azul




em roma, somos romanos?

o cálice de calma

Dos últimos dias recordo sucessivas bebedeiras de chá. Para esquecer os dias demasiado claros. Para sobreviver à molenguice dos jovens que se encostam mais às paredes que à vida e ao trabalho. Contra as dores nas costas, nas cruzes.

Quando saio de casa, fico mergulhado numa amargura quente. Posso andar de um lado para o outro, saindo de uma rua para entrar noutra, com a sensação de passear por corredores de um forno onde estou a arder lenta, mas seguramente. Só os corredores da escola me refrescam a alma. Se me sentar? Não me sento pelo sim e pelo não.

Para esquecer os dias demasiado claros, fecho-me descendo todas as persianas da casa e fingindo, sempre que possível, que cá dentro o dia não é vida e que a noite não tardará a substituir a tarde. Tento trabalhar de pé, tento escrever de pé com o computador elevado sobre um cavalete.

O pior disto tudo é que as folhas rabiscadas por dezenas de estudantes esperam dedos ágeis e laboriosos que cumpram as ordens de uma cabeça que veja as dores pelas costas. Parece que acontece o menos provável ou que não acontece e é a cabeça doente quem inventa tudo. Logo agora que nem tempo há, dores nas costas?

O mais entusiasmante ainda foi o fisioterapeuta que, na manhã de segunda, soltou expressões de júbilo quando eu obedeci, sem saber como, a alguma das suas ordens com um movimento de um milímetro que existiu sem que dele eu tomasse conhecimento. Ali se fazem perguntas sem resposta à vista, porque não sabemos bem se é dor ou outra coisa o que sentimos Naquele mundo, cada movimento infinitesimal é saudado com expressões combativas como "bravo!". O que é verdade é que mal saí desse combate, ainda antes de chegar à escola procurava um novo analgésico pelo caminho, antes de voltar a assumir o meu ar mais empertigado e feliz.

Na terça de manhã, saudei cada pequeno esforço dos jovens estudantes espapaçados com expressões de entusiasmo típicas de um fisioterapeuta treinador e aceitei uma soma irritante de pequenas falhas de disciplina individual com uma surpreendente calma. Sem compreender tanta canseira que, pouco depois das oito da manhã, abranda os movimentos juvenis à entrada para a sala de aula. Terão dores nas costas? Nâo.

Sou eu que tenho as costas largas!



[o aveiro; 8/06/2006]

sábado, domingo e segunda...

... sem poder sentar-me por mais que uns momentos e, por obrigação, ficar sentado algumas horas de sábado e uma hora e meia na segunda
mergulham-me na maior vergonha:

por andar de pé e ninguém dar por isso;
por me ter vergado até ficar sentado, sem poder.


sem poder?
como sempre, sem poder.

são os doidos de aveiro que

Quem terá marcado para as
16 horas do próximo domingo
no AVEIRENSE
o espectáculo MAL VISTOS do FITEI
que é para maiores de 16 anos...

FITEI? AVEIRENSE?
O que é que acontece para que isto tenha acontecido?


são os doidos de aveiro
que nos fazem sentir mal

MAL VISTOS em Aveiro




Visões Úteis
XXIX FITEI - Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
Mal vistos de Gemma Rodríguez -
Prémio Maria Teresa Léon 2002

Aveiro - 4 de Junho - 16 horas -Teatro Aveirense



"A globalização é claustrofóbica. A deslocalização não sai do mesmo sítio. O mundo é uma exclusão. A democracia é apertada. As empresas são sorvedouros. A vida é uma tristeza. Quem ler a peça de Gemma Rodriguez arrisca-se a isto mesmo: a encontrar personagens medíocres porque banais, situações absurdas porque verdadeiras, acontecimentos parados que são como são. É a vida, dizia um personagem de uma outra peça."
Francisco Louçã
in Prefácio à edição de Mal Vistos

O ministro ministra

Um cordão humano erguia-se como uma só voz para gritar contra a extrema-unção. Alguém tinha levantado a lebre acima da própria cabeça e todos, sem excepção, acreditaram que tinham visto uma lebre. Mais tarde, soube-se que o animal a que tinham chamado lebre não era mais que um boato posto a correr numa pista de corridas de galgas. O homem do boato falava para quem o queria ouvir que a visita do ministro às instalações do sistema educativo, há muito votadas ao abandono, se destinava a ouvir a confissão dos trabalhadores culpados e a ministrar-lhes uma extrema-unção como passaporte para o futuro sombrio. Soube-se muito mais tarde que não se tratava de um boato, mas de uma fuga de informação e que o homem usava a fuga a tiracolo, de uma maneira tal que não podia ser boato. A fuga, mais rápida que se fosse boato, estava a dar, aos apostadores, muito cacau para os dias frios que aí vinham. Os trabalhadores culpados, quais são? Um professor idoso, desmemoriado, garantia que não era culpado e queria saber se constava de alguma lista de culpados. O homem da fuga que em tempos tinha sido boato afiançou que de listas não sabia, mas que tinha ouvido falar de um rol de culposos. O velho virou-se para o homem da fuga na ponta da língua para lhe perguntar o que é isso de culposo. Ao que o língua de fuga, que sabe tudo e nunca sabe muito bem se assim é, respondeu que culposo e culpado são bem diferentes. Diferentes como? - insistia agora um auxiliar da acção educativa. Culpado é aquele que pratica uma falta e tem culpa no cartório. Já culposo é o que cometeu culpa ou revela culpa no cartório. Esta informação caiu como um pano encharcado na varanda do vizinho de baixo. Um pano encharcado nas trombas de um gerânio ofende qualquer vizinho e a um tal nível que, mesmo sendo de baixo, se irrita até subir pelas paredes. Já no andar de cima, onde estão os de nível mais elevado, eleva o tom de voz até os vidros partirem como partem os culpados e os culposos sem que lhes ministrem a extrema-unção que é para todos, tenham confessado ou não.

