não desistir




Não desistimos hoje, para podermos desistir amanhã.

Todos os dias apetece desistir, mudar de vida, partir para outra. Digo para mim mesmo que preciso de descanso e o mereço. Que, descansando do que vai sendo preciso fazer, ganho tempo para o que quero fazer. Quem não compreende isto? Quem não me compreende? Mas acabo sempre a aceitar mais isto e mais aquilo e a adiar a minha vida, a criar novos compromissos para andar sempre a prazo e fora de prazo. Todos os dias há um prazo que acaba sem que eu tenha feito o aprazado, porque uma outra coisa, atrasada também ela, se atravessa no caminho do tempo. Cobardia. Pura cobardia. Medo. Puro medo. Já há muito tempo que sei. Desistir disto ou daquilo, deixar de responder a este ou aquele apelo ou pedido de colaboração significa desistir não da coisa, do acto em si, mas antes da pessoa que por nós influenciada ou tocada passa a ser uma parte de nós.
A partir de certa altura, acontece-nos pensar que não nos podemos dar ao luxo de desistir de quem quer que seja, como se a solidão fosse insuportável.
E estamos a falar, na maior parte dos casos, de pessoas que não veremos mais ou que podem não querer ver-nos mais ou de quem nós já jurámos não querermos vê-las nunca mais. Muitas delas não as conhecemos e continuamos a não conhecê-las.

Algumas delas somos nós.

desenho, logo existe




desenho, logo existe




de algumas reuniões, sobra a beleza
dos desenhos de horrores...

ontem até amanhã

A semana passada passou como só um furacão sabe passar pelas nossas vidas. Nova Orleães passeia-nos nos nervos e ecoa-nos na cabeça porque dela fizemos templo ou rua apinhada da estridência de todas as misturas que o nosso sagrado mundo nos deu a ver. Toda a destruição nos custa, mas mais do que tudo nos custa a destruição dos pobres e daqueles pobres que ali vivem. ali naquele caldo cultural com todas as especiarias do mundo dos espíritos a boiar à superfície para que as possamos ver. Nenhum outro lugar do mundo escrito, gravado, fotografado ou filmado pode ser a montra fantástica que Nova Orleães sempre foi.
O furacão devolveu-nos a ingenuidade ao olhar. Lá onde está Nova Orleães, face à adversidade de uma calamidade natural há a mesma fragilidade da pobreza de qualquer outro lugar do mundo. Nova Orleães ensina-nos que estamos abandonados em todos os lugares e que nos resta clamar por ajuda naqueles dias em que a televisão já veio para nos mostrar ao mundo inteiro sem podermos ter o mundo inteiro de volta já que a ajuda ainda não se avista no horizonte.
Eu sou um velho, com a barba por fazer, sentado numa cadeira de baloiço do alpendre que ameaça cair. Olho para longe que é nem sei bem onde. Sonho tirar uma voz rouca de uma orquestra que só quer ser rápida mesmo quando cai numa sonolência de não saber bem que língua falar quando falo ou toco seja que instrumento de melancolia for. Não sei se me vi assim nos filmes dos meus desejos, ou se fui capa de um disco de não sei quantas rotações.
Fico-me para aqui a passar as contas de um rosário entre os dedos e a rezar para ter este meu mundo de volta, não tão pobre e abandonado como o furacão mostrou estar, mas com tudo o que é do mundo bom e mais protegido das tempestades naturais e humanas. Este velho crioulo não tem forças para mais do que para juntar a sua voz ao coro dos amigos do mundo inteiro que querem Nova Orleães de volta.
Volto para lá onde nunca estive. Revejo-me a passear de memória nas ruas, a esquecer-me de mim no carnaval, a caminhar na arquitectura do lugar, nos sopros e seus ecos dos corredores que se abrem como ruas do romance que li ou vi.
Quem pensar que pode fugir a esta reconstrução dos alicerces do espírito que Nova Orleães exige, está a pensar em fugir para uma terra de ninguém, vazia.
Volto para Nova Orleães. Quem não volta?

[o aveiro; 8/09/2005]

de costas voltadas




viraste-me as costas e já não sei que face é a tua
ou como te seguras ainda de pé depois de tantos dias e noites
sem te teres sentado

tudo porque não queres ver-me embora fiques aí mesmo (sinto-te!)
ao alcance da ternura da minha mão
caso pudesse virar-me e a minha mão não fosse insensível
como a tua

feita de pedra.

ouvi mesmo agora...

Ouvi mesmo agora dizer
(a um daqueles tipos importantes que vão à televisão dizer as coisas importantes)
qualquer coisa como:

... os portugueses nunca votaram mal...

