uma resposta possível

Na minha caixa de correio, apareceu um pedido de divulgação de um texto que circula por épocas como sendo de ontem, cujas ideias são agora atribuídas a Cristovão Buarque. Desta vez, recebi a mensagem de Armando Herculano (de Vila do Conde?). Não me lembro do conteúdo exacto das anteriores divulgações nem posso garantir que tenha sempre sido atribuído ao mesmo autor. Mas só faço bem em divulgar o dito cujo.
Aqui vai:



Durante o debate em uma Universidade, nos Estados Unidos, o ex-governador do Distrito Federal e atual Ministro da Educação, CRISTOVÃO BUARQUE, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem americano introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Esta foi a resposta do Sr. Cristóvão Buarque:

"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.

Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.

Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.

Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica,sua historia do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Nos seus debates, os atuais candidatos a presidência dos EUA tem defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir a escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa!".

O Postal de Ano Novo

Quando eu era pequeno, na minha aldeia, a caixa vermelha do correio estava pendurada na parede exterior da loja de fazendas do meu tio-avô Claudino. Nunca cheguei a enfiar lá qualquer carta. Também não chegava à caixa. O meu tio vendia os envelopes, os selos e os postais e, em caso de necessidade, escrevia as cartas.

O carteiro vinha de Vagos de bicicleta com o grande saco preso no quadro. Se vinha carta e não havia gente na casa, a carta era metida por debaixo da porta da sala do Senhor. Mas a maior parte das vezes, o carteiro parava na estrada, chamava pelo nome quem andasse no campo e entregava a carta e o recado ali mesmo. As mulheres de mãos embrulhadas nos aventais esperavam o carteiro para lhe entregar cartas, documentos, ordens para aforros, dinheiro para enviar vales postais a este ou àquele, etc. Nesse tempo, em Vagos, não havia balcões de serviços como há hoje. Havia os correios.

A recolha e distribuição postal pelas aldeias e vilas de todos os pontos do território tem de ser assegurada como um serviço público, uma obrigação. Por pouco lucrativa que seja a prestação do serviço em regiões deprimidas e isoladas, nenhum argumento na base do lucro ou do prejuízo pode pô-lo em causa. O mesmo para a energia, transportes, telecomunicações, … As concessões do Estado para estes serviços essenciais tem de ser feita com salvaguarda da igualdade dos cidadãos no acesso aos bens e serviços essenciais.

Nas últimas semanas, ouvimos falar do encerramento de estações dos correios no interior do país. É claro que, como se percebe pela memória da minha infância, não tenho nenhuma objecção a que o serviço seja assegurado em combinação com outros serviços. Os centros cívicos das freguesias acrescentam animação comunitária com a prestação de serviços como a venda de selos, internet, multibanco, aforros, etc.
Estranho é que se oiça falar de iniciativa dos CTT com ameaça de fechar esta ou aquela estação por não ser rentável. Isso é intolerável e se a empresa concessionária o fizer, o Estado pode caducar a concessão rentabilíssima de ser a empresa Correios de … Portugal.
Ouvi alguns autarcas falar disso e do protocolo entre a ANAFRE e os Correios de Portugal, algumas reclamações dos trabalhadores dos correios e nada mais.

Não ouvi o Governo. Talvez não tenha recebido o postal de alarme… deste Ano Novo, por ter deixado despedir o carteiro.


[o aveiro; 31/12/2004]

Perto ... Irão

Era preciso escolher a época e ter sorte.

No meio de uma clareira, os homens amontoavam areia ou terra do pinhal, algum barro e às vezes palha. E acrescentavam água na cratera que abriam no topo. Depois amassavam a mistura. Enchiam-se baldes que se despejavam dentro de uma forma paralelipipédica aberta dos dois lados. Compactava-se e tirava-se a forma. Ali ficava a promessa de adobe. Punha-se a forma ao lado, enchia-se daquela massa de que é feita a terra húmida, comprimia-se. Quando se retirava a forma, havia uma nova promessa de adobe ao lado da anterior. Enchia-se a clareira de filas de promessas de adobes. Deixava-se a secar ao sol.

Quando o sol era mesmo muito, tapavam-se as promessas com bicas dos pinheiros ou alguma palha que, para o efeito, se levava até à clareira aberta. Naquela espécie de eira grande, os pedaços de terra barrenta tinham de secar sem abrirem rachas. [Lembro-me de uma reportagem em que as crianças trabalhavam no fabrico de qualquer coisa parecido com os adobes da minha infância]

A última vez em que a minha família se juntou na tarefa de fabricar adobes foi, se não me engano, para a casa do meu irmão mais velho. As construções que foram acrescentadas depois já são em betão, cimento e tijolos.

Não sei porquê, as notícias sobre o sismo no Irão e, particularmente, as fotografias e notícias da destruição da cidadela de Bam, lembraram-me os adobes da minha aldeia. Ao ver as casas que desabaram agora como castelos de areia, dei por mim a admirar as construções antiquíssimas que se aguentaram desde a idade média talvez por serem feitas de adobe, de areia.

E dei por mim a ser iraniano, vagueando entre os adobes estilhaçados por uma revolta da terra. E vi-me na minha pequena cidade com menos habitantes do que Bam, sobrevivente numa falha do tempo com os olhos vazados pelo desespero de ter visto morrer tantas pessoas quantas as que cabem na minha cidade.


Não escolhemos estas épocas de sofrimento. Para não as viver é preciso ter a sorte de estar noutro lugar.

Não podemos fugir do sofrimento. Cheiramos a morte que não foi possível evitar.

Hoje recomendamos:

1. António Aurélio Fernandes recomendou vivamente o filme "Invasões Bárbaras" de Denys Arcand, de que me tinha distraído. Para quem é de Aveiro, o filme pode ser visto no Cinema Milenium Oita. Pode ler alguma coisa (em português) sobre o filme, por exemplo, RESENHAS E ARTIGOS em omelete.com.br - , onde pode encontrar também um pedacinho de video para amostra.
Há muita informação disponível na net sobre o filme.

2. Recebi hoje uma chamada de atenção que me levou a visitar o dito cujo . Aqui o recomendo vivamente por várias razões que se prendem com Aveiro, a propriamente dita.

o desenho


que pátria é a dos "portriotas"?

Os biquinhos delicodoces do nosso primeiro ao falar dos nossos compatriotas em missão no Iraque são deliciosas imagens a proclamar uma inocência infantil na defesa da paz. Os apelos delicodoces para a união de todos no apoio à intervenção portuguesa no Iraque, com menção ao aval das Nações Unidas, foram deliciosos cantos de sereia no chuveiro.
Sabe-se que agora que nem Portugal foi tido ou achado nos acordos feitos e que o governo português não se preocupa coisa alguma com o aval das Nações Unidas. Basta ler o texto dos acordos dos Ministérios da Defesa e da Administração Interna com o Reino Unido que o Público divulgou hoje: Defesa e Administração Interna Negociaram em Londres Acordo Secreto Sobre as Condições da GNR no Iraque , para sabermos que Portugal não existe como estado nos conifdenciais memorandos de entendimento deste nosso governo formado por lacaios de potências estrangeiras.

Ninguém nos salva da vergonha de nos sabermos representados por quem não tem pátria ( "No "Memorando de Entendimento" (MOU) confidencial assinado a 10 de Outubro, para a participação da Guarda Nacional Republicana (GNR) na "Força de Estabilização no Iraque" (IZSFOR), Portugal é o único país a não ser referido como Estado, mas como "ministério da Administração Interna do Governo de Portugal". Todos os outros países sem excepção - Dinamarca, Holanda, Itália, Lituânia, Noruega, Nova Zelândia, República Checa e Roménia são apresentados como Estado: Reino ou República." )

Ler este destaque e os com ele relacionados, dá-nos uma ideia da baixa política e da capacidade de mentir dos nossos responsáveis que escondem os seus verdadeiros propósitos e objectivos sob variadíssimas capas de verniz (ou hipocrisia?). Já não há verniz que preste - estoira todas as semanas. Não seria melhor que estoirasse de vez? Não seria melhor que … despissem os seus vestidos de fantasia, tirassem a máscara e se mostrassem em todo o seu esplendor? O que nos revela o Memorando de Entendimento secreto?

Marinão

A boa notícia é que o projecto da Marina da Barra recebeu um chumbo. A má notícia é que a última palavra, se houver recurso da empresa promotora ( e vai haver, não é?) cabe ao ministro Amílcar Theias que é tudo menos independente face ao promotor da coisa. Um artigo do "Independente" levanta esse conflito de interesses. Pode ler essa notícia - Marina da Barra -, publicada em GAIA - Grupo de Acção e Intervenção Ambiental . Vale a pena seguir com atenção os movimentos dos promotores da coisa e apoiar os movimentos contra a coisa. Particularmente, vale a pena seguir a polémica que está estabelecida entre os responsáveis autárquicos de Ílhavo e Aveiro.

O Pato Donald

António Aurélio Fernandes recomenda a leitura de O Pato Donald, de Fernando Rosas que vem no "Público" da véspera de Natal.
Quem não recomenda?