Uma mulher foi lendo. Chegou aqui de testa franzida por não perceber. E o que escreve sentiu-se na obrigação de escrever como último gesto de fuzilado: Bem se vê que não é professora ou não é portuguesa.

O presente? - ouviu-se a pergunta sumida. Ministro, ministras, ministra - respondeu um aluno surdo a todos os apelos à calma.


[o aveiro; 1/06/2006]

formas de olhar


deus passou por mim agarrado a uma bengala e eu
não saí do meu sofá para o ajudar a atravessar a rua

porque
se deus anda por aí a fazer de velho pelintra
é porque gosta de ser velho e pelintra
como eu sou mesmo que não goste

que ele pode ser tudo o que quiser e até o que não quiser
pode ser

formas de olhar




olhos. olhos do coração. olhos da mente. mais olhos que barriga.

desenharam, logo existem.




© Estudantes da Escola José Estêvão (11º D e E).

maio findo

um rio passava por mim

se me lembro de águas revoltas que corriam
é porque já não correm ou sou eu que as não vejo

e em vez da água corrente nas mãos
ouço um estampido uma chicotada no ar
à passagem do comboio fantasma

na alta ponte sobre a fenda do corgo.

os anos de chumbo em exame

1. Professor de uma escola secundária pública, da casa onde durmo até à escola onde vivo, quaisquer que sejam as ruas que tome para caminho, sinto-me acompanhado pelas persianas corridas das janelas das escolas concorrentes que se foram instalando nos apartamentos em volta das três escolas secundárias públicas. Escrevo concorrentes, porque cada uma delas tem em comum com alguma das escolas públicas (e comigo, claro!), os alunos, os programas de ensino e, finalmente, os resultados.
Nada me move contra a iniciativa privada em geral e, muito menos, contra a iniciativa que emprega jovens licenciados em ensino disto ou daquilo que não arranjam trabalho nas escolas públicas e privadas. E não tenho qualquer dúvida em afirmar que cada pai ou cada mãe (ou ambos) tem o direito de decidir que ajudas dar aos seus, quando e como. (E deve ou não haver restrições sobre a liberdade de ensino?)
Constatando que os alunos são os mesmos, tenho de reconhecer que os nossos resultados conjuntos são muito fracos. E isso é muito preocupante para mim. A ajuda que os pais e os encarregados de educação estão a dar às escolas públicas é um investimento com fraco retorno em geral, tanto quanto à matemática diz respeito.
2. De um modo geral, temos aceitado como verdadeiros os argumentos sobre o poder regulador dos exames. De facto, há dados que nos garantem que sem exame nacional não seriam abordados todos os temas dos programas nacionais na generalidade do território. Se é importante garantir o acesso de todos os jovens aos grandes temas, o exame é importante.
E é sobre as disciplinas sujeitas a exame nacional e de cujo aproveitamento depende o acesso a cursos muito procurados que se concentram os esforços dos jovens e das suas famílias. O esforço dos jovens aparece concentrado sobre estas disciplinas, mas ninguém parece ter razões para celebrar grandes êxitos sobre tanto trabalho. O poder dos exames é afinal pequeno e não se traduz em resultados muito relevantes, apesar de terem levado à mobilização real de muitos recursos e esforços, dentro e fora das escolas.
3. Nas escolas privadas, em que os pais atribuem à instituição um mandato exigente, aceite pelos jovens com elevadas expectativas de sucesso escolar, os resultados dos grupos de trabalho também não entusiasmam. Para grupos reduzidos de alunos com grande investimento em tempo de leccionação, apoio e acompanhamento do estudo, uma média de catorze é mau resultado. Pior ainda se atentarmos no que ouvimos aos responsáveis, pais, alunos e professores, que põem a tónica mais na preparação dos exames que no desenvolvimento de competências, em conhecimento e em cultura.
4. Em Portugal, a natureza das provas é de conhecimento público. Os programas dos exames são os programas nacionais das disciplinas, mas o tipo de questionamento é patente em provas de exame de anos passados e em momentos de transição é mesmo publicitado especificamente com exemplos de perguntas, aos quais se acrescentam respostas esperadas e até critérios a ser seguidos por professores correctores. Está claro que é reconhecido não haver qualquer surpresa no programa de exame face à floresta de indicações que não há quem denuncie como floresta de enganos.
5. Parece que surpresa só há uma: a dos maus resultados nos exames e mais nenhuma. E é falsa esta surpresa já que nos acompanha desde há muitos anos. Li textos das décadas de 40 e 50 do século passado, relativos ao ensino da elite durante o regime fascista, que podiam ser escritos sobre o presente no que aos erros e à má fortuna dos resultados se referem.
6. O que é que está a acontecer? Sendo uma falsa surpresa, tantas vezes repetida, já devia ter merecido uma atenção que, trocada por miúdos, se tivesse transformado em medidas de política que atendessem a uma multiplicidade de necessidades e se desenvolvessem por largos períodos, com uma perseverança tal que as adaptações, sempre necessárias, aparecessem como consistentes partes da política a seguir e não como acidentais marcas das mudanças de directores gerais, ministros ou governos.
7. Falta o exame das políticas? Não resolve. Chumbar governos da alternância também não resolve, como se tem visto. Então?

