desenho, logo existe

... porque era amada

Chegaste e eras o ar. Agora sei
Que era já ar o rosto que tiveste.
Pois no oráculo do vento decifrei
Que não és rosa nem ave nem cipreste.

Talvez que a tua aragem no meu braço
Seja o amor que agora eu te mereça.
Mas se adormeço é sempre em teu regaço
Que os anjos me coroam a cabeça.


Talvez seja eu a morta. E tu ao lado
Não tenhas mãos para me abrir a porta
Nem haja porta se te sinto ao lado.

Talvez não sejas tu nem eu nem nada
Enrolada no rasto desta estrela
Que me arrastou na sua queda errada.

Natália Correia

Não ser de cá

A partir de Aveiro, a ruga na paisagem que ocorre para viagens a leste é o IP5. Embora ande muitas vezes a leste do que se passa, nem sempre me acontece cair no IP5 se me lembro a tempo de outras vias possíveis para o tempo disponível. Sempre que me foi possível e a razão prevaleceu, passei ao lado e longe do IP5. Mas nem sempre foi possível. Moncorvo, Fundão, Guarda, Covilhã, Seia, Vila Velha de Ródão, Vouzela e Viseu atraíram-me para o IP5. Escapei algumas vezes, mas nem sempre.

Agora, depois de beber vários copos de fel e provar dissabores, sei que fui muitas vezes feliz, improvavelmente. Umas vezes, não apanhei mais do que umas bichas monumentais por avarias de camiões no meio do estaleiro que o IP5 é. Outras vezes, as bichas são fruto do próprio IP5. E fui feliz mesmo quando a estes dissabores se acrescentaram espessas cortinas de nevoeiro, tornando o tempo tão lento que eu, sendo velho e lento, me senti animado a correr? à frente dos carros.

O pior estava para vir e isso é entrar e sair do IP5. Entrar e sair em Viseu não é difícil. Mas vindo de Viseu, as luzes nos médios e a atenção no máximo não chegam para discernir a entrada para Vouzela. Parece que nos enganámos, mas não! Percebemos que está tudo bem quando vimos o anúncio de uma igreja em Vouzela. Redobramos a atenção, mas não damos com a entrada e damos pelo engano só quando vemos o anúncio de saída que já é outra e é preciso pensar com muita rapidez enquanto guiamos sem elegância na ânsia de uma saída qualquer.

No regresso para Aveiro, faço pontaria a um nó do IP5, mas falho a entrada e fico a conhecer umas estradas de serra que seriam muito agradáveis se não tivesse caído a noite e eu pudesse ir ver Antela, o Ladário, o alto da Senhora Dolorosa, etc. Como português, dou por mim a aceitar que os construtores de obras façam os planos em cima do joelho, do meu joelho e da minha paciência. A criação de alternativas para não perturbar a circulação de pessoas e mercadorias não está prevista? O caderno de encargos da obra considera a sinalização, a prevenção nos desvios, etc. Com certeza, na Europa.

Em Portugal, só não se perde, quem já se perdeu antes e insiste. Se não sabe por onde deve ir, o que veio cá fazer? Se pagar portagem para as obras, pode reclamar. Quem quer avisos e placas decentes, não é de cá, não sabe por onde anda.


[o aveiro; 9/12/2004]

desenho, logo existe

as portas

as portas

as portas

os meus rebanhos pastam as tuas costas
e bebem-te sem estragar a miragem no espelho:

a uma distância prudente e medrosa pensas que reflectes
estando eu a olhar para ti e para quem não te compreende
na ânsia de seres livre em cada pedra que te prende

e beirando portas pronto a sair
afinal entrando
de um para outro lado

de uma nação a outra.

as portas

as portas



engana. para pensares em fugir por aí, precisas de asas para voar e isso eu não tenho para ti.

as portas



ao fundo, a casa do alto vento abriga uma fogueira de caçadores espreitando o rio, como quem espreita a serpente que vem de espanha onde nasceu e onde deixa os ovos.
vimos passar as luzidias escamas do seu dorso a caminho da cabeça, a nossa, essa que nos envenena cada vez que nos morde e nos beija com a língua bífida da ibéria ocidental.

as portas



assim abandonado e só e arruinado. estar no seu lugar sem querer saber de ser visitado e visto. tudo menos ser outra coisa, sendo isso.

porque ficamos sós, assim ao alto de olhos vazados, incapazes de olhar em frente para o lado sul?