Recomendações de hoje

O "Público" de hoje traz vários artigos que recomendo vivamente:

- um sobre as fugas ao fisco, seu descontrole e incapacidade dos tribunais - O Sr Vitor Santos -, editorial de Eduardo Dâmaso;

- de Teresa Sousa, O País das senhas ;

- de José Vitor Malheiros, Contra o aborto ;

- de Eduardo Prado Coelho, Para que servem as universidades? ;

- e, finalmente, de Vital Moreira, A Democracia Incompleta .

duplicidade


mar e céu nossos


ensimesmar

O Alexandre Monteiro , do - no arame - visitou o "lado esquerdo" e fez um comentário sobre este céu e este mar, pedindo que não esquecesse o sal :-). O sal desta imagem de, por enquanto, nossos mar e céu da barra, não é o que anda por aí perdido como achado sobre a incúria pela futura arqueologia. De facto o sal da coisa esteve na notícia do chumbo da marina da barra. Devia ter explicado. Se houver marina, tudo vai ser diferente - o sal, o céu, o mar e principalmente a forma de lá chegar. Quem sabe?
Pelo meu lado sempre fiquei a conhecer o "no arame", por onde me passeei devagar, com prazer.

O Natal do pequenino

No passado dia 15 de Dezembro, a Universidade de Aveiro comemorou os seus trinta anos. De entre os diversos actos académicos e culturais, destacaram-se os doutoramentos “Honoris Causa” de António Damásio e Daciano Costa.
A consagração académica de António Damásio cabe dentro da concepção universitária dominante, já que consagra o trabalho de investigação científica nos domínios das ciências exactas e experimentais, reforçado pela divulgação e discussão dos resultados reconhecidos e suas aplicações. O reconhecimento internacional de António Damásio acrescenta, pensava eu, trivialidade à sua consagração académica.
O caso de Daciano Costa, chamado pai do “design” português, é uma consagração de outro tipo, porque a actividade do consagrado não se enquadra em nenhum dos domínios reconhecidos como clássicos pelas universidades – não vem das classificadas intervenções científicas, literárias ou sequer das belas artes. Dito isto, o doutoramento “Honoris Causa” de Daciano Costa tem um significado que ultrapassa a personagem em si, para ser o reconhecimento e a consagração dentro da Universidade de uma nova área de acção e de saber. Há cursos na Universidade de Aveiro que relevam dessas novas áreas, autonomizadas em espaços próprios de intervenção social até se afirmarem em necessidades de formação inicial superior. Esta consagração de Daciano Costa é menos trivial, academicamente falando e, por isso, é mais notícia.
Não estava à espera que as redacções das televisões resistissem à tentação de centrar o seu pacote informativo em António Damásio, já que este vem rodeado de fama (evidente e merecida) aumentada pelo facto de ser um cientista português reconhecido e a trabalhar na “América do Norte”.
Mas a televisão pública passou dois blocos com António Damásio, acrescentados de uma intervenção de Marques Mendes, mais ou menos bacoca (e reverente, no seu pior) aos portugueses no estrangeiro. A notícia fez escassa referencia à Universidade de Aveiro. E escondeu Daciano Costa e o “design” académico.

[Ficámos a saber também que Marques Mendes veio a Aveiro fazer o seu papel de politico pequenino, estrela polar que anuncia o pólo norte da Universidade de Aveiro, antes de o detalhar aos órgãos autónomos da universidade autónoma. ]

A este respeito, a RTP fez um mau trabalho, para não dizer que fez um frete ao poder politico. Pela mão da RTP, as significativas celebrações académicas do aniversário da Universidade de Aveiro reduziram-se à festa de Natal do pequenino.


[o aveiro; 24/12/2003]

aviso à navegação


Pode encontrar estes sinais no Museu Marítimo de Ílhavo.
Mas o que queremos é aconselhar vivamente uma visita ao Museu de Ílhavo.

A aranha idosa

Ele sobe ao poder. Apoiado em aliados poderosos que dele precisam para fazer guerra a outros poderes na altura adversários dos seus aliados. Depois, o poder sobe-lhe à cabeça e vai-se cercando de tudo o que o poder pode dar: dólares, tesouros, palácios, etc. Embebeda-se de poder até jogar o jogo da vida, fome e morte do seu povo. O seu povo tem nada e ele nada em dólares e fausto. Está cego e não pode nem quer parar a escalada do terror. Para ser o mais poderoso entre os poderosos, decide ser profeta e até fazer guerra a alguns dos seus vizinhos. Sem reservas dos seus aliados, vai recebendo o apoio dos negociantes, em particular, de armamento.

Até que um dia entra em rota de colisão com os interesses dos seus antigos aliados – em ouro negro e dólares. É então que os ex-aliados declaram aberta a caça ao tesouro e do dono do tesouro. E despejam arsenais de loucura na caçada, transformando um país numa coutada. Açulam cães e furões com promessas de prémios de muitos milhares de dólares pela cabeça de raposas famosas como cartas de um baralho do jogo da guerra. E açulam países com promessas de contratos milionários na reconstrução do pais que ajudaram a destruir ao apoiar e, mais ainda, ao apear o ditador.

Um dia da semana passada, depois de meses de surtidas infrutíferas no que respeita a armas de destruição maciça, com caça de troféus menores e muitas baixas em acidentes de caça, lá apanharam o ás de espadas. Bem precisavam! Ainda sem conseguir apanhar o cobiçado troféu taliban, podem mostrar ao mundo o velho ditador enfiado num buraco coberto de lixo, na companhia de duas metralhadoras e centenas de milhares de dólares.

Virtuosos caçadores, poderosos do mundo, fazem biquinhos de doçura sobre o acontecimento. Até a voz lhes treme nas declarações sobre a importância da captura do símbolo do terror e da opressão. Nesse caminho que fez de caçador a caçado pelo poder, Saddam perdeu todo o brilho e aparece como um indigente cheio de dólares que já não servem para comprar o que quer e quem quer que seja.

Os políticos que têm a ilusão do poder eterno bem podem ver Saddam como a imagem que o espelho do poder lhes devolve quando se demoram a espreitar por ele. Tudo começa e acaba em dólares que deixam de ser baba para linhas de seda dos palácios da aranha ascendente e parecem ser o que são – podridão no túmulo da aranha idosa.


[o aveiro; 18/12/2003]

As mulheres, os fantasmas

A respeiito do julgamento das mulheres de Aveiro acusadas de terem interrompido voluntariamente a gravidez, recomendo a leitura do artigo de Leonete Botelho, Os fantasmas fora do armário , do Público de 11/12/2003.
Acaba assim:


O debate está lançado. No banco dos réus, em Aveiro, há 17 pessoas cabisbaixas, em silêncio. Mas à sua volta tocam sirenes e dançam fantasmas. No país agitado pela pedofilia, toca-se a rebate pelo direito das crianças, mesmo que não passem de um punhado de células. Voltará a discutir-se o que fazer com os embriões congelados nos laboratórios. Voltará a discutir-se quando começa a vida.

Para se declarar a morte, o conceito medicamente assumido é o da morte cerebral, e não a paragem cardíaco-respiratória. Por uma questão de coerência, porque não usar o mesmo critério para estabelecer o início da vida?

Monstros


Desenhamos os monstros que andam à solta para os vermos

Os dias das leis infelizes.

No próximo dia 16 de Dezembro, em Aveiro, realiza-se mais uma sessão de um julgamento que junta sete mulheres no banco das rés, acusadas de terem interrompido voluntariamente a gravidez. Para além das mulheres são réus um médico e pessoal do consultório e, pela primeira vez, ao lado das sete mulheres estão sete homens (maridos e namorados) acusados como cúmplices.
É bem possível que a próxima sessão salte da sala de julgamento até à contestação pública da lei infeliz que tais julgamentos permite e pede. O tribunal do direito torna-se casa da injustiça, embrulhado na teia de uma lei estúpida que ganhou vida como doença de uma moral social destemperada.
Já ninguém acredita que uma mulher que se obrigue (ou seja obrigada) a interromper a sua gravidez seja outra coisa que não uma vítima a merecer ( e precisar de) solidariedade, apoio e compreensão, discrição. A lei infeliz, que a diz criminosa, faz dela vítima de uma nova (ainda que legal) atrocidade.
A sociedade portuguesa pode estar dividida a respeito da lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. Mas recusamo-nos a acreditar que haja alguém capaz de condenar como criminosa uma mulher que tenha abortado. Podemos lamentar o aborto (e respeitamos mesmo quem chore a morte de um embrião) mas não nos passa pela cabeça acrescentar sofrimento ao sofrimento de quem sofreu uma amputação (física e, quantas vezes!, espiritual).
Sobre a solidariedade devida a estas mulheres e sobre a contestação que a lei merece, não temos quaisquer dúvidas. E é, por isso que, como cidadãos, escrevemos a exigir a alteração da lei infeliz que acrescenta infelicidade a todos as pessoas de bem (a favor ou contra o aborto).

Manifestamo-nos contra todos os políticos que prometeram (para não cumprir) medidas de planeamento familiar e prevenção no quadro do serviço nacional de saúde com novos apoios às mulheres (mais ou menos jovens). Manifestamo-nos contra a hipocrisia de manter a ignomínia em forma de lei que esta criminalização das mulheres representa. Sabemos que as mulheres que vão a julgamento não são criminosas. Já o mesmo não podemos dizer de quem tanto mentiu, deixando aberta uma janela de lei para violar a vida privada das mulheres em dificuldades.

Há dias para sermos infelizes por via da lei.

[o aveiro; 11/12/2003]

O Aveirense exigente.

Hoje decidi ficar por casa. Lembro-me muito bem do que era a cidade de Aveiro nos anos 50 ou no início da década de 80. Lembro-me do pequeno comércio (tão poucas livrarias e casas de discos), dos teatros e cinemas (Aveirense e Avenida até ao 2000 e Oita).

