a gestão da crise

 Uma amiga lembrou-me que

É sempre bom saber...
"... os portugueses comuns (os que têm trabalho) ganham cerca de metade (55%) do que se ganha na zona euro,

mas os nossos gestores recebem, em média:
- mais 32% do que os americanos;
- mais 22,5% do que os franceses;
- mais 55 % do que os finlandeses;
- mais 56,5% do que os suecos"

(dados de Manuel António Pina, Jornal de Notícias, 24/10/09)

se um dia, eu me esquecer

se um dia chover demais e eu escorregar com a chuva,
pelo chão dissolvido até não ser mais que a turvação
ou a iniquidade na água corrente e não puder avisar-te
para que não me bebas na corrente é porque sim

me esqueci de tudo e de ti também

disso saberás vendo-me água corrente como se fosse eu espelho ao espelho
sem mostrar sinal de te conhecer ao passar olhando-te fixamente
com os meus liquefeitos olhos presos na cabeça da água
escorrendo como as outras águas pluviais a caminho

da saída onde deixei de te ver até não sobrar lembrança de ti

o tempo que faz lá fora



O meu amigo poeta José Carlos Soares publicou "Este perder-se" -  selecção de poemas - que inclui 3 desenhos de reuniões feitos por quem faz laboriosos bordados nas reuniões.  É uma boa notícia do meu tempo lá fora.  Aqui dentro de mim, tento não me perder,  sem perder de vista o essencial que é o tempo que faz lá fora.

desenho de época

desenho de época

não é preciso escrever bem, preciso é descrever o que nos irrita

As clientelas do poder ganharam tanto mais poder quanto podemos reconhecer as caras de gestores da coisa pública que favorecem a coisa privada até se tornarem saltimbancos entre a coisa pública e a privada num sistema de transferências milionárias que, não correspondendo a competências reconhecidas, não podem significar outra coisa senão troca de favores no estado aos sectores privados da economia. A tal ponto as caras rodam de um para o outro que quase podemos arriscar que o que é sector público serve interesses privados ou então é o privado que é público e notório depender do que é público. Até ser normal que seja o público que paga roubos e erros da alta finança privada. Ministros e secretários de estado de governos ps, psd e também cds tornam-se administradores e gestores de empresas públicas e privadas, institutos e fundações, envolvidos todos por uma nuvem de suspeita admissível de troca de favores, em que cada um é cliente de outro em algum negócio. A ideia que defendem hoje para o futuro do país, todos juntos e em uníssono falam da sua ideia para o país, é a voz obscena de uma voragem sem limites. Olhe-se para eles e meça-se em dinheiro recebido, em enriquecimento ilegítimo para não dizer ilícito, o fosso que os separa do povo que dizem defender. Não haverá já outra medida para tanta desfaçatez.


Sussurram por maiorias absolutas para novo governo a favor das clientelas de poder cuja ganância não pára de crescer em tempo de crise. Fingem mesmo que todos os que não quiseram governar-se não querem, nem podem nem sabem governar. Dizem, como disse Francisco Balsemão, que não se pode contar com eles para assumir a responsabilidade do governo. E é verdade porque todos sabem que estão a falar do seu governo, dos seus governos, da manutenção e consolidação deste estado de sítio em que se garante o lucro obsceno de poderosos e afilhados, ainda que à custa da miséria dos povos.

Quando Fernando Madrinha se exalta contra as declarações obscenas daquele diogo dos campos do psd sobre salários e impostos, eu estou de acordo com ele. Mas é acabrunhante ler, logo de seguida, que o país tem de ser governado por alguém aparentado a personagens desse calibre (que até já foi dirigentes do banco de portugal (deus meu!) e dele recebe reforma (por alma de que serviço, perguntarei) excluindo da possibilidade de governo todos os economistas, académicos, técnicos, operários, etc só por não terem doado qualquer parte da sua vida para o peditório a favor de si mesmos, de milionários banqueiros e outros trapaceiros.

Sabemos dos currículos trapaceiros de ministros e administradores com excelentes resultados em votos e em lucros obtidos, sem precisar de mais que fazer o favor de trocar o favor do estado. Ainda um dia, há-de haver alguém que se dê ao trabalho de comparar o currículo daqueles com que Balsemão não conta para governar, com os currículos dos que se têm governado e são os melhores para esses cargos. Há uns tipos que até talvez sirvam para ganhar os prémios tipo pessoa e afins, mas nunca para governar. Porque governar, para os do costume, é meter a mão na massa - literalmente falando.