Atropelamento e fuga

1.
Entre os indicadores de desenvolvimento de um país, pululam os números da educação e ensino. Por vezes, esgrimem-se mesmo números tão sem sentido como os milhões do orçamento de estado destinados ao ministério da educação. Esses números podem significar alguma preocupação com a educação por parte do poder político e não mais que isso, a menos que sejam qualificados por alguma acção ou iniciativa política.

Ultimamente, os comentadores espalharam a ideia que se está a gastar demais na educação e que não se vê qualquer melhoria em termos de eficiência ou dos resultados do sistema. Com tais apoios, o governo deste pais pode baixar o orçamento da educação, apesar das altas taxas de abandono escolar básico sem quaisquer alternativas de formação aos sistemas formais de escolarização da população.

Todos reconhecem que problemas graves existem. E, apesar disso, o governo desinveste. Porquê? O mais provável é que reconheça não ter qualquer plano de acção para a educação e formação. À medida que vimos como os ministros se substituem uns aos outros, compreendemos bem que ao sistema lhe falta a cabeça e como está incapaz! Aos actuais mandantes (ou paus mandados?) da politica educativa cabe distribuir culpas pelos funcionários docentes e não docentes, ex-ministros e secretários, máquinas e programas para concursos feitos à mão, etc. E aceitar que não se invista na sua ?má-educação?.

2.
Na educação dos últimos anos, tem-se gasto mal dinheiro demais. Basta pensar nos investimentos feitos pelos governos do PS para rever ou reformar os currículos do ensino sem chegar às aplicações. As mudanças a este nível, em democracia, demoram anos em concepção e negociação com uma grande variedade de parceiros sociais.. De facto, para alem da conformidade que é preciso garantir com as instâncias internacionais e a adequação aos espaços profissionais e culturais partilhados pelos europeus portugueses, as mudanças curriculares têm consequências nos horários de trabalho de estudantes e professores, jogam com concepções científicas e com as (in)contornáveis mudanças científicas e tecnológicas, etc. As intenções das sociedades científicas, associações e sindicatos profissionais, associações de pais e estudantes, escolas básicas e secundárias, politécnicos e universidades são envolvidas numa negociação que demora anos.

Em democracia, não há mudanças simples. Quando alguma coisa parece estar definida, ela já não é propriedade de quem quer que seja e é provisória.

3.
Com diferentes envolvimentos e perspectivas, acompanhei as diversas reformas e mudanças do sistema educativo e, como professor de matemática, empenhei-me activamente em obter, nas oportunidades das mudanças, ganhos para o ensino, em geral, e, da matemática, em particular.

Os últimos governos do partido socialista especializaram-se em prometer e meter mudanças em tudo o que podia mexer, mesmo quando o resultado podia ser vazio por não estarem reunidas condições que dessem sentido às mudanças. Sem olhar para o estado do caminho palmilhado, interessava acelerar e experimentar todas as mudanças.

Quando muda o governo, para uma maioria psd/cds, os ministros só pensam em mudar no meio do vendaval das mudanças que estavam preparadas e, na grelha de partida, esperavam o arranque de um ano lectivo ali mesmo a acenar. Mudam, usando travões. Não podendo ficar paradas as máquinas já postas em movimento, adiam umas coisas para as desfigurarem com pequenas cirurgias, dão andamento a outras em condições que não eram aquelas para que tinham sido concebidas.