Para quem tem memória da cidade que fomos e agora somos, a mudança traz em si uma espécie de mistério. De onde vêm as pessoas? As grandes superfícies operaram alterações profundas. Reconhecemos que a elas se deve a criação de novos públicos para o consumo de bens de cultura também. Há um grande número de salas ou salinhas de cinema, há mais livrarias e casas de discos. Apesar da venda feita nas grandes superfícies. E apesar dos novos meios de difusão: a televisão, o vídeo, o dvd… há público para muitas salas.

Estou a falar disto agora, por estarmos no fim do ano que nos mostrou o fim de algumas obras lentas e lamacentas, o fim dos tapumes que nos escondiam uns dos outros e nos escondiam do que sempre tínhamos visto. Parecia que Santa Engrácia tinha vindo para Aveiro e começávamos a desesperar. Quando a poeira foi varrida e pudemos pass(e)ar pela Praça Marquês de Pombal ou ver a Capitania nem nos lembrámos de tecer criticas ao que nos foi dado ver.

Não imaginam o conforto que foi voltar ao Teatro Aveirense para assistir a concertos. Até me esqueci de me irritar com os defeitos do que estava a ver. E se os há! Mas hoje só quero falar do conforto dos passeios livres e limpos, do teatro que se acrescenta à cidade e nos acrescenta em graça e sabedoria. Reparei que não lhe falta público nas iniciativas inaugurais.

À tempestade das obras longas e imperfeitas sucedeu-se a bonança das programações perfeitas, das obras corrigidas nas suas inacessibilidades? Não! Os responsáveis puderam ver que havia um público com sede de novas actividades culturais. Isso não lhes dá sossego algum! Porque se não responderem com novas qualidades, se não perceberem que as novidades colocam tudo num novo patamar de exigência, serão abandonados à sua sorte de trapos do passado. Não se podem queixar! O Aveirense (con)venceu em dias de bons filmes nas grandes superfícies e até em dia de inauguração do estádio de futebol. Ora isto só pode ter acontecido porque há por aí públicos que sonham as cidades por dentro delas.



[o aveiro; 4/12/2003]

vem dezembro e o ano vai

Há anos horríveis. Os noticiários de 2003 abriram com futebol, guerras, abusos sexuais, corrupção, … e outras maldições. E a cidade de Aveiro andou em obras que chegaram ao seu termo, depois de terem ocupado todo o espaço desde anos antes. Mergulharam-nos em poeira e lama, atravancaram-nos os olhos o com tapumes … de tal modo que, quando destapam, somos incapazes de ver defeitos… mesmo quando as praças que sobram abertas estão tão despidas e lisas em seus chãos de pedra que nos cegam nos dias de sol e nos devolvem a um abandono absoluto nos dias de temporal.
Inventaram as pedras lisas e pequenos obstáculos e armadilhas para quem distraia os sentidos … ou não os possa usar na sua plenitude. Em todas as obras da cidade destapada, vejo marcas desse desprezo. Também vejo os repuxos que foram ocupando as praças de pedra pelas cidades. A mesma instalação é a marca de água das praças das cidades portuguesas - não foi só o deserto de pedra polida a tomar conta da cópia absurda.


Praça Marquês de Pombal



Os muros, as muralhas.

De O Púiblico de 27 de Novembro, não resistimos a recomendar a leitura de Siza em Lisboa de Miguel Sousa Tavares. Já antes tínhamos respigado um outro artigo de MST que referia o assunto.

O Aveirense também mostra a cara lavada.




Nem imaginam como é reconfortante sabermos que está ali, aberto para nos receber. Ainda não podemos saber o que vai ser. Mas já lá assisti a dois concertos. Num primeiro, apareceu-me Beethoven pouco vibrante (como se tivesse sido abafado) numa das últimas filas da plateia. Mas numa das primeiras filas, já senti toda a vibração da banda (BigBand) de GianLuigi Trovesi nas discussões entre trompetes, saxofones, trombones, … É um conforto saber que está ali, aberto.

A capitania é agora outra. Assim:



Sem tapumes nem andaimes, a antiga capitania aparece lavada e segura sobre as águas. Por trás dela, pode ver-se o pagode chinês que tentou afundá-la. Aproveitando os andaimes e a falta de vigilância ou segurança, uma criança carente e exibicionista subiu ao telhado para despejar uma assinatura como se vomitasse para chamar a atenção.

O problema palestiniano entre 1903 e 1948

António Aurélio Fernandes coligiu uma colecção de notícias a partir da obra
"Chronique du XXe. Siècle – Editions Chroniques". Vale a pena ler, agarrado ao fio do tempo.

1903/08/23 (pag.51)
O sexto congresso sionista e o Estado judaico
Teve início em Basileia ( Suíça) o sexto congresso sionista. O movimento sionista está dividido. Os "territorialistas" , com o escritor Zangwill à cabeça, consideram que, se não é possível a Palestina voltar a ser judaica, seria então necessário criar um Estado judeu num território deserto; a sua palavra de ordem é: "Uma terra sem povo para um povo sem terra". Max Nordau e Theodor Herzl continuam, porém, a defender a ideia de um Estado judeu na Palestina; as teses contidas em "O Estado judeu", de Herzl, obra publicada em 1896, constituem o seu programa.
"L' Alyah", a subida para Israel, começa: colónias judaicas foram fundadas; desde 1880, mais de 25000 judeus chegaram, elevando assim para 70000 o número de judeus vivendo na Terra Santa.

1904/07/03 (pag. 60)
Morreu Theodor Herzl
Theodor Herzl morreu em Edlach, na Áustria. Nascido em 1860, em Budapeste, começou por ser jornalista no "Die Neue Freie Presse" de Viena. Ferido pela raiva anti-semita da populaça quando do envio de Dreyfus para o degredo, Herzl considera absolutamente necessário o estabelecimento de um "abrigo permanente para o povo judaico", tese que ele expõem , em 1896, no seu livro "O Estado Judeu". Em 1897, Herzl confidenciava ao seu jornal: "Se eu quisesse resumir o Congresso sionista de Basileia a uma frase – que eu me resguardo de enunciar publicamente – diria: em Basileia, em 29 de Agosto de 1897, eu fundei o Estado judeu. Se o dissesse em voz alta, ouviria uma gargalhada geral. Mas em 5 anos, em 50 anos, estou seguro que todo o mundo concordará". Ele conseguiu entretanto expandir o movimento sionista.

1909/12/26 a 31 (pag. 120)
Congresso sionista em Hamburgo
Decorrem em Hamburgo o IX Congresso sionista. A assembleia , com 600 participantes, reafirma a sua fidelidade ao programa de Basileia, ou seja, a reivindicação de territórios jurídica e oficialmente garantidos aos judeus. Os membros do Congresso consideram como particularmente problemática e lamentável a interdição de imigração para a Palestina.

1910/09/11 (pag. 131)
100 000 marcos para a próxima colónia sionista
A colonização da Palestina é o tema central do XII congresso dos sionistas alemães. Existem já 32 colónias judaicas na Palestina. 56000 judeus fixaram-se em Jerusalém, 8600 na Tiberíade,. Os sionistas alemães põem a quantia de 100000 marcos à disposição da próxima cooperativa sionista que se estabeleça na Palestina.

1929/08/24 (pag. 400)
Confrontos em Jerusalém entre judeus e árabes
Desde há alguns dias, Jerusalém tem sido teatro de violentos confrontos entre Judeus e Árabes. Cerca de quinhentas pessoas terão sido mortas. A lei marcial foi proclamada na cidade e o alto-comissário solicitou do governo britânico o envio de dois vasos de guerra. Nos Estados Unidos, os círculos judeus pressionam o governo para que intervenham a favor das minorias judaicas da Palestina. É pouco provável a intervenção da Sociedade das Nações.

1930/11/17 (pag. 417)
Londres: debate sobre a Palestina
Paralelamente ao problema indiano, a questão da Palestina voltou este mês à ordem do dia na Grã-Bretanha. Abriu-se um debate nos Comuns a propósito do modo como o governo exerce o seu mandato sobre a Palestina. O primeiro ministro, James Ramsay MacDonald, apresentou um plano que prevê a reinstalação de 10000 famílias árabes que ficaram sem terras após as compras massiças efectuadas pelos colonos judeus. O plano prevê futuramente uma colonização da Palestina que equilibre as implantações judaicas e árabes.
Recordemos que em 1917, a declaração Balfour tinha previsto uma partilha equitativa entre Judeus e Árabes do território sob mandato inglês.

1933/10/28 (pag. 460)
Palestina: revolta dos árabes contra a quota de imigração dos judeus, considerado muito elevado.

1936/06/19 (pag. 495)
Perturbações na Palestina: judeus e árabes confrontam-se
O ministro britânico da colónias acaba de fazer uma comunicação aos Comuns a propósito da situação na Palestina, próxima de uma verdadeira guerra civil. Desde o início do ano, graves afrontamentos se verificam nas zonas sob mandato francês ou britânico da península árabe, provocados pelo afluxo cada vez mais intenso de colonos judeus, na maioria fugindo da Alemanha nazi. Só em 1935, 59000 chegaram à Palestina, facto que os árabes consideram ameaça aos seus interesses vitais. Desde o início do ano que eles se opõem pela força à chegada de novos imigrantes.