[a página da educação;Junho de 2006]

a lágrima que corre

A nascente do rio não é mais que um fio de água, uma lágrima.

[Se os dias passam por mim, eu fico para trás. Esforço-me por ser eu a passar pelos dias até que sejam eles a perseguir-me, domésticos dias de enfado. Ouço os meus dias, olhando para o passado. Complacente com o passado, responsável por ele e sem os "ai, se eu soubesse o que sei hoje...". Habituei-me a ser tudo o que fui e a não ser ex-isto, ex-benquisto, ex-malquisto,... Sou tudo o que fui, somado ao que sou. O futuro é a nascente de perguntas a que vou respondendo.]

Se posso não ter razão, que mal há em perdê-la? Só que os dias recentes não falaram da razão que há em fazer prevalecer a preservação do ambiente, tal como ele existe, sobre as estradas desbravadas pelo desenvolvimento. Achincalhar os "ambientalistas" todos pode retirar chão à minha razão, mas não belisca a razão. Dizem que quem tem sensibilidade apurada para as questões do ambiente se coloca fora do círculo virtuoso dos que querem o desenvolvimento necessário ao futuro de todos. É por ouvir o passado do futuro presente que nos asfixia que eu os vejo mais presos em círculo vicioso dos que entram na rotunda com saída para o abismo. Os dados disponíveis e as previsões científicas não servem para cautelas e caldos de galinha. A ciência que interessa ou a ciência dos interesses desenvolvimentistas é aquela que há-de fazer o milagre de resolver mais adiante os problemas que criamos ontem e hoje, desafiando limites. A sustentabilidade que defendem tem por base um desafio que já não é sustentável. Contra tanta sede de beber a água quase toda e misturar a que sobra ao pó de cimento, só nos resta defender o absurdo do marasmo.
Todos os desenvolvimentistas esperam uma aberta, uma pausa na defesa da fragilidade da nossa terra povoada por bichos, para nela fazer lugares de estacionamento e pequenos desfiles de automóveis entre estacionamentos humanos.

Sabemos que eles sabem que os problemas do ambiente não se vão resolver se abrirmos a estrada e edificarmos a casa que sobra contra a ria e... construirmos a central nuclear que sobra e sorve a água toda do rio que corre e... seca até que a foz seja um fio de água, uma lágrima.

[o aveiro; 25/05/2006]

AMSTERDAM

Eu sabia que os telejornais acompanhavam o assutno,
a par e passo, a cores ou a preto e branco mas não
tnha tempo para ver televisão nem para comprar jornais.

Corria de museu para museu, ingenuamente procurava
apanhar um retrato vivo da cidade, comprava batatas
fritas na rua para não perder tempo em restaurantes
e nunca me cansava.

À noite tinha jazz, com muito sumo de laranja, quase
sempre no ''Mistery Club'' até à meia noite e cinco,
pontualmente, para apanhar o último eléctrico com
destino a Amstel Station.

Quando cheguei e me perguntaram se tinha tido medo
dos terroristas fui obrigado a responder que não -
dos polícias, sim, tenho medo: São espantosamente
novos, louros, corpulentos e passeiam-se na rua
com a arrogância de quem se sabe impune.


Universário; José do Carmo Francisco

desenharam, logo existem.




© Estudantes da Escola José Estêvão (11º D e E).

hoje, de longe

hoje,
de longe
chegam cartas curiosas:
alguém pergunta se eu adormeci dentro da casca
ou se me escondi zangado.

[ninguém me escreve, confesso.]

e eu, como sempre sem saber o que responder,
viro-me para o lado contrário de mim
e adormeço de novo sem querer lembrar as tempestades
que inventei quando desafiava instante a instante
uma felicidade que nem era minha
para ser de ninguém
para não ser


e secar a pontada desta dor de não saber
se algum dia

desenharam, logo existem.