4.
Gastou-se muito e gasta-se dinheiro. Gasta-se a alma dos agentes educativos que estão a braços com propostas (técnicas muitas delas) preparadas para uma decisão politica que não é nem vizinha daquela em que estão a ser aplicadas. É caro um sistema de governantes medíocres que precisam de deixar marca, ainda que de tolice. Responsáveis do PS dirão que estes governos se especializaram na marcha atrás.

Mas é mais grave. Eu penso que eles podem mesmo ser acusados de atropelamento e fuga.
Por aqui, o meu futuro é escrever sobre isso.



[a página da educação; nº 140; Dezembro de 2004]

dias de passar as portas




hoje foi dia de espreitar o tejo e as suas portas: do ródão.
é diferente ler as notícias aqui e daqui olhar as fotografias dos acontecimentos.

estamos mais perto de lisboa, mas é como se estivéssemos muito mais longe e, espreitando por um buraco, só intuíssemos uma paisagem esbatida - uma descrição romanceada de que perdemos os detalhes mais importantes, uma dança de que lembramos um filme de pernas e sombras em movimento sem nos lembrarmos de qualquer música a dar-lhe sentido.

da restauração



até hoje pensava que o dia da restauração era o dia de amanhã.
quem vai sair pela janela de hoje? de que andar? de que carruagem?

A paragem de autocarro

Não, não ia escrever sobre o dia da paragem de Santana Lopes decidida por Jorge Sampaio. Devo confessar que não esperava essa decisão, porque os autocarros da fé, da esperança e da caridade estão a deixar de parar em algumas das paragens onde o espírito os espera.

Ia mesmo falar de paragens de autocarros. Aqui, na rua do ISCAA por onde passo todos os dias, várias vezes ao dia, há um equipamento que abriga pessoas. Quem se levanta de manhã cedo sabe que é um equipamento de abrigo necessário para muitas pessoas à espera de um autocarro que as leve ao trabalho. Durante o dia claro, até parece que ninguém ali pára, que aquele abrigo não é necessário. Mas eu sei que é.

Acontece que esse equipamento de autocarros tem sido vandalizado e destruído com frequência. E como me revolta ver aquelas pacíficas pessoas a esperar num mundo de vidros estilhaçados. Sem poderem sentar-se, deslocam-se cuidadosamente e respondem em surdina às saudações que a manhã mal oferece.

Os serviços da Câmara Municipal e as Policias Municipal e de Segurança Pública devem ter registos destes actos de vandalismo. Nesta rua e noutras, claro. Esta paragem mais parece um desafio, já que as outras ali muito perto, não são assim desfeitas. É verdade que este equipamento está do lado do descampado que se abre para o abandono das traseiras do Instituto da Juventude.

Terá tocado alguma campainha de alarme em algum serviço da comunidade sempre que este equipamento foi vandalizado? Espero bem que sim e quero ter a esperança que todos nós tenhamos ouvido o aviso. Cada acto de vandalismo é para ser escutado. Quando o vandalismo se repete não podemos abandonar os lugares onde eles acontecem. Se abandonarmos para não ver, a indignidade toma os lugares como seus territórios exclusivos e tudo fará para nos expulsar da cidade construída para os cidadãos.

Que ninguém fique surdo aos avisos e aos apelos. Se abandonarmos a cidade a quem não a ama e a quem não ama as pessoas suas vizinhas, acabaremos a ser perseguidos para lá de fronteiras que nem imaginamos. Ou seremos perseguidores. Ser perseguido ou perseguidor? Isso não é vida.

Nem o sinal para a saída de Santana Lopes me afastou de escrever sobre a paragem do autocarro. Espero que isso acrescente importância a este aviso - para a cidade e para a democracia. É preciso parar com o erro de fingir que nada acontece quando é o mal que acontece.


[o aveiro; 2/12/2004]

as perguntas




- O que acontecerá se Creso declarar guerra à Pérsia? - perguntaram em nome de Creso, rei da Lídia.
- Destrói um império poderoso. - respondeu a Pítia, do Oráculo de Delfos criado por Apolo que distribuía o dom das profecias.