1938/07/06 a 12 (pag. 530)
Série de atentados sangrentos na Palestina
A Palestina, província retirada aos turcos em 1918 e confiada aos ingleses quatro anos mais tarde, foi teatro de afrontamentos entre dois nacionalismos entre os quais não parece haver qualquer hipótese de entendimento. Apesar das severas medidas de manutenção da ordem, tomadas pelo governo britânico, os incidentes multiplicam-se em toda a região. […]

1945/10/31 (pag. 676)
Os Árabes opõem-se a um "Estado judeu"
Cresce a tensão entre as comunidades judaica e árabe. A Liga Árabe levanta-se vivamente contra o prosseguimento da imigração judaica. Egipto, Síria, Líbano e Iraque advertem os EU pelas consequências nefastas para as relações internacionais que iria provocar o nascimento de Israel na Palestina, se os americanos persistem na sua criação. Todo este tempo, as actividades do movimento nacionalista judaico desenvolve-se no sentido de forçar os britânicos a deixar o pais.

1945/12/27 (pag. 679)
Vaga de terror na Palestina
Prossegue a vaga de atentados terroristas contra as instalações militares britânicas na Palestina: explodiram bombas em Jerusalém, em Tel Aviv e Haifa, fazendo dez vítimas. Uma vaga de prisões desencadeada pelo exército e policia britânicos leva à prisão 2000 judeus entre os 16 e os 40 anos. Três organizações são suspeitas quanto à origem dos atentados: 1 – A Hagana, exército secreto judeu, especialista na imigração clandestina; 2 – A organização militar Irgoun Zwai Leumi, dirigida por Menahem Begin; 3 – Os grupos nacionalistas "Stern", assim chamados após a morte do seu chefe, Abraham Stern (morto pela policia em 1942). O seu fim comum é a criação de um Estado judeu na Palestina, destinado a acolher os judeus europeus que sobreviveram aos massacres nazis. Os Britânicos, porém, consideram que é necessário ter em conta os interesses árabes.

1946/01/13 (pag. 682)
O governo britânico fixa a quota mensal de imigração judaica na Palestina em 10500 pessoas.

1946/02/26 (pag. 683)
Atentado no Monte Carmelo
Acabam de verificar-se atentados na Palestina contra uma estação de radar britânica no Monte Carmelo e os comissariados principais de Tel Asviv e Haifa. Quatro judeus mortos em Tel Aviv, quando do atentado, foram inumados perante uma multidão de 5000 pessoas. Após novos atentados contra aeródromos britânicos com a destruição de 22 aviões, foram presos 5000 judeus.

1946/08/12 (690)
A Grã- Bretanha ordena a suspensão da imigração judaica para a Palestina e encarcera em Chipre aqueles que a favorecem.

1946/10/04 (691)
O presidente americano Harry Truman pede ao primeiro ministro britânico Clement Attlee que autorize de novo a imigração judaica para a Palestina.

1947/02/06 (698)
O alto-comissário árabe declara na ONU a sua recusa absoluta relativamente à resolução que cria o Estado de Israel.

1947/03/01 (pag. 699)
Lei marcial em Jerusalém
Sucedem-se os confrontos na Palestina. Doze pessoas perderam a vida num atentado na messe dos oficiais britânicos em Jerusalém; vários outros ataques foram perpetrados contra as instalações e as unidades britânicas em Tel Aviv, para desviar a atenção da chegada de um navio clandestino carregado de imigrantes.
A proclamação do estado de sitio e as limitações impostas pelos britânicos à liberdade de circulação aumenta o desemprego e provoca uma animosidade crescente da população judaica.

1947/04/28 (pag. 699)
Nova Iorque: primeira assembleia extraordinária da ONU; a Palestina está na ordem do dia.

1947/05/18 (pag. 700)
Golpe de força do Irgoun na Palestina
A proposta que acaba de ser apresentada às Nações Unidas pela Liga Árabe, pede a retirada das tropas britânicas da Palestina, assim como a criação de um Estado palestiniano; não foi dado voto favorável pela organização. As Nações Unidas vão criar uma comissão cujo fim é fazer um inquérito sobre os acontecimentos na Palestina. As organizações secretas judaicas declararam que aceitavam suspender os seus atentados durante o inquérito, na condição que os britânicos empreendam nada pela sua parte.
No início do mês, um ataque à prisão de Saint-Jean-d'Acre permitiu à Irgoun Zwai Leumi libertar 189 dos seus compatriotas judeus aprisionados. Esta evasão espectacular foi possível após o Irgoun ter feito explodir um muro da prisão.

1947/07/18 (pag. 701)
A longa errância do "Êxodus"
Há oito dias, o navio "Presidente Warfield" tinha deixado o porto de Sete com 4530 judeus a bordo, refugiados da Alemanha. O barco dirigia-se à Palestina. Antes de chegar a Haifa, foi rebaptizado como "Exodus", em homenagem à marcha de Moisés e do seu povo para a terra prometida. No dia seguinte, as autoridades britânicas do porto de Haifa recusaram o desembarque dos passageiros. Reconduzido a Marselha sob escolta britânica, o barco chegou hoje; desta vez foram os judeus que recusaram o desembarque.. As autoridades inglesas mostram-se inflexíveis, alegando a qualidade de imigrantes clandestinos dos passageiros. De facto, trata-se de "pessoas deslocadas" da Europa central e oriental. Considera-se que devem ser reenviadas para a Alemanha. A situação provoca uma grande emoção em todo o mundo.
Defende-se que os judeus, já martirizados durante a guerra, merecem encontrar uma pátria. A única solução aceitável parece ser a constituição de um Estado judeu independente na Palestina. Mas o clima na Palestina degradou-se consideravelmente depois do atentado ao Hotel Rei David que custou a vida a 110 britânicos do quartel general; eles tinham recusado ser evacuados, apesar de um alerta telefónico. A opinião pública inglesa teme as agressões do exército secreto judeu Irgoun.

1947/08/22 (pag. 702)
Os passageiros do "Exodus" que recusaram desembarcar em França, foram conduzidos para Hamburgo onde terão de sair, a bem ou a mal.

1947/09/07 (pag. 703)
Os refugiados do "Exodus" desembarcaram à força em Hamburgo.

1947/09/20 (pag.703)
Início dos ataques sistemáticos da população árabe contra a população judaica.

1947/11 (pag. 704)
10. Os Estados Unidos dão o seu acordo ao fim do mandato britânico na Palestina em 31 de Maio de 1948.
16. As primeiras tropas britânicas abandonam a Palestina.
29. A ONU decide a partilha da Palestina em dois Estados, um árabe, outro judeu, reservando para si a administração de Jerusalém.
30. Síria: grande manifestação em Damasco contra Israel, a França e os Estados Unidos.

1948/04 (pag. 710)
09. Palestina: massacre dos habitantes da aldeia árabe de Deir Yassin.
22. As tropas judaicas tomam Haifa. A França pede urgência na tutela da ONU para proteger os Lugares santos.
26. Aman. a conferência dos chefes de estado árabes decide intensificar os atentados anti-sionistas.
28. A Legião árabe, apoiada pelos britânicos, toma Jericó.

1948/05/14 (pag. 711)
Nascimento do Estado de Israel
À meia-noite termina o mandato sobre a Palestina que a Sociedade das Nações havia confiado à Grã-Bretanha em 29 de Setembro de 1923. As tropas britânicas deverão ter evacuado totalmente o país até 1 de Agosto, no máximo. Em 15 de Maio, Sábado, o Conselho nacional judaico e o Congresso mundial sionista deram a conhecer, com um dia de avanço, a notícia da fundação do Estado de Israel.
O antigo Estado de Israel tinha desaparecido no ano 70, quando da destruição de Jerusalém pelas tropas romanas do imperador Tito; os judeus dispersaram-se por todo o mundo. O sionismo, nascido das perseguições aos judeus na Europa de Leste no fim do século XIX e no início do século XX, reivindica, por razões politicas e religiosas, o regresso dos judeus para a Palestina, lugar de refúgio e pátria. Esta reivindicação dos sionistas encontra um largo apoio na sequência dos crimes perpetrados pelos fascistas contra os judeus nos anos 30 e durante a segunda guerra mundial.
As comunidades judaica e árabe na Palestina afrontaram-se de modo sangrento no final do mandato britânico. Em 13 de Maio, a Liga árabe declarou guerra aos judeus da Palestina e atacou os seus locais de implantação. A Legião árabe da Transjordânia cerca a guarnição israelita de Jerusalém e força-a a render-se. O presidente do novo Estado de Israel, o químico Chaim Weizmann e o chefe do movimento sionista, David Ben Gourion, presidente do Conselho, anunciam que a Hagana, exército secreto judeu, será doravante o exército oficial do Estado de Israel. Os seus efectivos serão reforçados por imigrantes judeus, provenientes sobretudo dos campos de internamento de Chipre e da Europa; o exército israelita é composto por 85000 homens.
Cerca de 100000 árabes fogem, em Maio, das zonas sob controle israelita. Enquanto Haifa e Acre estão em mãos israelitas, travam-se duros combates na estrada para Jerusalém.
Apesar das suas divergências em vários pontos, os EUA e a URSS entendem-se para favorecer um cessar fogo na Palestina; os britânicos decidem apoiar os Árabes, até que, em 24/02/1949, a ONU declara ilegais as suas acções. (…)

1948/12 (pag. 722)
Reinício dos combates no Néguev
As negociações para o armistício entre Israel e os países árabes que deveriam iniciar-se na ilha de Rodes no princípio do próximo ano, estão a ser preparadas quer diplomaticamente, na ONU, quer militarmente no terreno. (…)
No fim do mês, o exército israelita tenta apoderar-se da margem costeira de Gaza, no sul, alcançando el-Arish, a meio caminho das suas fronteiras oficiais e do delta do Nilo. As advertências do Departamento de Estado americano e as ameaças britânicas obrigaram-no a retroceder. Pelo contrario, o Néguev meridional (…) é tenazmente mantido após uma operação com o significativo nome de "Facto consumado". Os israelitas garantem assim um acesso ao mar Vermelho; apoderaram-se assim de mil e trezentos quilómetros quadrados e de cento e doze aldeias inicialmente atribuídos à Palestina árabe, à custa de nove mil mortos e feridos.