© Estudantes da Escola José Estêvão (11º D e E).

caracol




© AM

a corda que puxa os cordelinhos.

Olho para a corda receoso. Cada uma das minhas mãos prende uma ponta da corda. A corda prepara-se para me fazer saltar. Sei que vou saltar. Ainda que contrariado, sei que vou saltar. Ainda pensei em iludir a necessidade de saltar o desafio da corda caminhando sobre ela como um palhaço funâmbulo que se equilibra sobre uma corda pousada no chão. Mas desisti de mim assim e procurei coordenar o movimento dos braços com os pequenos saltos dos pés. Animo a corda para me animar. Sei que se me distrair, a corda interrompe o seu voo e eu transpareço na sombra das paredes como o saltimbanco desengonçado que perde as linhas com que se cose.

Olha para as sombras na parede. Podia ter previsto aquele movimento das pedras vivas em seu tabuleiro vital. Um peão que avança para proteger uma raínha e um cavalo que tropeça em seu trote e morre à passagem de um bispo com os olhos marejados de lágrimas minerais. Os países dividem-se em pequenos quadrados e nós quedamo-nos a ver os movimentos das peças de uns quadrados para outros. Podemos prever as escaladas da violência e nada podemos fazer porque vimos o jogo tal qual se nos apresenta instante a instante, sem sermos capazes de ver a mão que mexe os cordelinhos e movimenta as peças de xadrez. Se olhássemos para fora do tabuleiro, víamos como as mãos dos manipuladores abrem e fecham frentes de combate. Umas vezes, o mundo é um tabuleiro e há um jogo para ser jogado. Outras, é o teatro da guerra a ser representado por actores de segunda, às ordens de um encenador histérico como um macaco preso no seu próprio circo de feras.

A guerra que se trava pode parecer um ajuste de contas entre quadrilhas. E é sempre isso, mesmo quando ela quer parecer uma guerra da civilização contra a barbárie ou da barbárie contra a civilização. Nas guerras não há maneiras. Há as boas maneiras da guerra; terroristas, bandidos e senhores da guerra usam luvas, são bons pais de família e amigos dos seus amigos. Não sei se é o medo que nos distrai dos sinais. E decidimos ignorar um gesto e outro até que eles somam os nossos medos e bombardeiam os nossos sonhos de paz.

Distraídos, acabamos por saltar a corda. Distraídos, ignoramos os sinais. Somos apanhados distraídos. Pelas guerras iraquianas, pelas guerras brasileiras, pelas guerras da selva, pelas guerras... Muito tarde reconheceremos uma só guerra em todas as guerras.

[o aveiro; 18/05/2006]

desenharam, logo existem.




© Estudantes da Escola José Estêvão (11º D e E).

as dobras do tempo




desenharam, logo existe.




Fotografei cuidadosamente a exposição mais bela deste ano nas paredes da minha escola: O Mundo Secreto das HIstologias Vegetais das turmas D e E do 11º ano. Pode não parecer, mas vi a vida de outro modo enquanto estes grandes desenhos a castanho passavam por mim no corredor quando era eu quem por eles passava. Tiras de vida.

E lembro-me de, quando jovem artista, nunca ver coisa alguma enquanto fingia olhar pelo microscópio. Desenhei a memória visual das microscópicas células da casca de cebola nas preparações laboratoriais que me mandavam observar.

Aqui deixo bocados maravilhosos do que podia ter visto para desenhar, com inveja de quem os viu e desenhou agora para me mostrar como é feita a vida aos olhos de quem sabe ver e desenhar. Com uma vénia aos estudantes de hoje aqui os irei expondo.

o canto chão

Várias vezes ao dia, passo ao lado do que foi a Pizzaria Parque. Para trás dela posso ver um pequeno bosque que ladeia uma bela rua interior e sossegada do meu Bairro de Santiago. No Bairro de Santiago, há vários lugares simples e magníficos - alguns deles da iniciativa de moradores que dão vida a jardins inesperados, outros da iniciativa da autarquia.
Várias vezes ao dia, passo ao lado do que foi a "Pizzaria Parque". Para trás dela posso ver um pequeno bosque que ladeia uma bela rua interior e sossegada do meu Bairro de Santiago. No Bairro de Santiago, há vários lugares simples e magníficos - alguns deles da iniciativa de moradores que dão vida a jardins inesperados, outros da iniciativa da autarquia.

Vimos crescer as árvores do pequeno bosque. Tempos houve em que dávamos a volta por lá para ir propositadamente até à "Pizzaria Parque". Por puro prazer, por lá ficávamos muitas vezes a ouvir a babel de Santiago. Não precisávamos de perceber as palavras soltas naquela grande esplanada aberta. Em alguns dias, juntavam-se famílias inteiras batendo palmas e cantando. Pareciam-me toadas dolentes, gritos de paixão ou desesperadas renúncias que contadas para a brisa da tarde esconjuram todo o mal de que elas falam quando falam dos outros em vez de nós. E, não raro, alguém deixava o corpo ondular levado pela marcação ritmada das mãos até à volúpia dos braços apontados ao céu ou desencadeado pelos pés impacientes por rasgar de sons o chão sagrado.