E Creso invadiu a Pérsia de Ciro.

Depois de uma derrota humilhante, à pergunta de Creso.
- Como pudeste fazer-me uma coisa destas?
a resposta transcrita da História de Heródoto é a seguinte:

- A profecia proferida por Apolo dizia que, se Creso fizesse guerra à Pérsia, destruiria um poderoso império. Ora, perante isto, se tivesse sido sensato, devia ter mandado fazer nova pergunta: se era do seu império ou do de Ciro que se tratava. Mas Creso não percebeu o que foi dito, nem voltou a perguntar. Por isso só tem de culpar-se a si próprio.



citado de Carl Sagan

de que me lembro, em chamas, os dias



Há semanas velozes. Esta semana, para além da minha vidinha, dei comigo a reunir com os pais dos estudantes que trabalham comigo e também com os pais de crianças do agrupamento de válega, perto de ovar. Há encontros em que me sinto em casa. Quando dou por mim, estou perdido em meio de conversas onde se cruzam desesperos de desemprego e insegurança, brinquedos de crianças e formas de aprender, apoios sociais, e... alegria, muita alegria jocosa temperada por castanhas e jeropiga. Não tenho pressa de voltar ao mundo dos sérios salvadores do mundo, porque é mais ou menos por ali que me posso salvar a mim mesmo. Noite magnífica, abençoada cavalgada pelas estradas, ainda que perdido na escuridão das novas estradas. (Que fiquem assim escuras! para que pulsemos com um céu polvilhado de luzeiros longínquos, que nenhum ministro queira inaugurar naquele troço, em que me perdi numa solidão magnífica e medonha, os candeeiros que apagam o céu).
No dia a seguir, subi ao calvário. IP5 e uma assistência que o não queria ser por ter desistido da matemática ou de tudo. Não foi a primeira vez que fui a Seia. Quem me convidou a lá ir talvez não tenha culpa e uma parte da sensação de desespero nesta ida e volta da vida venha de mim mesmo. Já me aconteceu ter assistências contra, mas pronta para algum tipo de luta. O tempo passou por mim e foi um soco que ao passar me deixou oco. O oco é uma falta insuportável.

E, em vez de outra coisa qualquer, a semana acaba com mais uma reunião de sábado. Hoje, sobra uma lentidão de um zigue-zague alquebrado.

Copio laboriosamente versos

Ainda não tem nome
mas há-de vir
decerto, o nome

atrás da fome
do que não está
por perto. E há-de ser aflita

a rosa nas traseiras,
um chão de vespas dentro
e uma noite inteira.



Copio laboriosamente versos de poetas. Os poetas dão-me o maior consolo. Provavelmente não há outro consolo ou a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer (mais ou menos assim escreveu Stig Dagerman. Um dia destes vou citá-lo ou transcrevê-lo - porque ele é tão desconhecido como os poetas que eu conheço). NOs poemas procuro um verso. Por vezes, leio centenas de páginas até que uma palavra vulgar me emociona... por estar ali: uma pérola no colo da mulher mais bela (sendo que a mais bela é a que amamos, quem sabe como amamos o verso e a pérola quando a vimos como um instante que nos toca nem sabemos porquê e o porquê não nos interessa).

Na escrivaninha lá está, de José Carlos Soares, o Chão de Vespas, pronto para ser lido: em busca do nome que há-de vir e ser a rosa nas traseiras, um chão de vespas dentro e uma noite inteira.

tarde tocaste

foste a última a tocar o meu pobre coração

mas foi tão tarde
que é o tal fogo, o que arde
sem que o possas ver, o que me consome





e, quem sabe?, talvez me mate à fome.

lenda

Aos homens disseram:
- Pesquem que é um bom desporto!

Homens houve que acreditaram e fizeram
o melhor isco de homem morto.

Mais tarde disseram
que os peixes não morderam.

