram-me que ele tinha sido praxado, que fizera umas 70 flexões. Pensei: 'Ele se calhar fez alguma e foi castigado.' Mas não liguei as coisas. Os mais velhos falavam de indigestão." Certo e seguro, porque há registos indesmentíveis, é a hora a que Diogo deu entrada no Hospital de Famalicão, a uns metros da universidade, em coma profundo. Eram exactamente 22h51."
Este é um dos detalhes da história trágica e repugnante de um homicídio impune levado a cabo na Universidade Lusíada de Famalicão e relatado pela revista "Grande Reportagem" numa das suas edições mais recentes. A história merece ser lida, sobretudo pelo retrato que dá de um mundo sinistro e mafioso que se esconde por detrás das tradições académicas e da instituição das tunas. Em poucas palavras, os factos indiciam que um jovem aluno de Arquitectura foi espancado até à morte, por razões tão ferozmente frívolas como a circunstância de aparentemente pretender abandonar a sua ligação à tuna daquele estabelecimento de ensino, vontade mal aceite, como se verificou, pelos sicários que integravam a hierarquia da organização.
A violência gratuita provocou uma morte absurda para a qual as autoridades policiais não conseguiram encontrar responsáveis que fossem levados perante os tribunais. E o principal obstáculo para o apuramento da verdade foi precisamente o facto de ninguém, entre os que presenciaram a arrepiante cena, se ter disposto a revelar aquilo que sabe, numa teia de cumplicidades destinada a encobrir um crime grave. Uma universidade é suposta ser um local em que os alunos completam a sua formação literária e humana e de onde sairão preparados para assumir plenamente os deveres, obrigações e direitos decorrentes da sua integração numa sociedade necessitada de quem ajude a zelar pelos valores essenciais que a enquadram. Mas há algo que parece falhar redondamente neste campo.
As tunas, com os seus rituais de praxe, são escolas adequadas para o desenvolvimento de um autoritarismo cobarde, onde vence a mentalidade sórdida dos medíocres, perante a passividade generalizada de quem tem sobre os ombros a tarefa de assegurar a boa qualidade do ambiente em que os estudantes vivem o seu quotidiano. O caso de Diogo será o mais trágico mas não é o único que testemunha os mais diversos géneros de humilhações impostos aos seus pares por tribos que, embora floresçam um pouco por tudo o que são instituições do ensino superior, parecem viver ainda orgulhosamente nos tempos dos homens das cavernas. Pergunta-se: será que ninguém, das reitorias ao Governo, será capaz de colocar um ponto final na livre actuação desta gente que pouco mais merece do que o epíteto de javardos.
Na minha mais que humilde opinião, e, com a sensação de impotência que me assalta no que a isto diz respeito (uma luta aparentemente ganha antes do 25 de Abril e depois perdida em pequenas derrotas todos os anos), proponho que se sentem nos bancos dos réus todos os reitores, professores e outros responsáveis (incluindo os administradores das cervejeiras) cúmplices do crime nas universidades e sejam acusados dos homicídios cometidos pelos javardos que muitas vezes chegam a patrocinar.
E faça-se justiça:
Sejam presos, de preferência em celas onde possam conviver intimamente com alguns desses javardos.
o engano do jorge
mas reconhecia o db como primeiro ministro do meu país.
não sendo eleito sequer para governar portugal, santana lopes pode assinar uma constituição europeia?
pode. por s.jorge!
em nome do pai
em nome de portugal e da europa, santana lopes assinou a constituição europeia.
Quad quartet
Assim, a sempre diferente eterna formação que ouvimos hoje - Soprano João Figueiredo, Alto Fernando Ramos, Tenor Henrique Portovedo e Barítono Romeu Costa - sob o nome Quad Quartet
atacou-nos com os clássicos Bozza e Desenclos (se é que há clássicos para saxofones) e com Carlos Paredes e Astor Piazzola.
Gosto do clássico dos clássicos Piazzola. O que haverá de mais clássico que uns tangos ao meu gosto?
Podem dizer-lhes que venham tocar tangos para a .... minha rua.
sobre o lado esquerdo
(...) o homem que não dorme pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração».