E que, por isso, votarão cavaco se este se candidatar a prefeito ...

concluiria.


Que ideia mais estúpida! Do meu ponto de vista, os portugueses votaram mal muitas vezes ou quase sempre, votando nesses tipos e nas organizações desses tipos importantes e ricos que trouxeram o país até esta desgraça que eles mesmos cavaram e não se cansam de catalogar como desgraça.

Não presumo sobre a superioridade absoluta ou a beleza ou ... do meu ponto de vista. E aceito os resultados eleitorais rezando para que as escolhas pelo voto do povo sejam certas e melhores que as minhas. Tem sido tanto assim que eu quase posso dizer, por desacordo com o povo e esses maganos, que não me sinto culpado por tanta desgraça.

:-)

A estupidez não paga imposto, já dizia a minha mãe! Que espera a inspecção geral de finanças para investigar estes tipos? Não primando pela inteligência, para estes tipos, ir à televisão não é mais que um sinal exterior de riqueza.

eu sei que(...)


(...)
Eu sei que o mistério
é uma dentadura abandonada.
(...)



Mário Henrique Leiria
in Climas Ortopédicos

help


grita
e enquanto não tiveres a certeza
que eu te ouço
repete
a palavra que queres fixar na memória do mundo
por estes dias em que te perdeste ao perder tudo
que é o que podias lembrar
o que tinhas de teu
para além do nome

nova orleães

ontem fui a lisboa

Ontem fomos ao Aeroporto de Lisboa.
Fomos resgatar parte da família no seu regresso dos Estados Unidos da América. Por isso, prestei pouca atenção aos outros aspectos do dia. Se não tivesse ido a Lisboa, tinha ido até uma conferência nacional sobre as autárquicas (do bloco de esquerda). Como não fui, procurei ler no meu jornal de hoje alguma coisa que me dissesse o que se disse sobre a questão autárquica nessa conferência.

Mas, a acreditar no jornal, a conferência foi sobre as presidenciais. Quem assim nos fez até sermos todos tão parecidos? Até parecermos membros de um só e mesmo partido - o das oportunidades... E quem me dera que não o dos oportunismos! Que futuro nos reserva o passado?

Ontem, fui a Lisboa. Se tivesse ido ao Porto, tinha ido a Lisboa.

o verão vai embora


O cardo adula com penugem tenra

A papoila arroja de si o vestido
como uma grávida

A macela desfia
pelos botões

A chicória fecha-se
e encanece.



[Reiner Kunze (Luz Videira e Renato Correia)]

flor de laranjeira



Nada na minha vida verdadeira me liga às flores de laranjeira. A não ser lembrar-me que a minha juventude não gostava de as ver cair cedo demais das laranjeiras que haviam de dar as laranjas a roubar nas noites escuras da aldeia invernosa. E ouvia falar delas para os casamentos das fotografias.
Até que um dia vi uma fotografia em que tu, vestida de noiva, seguravas um ramo, a flor de laranjeira . Eu não sabia como podem ser lindas as flores de laranjeira. Desde então bebo flores de laranjeira perdidas na água fervente em que as mergulho. E espero sujar a lapela do meu melhor casaco com um pingo da flor de laranjeira do sonho (tal qual a da fotografia) em que a tiravas do teu ramo e me estendias a mão...

a pintura do amador




uma discussão acesa é candeia na noite dos amantes:
os corpos servem é para discutir e as mãos em labaredas
para sublinhar as palavras mais ardentes enquanto as bocas
desmaiam - disseste isto e aqui chegada apagaste-te em silêncio
e repouso, encolhida ali perto numa curva do meu sonho, ao luar.

La forma del mondo


Se il mondo ha la sruttura del linguaggio
e il linguaggio ha la forma della mente
la mente con i suoi pieni e i suoi vuoti
è niente o quasi e non ci rassicura.

Cosi parlò papirio. Era già scuro
e pioveva. Mettiamoci al sicuro
disse e affrettò il passo senza accorgersi
che il suo era il linguaggio del delirio.



E. Montale; Diário, 1971

declaração de freguês

Há uns anos, defendi publicamente a importância da participação dos grupos de cidadãos unidos em volta dos problemas locais, para os quais se mostravam incompetentes os poderes locais eleitos na base da divisão por partidos e nas obediências a interesses que não são o que é melhor para as populações residentes numa freguesia ou num município. Pensava eu, e ainda penso, que nada pode impedir um grupo de cidadãos de participarem activamente, e com exercício do poder, nas decisões que afectam as suas comunidades. As divisões partidárias impedem muitas vezes que as competências se juntem em colectivos de consciências livres para a busca do bem comum.