Nunca soube porquê, mas esses puros momentos da nossa comunidade de Santiago foram interrompidos. E a partir dessa perda, nunca mais parou a degradação do lugar até ser um lugar de olhos vazados pelo abandono. Mais triste não pode ser. Mais triste ainda me parece por ter sido terra de alegria colectiva.

E vejo-me a pedir aos poderes deste nosso pequeno mundo que decidam pela criação de novas áreas verdes, mas também pela preservação dos jardins existentes com recuperação e salvaguarda dos equipamentos de apoio. Grandes obras? Queremos só pequenas grandes decisões para proteger o quotidiano com garantia da liberdade e apoio às expressões culturais das comunidades. Naquele lugar de Santiago, há palcos, há campos de jogos, há escola, há biblioteca, há centros de apoio e acolhimento, há... vida a conservar.

Caminhos sem obstáculos para andar, ar para respirar, cores naturais para olhar, bancos para descansar, ler e conversar - esta é a lista dos pedidos. O que pode ser mais importante? Queremos ser vistos a dar a volta ao nosso mundo, em cada um dos nossos lugares de cada uma das nossas freguesias.


[o aveiro; 11/05/2006]

a dobra do tempo




chaminés




o lugar no tempo

Representando o Bloco de Esquerda, estou na Assembleia Municipal. Lá, não optei pela truculência e tenho de admitir que não consigo argumentar por argumentar para o máximo de impacto, nem consigo interromper os outros e o trabalho da Assembleia até chamar a atenção para as posições do Bloco e para as minhas opiniões. E convivo muito mal com ofensas vãs. Levo a sério o que me dizem e a falta de respeito ou as ofensas pessoais num debate diminuem-me. Olho para trás, para outros lugares, tempos e combates e sei que não sou tão sensível como aqui apareço. Então o que aconteceu?

Talvez por ser educador e professor, tenho sérias dificuldades. Não consigo participar em debates de maneira diferente (e muito menos contrária) daquela que defendo junto dos jovens com os quais trabalho. As regras de argumentação nos debates e nas apresentações são mais que instrumentos formais na educação. Para os educados, tais regras nem carecem de estar escritas.

Para além disso, há o espírito do lugar. Naquele lugar, não me permito "performances". Não é de esperar que, naquele lugar, a democracia e a liberdade sejam ameaçadas de forma consistente. E os debates podem conduzir-se nos limites das diferenças de opinião, da discordância frontal face a decisões e intervenções de outros, da denúncia do que se considera errado (ou mesmo criminoso) e da aceitação de propostas alternativas.

Nunca tinha sido claro para mim que a simples memória do aniversário da revolução de Abril de 1974 desse pano para mangas numa Assembleia que não podia existir antes e existe depois dela. Escrevi: existe depois dela. Não escrevi apesar dela.

Para mim, e disse-o na Assembleia para efeitos da participação democrática, 'o antes' do 25 de Abril foi nada e 'o depois' foi tudo. Porque antes eu não podia participar livremente e toda a minha vida era 'contra' ou 'obediente e cega'. Porque depois eu trabalhei, participei, escolhi representantes, falei, gritei, escrevi, tomei decisões boas e más. Posso criticar os que tiveram mais responsabilidades e posso nem lhes perdoar. Posso denunciar o mal que fizeram. Posso ser responsável e responsabilizar. E posso reconhecer que ficámos longe de cumprir o Abril possível em justiça social e solidariedade verdadeira e mesmo em democracia participada e viva.

Que lugar é a Assembleia Municipal?

[o aveiro; 4/5/2006]

recebi uma carta pelo correio

"O homem finge em relação ao amor,
quando o que procura é ... sexo.
A mulher finge em relação ao sexo,
quando o que procura é ... amor !!"

(Enrique Rojas)

É? - respondo eu.

beijar a boca do dia

Caminhavas rente à madrugada. Entre os vinte e os trinta anos, bastava a tua sombra para te assustar. E uma folha de papel furtiva que transportasses era uma tonelada de medo a ser movimentada pela grama de coragem que voava à tua frente.

Caminhavas rente aos muros arrastando um pincel de sono e sonho, vermelho e amarelo, branco e preto. Escrevias cartas curtas sem saber quem as iria ler. Com a fadiga própria das noites longas, abrias os teus olhos de mocho mudo no beco e escrevias a carta necessária que mais valia ter ocupado rua onde passasse gente. Pensavas que era triste esconder a carta de amor no beco e pensavas que se fosses apanhado no beco não tinhas por onde fugir. Mas não deixavas de fazer esse gesto de amor, o mais irracional de todos.