Foi isto que escreveu o Carlos de Oliveira em sobre o lado esquerdo sob o título sobre o lado esquerdo. Tanto tempo a ler e a reler e sempre com a ideia de não ter encontrado. Deixei passar a noite e passeei de novo os olhos vigilantes pelo trabalho poético, já sem esperança. E li o que sempre li, mas... encontrando. Aqui deixo a exacta (ex)citação.
Lightenings
Não encontrei o que procurava, mas encontrei muitas outras coisas, a começar pelo Carlos de Oliveira.
Mas aqui deixo um reencontro com Seamus Heaney (na reescrita de Vasco Graça Moura) no que eu dele mais gosto (hoje):
VIII.
Dizem os anais: quando os monges de Clonmacnoise
estavam todos em prece no oratório
surgiu um barco no ar por cima deles.
A âncora desceu tão fundo que ficou presa
ao parapeito do altar e então, quando
o baloiçar do grande casco se imobilizou,
um dos tripulantes desceu agarrado à corda
e tentou libertá-la. Mas em vão. "Este homem não pode
aguentar a nossa vida aqui e vai afogar-se".
disse o abade, "a não ser que o ajudemos". Assim
fizeram, o barco solto partiu, e o homem lá trepou
para fora do maravilhoso mundo como o tinha conhecido.
asa delta
chamou-me pelo nome pronta para voar
e eu hesitei no teu decote o meu olhar
antes de ir com ela para o mais alto céu.
de tão longe ver-te como um ponto final,
quando tanto te desejei em cada pormenor,
não vejo pior
mal.
Perturbação de sentidos
2. Nada me perturba mais, hoje em dia, que a falta de encontro entre o ensino e a vizinhança no que ela tem de humano. Sou professor de Matemática, agora do ensino básico de jovens à volta dos 13 anos e é perturbador ver que eles procedem comigo como se eu não falasse do que é comum. Se eu lhes der um problema em palavras faladas para resolver, raramente procuram uma real solução (mesmo quando conseguem pensar sobre ele). Não tiram medidas quando é preciso, usam uns símbolos e umas figuras que ilustram a situação sem a representar seriamente, etc. Não sabem o que é um marco num terreno (vértice de um polígono), não olham a fracção da matemática como a da língua ordinária. As palavras da matemática básica são termos constituintes do português básico ? uma ou outra excepção não contrariam a regra. E as respostas que procuramos, usando matemática, são escritas em português básico com o apoio de figuras e operações adequadas, cujos resultados são precisos para argumentar a favor desta ou daquela solução. Difícil é convencê-los que a resolução de um problema básico e a resposta que derem, em português corrente, deve ser compreendida por toda a gente ou quase.
Ninguém passará a número ou a unidade estatística por minhas mãos de professor. Uma escola básica que fale de cada individuo e da sua (e nossa) realidade talvez forme e controle os políticos para que procurem soluções sociais sem deixarem de ter em conta as pessoas autênticas, individuais.
[o aveiro; 28/10/2004]
onde a blusa abre
os olhos matam a sede das mãos ansiosas
do alpinista trepando pelas encostas dos seios,
e, na planta riscada sobre a terra lavrada,
esse vale do ventre em que se levanta o desejo da arquitectura
para a possuída casa ancorada em estacas de vento e de ternura,
eu desenhei a vida inteira por viver e por mais nada
deixei cair pelo fio do prumo o olhar a pique
e, ecoando grave, em queda livre, a voz calei
ali onde a blusa começa e se entreabre
uma porta escancarada.
o dia mais que perfeito
a vila, deste lado ao de lá do monte onde a manhã dá à luz o sol,
os passos ligeiros da mulher mais bela do dia
escolhem maçãs bravas colhidas à árvore da madrugada.
ah! e eu for com ela de mãos dadas cedinho.
a demora
por ti.
se fores devagar, talvez possas
fazer-te companhia mais um pouco.
afinal vão ambos para o mesmo lado!
desde ontem, a viagem é assim mais lenta.