:-)

Os iscos usados na pesca desportiva
de mar salgado passaram pelas brasas
antes de serem petiscados em suas casas
pelas viúvas respectivas.



desenho, logo existe

Orgulho e preconceito.

1.

Trago os bolsos portugueses cheios de orgulho. Uns dizem-me que devo orgulhar-me por ter um português como chefe dos comissários europeus.

A barraca da primeira proposta de comissão em estilo rococó fez recuar Durão Barroso e os chefes dos governos da Europa do tipo Berlusconi, esse rapaz que, pela via do poder, se tornou imune à justiça do seu próprio pais. Também pelo partido do nosso ex-primeiro se passeiam algumas personagens do tipo foragido. Durão Barroso voltou com uma nova proposta de lista de comissários e esta acabou por ser aprovada no parlamento europeu.

Já aprovados pelo Parlamento, mas sem terem experimentado as cadeiras da comissão, os comissários começaram a pingar escândalos que recomendavam aos governos dos seus países que os não indicassem e ao nosso orgulho Durão que os não aceitasse caso lhe fossem propostos. Ficamos a saber que afinal não estamos sozinhos no mundo quanto a governos fracos de honra e ficamos a saber que o nosso chefe dos comissários aceita tudo o que os chefes dos governos lhe impõem. A comissária da concorrência está envolvida em vários processos de violação das regras e leis da concorrência. Argumento dos defensores da comissão: não está envolvida em mais do que 3 processos o que é uma gota de água no mar de milhares de processos em investigação. Não é espantoso este argumento a favor da desdita? Outro comissário até se esqueceu de referir que tinha sido condenado a pena de prisão e afastado de cargos públicos no seu pais. Orgulho no chefe português desta comissão tão qualificada?

Este orgulho que me propõem tem de ser escondido. É por isso que trago os bolsos cheios de orgulho.



2.

É mesmo preconceito da minha parte.

Interferem com os privados da televisão. Interferem com os serviços públicos de televisão. A primeira reacção dos tipos envolvidos é falar de outras interferências no passado e por outros partidos para não terem de explicar e assumir responsabilidade pelo que está a acontecer. Como se fosse natural dizer: outros foram piores que nós, deixem-nos ser um pouco trastes. E assim fazem com quase todos os problemas. São uns chatos pouco honestos untados num verniz que cheira mal. Não há pachorra.

É mesmo preconceito da minha parte e não consigo escondê-lo.



3.

E dizem-nos: porque não nos querem modernos como os outros selvagens da Europa?
Há civilização europeia e outra Europa. Na nossa Europa não esquecemos a experiência: os votos podem dar-nos o melhor da Europa, mas já nos deram o pior de tudo o que ela tinha para nos dar.



[o aveiro; 25/11/2004]

o monumento

dom quixote,
com sua lança,
trespassando a pança
de sancho.

a viola

muitas vezes, como
se soubesse tocar-lhe
abraço-a

assim como
se a embrulhasse
numa canção de embalar
antes de a acordar.

desenho, logo existe

No Guarany (Aliados) esperámos pela felicidade de rever "as seis gaivotas". Nada é melhor do que rir (se possível de nós mesmos para ser ainda melhor).

Enquanto esperávamos no Guarany, li umas linhas de uma entrevista a René Thom

(Parábolas e Catástrofes que a Dom Quixote publicou na OPUS - Biblioteca de Filosofia. A tradução perde ou ganha por não ser cuidada do ponto de vista da matemática?)

e, como sempre, fui desenhando

desenho, logo existe



pronto.... final.

desenho, logo existe



num congresso de quase só homens (!!) que podemos desenhar?

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santarém?

desenho, logo existe



nota-se muito que o congresso foi em santarém?

desenho. logo existe



nota-se muito que estive num congresso?

desenho, logo existe



nota-se muito que estive no congresso das cooperativas portuguesas?

desenho, logo existe



o luar contigo
é o desenho
de um luar comigo

desencontros tanto acontecem
ao luar contigo
como ao luar comigo


:-)

Nenhuma orelha te arde
por eu me pensar contigo.
Contra praga de cobarde
nem precisas de abrigo.

ainda agora aqui cheguei!