A compaixão dos ricos.

A semana passada foi marcada pelo conhecimento público da derrapagem das contas da coisa pública. Ao contrario do que foi anunciado aos quatro ventos pelo governo, as politicas restritivas seguidas não garantem o controle do défice abaixo do tecto dos 3%. De facto, entusiasmados com a vitória contra o povo, os atletas da selecção da maioria mandaram ao ar os seus dirigentes e rompem o tecto, por este ser baixo demais e falso. Os tectos não podem ser obstáculo à ascensão dos patrióticos dirigentes. Onde é que eu já ouvi isto?

Resistindo a todas as cautelas, e recusando mesmo os caldos de galinha, o ministro Ferreira Leite mantém, nas palavras, a fasquia nos inultrapassáveis 3%. Bem podemos tentar imaginar o que pensa vender o governo nestes próximos 2 meses! Vender a um banco (detido por um “nobre” árabe) as dívidas ao fisco ou similares é prova de imaginação fabulosa.
Damos por nós a inventariar o património do estado, real e imaginário, que vai ser trocado por miúdos – por seis mil milhões de euros miúdos. E começamos a esconder os casacos menos coçados e até a temer que nos vendam o dia de amanhã, enquanto estivermos a dormir a noite de hoje.

A situação ainda não tinha chegado ao seu melhor. Finalmente, Durão Barroso anuncia que “Portugal compreende os problemas sentidos pela Alemanha e pela França, razão pela qual votou a favor da proposta da maioria dos ministros das Finanças da Zona Euro que iliba os dois países de serem penalizados pela Comissão Europeia por défices excessivos”. Li exactamente isto neste abençoado início de semana.

Não é o máximo? Já há muito tempo que não me sentia tão vaidoso de ser português. E há ainda quem ache que o ministro da informação de Saddam é que é bom! Já era! Em termos de paródia e contra-informação, é impossível competir connosco!



[o aveiro; 27/11/2003]

14-4=10

1. A insegurança no Iraque está a fazer vacilar os norte-americanos e alguns dos seus aliados. O governo filipino está a acompanhar a situação, abandonando as intenções de reforçar a sua presença e ponderando mesmo a possibilidade de fazer regressar a lugar seguro (onde é que isso é) os efectivos filipinos que se encontram no Iraque. Face aos últimos acontecimentos, o governo japonês cancelou o envio das suas tropas para o Iraque. São governos fracos a ceder perante o terrorismo internacional.
Felizmente que o governo português se mantém firme como governo de uma grande potencia aliada dos Estados Unidos e da Inglaterra e, cedo envia a GNR para mais tarde. A “grande partida” da GNR é grande notícia. Tal é o entusiasmo, que o governo oferece viagens a 14 ou 15 jornalistas acompanhantes da missão da GNR. Mal tentam entrar no Iraque atrás uns dos outros, os jornalistas e os seus bonitos carros tornam-se vítimas dos bandidos seguros por uma coligação de salvadores (acrescentada da indomável boa vontade de Durão). Uma jornalista é mesmo baleada e outro é raptado. Durante alguns dias, as reportagens incidem sobre as peripécias (que acabam menos mal) dos acompanhantes da GNR. Até chegar à cidade que a GNR vai patrulhar, os jornalistas dão-nos conta que não podem colher informações, agora tolhidos por razões de segurança. A ementa do jantar das tropas é notícia
A seguir ao macarrão, ficamos a saber que o governo e a GNR só garantem a segurança de 4 jornalistas. Figueiredo Lopes, nosso inefável ministro da administração, neste caso, externa, acompanhado pelo comando da GNR, garante que a estes jornalistas só prometeu a nocturna viagem ao Koweit. para que eles reportassem sobre o aéreo perfume do ânimo. No Iraque, os jornalistas que acompanham são instalados pelos italianos no hotel da cidade, antes de serem informados do abandono a que o governo vai votar 10 deles. O engano é a nova notícia?

2. De vez em quando a Matemática é notícia como escândalo de negativas. Estou em Santarém, a participar num encontro nacional da Associação de Professores de Matemática (ProfMat) em que mais de mil professores e investigadores procuram formas de melhorar o ensino da Matemática. Não é um escândalo de positivas? Será que vai ter cobertura informativa?



O que é notícia? 10 é a indiferença? 4 é a diferença? 14-10=4? Matemática?


[o aveiro; 20/11/2003]

Um dia em Santa Maria

Não se pode resistir a transcrever um artigo publicado n'O Público de hoje. António Aurélio Fernandes aconselhou-mo. E eu faço-o, com a devida vénia, na urgência da denúncia e em protesto (de solidariedade).

Um Dia em Santa Maria
Por JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
Terça-feira, 11 de Novembro de 2003



São 11h45 quando entro na Urgência do Hospital de Santa Maria, a acompanhar um familiar que sofreu uma queda. Mandam-nos para uma sala de espera e dizem-me que temos de esperar que nos chamem para ir à triagem. Um quadro branco afixado na parede tem escrito em cima "Tempo de espera". Na coluna da esquerda tem escritos os códigos que representam a gravidade de cada doente ou acidentado: "Vermelho", "Laranja", "Amarelo", "Verde", "Azul". À frente de cada cor, na coluna seguinte, está assinalado o tempo médio de espera. À frente de "Verde" está escrito "35 minutos", todas as outras cores têm um traço à frente. Pergunto o que significa o traço. Quer dizer que não há tempo de espera? Que não se sabe? Dizem-me que quer dizer que não há qualquer espera. Mas a sala de espera está cheia! A empregada no balcão de informações encolhe os ombros e volta-se para um recém-chegado.

As pessoas na sala de espera começam a desfiar as suas queixas para o ar. Uma delas espera há uma hora, outra quase há três. Volto ao balcão de informações e pergunto como se explica a diferença entre o quadro e a realidade. A funcionária finge que não me ouve mas um segurança explica-me que o tempo marcado na tabela é o tempo que leva um doente da triagem até ser visto pelo médico. O tempo que se espera até à triagem não é contabilizado. É excelente para as estatísticas! Tão bom como a maneira de contabilizar as listas de espera de cirurgia - só se contam os casos que se quer, da maneira que se quer, até se chegar a um número confortável.

Às 12h50 um enfermeiro vem actualizar o quadro. Apaga os 35 minutos que estavam na mesma linha que "Verde" e escreve um traço. Digo-lhe que estou à espera há uma hora e cinco minutos e que o seu quadro é uma fraude. Responde-me a mesma coisa que o segurança: o quadro mede o tempo desde a triagem até ao médico. Repito-lhe que o quadro induz os utentes em erro e que não passa de uma fraude. Responde-me que é enfermeiro, que não lhe compete ouvir a minha reclamação, que posso falar às funcionárias no balcão de atendimento.

Às 13h20 chamam o nome do meu familiar. Entramos na triagem. Um interrogatório sumário, uma medida de tensão, nenhuma observação. Regresso à sala de espera. Chamam-nos de novo passados quatro minutos. Uma hora e 40 minutos depois de ter visto escrito preto no branco que na Urgência de Santa Maria ninguém espera sequer um minuto para ser atendido, vemos à nossa frente o primeiro médico.

Interrogatório, exame, a papeleta começa a encher-se de pedidos de exames, de análises, de notas. Do médico passamos para uma sala de tratamentos. Às 14h00 o meu familiar é enviado para o Serviço de Observação, onde já não o posso acompanhar. Dizem-me para esperar no corredor, pois um médico virá falar comigo, para me pedir pormenores da história clínica. Espero meia hora, uma hora, duas horas. Ando de um lado para o outro frente ao guichet da enfermeira para que veja que estou por ali, de vez em quando pergunto quando poderei falar ao médico, peço informações. A dada altura a enfermeira, sempre delicada, explica-me que é mais urgente tratar os doentes que falar aos familiares. Claro que concordo, mas os dados da história clínica não serão necessários?

Às 17h30 vejo passar, numa maca, a pessoa que acompanho. Dizem-me que vai fazer uma ecografia e uma TAC. Posso acompanhá-la se quiser. Deixam-nos na sala de espera da Imagiologia. Um pouco depois das 19h00 faz a ecografia. Às 19h13 vai fazer a TAC.

Estamos no hospital há sete horas e meia mas a tabela afixada na urgência diz que o nosso tempo de espera é zero minutos. Nunca saberei quanto tempo demoraria todo o processo até ao diagnóstico porque a minha mãe morreu na mesa da TAC durante o exame.