E, mal rompia a manhã, lá te levantavas para o trabalho aos olhos dos vizinhos e dos colegas e encenavas a alegria de estar vivo. A alegria de estar vivo. Como hoje? Lembras-te da música das marchas que assobiavas nas manhãs sujas? Ainda hoje te perguntas: Se eras tão medroso como dizes que eras, porque assobiavas aqueles desafios?

Passaram tantos anos e a fadiga da idade reduz-te a passada de todos os dias. Nunca houve fadiga na tua liberdade.

Há uma irritação surda com todos os que se penduraram na boleia da liberdade (que não lhes custou a ganhar, embora já tivessem idade para fazer por isso), e dela fizeram carroça da fortuna, do poder e da glória mais vã. Passeiam-se em liberdade, fazendo gala da boçalidade e da imbecilidade mais atrevida contra a liberdade dos outros, dos que dela mais precisam. Porque sabem que só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, saúde, habitação... que era letra de canção e é ainda em grande parte... promessa por cumprir.

Quando a guerra acabou e a vida se tornou um rio de pura euforia, a alegria breve do amor fez-se eterna e murmuraste a terna promessa de que tudo quanto era bom podia ser possível. E, com liberdade, beijaste a boca dos dias.

Já avô e ainda podes mostrar a marca perene do beijo que guardaste do 25 de Abril de 1974. Que mais queres? Tudo o que era Abril e não era sonho. Tudo de tudo.

[o aveiro;27/04/2006]

fruta da época

Quando dou por mim a escrever, nunca imagino que tenha de seguir algum caderno de encargos feito por terceiros que têm as suas prioridades legítimas, as suas preferências legítimas, as suas esposas legítimas, etc. Também não acho que tenha de seguir à lupa a actualidade que o parece ser e parece fugir.

Para mim, podem ganhar força de actualidade, a constituírem encargo para palavras minhas, assuntos que a mais ninguém interessam. Nos tempos que correm, a actualidade não existe em rigor. Um jornal, um grupo económico ou editorial (nem sempre são coisas diferentes), um canal de televisão ou um partido pode criar uma actualidade que pode não ser senão a artificialidade conveniente a um qualquer propósito quase sempre inconfessável.

Nestes últimos dias, há vários assuntos que são falados ou soam a falados. Frequentemente nem assuntos dignos de nota são, até porque não são mais que palavras, anúncios de anúncios, podem não passar das palavras aos actos e ser passos em falso. Há quem me acuse de não dar aveirística atenção a tão magnos assuntos. Não dou para esses peditórios.

Jornalistas há que até nos perguntam sobre pormenores dos assuntos que os "pormenorizadores" encartados têm de inventar por os não conhecerem. Não gosto de escrever sobre cenários que um professor alinhava do mesmo modo que classifica ministros com notas entre 8 e 12, debita o tamanho das bolas do estoril aberto, folheia o livro das memórias da razão de um novelo da linha, notícia nacional de estrangulamento ali aos cabos ávila. Nada me diz a actualidade propagandística do governo autoritário e servil, ou a do governo local que anuncia num dia o anúncio do dia seguinte ou a de algum facto político desejado pelo protagonismo da oposição a coisa nenhuma.

Outros que falem dos novos pecados, da regionalização encapotada e da vantagem da cidade dos doutores e cantores (e de ditadores também, claro), do juízo perdido entre cidades ip5, da demissão do polícia que devia ser a do ministro, das lições a tirar da manga e da magna carta da educação do "tory blair", etc.

Eu escrevo a respeito do nada, comentando a actualidade do relatório de um tempo passado sem presente.

A actualidade pinga da dentada na polpa da fruta da época e obriga-me a uma vénia.

[o aveiro; 20/04/2006]

a sede

Pudesses transformar-te até seres
em meus lábios como a água é a saliva
e formando o rio que corre e morre
como eu hei-de morrer para tu viveres
afogada na minha sede mais viva.

o dia do meio

Hoje mais do que nunca, estou em dia do meio que é dia nem sim nem não, como se me tivessem encolhido a história do passado e me ameaçassem com uma história sem futuro.

Há arautos dispostos a anunciar que o fim da época de ouro em que vivemos está próximo, embora a maioria nunca tenha dado pelo ouro da época. Falam do fim, do fim da assistência na doença, do fim da segurança social, do emprego, do subsídio de desemprego, do fim de todos os serviços universais e essenciais para os quais há estado providência. Falam do fim.

Um porta-voz há-de vir dizer que estão a ser egoístas os que querem manter o emprego estável e com direitos ou que apelam à solidariedade social intergeracional e acrescentam às empresas papel social ao papel cotado em bolsa. O porta-estandarte dirá que quem luta pela manutenção do seu posto de trabalho, combate a flexibilização das leis laborais ou exige o pão nosso de cada dia está a estrangular o desenvolvimento económico e a pôr em risco o futuro dos filhos do futuro.