O pó sobre a cómoda
É um problema para o pais ficar desequilibrado assim cheio de braços direitos. O longo braço do poder é uma ameaça. O braço direito é uma desgraça. O braço direito delgado (que primou pela falta de pudor em defesa irracional do governo da guerra) passou a braço direito do governo na lusa e agora passa a braço direito executivo na Lusomundo (sem pré-aviso aos administradores que lá estavam). A palavra delgado que nomeia a pessoa é adjectivo que qualifica tanto a inteligência dos seus argumentos como a sua vergonha. Só não deve ser delgado o soldo de quem espera a defenestração mal mudem os ventos ou haja restauração da independência. Se há conspiração visível para o controle das coisas da comunicação social, ela é a dos braços direitos.
Esperam que nos habituemos aos seus braços direitos como nos habituamos a ácaros e ao pó da casa em obras. Aaaaaaaatchim! - é a inteligência a resistir.
[o aveiro; 21/10/2004]
X-acto.
mas houve um dia da vida comum em que deixámos de escrever nas paredes uns dos outros. não há memória do dia, mas esse dia passou em todas as máquinas como sendo o último dia, aquele em que uma mensagem marcada com o ferrete do X piscou como a última.
há quem diga que só podem ficar juntos os que gostam da mesma música ou os que partilham um modo de estar, um ponto de vista. X não respeitava essa regra e havia, por isso, muitos desencontros, silêncios e berros, como acontece nas famílias vulgares. a família X nunca chegou a ser extraordinária, manteve-se simplesmente ordinária.
não tendo havido separações de facto, basta que alguns saiam dos seus tugúrios de solidão, separação e silêncios [e amuos?] para que tropecem noutros ao desembocar na distracção do grande átrio, na sala de jantar, no ardor de uma batalha em campo aberto, num restaurante.
ficam de fora deste cenário os que são de longe e os que se mantiveram longe contra a vontade dos outros.
há os que foram para tão longe que não conseguimos deixar de os ver todos os dias.
esses só não contam na divisão da conta do almoço.
desenho, logo existe
quem anda com os pés nos bolsos do corpete
e mostra os dentes a quem sua mais que morde
usa um número acima para as câmaras da biciclete
e não sabe que pedala para onde mora a morte.
bhâskara
La quinta parte de um enjambre de abejas se posó en la flor de kadamba, la tercera parte en la flor de silinda, el triple de la diferencia entre estos números, bella niña de ojos de gacela, voló sobre una flor de kutuja, y una abeja sola quedó en el aire, atraída por el perfume de un jazmín y de un pandanus. Dime encantadora doncella, ¿cual es el número de abejas que formaban el enjambre?
[poema-problema 55 de Lîlavatî, transcrito de MUJERES, MANZANAS Y MATEMATICAS. ENTRETEJIDAS de Xaro Nomdedeu Moreno]
Plágio
O mais difícil é escolher o facto, a frase ou ... a palavra chave. Aí está - plágio - a palavra-chave para a semana que passou. Obrigado. Não presumo ter pontos de vista originais e dependo da actualidade, tantas vezes feita de indisfarçáveis originalidades em maldade, mentira e ignorância atrevida.
Sabemos que Santana Lopes não é original nas tentativas de controlar a ficção da realidade. Estará ele a plagiar outros antigos governantes? Ou, pelo contrario, ele é a primeira notícia de governante que não quer governar mais que as notícias e decidiu plagiar Marcelo, como criador do facto ... da semana?
No que a esta crónica respeita, devo confessar que, do mundo que as notícias são, o melhor comentário é mesmo o da mulher que vive comigo. Diz ela que não pode jantar a ver um filme violento porque acompanha a criação das personagens e é perturbador ver o mal acontecer a pessoas que se conhecem. Menos perturbador é ver as notícias sobre a realidade ainda que violenta, já que não se conhecem as pessoas. As pessoas são afinal as vidas que construímos para elas. É ela quem o diz e eu estou a plagiar. Também diz que a realidade violenta é mais elaborada que a violência da ficção.
Com ela, volto à universidade onde nestas semanas muitos estudantes estão a faltar às aulas, plagiando públicas estudantordinarices do passado. O plágio mais tolo nem é o dos estudantes, diz ela.
Lembro-me das autoridades universitárias e policiais como cúmplices da boçalidade criminosa de parte da academia antes de 1974. A policia protegia o cortejo do delírio alcoólico de estudantes que, no Porto, contava com ministros da guerra, do ultramar e similares.