A arte do tempo português

1.
Olho da janela larga para a rua estreita em frente. A rua estreita dá para um amplo parque de estacionamento. Vejo os carros a chegar. Raros são os carros que desaguam no parque de estacionamento gratuito; vão ficando por ali ao longo da rua, tornando-a ainda mais estreita. Chega um novo carro e fica mesmo em contramão na curva a menos de dois passos do primeiro lugar livre no parque. Finalmente chega um outro carro que toma o lugar atrás do anterior com o rabo para dentro da rua que se estrangula na curva à entrada do parque vazio. Dos carros, saem altíssimos jovens mais ou menos desportivos que dão passadas largas para o pavilhão ali ao lado. Penso eu: Vão atrasados! Mas olho para baixo e vejo-os por ali a conversar uns com os outros. Se tivessem cumprido as regras do estacionamento, demorariam um minuto mais a chegar à esquina. Não têm um minuto a perder e não podem prejudicar o aquecimento que antecede o treino.
2.
Chego à repartição pública. O acto está marcado para as 10 horas. Às 11h dizem-nos que falta pouco. Quando acaba o que fomos fazer em 10 minutos, passaram 3 horas sobre a hora marcada. Para quem é que o meu tempo não vale um chavo?
3.
Chego ao consultório médico privado à hora marcada. Vou para a sala de espera. Passa-se uma, duas horas. Finalmente, chamam-me para ser atendido. Sou despachado – o médico lê os resultados das análises que lhe entrego e escreve um resumo na ficha clínica que vai preenchendo. Devolve-me os papeis, passados dez minutos ou menos. O recibo garante-me que os dez minutos do médico valem 60 euros. Uma das suas horas vale 360 euros. Porque é que as duas horas de vida que me roubou não valem coisa alguma?
4.
Compro uma máquina. Quando passado tempo avaria, telefona-se para a oficina de reparações recomendada que garante valer a pena consertar a máquina que é uma boa máquina. Vão marcando horas para virem ver a máquina e repará-la. Substituem o painel electrónico depois de nos ocuparem horas da nossa vida. Cobram o painel e o tempo e o painel fica avariado. Levam o painel novo e recolocam o antigo. Vão prometendo. Hão-de vir. Ficam com o painel e o dinheiro. Ficam com o nosso tempo que, para eles, vale nada. Avaria definitivamente o painel. O distribuidor da marca recomenda outra oficina. E vem um novo artista. Substitui o painel que fica a ser testado quando ele sai depois de ter cobrado. O painel novo também não funciona. Telefonamos até nos afogarmos em tristeza. Ficam sempre espantados quando dizemos: “A essa hora não! Não posso faltar ao trabalho!.”

Porque é que o tempo é sempre tão precioso para todos aqueles que não dão qualquer valia ao tempo dos outros? Públicos e privados, são milhares os que assim olham para os outros. São portugueses e isso faz de nós tristes figuras, vítimas tanto da incompetência como da arrogância, vítimas da má-educação. O debate sobre o "português" é sempre um debate sobre o passado da educação como presente que damos ao futuro.

[o aveiro; 13/11/2003]

Outras ameaças: Siza

Miguel Sousa Tavares assina A Ameaça Nº 1 e Outras Ameaças no Público da passada 6ª feira. Recomendo vivamente a leitura. E não resisto a transcrever a última das suas outras ameaças:



Uma luta desencadeada por um grupo de cidadãos, do qual tive a honra de fazer parte, impediu, aqui há uns anos, que a administração do Porto de Lisboa emparedasse o rio, através de um plano denominado POZOR, que consistia numa barreira de edificios separando de vez o Tejo da cidade. Dessa vez, a luta foi ganha, mas estas coisas regressam sempre ciclicamente. Eis que surge agora novo plano para a zona de Alcântara, que prevê, entre não sei quantos hotéis e edifícios vários, três torres de 105 metros de altura cada, uma em forma de cilindro, a outra em forma de pirâmide e a terceira em forma de qualquer coisa de que já não me lembro - talvez em forma de supositório. Assina o projecto o inevitável Siza Vieira, o que significa que conta à partida com o apoio entusiástico do presidente da câmara que alguns de vocês elegeram e com todas as aprovações necessárias, venham ou não venham previstas no PDM. Desta vez, palpita-me que a luta está perdida ou é mesmo inútil: quem somos nós, simples passeantes, amantes e olhantes do Tejo, para nos opormos à terrível tentação que o monstro sagrado que é Siza Vieira sempre teve de ocultar as vistas, sejam elas quais forem e seja onde for? Que lhe importará a ele que milhares de pessoas deixem de ver ali o rio, se passam a ver antes as suas torres, que algures, em Baden-Baden ou em Phoenix, no Arizona, um júri que jamais viu o Tejo em Lisboa se encarregará de premiar como obra-prima da arquitectura contemporânea?

Levem-nos tudo: as florestas, os parques, a ria de Alvor e a ria Formosa, o litoral alentejano. Mas deixem-nos ao menos ver o Tejo em Lisboa e o Douro no Porto. Será pedir de mais?

auri-negro

o beira mar ganhou ao benfica: o vermelho dá o lugar ao preto enquanto o amarelo passa a ser ouro
foi isso?
fiquei minúsculo por ter ouvido dizer que isso foi importante para aveiro.
o que é aveiro?

outras vezes desenhamos uma escada no verso


às vezes faz as vezes da pintura o verso das coisas


(…)

cego de amor
por ter disposto
as pedras todas
dos meus olhos
no teu rosto.

(…)

em teu corpo
precedem sempre a obra
pequenas demolições
a que, na sombra,
só o coração assiste.

(…)



in AS IMAGENS DOMINANTES de luis miguel queirós

O desejo do eclipse

Na noite de sábado para domingo próximos, será visível em Portugal o segundo eclipse lunar total do ano. A Lua esconde-se atrás da Terra e deixa de ver o Sol durante três horas e trinta e dois minutos, mergulhada num cone de sombra. Já em Maio deste ano, a Lua se tinha escondido do Sol atrás da Terra. Quando isso acontece, dou comigo a olhar para o céu na esperança de não ver, na esperança desse momento mágico em que deixo de ver a Lua enquanto a Terra a esconde do Sol. Não espero outra coisa senão a escuridão onde antes via a Lua. Como se a Lua procurasse a minha sombra para se esconder de mim. Preparo-me para a cerimónia. Sem abrir o jogo, sem mostrar os detalhes do vestido dos meus olhos, me preparo para o momento da escuridão. Com a cabeça na lua.

Há momentos em que pedimos a Lua como refúgio. Outras, como ponto de observação. Já imaginaram o sossego de quem tenta ver e ouvir, a partir da Lua, o debate sobre o Orçamento de Estado no nosso parlamento? Nem víamos o parlamento por mais que nos esforçássemos, nem ouvíamos o que por obrigação (e um pouco de temor, porque não dizê-lo?) temos de ouvir. Muito menos víamos ou ouvíamos o governo. Já imaginaram? Tão longe disto tudo, até podíamos fingir que o orçamento não nos afectava. Claro que perdíamos aquelas fases delirantes das trocas de galhardetes entre os deputados da maioria e o governo a respeito das maravilhas que uns produzem e os outros nem imaginariam possíveis e, por isso, tão embasbacados agradecem aos seus maiores. Eu sei que há disfarces para o ridículo, como há formas de disfarçar as rugas ou as brancas. Não me passava pela cabeça que os deputados da maioria no poder, no seu esforço de agradar ao governo, tivessem tanto orgulho em dar voz à vénia apatetada. Assumem-se no seu ridículo como outros se assumem para outras coisas. Há muito tempo que não misturava a vontade de rir com a piedade por essa humanidade bajulante. Se calhar sempre andou por aí nestes debates mais formais em que o governo jura que há chuva no nabal e sol na eira e eu é que me tenho dispensado de ouvir em pormenor.

Cada governo foi (antes de o ser) governo sombra de outro. Chegam mesmo a fazer sombra uns aos outros. Crescem à sombra uns dos outros. Tentam discursos brilhantes para iluminar o pais. Só que onde há luz, há sombra. Alguns ficam inundados de luz. Ao povo sobra sombra.
A Lua vai viver um eclipse aos meus olhos. O governo diz que não vai sofrer qualquer eclipse nos próximos tempos. Que pena! Um eclipse total de governo teria o seu encanto.

[o aveiro; 6/11/2003]

AInda a entrevista a Jorge Sampaio.

Da entrevista a Jorge Sampaio , transcrevo de O Público


(...)
P. - Os empresários portugueses estão à altura desse desafio?
R. - Tenho feito o percurso, tão criticado, de mostrar as coisas boas. O meu combate à lamúria vai continuar. Sei que há pessoas que fazem milagres, que há gente nova extremamente bem preparada, multinacionais que decidiram fazer os seus centros de excelência em Portugal. Não podemos render-nos à ideia de que "a malta não sabe matemática", precisamos é de travar uma batalha de vida ou morte para que escolas básicas acompanhem a matemática. É por aí que podemos vencer.
(…)
P. - Alterações do subsídio de desemprego?
R. - Não do subsídio de desemprego, mas o subsídio de doença preocupa-me. Não conheço nada para além do que vi nos jornais, não quero assustar ninguém, mas há uma coisa que é preciso dar a este país: segurança. As pessoas têm medo do desemprego, a vida da maior parte dos portugueses é muito dura, começa às sete da manhã e às vezes acaba às dez, onze da noite. Os portugueses normais, os que são empregados por conta de outrem, os que fazem as fábricas, têm de ter algum carinho. Porque é que são sempre os culpados de tudo? Até porque em Portugal há pobreza, há exclusão. Não vamos dramatizar, mas temos de trazer as pessoas aos mínimos de desenvolvimento, quando o crescimento é negativo temos de lhes assegurar o mínimo...
(…)
Agora se me perguntar onde é que eu gastaria dinheiro, digo-lhe francamente onde gastaria, independentemente de achar, como comandante supremo, que as FA têm de ser reequipadas.
P. - E onde seria?
R. - Nas escolas do ensino básico e secundário. Aí sim, é que iria muito além do que se faz. E pediria voluntários: há tantas pessoas reformadas, com 50 e tal anos, que têm cursos, porque é que não vão dar uma ajuda aos estudantes à tarde nas escolas? Os sindicatos não gostam muito desta ideia, mas sou amigo deles e tenho-lhes dito isto com franqueza. Esta é a grande causa nacional: aumentar a qualificação dos portugueses. Se não aumentarmos, seremos sempre periféricos. Apesar da situação geográfica do país, serão o nosso talento e a nossa capacidade que nos colocará no centro da Europa.
(…)

Louvor e crítica da serenidade.