Ainda agora aqui cheguei e já estou atrapalhado.
Uma mensagem diz-me que eu devia ter mandado até hoje o artigo que já devia ter ido não sei quando.
Outra diz-me mesmo o que eu devia ter feito e com quem devia ter falado onde estive ontem e hoje.
Outra ainda me diz que se não existisse, tinha de ser inventado.
E há um amigo que me manda uma mensagem cujo assunto é Fw: O meu amigo Arsélio. Há mesmo quem me tenha mandado uma pergunta que só pode ser uma provocação. Aqui deixo o teor dessa mensagem:
Desculpem mas eu tenho aqui um perguntinha para vos fazer. Não será nada de complicado.
Concordam com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?

Ontem e hoje estive no Congresso das Cooperativas Portuguesas em Santarém.
Para partir foi uma aflição de aventuras de chaves fechadas a sete chaves portas a dentro das portas que é preciso abrir para as apanhar, enquanto me ia mantendo agarrado a papéis que afinal não foram enviados e nem sei onde estão.
Eu já não tenho idade para partir.

Aprendi por lá como aprendo sempre. E vi algumas pessoas que de outra forma não veria. Até vi uma pessoa que só pode não me ter reconhecido por já não se reconhecer a si mesmo. Porque passaram os anos e nós passámos com eles.

Oficial desmentido

O ministro das finanças do meu pais é tido por pessoa de princípios rígidos. É daqueles que toma medidas para salvar o pais. Toma medidas e manda apertar os cintos, de castidade incluídos. Há muita gente que assim pensava até que há uns meses ele aceitou ser o financeiro de Santana.

Depois de ter estado em governos a defender o sigilo bancário como forma de cativar os investidores estrangeiros e nacionais, vem agora dizer-nos que para o ano não há sigilo bancário para ninguém. Disseram mesmo os comentadores que a esquerda ficou cativa das medidas felixes, rigorosas, populares e de controle do capitalismo selvagem ou dos selvagens capitalistas. O homem foi tão longe que até disse acabar com os benefícios fiscais dos ricos naquelas coisas chamadas poupanças ditas PPR, PPR-E, PH, etc. Os capitalistas que se cuidem.

Para fazer umas obras na cozinha cooperativa, lá tive de ir ao banco ver se havia poupanças e pedir empréstimo para pagar o que as poupanças não cobrem. Recomendaram-me que reforçasse a poupança-habitação até ao fim do ano e fiquei a saber que aquela coisa do fim dos benefícios fiscais ainda não era e que as medidas felixes não entram no orçamento de 2005.

Percebia pouco disto, percebo menos agora. Perplexo, comecei a ver cartazes do banco do estado, a caixa geral de depósitos, um pouco por todo o lado a incitar-nos a todos a fugir ao fisco, usando poupanças. O mais delirante de todos dizia: "Brasil - o novo paraíso fiscal para quem quer poupar nos impostos." E eu a pensar que os capitalistas portugueses eram aconselhados a fugir para o Brasil. Mas não! O banco do estado português esclarece no mesmo cartaz a politica da campanha: "Paraíso fiscal é poupar nos impostos e ainda ganhar viagens. Este ano, poupe até ?2691 no IRS com as Soluções de Poupança Fiscal da Caixa e habilite-se ao sorteio de viagens a sítios paradisíacos. E se antecipar os investimentos até 10 de Dezembro, multiplicará as hipóteses de ser premiado". O banco do estado promove o pais como paraíso fiscal. Onde está o Félix nisto tudo?

Os velhos como eu achavam que o governo devia ser de homens e mulheres de uma só palavra que, para alem de o serem, tinham de parecer sérios e com espírito de serviço. Há uns anos, começou a valer a ideia que não podia desrespeitar a lei e era conveniente parecer sério quem quisesse ser governante.