E, para minha vergonha, vem-me à memória plagiar o título de clandestinos comunicados de então - Os estudantes porcos palhaços e seus amigos porcos policias - que transformavam manifestações anti-queima em manifestações contra a guerra colonial. A policia que protegia os manifestantes dos cortejos indignos, perseguia à bastonada pelas ruas os manifestantes da dignidade. Mudou tudo?
Eu nem quero acreditar que a tragédia esteja a ser plagiada ... como farsa.
[o aveiro; 14/10/2004]
escola de poetas
eram assim as páginas exteriores:
Provavelmente ninguém se lembra.
Pelo sim, pelo não, vou publicando os poemas dos esquecidos na escrivaninha , sob o título exacto escola de poetas .
Pequenas coisas do passado.
Haverá quem pergunte porquê estes poetas? A pergunta tem sentido, a resposta talvez não tenha. Se são os meus preferidos? Alguns escrevem pérolas que eu arrisco pescar nas suas pequenas lagoas privadas. Mas há quem escreva mais pérolas, maiores e mais acetinadas ao meu gosto. Se os conheço bem? Conheço alguns deles, mas isso não interessa coisa alguma. Outros sempre os perdi, como perdi todos os contactos com poetas e poderosos. Fiquei a ver como cresciam. E de vez em quando ouço falar deles e de outros que também penso vir a lembrar se souber por onde eles andam ou por onde andam os poemas que eles escreveram e ninguém sabe. Eu trato desta minha parte do mundo. Outros tratarão das outras partes do mundo. Como se reconstituísse o meu muro de berlim - esse de que se guardam as pedras depois o ver derrubado.
Não é o caso do José Carlos Soares a quem escrevo todos os dias, porque todos os dias tento lembrar-me de mim antes de ter crescido para a morte, essa viagem por fazer que todos os dias me é insinuada por algum cartaz de uma funerária agência de viagens.
outra coisa
não sei o que é.
está entre as coisas que não sei o que são nem que lugar ocuparam no meu tempo e, muito menos, a que propósito aconteceram.
eu também sou uma dessas coisas.
serrano
(...)
Mastigo a terra
(...)
tem o gosto das coisas
que demoram a levedar
(...)
no livro "Nas colinas do esquecimento", agora publicado na 'Campo das Letras'
mata borrão
Guardo tiques antigos
+ folhinhas de papel de embrulho para ir escrevendo até que as mãos me doam;
+ pastinhas onde trago as folhinhas (são três para nunca me faltarem quando se rompem e para dizerem com a cor dos meus dias);
+ canetas (muitas, para todas as grossuras do traço - carícia, raiva, ...)
+ papel mataborrão com toda a tinta de todos os pecados (uma espécie de jaimemorto ou gloira do arranca corações de vian).
O papel mataborrão do diário é coisa que não se mostra a estranhos.
Ranking
Acaba assim:
Um dos grandes equívocos que todos os anos se exploram é o dos melhores resultados das escolas privadas. Ora, o que se verifica é que as melhores escolas privadas são indubitavelmente os colégios selectos das elites económico-sociais situados em Lisboa, Porto e arredores (nada menos de 14 entre os primeiros 20 lugares da lista), sendo que o colégio de Vila Real que surge em primeiro lugar é pouco significativo, dado o número reduzido de alunos levados a exame. A alta qualidade delas - em geral muito dispendiosas para os beneficiários - tem a mesma explicação que a da excelente escola de Coimbra, a que acresce muitas vezes a selecção dos alunos, o que está vedado às escolas públicas. De resto, o que é a admirar nos seus resultados é que estes não sejam melhores do que são, pois se se retirar a referida escola de Vila Real, nenhuma delas atinge os 14 valores de média, o que não é propriamente famoso.