Nos tempos que correm, eu não preciso de ouvir falar quem fala de acordo com o que penso. Não concordo com muitas opiniões e posições de Jorge Sampaio. E, no entanto, tenho de confessar que, depois de o ter ouvido, fiquei com a sensação de que tinha ouvido o que precisava.
Jorge Sampaio não foge a responder às perguntas. Pronuncia-se calma e normalmente, sem ceder à pressão dos assuntos. Não deixa de dar a opinião pessoal, mesmo quando a decisão presidencial pode não ser concordante em sentido estrito com ela. Aproveita para separar os diversos níveis, as competências e as responsabilidades das diversas instâncias.
Temos sempre a tentação de ter o Presidente da República do lado das nossas leituras e interpretações da Constituição e, no uso das suas competências, de dar sequência aos processos em acordo com o que achamos melhor como legítimo e plausível. É verdade que ele não se decide pela inibição em promulgar algumas leis que, do nosso ponto de vista, desafiam a Constituição. Estamos a pensar em diminuições dramáticas nas responsabilidades do Estado, particularmente na educação e na saúde. Somos contra a transformação dos hospitais em empresas e contra o desinvestimento na educação pública e o afastamento relativamente à gratuitidade dos serviços (obviamente conjugada com a responsabilização dos utentes e o rigor na cobrança fiscal para suportar a prestação social). Achamos mesmo que as últimas leis deste governo para estes domínios vão contra a Constituição. Assim não entende Sampaio. Mas é verdade que Jorge Sampaio combate as tendências liberais representadas pelos entrevistadores, não deixando de chamar a atenção para as obrigações do Estado num serviço nacional de saúde e em serviços públicos de educação e ensino, desde o pré-escolar até ao superior.
Damos particular ênfase às declarações de Jorge Sampaio em favor dos trabalhadores pobres e desprotegidos, a favor dos desempregados e contra as politicas que permitem às empresas tomar iniciativas selvagens contra a estabilidade de emprego e os direitos dos trabalhadores.
Os tempos vão tão difíceis que uma intervenção serena, ainda que humana, contraditória e muito aquém do que seria desejável em criticas à actuação do governo, me ajuda a viver neste tempo e neste lugar. E a ganhar confiança de que vale a pena ser pessoa, ter opinião e princípios.
Precisava de alguma coisa assim em contraste com a histeria tola dos últimos tempos. Não tive o que queria, mas precisava do que tive.

[o aveiro, 30/10/2003]

A casa dos rumores.




Eu gosto de pensar que me acham uma pessoa normal. E isso quer dizer que tenho família, amigos, conhecidos, compromissos sociais e políticos, profissão e colegas de trabalho. Uma única vida? Uma única vida de vidas - vida íntima e privada, vida profissional, vida cultural, académica, social, politica. Para cada uma, a normalidade exige diversos níveis de pensamento, de discurso nos gestos e nas palavras, de actos, etc. Quantos disparates digo eu em casa e ao telefone, com os familiares e amigos? Eu sei, e todos o sabem, que, a quente(!), digo coisas sem consequências sociais porque são filtradas e excluídas pela razão de quem vive em sociedade. Quando o disparate é grande, há logo quem diga: Nem as pensas!. E há sempre quem se ria e me dê o devido desconto. A quem é que nunca foi preciso dar desconto?
As coisas que eu digo e faço nos meus círculos restritos, para terem sentido e serem interpretadas sem dramas por estranhos, exigem explicações detalhadas de contexto, ambiente, da maneira de ser, dos tiques, das rotinas da felicidade, do círculo virtuoso da intimidade, da amizade, da cumplicidade, etc.
Se alguém precisar de escutar os barulhos de um dos meus dias inteiros, não vai ter grandes surpresas se for normal. Mas se quiser compreender a totalidade do que escuta vai pedir uma descrição do meu mundo. Ou não perceberá coisa alguma.
Eu tento cumprir o que da boca me sai para o público e se transforma em compromisso social. Disso presto contas sociais. Espero compreensão, cumplicidade de leituras e lealdade aos que me rodeiam nos diversos círculos em que me movo.
Há os que dizem que quem não deve, não teme. Não devo nem temo? Eu não devo nem dou a minha vida privada a quem quer que seja que nela não entre por direito. E se for um estranho a ter acesso à minha vida privada por direito (que a sociedade lhe confere) assiste-me o direito de esclarecer e de poder continuar a usar os meus códigos próprios, pessoais, privados, … que me tornam único e reconhecível por quem me ama tal como sou em cada um dos círculos concêntricos que se intersectam com os círculos concêntricos de cada uma das outras pessoas.

Eu quero ser eu e o outro, o que escuta e é escutado, o que não trai nem é traído, o que vive livre no seu lugar. Apesar de ter vivido a última semana neste pais, quero ser eu.

[o aveiro; 23/10/2003]

O que lhes está acontecer?

O que lhes está a acontecer é coisa para fazer com que nos aconteçam coisas a nós. O Prego no Sapato chamou-nos a atenção para uma carta ao director escrita, por A. Lima, para O Público. Faz uma viagem entre a história do que viu acontecer e do que viu na televisão como sendo o acontecido. Transcrevemos:


(...)
Ao chegar ao topo da escadaria percorreu dez metros, com dois ou três cumprimentos pelo meio, e entrou de imediato numa sala onde ficou fechado com algumas pessoas durante o restante período que permaneceu na Assembleia da República.

Durante esse pequeno percurso presenciei o fenómeno verdadeiramente assustador de cerca de 50 jornalistas, fotógrafos e operadores de câmaras num "assalto" completamente desvairado para captarem imagens ou recolherem declarações dos deputados. Corriam, empurravam-se e gritavam, fazendo com que os restantes presentes se afastassem estarrecidos com o que estava a suceder. Foi nessa ocasião que alguns fotógrafos (seis ou sete) saltaram para cima de uma mesa grande, que, com o peso e com outros empurrões desses trabalhadores da comunicação, se partiu com aparato.

(...)
Ao pé de mim, um fotógrafo levantou-se com um ar absolutamente tresloucado, muito vermelho, pingando suor e quase sem conseguir falar, dirigiu-se a quatro deputadas do PS e do PSD que se encontravam a um canto dos Passos Perdidos a observarem, espantadas, toda esta cena e, parecendo que lhes queria bater, gritou-lhes: "Quem é que pôs ali aquela merda."

Nessa altura, já Paulo Pedroso estava a caminho do Rato e aquela meia centena de jornalistas (até tenho dificuldade em chamar-lhes assim) precipitaram-se a correr para ir atrás dele.

(...)


Assim A. Lima termina a sua carta:


Estes são os factos que presenciei, que me fizeram perceber quanto, em Portugal, os verdadeiros profissionais da comunicação social carecem de fazer um debate sério sobre o que lhes anda a acontecer. Não tanto pelo triste espectáculo, mas pelo que, a partir da sua própria excitação, construíram para a opinião pública.

(...) Por favor, seriedade precisa-se!



A forma como estas coisas se passam não pode ser atribuída ao voluntarismo e histerismo de jornalistas jovens e impacientes por fazer e ser notícia. Tem a mão dos chefes que definem políticas e estilos de informação.

E o que lhes está a acontecer, como feras de uma selva de "in"formação, ainda faz acontecer alguma coisinha má a todos nós.

retrato

Desenho 16




Marina - nome, pronome, pormenor.