O mesmo dizem das organizações e partidos que, fora do circo do poder económico, procuram os olhos das pessoas reais e, sem os evitar, defendem as crianças de hoje enquanto exigem a modernização da economia sem o sacrifício dos que comem para trabalhar, produzindo sempre mais do que comem. Sabe-se hoje que a tragédia da nossa economia não foi nem é criada pelos trabalhadores e produtores e muito menos pelo seu egoísmo e incapacidade de adaptação, antes é criada pelo egoísmo e voracidade do capital que não quer ser produtivo para ser só financeiro e, vidrado pelo lucro fácil de cada dia, está incapaz de se ver como capital humano e social.

A modernização do tecido empresarial e económico só pode ser feita pela instauração da lei da selva cotada no mercado que não respeita nada nem ninguém do dia de hoje? Dizem os porta-notas que a libertinagem capital e o desenvolvimento económico vai criar obrigatoriamente novos postos de trabalho a compensar os sacrifícios exigidos ao presente.

Contra a invenção da solidariedade sacrificada ao futuro sem compromissos com o presente e a acusação de egoísmo lançada contra todos os presentes levanta-se um pequeno senão: os trabalhadores também amam os seus filhos hoje e eles precisam do pão nosso de cada dia.


[o aveiro;13/04/2006]

porque...

(...)
Porque, abstraindo da necessidade de autoconservação, a qual por si não é susceptível de fundar nenhum dever, é dever do homem para consigo próprio ser um elemento útil para o mundo, porque isto também faz parte do valor da humanidade na sua própria pessoa, valor que ele não deve, pois, desdignificar.
(...)

[Kant]

o fado

ontem perguntaram-me: que se faz por aí? e eu respondi: olho para a letra de um fado. do outro lado escreveram: lindo! e eu: não sei. só sei que é triste e não é o meu.
pode ser triste e lindo? talvez, mas dei por mim a ficar triste com a beleza da tristeza.
hoje perdi muito tempo a procurar um romance que anda a ser lido lentamente e se deixou ficar distraído num envelope triste e, sentado na minha capela privada, descobri que não olho para as coisas, preferindo a sombra das coisas. nunca desenharia uma toalha pendurada, mas imagino-me a desenhar a sua sombra no chão, talvez um pormenor da sombra. vejo-me a decorar sombras, a criar um registo de memória de sombras para os desenhos.
nada do que é real me interessa? e a verdade?
eu busco a sombra de cada coisa e de cada ente e entidade. a identidade está na impressão digital. no desenho. na sombra. melhor será dizer que nem busco - desenho as sombras que se atravessam no meu caminho, no meu tempo.

o meu pai nem voltou

Numa pequena falha de chão do Brasil
parte da minha alma caíu do norte alto até morrer.

E se sobra alma ainda, ela vagueia roendo palavras
e cuspindo as cascas das últimas sílabas de despedida.

Porque alguém incendiou um pavio em petróleo barato
e ferveu o vidro da chaminé
A alma arde como ardem as asas da borboleta
traída pela luz

Pelo instantâneo clarão, pelo soluço da noite e pelo cano do susto,
o que sobrar da alma cai na vertical
até ao ígneo centro da terra

onde o inferno estava no tempo em que o diabo
me segredava ao ouvido.

O estado da arte

Encontrar um português que não tenha um familiar emigrado é praticamente impossível. Na minha aldeia, falava-se de pessoas no Brasil, nos Estados Unidos, na Venezuela, na França e na África, claro. Famílias inteiras ou pessoas isoladas, a salto, de comboio, de barco a vapor, de avião, com carta de chamada, com contratos e sem contratos, com documentos e sem documentos,... eles lá iam. Para nós, iam iguais no segredo das partidas, das dolorosas e medrosas aventuras. Muitos deles não voltavam ou voltavam tanto tempo depois que nem os conhecíamos e ouvíamos falar de cidades estrangeiras onde havia mais portugueses que nas nossas cidades. Encontrar um português que não tenha tido um familiar e amigo indocumentado em terra estrangeira é encontrar uma alma estranha, um extra-terrestre, um desmemoriado.

Por isso é que me é tão estranho ouvir como falam alguns responsáveis a respeito dos imigrantes e das políticas de imigração. Soam mal aos meus ouvidos todos os maus tratos e toda a sobranceria com que se fala das autorizações de residência, do trabalho sem garantias, etc, ou se fazem observações judiciosas sobre pedidos de asilo e sobre o estatuto de refugiado que, sem outra esperança, os imigrantes (económicos) chegam a pedir.

Vimos como muitos trabalhadores estrangeiros, ao serviço das grandes construtoras, saltaram de um para outro estaleiro escapando de uma inspecção incapaz e cúmplice. Sabemos que muitas obras públicas foram feitas com trabalhadores estrangeiros, indocumentados, em situação irregular. Muitos patrões e também responsáveis políticos acharam esta situação muito conveniente: mão de obra barata e não reivindicativa, trabalho sem garantias, trabalhadores descartáveis de que se livrariam com ameaça de deportação. Ilegais! Os trabalhadores ou os mandantes?