E agora?



[o aveiro; 18/11/2004]

(d)escrevo, logo existe; mas a que sabe?

Nunca sei quando devo ficar de rastos. Preciso de quem me ensine a arte de escolher os dias para ficar de rastos. Ou ando eu sempre de rastos e já nem dou por isso?

E tendo aprendido a desistir do que há de sagrado em mim,

- aquilo a chamo desejo volátil, santidade do corpo em si ou da vida vivida por si mesma no acerto ou concerto com as vidas dos outros -

todos os dias me resigno a ouvir os passos dos que se afastam, sem que me levante para os seguir.

Isto não interessa, eu sei. E apesar de saber que nada interessa, escrevo-o para que passe a existir o sem interesse

- porque afinal o sem interesse é a minha vida - única e irrepetível.

Estas frases afirmam e provam a existência. Não quero provar a unicidade. Provar, provar ... só a existência. E continuar sem saber, sem conhecer ... o sabor.

devastado

(...)
I will show you fear in a handful of dust.

Frisch whet der Wind
Der Heimat zu
Mein Irisch Kind,
Wo weilest du?


"You gave me hyacinths first a year ago;
'They call me the hyacints girl.'
- Yet when we came back, late, from the Hyacinth garden,
Your arms full, and your hair wet, I could not
Speak, and my eyes failed, I was neither
Living nor dead, and I knew nothing.
Looking into the heart of light, the silence.
Oed' und leer das Meer.

[T. S. Eliot; The waste Land]

o desejo volátil

Eu achava que queria ser poeta, mas no fundo queria ser poema.

[Vila-Matas; Batleby & Companhia]

estagnardia

Há dias em que espalhamos palavras sobre todas as coisas da nossa vida, como quem estende um pano sobre as nódoas da mesa. Para quem chega de novo, vindo de fora, o que vê é a toalha lavada. Mas para nós? Tentamos parar o movimento perpétuo por um instante melancólico. Mas nós sabemos que há o dia seguinte, que nada parou entretanto porque nada aconteceu a não ser sobrepor as palavras, uma ou outra mentira piedosa sobre nós mesmos para nós mesmos. É certo que deixamos que alguns grãos de poeira se colem à pele do lugar.

Acordo ainda mais cansado ao ter de reconhecer que tudo recomeça uma e outra vez na cabeça que é onde precisamos de travar e é onde não há travões... onde não há travões. Eu posso decidir que não dou mais um passo e deixar-me adormecer paralisado nesse instante mágico em que decido sobre o meu corpo. Mas a imaginação é o filme que passa contando-me tudo o que fui e tudo o que não serei por ser incapaz de ser o dia seguinte de mim.

.... em saco roto

se eu me levantar e pedir a palavra para dizer

Como Novalis disse ...

é porque não sou um saco roto

se acordar

se a manhã vier beijar-me
como só ela sabe
eu hei-de saber calar-me
no colo em que meu sonho cabe.



se acordar?
sonho acordado.

lutas de família

Num blog praxista , feminino, estão publicados textos contra a praxe. Um dos textos escolhidos foi escrito em 97 pelo meu filho mais novo que é também o meu filho mais velho. A este respeito, vale a pena ler um filho afirmar-se, no seu Diário de Bordo , orgulhoso em estar ao lado do Pacheco Pereira, do mesmo lado da barricada.
Nos idos de 70 do século passado, contra a queima e contra a guerra, ao lado de Pacheco Pereira militavam os pais do meu filho.

tisana 17

Nos anos em volta de 1970, lia muita poesia e comprava alguma com o pouco dinheiro que ia tendo (e era muito, pelo menos para a poesia que ninguém que eu conhecesse comprava). Hei-de revisitar uma a uma as mulheres que lia - agora que me lembro, as mulheres da poesia desses anos, deixaram-me mais marcas que os homens. Um dos livros que copiei laboriosamente ainda antes de o comprar era o "39 tisanas" da Ana Hatherly. Quando o procurei há uns dias e o não encontrei como fiel do armazém da memória impressa, decidi comprar as "351 tisanas" para conversar à porta de casa com o porco Rosalina ou com a chave que abria a porta aberta.