Fui então mandatário de uma lista de independentes candidata à Assembleia de Freguesia da Glória. Não conhecia a maioria das pessoas nem as suas intenções. Pessoas conhecidas umas das outras, interessantes nas suas diversas ocupações e preocupações sociais, ensinaram-me parte da vida, ouvindo e conversando com elas como quem conversa com a Glória. Lamentável foi que o grupo não se tivesse mantido em volta do único eleito, já que este não precisou dos seus companheiros nem se mostrou interessado em prestar contas a eles ou à freguesia dos seus eleitores. Fiquei a saber que mais do que reunir pessoas é preciso reunir vontades fortes e vozes capazes para a fala, que não percam as cabeças para serem uma "cabeça de lista".

Aproxima-se uma nova campanha para eleições autárquicas e sou candidato a voz dos munícipes de Aveiro na Assembleia Municipal, pelo Bloco de Esquerda, depositando as minhas esperanças nos jovens das listas do Bloco. Não é possível atribuir-lhes mesquinhos interesses pessoais, nem têm esperanças estranhas. Temos a ideia que nada os move a não ser a defesa de um nova ideia de Aveiro, na Câmara e na Assembleia Municipal. Ingénua coragem?

Não há qualquer arrependimento sobre a minha passada participação como mandatário dos "Independentes à Glória".

Já vivia nesta casa há 4 anos. Hoje, como então, saio de casa para a rua e não posso atravessar. Do outro lado ainda não há passeio. A minha aventura mais perigosa deste ano? Foi tentar ir a pé ao Pavilhão das Feiras. Há alguma amargura nisto? Há.

Candidato contra tantas pequenas mas persistentes desgraças, registo cuidadosamente os dias de hoje. Quero ser parte nas soluções dos problemas de Aveiro. Só isso. E é muito.




[o aveiro; 1/9/2005]

Certeza


Tu és a erva e a terra, a direcção
quando alguém atravessa descalço
um campo lavrado.
Por ti pus o meu avental vermelho
e inclino-me agora nesta fonte
muda mergulhada no seio dos montes:
sei que de repente
- o meio-dia encher-se-á com os gritos
dos seus tintilhões -
o teu rosto brotará
no espelho sereno, junto ao meu.


A. Pozzi (Albano Martins)
de uma carta de J. C. Soares

a pintura do amador




Pinto sempre a mesma tela como se a tela fosse uma janela por onde deixasse espreitar-me em dias diferentes. Não como uma janela de dentro para fora em que há a essência da paisagem natural que se mantém. Antes como uma janela de fora para dentro, como se olhasse para dentro dos olhos, e em que não há um fundo. Há o que lá esteve antes de o subsittuir pelo presente. Um pensamento qualquer. Uma visão. Alguma coisa que o dia a seguir esconde com outra coisa. A minha pintura não é outra coisa senão um jogo. Às escondidas.
Pinto sempre a mesma tela. Um dia alguém a leva e recomeço noutra tela um novo jogo, o mesmo. Houve uma tela que se demorou por aqui tanto tempo que pude separar alguns pensamentos dos outros e um amigo meu levou uma parte que era só alguma tinta. Pensei nessa altura no inverno do pátio da casa de lavoura, quando tirávamos o mato podre (estrume humano, porque não dizê-lo?) e o refazíamos lá fora num canto da lagoachorida para ser viveiro das novidades da primavera seguinte.

À imagem de quem nos soterramos? Quando a minha neta deixa de se ver porque fecha os olhos para não ver, acha-se escondida para os outros. Eu fecho os olhos para não ver os outros, para os esconder de mim.

pombos, onde?




algoso.
agosto de 2005

o espelho




algoso.
agosto de 2005

de dentro para fora




algoso.
agosto de 2005

algoso




algoso.
agosto de 2005

de fora para dentro




redondica. val d'algoso
agosto de 2005

de fora para dentro




redondica. val d'algoso
agosto de 2005

algoso




redondica. val d'algoso.
agosto de 2005

de fora para dentro




joana rosa em val d'algoso
agosto de 2005

de fora para dentro




vila real
agosto de 2005

de fora para dentro




nogueira da regedoura.
agosto de 2005

de fora para dentro




nogueira da regedoura.
agosto de 2005

A circunstância da riqueza

Quando foste jovem eras mais intolerante do que quando foste velha. Dizem os que te conhecem que vais amolecendo à medida que vais envelhecendo. E que isso vai ser a tua morte! Assim te falam, velha Europa civilizada!