Damos pouca importância aos tratamentos degradantes a que sujeitamos os nossos imigrantes. E todos os dias, há pequenas notícias de incidentes de legalidade, de intervenção despropositada de autoridades, agentes e serviços, em choque com trabalhadores imigrantes.

No Canadá, há portugueses que chegaram a pedir o estatuto de refugiados. Leram bem: refugiados! O governo conservador do Canadá não cedeu aos pedidos e deportou os portugueses. Um jovem veio dizer que o seu governo tinha outros problemas, outras prioridades. Os nossos jovens velhos conservadores fariam o mesmo se pudessem. Enquanto vão dizendo que isso não se faz... a portugueses. Não?

[o aveiro; 30/03/2006]

em 1947

em 1947, em duas abriu-se minha mãe para que eu passasse por ela até fora dela e continuasse o meu caminho. algumas vezes depois disso, lembrei-me de ter feito esse caminho. e também me lembro de arrepender-me de o ter feito, de não ter voltado para trás. faço as vezes, às vezes. em que ano nasceste? ainda pequeno, como sempre fui, respondia: 1948. porque nasci estava 1947 a acabar e acabar com ele ainda vá, agora começar com ele pelas horas da morte!...
há encontros ou recontros que nos separam do passado e nos fazem desejar não ter nascido ou insinuam o desejo de desnascer ou o desejo de nascer para outro desejo... de nascer ou morrer. para outra forma de ser. para outra maneira de ser. para ser noutra forma, noutro molde. para ser de outra maneira. para ser de outra. para ser outro. para ser ou. para ser. para. p.
em 1947 abriu-se minha mãe em duas. deu-me à luz e a luz não me aceitou. quando abri os olhos para a luz, foi a luz quem me cegou. é por isso que faço sempre os mesmos caminhos, rente aos muros, guiado pelo cheiro das sombras.
ouço à minha frente, um tac-tac, o tacto da sombra da bengala de sombras.

com a idade

É verdade que custa bastante levantar-me depois de me ter baixado para procurar o meu lado direito. Ando a esforçar-me para simplificar a coisa e é por isso que desaparecem da nossa vista algumas partes. O que me aparece num computador, noutro não aparece.
Eu? Nem triste, nem alegre. Resignado.

com a idade

Ao contrário do que dizem que acontece, é o meu lado direito que desaparece (ou cai lá para o fundo) enquanto ando para velho.

Onde é que fica a França?

Na televisão de segunda, ouvi um comentador falar da situação em França quando chamava a atenção para dois aspectos das actuais movimentações.

Do lado dos trabalhadores e dos sindicatos, o movimento está a ser dirigido pelos católicos e suas organizações, tradicionalmente consideradas próximas das políticas dos governos e disponíveis para assinar acordos. Claro que ele não acusava o erro fundamental do governo que quer libertar os patrões de qualquer explicação, justificação ou responsabilidade quando despedem um jovem durante os seus primeiros dois anos de trabalho e criam, por essa via, um a bolsa de mão de obra sem direitos disponível como pau para toda a obra. A sua atenção ficava presa a eventuais falhas na comunicação e de concertação do governo francês com os parceiros sociais.

Do lado dos estudantes, o movimento está a ser dirigido pela esquerda estudantil. Chamava a atenção para o aumento do abandono escolar e, em particular, para os números a provar que os últimos anos de governação tinham feito descer e muito a percentagem de estudantes oriundos das classes trabalhadoras nas grandes escolas superiores francesas. Ao referir estes números, não falava do erro que é o empobrecimento das políticas sociais que, ao contrário do que alguns analistas afirmam, são responsáveis a longo prazo (e não só no curto prazo) pelo agravamento das desigualdades sociais, pelo abandono escolar, pela exclusão social. E apontava medidas correctivas de pequena política para a política do grande erro.

Uma analista de um jornal de domingo também vinha alertar estes jovens (manifestantes a desempregar) que mais vale aceitarem já o destino tal qual lhes é proposto antes que falte tudo para toda a gente. Acusava a geração anterior (de Maio de 68) de ter delapidado tudo o que havia, a seu favor, esquecendo estes seus vindouros filhos e netos. Diga-se que, em boa verdade, os manifestantes e grevistas franceses não passam de maus exemplos para os portugueses. Não disputam, por enquanto, os diamantes lapidados e as frases lapidares destes analistas lusitanos presos pela barriga à mesa do banquete.

Mas já inseguros, os analistas pedirão mais dinheiro para mais polícia ou para uma rede de capoeira que os separe dos excluídos, esses que teimam em invadir as confortáveis salas de estar destes analistas de bem-estar, bem-pensar e cacarejar.

O canto das sereias portuguesas é uma seca mas é rico do ponto de vista nutritivo e deve ser tomado pelas orelhas. Para os trabalhadores são bem-aventurança dormideira, ópio do povo.

Há outros que dizem para quem os quer ouvir: Até os comemos! a pensar nos rabos de peixe ... das sereias portuguesas.

[o aveiro; 23/03/2006]

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