Era uma vez uma chave que vivia no bolso de um homem. Durante muito tempo desempenhou com honestidade o seu trabalho de abrir portas. Até que um dia descobriu que todo o seu trabalho tinha consistido sempre em abrir portas que já estavam abertas. Quando descobriu isso lançou-se corajosamente para fora do bolso. Caíu no chão. Ficou ali. Passa uma criança vê a chave e diz que coisa tão engraçada para fazer um carrinho.

cello






Ouço o que quero ouvir.

Porque somos felizes?

Em verdade, devia contar-vos o dia de hoje como um dia infeliz. De facto, assim parece. Como professor de matemática, decidi fazer uma viagem lenta com os estudantes que trabalham comigo. Para que as coisas parecessem claras ainda antes de partirmos, escrevi como sumário qualquer coisa como: tentativa de construção de uma nova operação ou conceito... pensando. Deixei que eles tomassem os lugares do espírito e tentei ganhá-los para a viagem que eu queria fazer. A ideia parecia-me simples: depois de lhes ter posto uns dias antes um problema complicado, ia agora colocar tudo o que sabíamos sobre o tampo das nossas mesas de cabeceira e procurar de toda a tralha que carregámos, uma ferramenta que fosse interessante e funcionasse a unir os pedaços do tal problema do dia antes. Fomos andando aos solavancos. Não perdemos tudo, algumas peças se foram montando, mas os estudantes não perceberam o essencial. E o pior é que alguns dos que se aproximaram para me perguntar pelo verdadeiro intento, acabaram dizendo que mais me valera ter dado a definição simplesmente.

Na minha vida de professor, isto acontece. Porque eu explico mal. Ou, mais frequentemente, porque os estudantes não querem saber como é que as coisas se fazem, como é que elas aparecem ou como é que escolhemos uma possibilidade entre várias. Também não querem muitas vezes saber porque é que a escolha convencional funciona. Basta-lhes que funcione para os efeitos que o professor desejar.
Em cada falhanço destas tentativas pedagógicas, apetece desistir. Mas nunca desisto, porque é possível que numa destas tentativas um estudante dê um salto para lado do processo do pensamento científico.

Os políticos todos pensam que o povo não quer saber dos processos, nem está apto a percebê-los. Pensam que o povo quer saber do que funciona ou não. Os políticos dizem ao povo o que pensam que ele quer ouvir, ainda que seja mentira. Desistiram tão radicalmente da verdade que dizem ao povo que os impostos vão descer (ainda que seja mentira) e enervam-se se os investidores e decisores europeus ouvirem o que foi dito ao povo em vez de lerem só a verdade que está escrita nos papéis onde a verdade se esconde da compreensão do povo.

De cada vez que há eleições, quase chegamos a pensar que estes políticos têm razão. De cada vez que falhamos com os estudantes, quase desistimos de explicar para impingir a receita.

Somos felizes, porque não desistimos.

[o aveiro; 11/11/2004]

nada me custa mais do que corrigir provas... de amor

Quando te pergunto e tu respondes,
procuro o certo e o errado ou o que escondes?

Eu não quero saber o que é certo ou o que é errado
nem quero virar o ar dos sons para vibrar por outro lado


Sou eu quem se desfaz em tinta vermelha verdadeira
chorando sangue sobre a tua resposta azul certeira

a não esperada
ou a não desejada
ou o contrário de tudo ... que é nada.

GEOMETRIA : A curva do ingénuo revisitado (geogebra)

GEOMETRIA : A curva do ingénuo revisitado (geogebra) : Revisitamos "31 de Janeiro de 2005" de entrada ligada a texto de setembro ...