Dizem isso para apoiar todas as iniciativas guerreiras, em apoio de todas as cruzadas ocidentais. Mas dizem-no também para te justificar como fortaleza de fronteiras fechadas, para acabar com a livre circulação de pessoas e bens cá dentro e de fora para dentro da Europa, para justificar as acções agressivas das polícias nacionais contra os suspeitos do costume que são aqueles que não usam os nossos costumes. Dizem à Europa civilizada que não pode ser multi-cultural e multi-racial. À Europa tolerante dizem que ela é a Europa dos cobardes sem princípios e sem fé própria.

E apontam como exemplos morais a seguir os Estados Unidos da América em que a religião tem lugar até nas notas de dólar e é utilizada, pelo seu presidente, como razão de estado para aplicar castigos ou prosseguir guerras e agressões ao arrepio do direito internacional. Acabam por encontrar uma razão de direito para todas as agressões na miséria da diplomacia de blocos que acaba por levar todos os governos a participar do esforço da reconstrução, mesmo daqueles que estiveram contra a destruição do que é preciso reconstruir. No rescaldo dos actos terroristas que afectam a Europa, ganham relevo as opiniões que vão no sentido do regresso às cruzadas. Os directores de grandes jornais e de grandes grupos de comunicação ligados a grandes grupos escrevem as opiniões mais radicais.

A fé destas novas cruzadas é transversal a todas as religiões e ideologias. Eles recomendam, entre outros, como exemplos a seguir, as emergentes potências industriais e comerciais asiáticas (a China, por exemplo), e estas baseiam todo o desenvolvimento industrial e a acumulação capitalista no desrespeito dos direitos humanos, na repressão e exploração da força de trabalho.

A fé comum aos teóricos da agressão sistemática não está em uma qualquer religião ou na democracia para os povos - reside mesmo na violação do direito nacional e internacional, na violação dos direitos humanos. Na exploração competitiva. Na circunstância. Na oportunidade.

Já devíamos ter juízo de tão velhos que somos. Os patrões desta comunicação guerreira estão a fazer a sua guerra em todo o mundo. Não há fronteiras para as suas companhias de pilhagem de recursos, sejam eles matérias primas ou trabalhadores humanos. Nunca o lucro foi tão grande e tão globalmente baseado na instabilidade.


[o aveiro; 25/08/2005]


A riqueza das nações? Já não há coisa alguma que mereça esse nome.

publicação na escrivaninha

A escrivaninha acolheu "em três andamentos" de carlos frazão. A edição - Marânus -em papel é de 2004. A minha edição é recente, fresca, acabadinha de arranjar e precisada de ser revista por outros olhos que não os meus. Para ser corrigida.
Aproveite para dar um salto à escrivaninha e ver/ler carlos frazão ou descarregá-lo para ler depois. E...
Deixa a febre consumir as horas, os sentidos convocados pelo fluxo das amplas artérias. Deixa o desejo descer à face seduzida do meu olhar divino

Também pode ler na escrivaninha alguns poemas do médico cantautor de Abril, Vieira da Silva, que se candidata a Presidente da Câmara Municipal de Ílhavo. Gosto do poeta que arregaça mangas e dá cara às ideias. Poeta a presidente, pois claro!

de fora para dentro




casa dos assentos; quintiães.
agosto de 2005

de fora para dentro




barcelos.
agosto de 2005

de fora para dentro




casa dos assentos; quintiães.
agosto de 2005

de fora para dentro




casa dos assentos; quintiães
agosto de 2005

de fora para dentro




nogueira da regedoura
agosto de 2005

de fora para dentro




nogueira da regedoura
agosto de 2005

de fora para dentro




nogueira da regedoura
agosto de 2005

de fora para dentro




nogueira da regedoura
agosto de 2005

de fora para dentro




nogueira da regedoura
agosto de 2005

de fora para dentro




nogueira da regedoura
agosto de 2005

de fora para dentro




nogueira da regedoura
agosto de 2005

de fora para dentro




nogueira da regedoura
agosto de 2005

sem nuvens, o fogo




nogueira da regedoura
agosto de 2005

sem nuvens, o fogo




nogueira da regedoura
agosto de 2005

sem nuvens, o fogo




nogueira da regedoura
agosto de 2005

sem nuvens, o fogo




nogueira da regedoura
agosto de 2005

de dentro para fora




nogueira da regedoura
agosto de 2005

de dentro para fora




s. félix da mariha
agosto de 2005

de dentro para fora




s. félix da marinha
agosto de 2005

encontrei-te santa de papel