Para além dessas escolas, que constituem um grupo à parte, o panorama das demais escolas privadas não é melhor do que os das públicas, pelo contrário. Assim, entre as 100 escolas mais mal classificadas, contamos nada menos de 20 privadas (20 por cento), o que fica acima da quota de escolas privadas no ensino secundário, que é de 18,5 por cento (112 escolas num total de 608). Ou seja, as escolas privadas obtêm os melhores resultados mas também os piores. Ora essa grande assimetria - que é ainda maior do que nas escolas públicas - só pode dever-se aos mesmos factores que explicam a assimetria das escolas em geral, sejam elas públicas ou privadas. Uma escola privada na Pampilhosa da Serra faria muito melhor do que a referida escola pública? Por isso, o argumento da superioridade das escolas privadas, só por o serem, é uma grande mistificação. Há certamente muito que corrigir na escola pública, quanto à gestão, disciplina, rigor, autonomia e responsabilização, avaliação, etc. Mas a comparação entre escolas só poderá fazer-se em igualdade de circunstâncias, desde a composição do corpo discente à percentagem de alunos submetidos a exame nas disciplinas mais problemáticas (nomeadamente Matemática e Português).
Como seria de esperar, é também nestas alturas que aparecem os campeões do ensino privado a defender o financiamento público das escolas privadas, bem como a liberdade de escolha dos alunos, sempre em nome da liberdade de ensino. Trata-se de outra propositada confusão. Entre nós, é livre a criação de escolas privadas, cuja frequência é igualmente livre, sendo o seu ensino publicamente reconhecido. Mas o Estado não tem nenhum dever de financiar as escolas privadas, nem deve fazê-lo à custa do financiamento das escolas públicas, que são uma responsabilidade constitucional sua. Em Portugal, o ensino público é um direito, o ensino privado uma liberdade. O Estado tem de garantir a toda a gente a escola pública, plural, não confessional, em igualdade de circunstâncias. Quem preferir as escolas privadas, por razões confessionais ou outras (designadamente de prestígio social), não pode invocar um direito ao pagamento do Estado. O Estado também não tem de pagar por exemplo a quem, tendo direito a serviços públicos de saúde gratuitos, prefira uma clínica privada; ou a quem, tendo transportes públicos subsidiados pelo orçamento, prefira viajar em transportes particulares. O financiamento público das escolas privadas, para além de desviar recursos das escolas públicas, que bem precisam de ser melhoradas, e de ser financeiramente incomportável (dado que o Estado não poderia reduzir correspondentemente o financiamento das escolas públicas), traduzir-se-ia sobretudo em subsidiar um privilégio dos mais ricos.
enxames
Já lá, vi mais do que uma placa a indicar o caminho para enxames. Agora sei que ENXAMES é mesmo uma freguesia do concelho do Fundão com 631 eleitores inscritos.
Estou a desenhar um risco
Para que se perceba melhor as tolices que se dizem a partir dos rankings, aqui ficam alguns dados simples. Nos 3 últimos rankings do Expresso, a Escola José Estêvão ocupou as seguintes posições 43, 44, 53; a Homem Cristo ocupou os lugares 35, 49 e 114; a Mário Sacramento ocupou os lugares 278, 443 e 397, enquanto a Jaime Magalhães Lima passou pelos lugares 236, 161 e 213. Já nos rankings do Público, as coisas passam-se assim: José Estêvão ? 37, 83 e 111; Homem Cristo ? 82, 46 e 125. E pelo que consegui saber, neste ano, para o ranking do Público, a Mário Sacramento está na posição 471 enquanto a Jaime Magalhães Lima está na posição 297. (Todas atrás da excelência do colégio da Boavista) E já repararam nas variações de ranking para ranking ou de ano para ano? Acreditam que elas são espelho de algum sentido de mudança? De um ano para o outro, a única coisa que muda, mudando tudo, são os alunos que prestam provas de exame.
Estamos a piorar as médias. Embora tenhamos, em cada uma das escolas, um grupo de 10 ou mais examinandos que estão muito acima da média, estamos a piorar. E isso revela vários falhanços que vale a pena estudar: dos professores e das escolas, do sistema de explicações que gira em volta das escolas, dos estudantes.
Só me ensinaram a desenhar a tristeza. Não quero desenhar o ridículo que a tristeza carrega como cruz.
[o aveiro; 07/09/2004]
as duas pastas
Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...
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Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
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se ensinas uma teoria sem teoremas não tens que dominar a arte e a técnica da demonstração podes ver que os teus aprendizes crescem cont...