A Administração do Porto de Aveiro, SA abriu concurso público para atribuição de uma concessão em regime de serviço público com vista à concepção, construção e exploração de uma marina. Ganhou o concurso a empresa “Sociedade de Desenvolvimento e Exploração da Marina da Barra, SA “ que tem o objectivo de rentabilizar um investimento. Assim, o projecto posto à discussão só tem a ver com a especulação imobiliária e a marina não é mais que uma justificação paralela para a ocupação da zona protegida.
Ao longo dos tempos, sucederam-se os alertas sobre as formações das línguas de água e areia e o historial da luta nem sempre vitoriosa do engenho humano contra as dinâmicas naturais em tudo o que respeita à ria no seu conjunto, aos seus braços e especialmente ao controle da foz. A memória do desnivelamento da ponte da Gafanha alimenta inquietações sobre a dinâmica das correntes na ria. A obra projectada implica um estreitamento brutal de um dos braços da ria mais perto do mar. Os estudos a longo prazo sobre as consequências do aquecimento global colocam em risco todo o cordão dunar e é certo que, todos os investimentos feitos (como concessão ou não) em construção civil sobre as dunas e sobre as águas são uma forma de pressão para novas construções para defesa do património construído e do investimento financeiro, na lógica de substituir o natural por margens de betão.
Nenhum estudo de impacte ambiental pode ser justo e razoável se não considerar um futuro alargado e não estabelecer seriamente a realidade futura que almeja o tipo de desenvolvimento em que assentam projectos como o da Marina(?). O estudo que foi apresentado à discussão pública não esconde o que se destrói definitivamente em termos do ecossistema (da água ocupada, lodosa) no que ele representa de extinção para muitas espécies piscícolas que nele crescem e se desenvolvem, antes da idade adulta. Mas não lhe atribui importância, considerando mesmo que a zona estaria degradada (de que ponto de vista? para que fins?) mesmo quando realça estar ela a cumprir uma função primordial no conjunto da ria e da entrada da barra. De resto, o estudo não faz mais do que esconder os impactes negativos da obra projectada sob um rol de pormenores com que os interessados respondem às criticas e dúvidas de todos os que se preocupam mais com o futuro da barra e menos com a promoção da exploração imobiliária combinada com turismo consistente com “desenvolvimento” e “progresso” discutíveis.
Para melhor fazer esquecer as consequências para a ria e as espécies piscícolas, algumas delas de impossível regeneração mesmo a longo prazo, o estudo de impacte esforça-se por alinhar pormenores de futuras intervenções que podem melhorar ou mesmo criar ambientes favoráveis para algumas espécies de aves e para ocupações artesanais marginais ao projecto.
Finalmente, o estudo de impacte ambiental espraia-se em considerações sobre as vantagens de desenvolvimento económico, com a criação de empregos na construção, ou de empregos nos serviços futuros. Não estamos em desacordo com o aumento da densidade populacional ou da oferta turística no concelho de Ílhavo. Mas só podemos achar deprimente que isso se faça sobre pressão na Barra. O número de lugares de estacionamento por habitação e por serviço fornece indicações seguras sobre o que se pretende. E a construção de passagens desniveladas no corpo da Barra não é seguramente motivo para qualquer alivio, se nos lembrarmos dos congestionamentos diários na IP5 nos acessos à cidade de Aveiro. Os fins de semana e os dias de verão são uma outra história triste que garante a indigência do planeamento intermunicipal para as redes viárias e os transportes.
Para a Barra, podemos aprovar infra-estruturas para actividades náuticas, integradas em “cadeia de apoios” ao longo da costa. Não podemos estar de acordo com um projecto que faz sombra à marina e a torna num insignificante pormenor ou nome de pesadelo.

Quantos anos tem o futuro?


[o aveiro; 16/10/2003]


O inimigo rumor

O que mais irrita nesta coisa toda é a falta de clareza da generalidade dos comentqadores políticos que se esgueiram das salas dos actos e factos e acham que os actos e factos errados são consequências inevitáveis das leis, dos modelos de organização e dos sistemas. Como se as pessoas educadas não tivessem liberdade para fazer bem em vez de fazer mal. Como se fosse uma maldição inevitável termos ministérios a embrulhar-se nos assuntos uns dos outros e minudências interfamiliares típicas das paróquias pequenas.
Não é o morgado que obriga o mestre escola a tratar de modo diferente o seu filho mais parvo. De facto, é o feitor (e o mestre escola, com ajuda do padre e do barbeiro) quem toma iniciativas visando agradar ao morgado, ao patrão, etc. Acredito na palavra do morgado quando garante não ter obrigado pessoas a dar um tratamento desigual para o seu filho mais inteligente. Também não acredito na ingenuidade do morgado. Um morgado bem educado ou bem formado interromperia o ciclo da sabujice.

Chamadas de atenção

Chamo a atenção para o artigo de BÁRBARA WONG (n'O Público) Liceu Francês Atribui Bonificações às Notas dos Alunos que esclarece a questão da situação de favor dos estudantes do Liceu Francês de Lisboa. Com a devida vénia, transcrevo parte dele:


Ao PÚBLICO, Meira Soares explica que o que aconteceu até agora é que a tutela aceitava as classificações fornecidas pelo Charles Lepierre - que tem "regras internas" para calcular as notas dos alunos -, em vez das certificadas pela Academia de Toulouse, uma espécie de direcção regional de educação do Ministério da Educação francês, que superintende a escola em Portugal.

Só que, a partir deste ano, depois de aprovado o decreto-lei 26/2003, a CNAES tem poderes para validar, ou não, as notas que são apresentadas pelas escolas internacionais. E o que a comissão pediu a todas as instituições é que mostrem os documentos emitidos pelas entidades competentes do país de origem, de maneira a que os seus alunos possam concorrer de igual para igual com os do sistema português. Afinal, as classificações das provas de ingresso dos estudantes portugueses também são validadas pelo Júri Nacional de Exames.

Como o Liceu Francês tem critérios internos para as classificações, as notas acabam por divergir das emitidas por Toulouse em vários pontos. Segundo documentos a que o PÚBLICO teve acesso, um aluno com oito valores a Matemática, certificado por Toulouse, vê essa nota subir para 12 valores, segundo as tais regras internas de classificação da escola.

Esse certificado, com as notas do final do secundário, é assinado pelo director e autenticado com o selo do serviço cultural da Embaixada de França. Nesse mesmo documento, pode ler-se que as classificações só são válidas para o sistema de ensino português.




Meira Soares, presidente do CNAES, não desmente o essencial deste artigo, na sua
resposta
publicada também n'O Público,

O cheiro nas farsas do poder.

1. Nos últimos dias, a comunicação social prestou um serviço relevante à comunidade. Denunciou alguma situação de favor atribuída aos estudantes de alguma das escolas internacionais de Lisboa. Isto é muito importante. Convém não esquecermos que é possível que a maioria dos estudantes do Liceu Francês de Lisboa seja constituída por portugueses residentes em Portugal, na companhia dos seus pais portugueses. Quem são estes portugueses estrangeiros que acham normal terem protecção especial? São estranhos aos portugueses comuns. Pelo menos.

2. É claro que tudo se tornou demasiado claro com o caso da filha do Ministro dos Negócios Estrangeiros que, além da situação de favor como aluna do Liceu Francês de Lisboa, quis acrescentar a integração no contingente especial para alunos residentes no estrangeiro, considerado no regime especial de acesso ao ensino superior português, criado para proteger certos jovens estrangeiros ou portugueses a estudar no estrangeiro por deslocação prolongada dos pais em serviço. Não realizou os exames nacionais, mas isso não foi suficiente e arranjou uma vaga. (Insisto: Porque é que as classificações internas do Liceu Francês não precisam de ser aferidas pelo sistema de exames português? Para estudantes portugueses que querem ingressar no ensino superior português, porquê?)

3. Demite-se Pedro Lynce, após as públicas denúncias do requerimento do ilegítimo (feito pela estudante dos negócios estrangeiros) e dos despachos ilícitos sobre ele feitos pelos responsáveis do Ministério que tutela o ensino superior. A demissão é rodeada de grandes declarações de dignidade, honra, elevado espírito de serviço, respeito pela lei, etc por parte de todos os que puderam e quiseram falar como altifalantes do governo e dos partidos do governo. Estabelecem-se mesmo debates sobre o valor inviolável da palavra de honra dos homens de bem sacrificados no altar do serviço da pátria, a bem da nação, etc.

4. Havia ainda páginas da farsa por publicar. E, nessas páginas, se desvenda uma teia de ante-projectos e projectos de despachos que aparentam não ter sido tentados senão para resolver o caso. Convites, deslizes, propostas, … Houve muito trabalho técnico esforçado, muito dedicado serviço público para uso privado. Para quê ou para quem?
Finalmente, Martins da Cruz demite-se. E, de novo, um coro canta as abstractas dignidade e honra, as qualidades do serviço do demitido, etc na tentativa vã de se sobrepor a todas as vozes que nos devolvem, pela informação dos factos, a dignidade de homens livres e iguais num estado de dever e de direito. Quem merece ser investigado?

5. Eu dou muito valor à palavra de honra dos homens de bem. Na terra da minha infância, a palavra de honra valia mais que assinatura. Nem se falava na honra, … dava-se a palavra.

6. O encenador das farsas do poder insistiu nos cheiros para criar o ambiente, tão próximo quanto possível da realidade. Chegou a altura das cenas em que cheira mal, muito mal mesmo.


[o aveiro, 9/10/2003]

Os passos reencontrados, de Carlos Marques Queirós

Desenho 12


O José Carlos Soares lembrou-me dois livros que estimo. Um deles, Escrever é um engano de Carlos Saraiva Pinto, já o tenho numa gaveta da escrivaninha. E que bom que era se o Carlos Marques Queirós deixasse abrir uma nova gaveta de luz com Os Passos Reencontrados



os filólogos preferem os primeiros rebentos
das rosas, os meses do outono, os corações
repletos, mas ele vê no trabalho da plaina
as aparas e suspeita do sorriso das rosas.

não sobra integridade. todas as tábuas
irão por sobre a borda. o seu ofício é
de topógrafo, deixar as marcas na sua criação
que a hostilidade desenhou lá fora.


livros de poesia

OS PASSOS REENCONTRADOS - Carlos Marques Queirós, na ASA

ESCREVER FOI UM ENGANO - Carlos Saraiva Pinto, nO Correio dos Navios... e na página do arsélio.


verdadeiramente anti-light, apesar de nos inundarem de luz... e de sombra.

Flores de papel

Desenho 11





Acabei de saber que finalmente saíu em papel o Areia de Same de José Carlos Soares.



Solta um bando
um sono de meninas
branco. Parado

brinco e deixo
que demore
o que da queda

é sombra. Deixo que devore
a descarnada relva filosófica.


Didáctica do Alemão

Na sexta feira passada, fui assistir a uma dissertação sobre a opacidade (lexical?) do alemão, como língua, para os aprendentes (porque falarão assim?). Parece que temos um primeiro mestre em didáctica do Alemão. Parabéns ao novo mestre. Para além do que aprendi, ainda desenhei algumas coisas no caderninho de colo.

Desenho 10 - opaco para não se saber quem é tirolês.





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