Por estes dias... a verdade a esconder-se

Há uns dias atrás, no Público on-line, lia-se a promessa de Passos Coelho de no futuro próximo não ir colocar no aparelho de estado o pessoal do costume, reconhecendo ao mesmo tempo que o PSD usou o estado para empregar muita da sua gente, sempre que ocupou o cadeirão do poder. Até pode ser um propósito firme de emenda.
No Público de hoje, ...escreve-se na página 6 do caderno principal que ... o socialista João Cravinho disse ontem que a administração pública está “infiltradíssima por lobbies e clientelas responsáveis pela corrupção do Estado”, defendendo, por isso, que “é necessário despartidarizá-la”. Falando no encontro Pensar Portugal, em Vila Real, o ex-ministro socialista disse que os partidos têm um comportamento que não permite às pessoas terem grande esperança, porque as suas intervenções não se dirigem à resolução dos problemas. O Estado, segundo Cravinho, está capturado por interesses. Por isso, considerou, tem de haver “transparência” na administração pública para que não haja “compadrios, soluções duvidosas e protecção de determinados interesses à custa dos interesses de todos”. Para Cravinho, é “urgente” que a Constituição garanta uma administração pública transparente.Mas, frisou, “para isso não basta haver uma lei que depois ninguém cumpre ou cumpre mal”. Segundo o ex-ministro, a insustentabilidade das finanças públicas é reflexo da falta de competitividade e crescimento e, se este problema não se resolver, Portugal terá sempre “finanças públicas reprimidas e em muito mau estado”. Temos a certeza que João Cravinho sabe do que fala.


Passos Coelho, cujo currículo é prenhe de competências reconhecidas, em período eleitoral para o poder do estado de sítio, reconhece que o seu partido PSD funcionou como agência de emprego e malfeitorias contra o Estado. João Cravinho, ex-ministro do PS e nomeado para... por..., reconhece que o aparelho de estado está infiltradíssimo sem falar do partido socialista e falando de todos os partidos. De facto, estas duas notícias garantem-nos só e muito simplesmente que tudo se resume a crimes do PS e do PSD.

Os outros partidos, que não o PS e o PSD, fizeram alguma infiltração?

nunca mais

1.

só diz nunca mais
quem não sabe de quantas mudanças
são feitos os dias de cada um

minha mãe perguntava para onde vais
tu que não tens jeito para danças
só podes ir a lugar nenhum

sabendo que eu acabava por partir
para onde ninguém me esperava
pelas ruas nuas e em estações vazias

para onde o frio que estava por vir
vinha zangado e em cada rajada gritava
a terrível solidão das noites mais frias

só diz nunca mais
quem não sabe adivinhar o choro no fado
que nos diz que tudo será como deus quer

minha mãe chorava sem ter ido a qualquer cais
separar-se do filho que voltara já enterrado
na pressa de não fazer viúva a que seria sua mulher

2.

nunca mais a escuridão nos dias claros
nunca mais antes a morte que tal sorte
de assobiar para espantar o medo

podemos dizer agora nunca mais porque agora é cedo
porque sabemos que a morte qual vida eterna? é mesmo morte
e já morreram os abraços dos amigos cada vez mais raros

de "Teógnis de Megara"

(...)
Pois todos temos pensamentos manhosos:
mas ao passo que um não quer seguir o mau proveito,
a outro agradam mais as congeminações enganosas.

Da riqueza não há limite que se mostre aos homens,
pois aqueles de nós que mais têm, esses
apressam-se a duplicá-la. Quem saciaria todos?
Para os mortais a riqueza é demência,
donde vem desgraça que toca ora a um,
ora a outro, quando Zeus a envia aos infelizes

Sendo cidadela e torre para o povo de mente vazia,
ó Cirno,o homem nobre só obtém pouca honra.

Não nos cabe considerarmos-nos homens salvos,
mas uma cidade, ó Cirno, totalmente saqueada.

(...)

(F.Lourenço, Poesia Grega, Cotovia, Lisboa: 2006)

25 de abril...

... sempre!

do que gosto mais nas negociações é...

... daqueles senhores que os jornalistas identificam como sociedades de advogados e se identificam a si mesmos como "agora não, não levem a mal"...

... e de ter sabido que o muito nosso ex-ministro da tal ex-economia, manuel pinho, também já trabalhou no fmi e para o fmi em algumas negociações, a confiar no próprio que o comunica em crónica d'o expresso...

limoniformes...

...como tonéis

- de todos os sólidos com a mesma superfície, os limoniformes têm volume máximo - disse Kepler, descendo o Danúbio entre pipas.

contraceptivo...

do nosso ponto cardeal

portas e o ...

... anjo correio com passos de coelho treinam para figuras de estado depois de terem feito figuras de estalo:
figuras de estilo.

aparelhos

Aparelhos
- do PS
- do PSd
...
- dos dentes.

Quem pede maioria absoluta de um partido só pode querer que o aparelho do estado se confunda com o aparelho do seu partido.

a imaginação da negociação do pesadelo

Chegam uns e outros. Quando na mesma sala, negoceiam apresentações e cumprimentos. Depois, os técnicos podem circunstancialmente referir um ou outro assunto a ser abordado. Os políticos podem falar dentro do tempo disponível que é diminuído se houver necessidade de tradução. Os técnicos podem ouvir sonolentamente o que já sabem de ouvir falar ou de súmulas escritas produzidas antes por quem anda por ali a tratar recortes de jornais e documentos avulsos. E podem tirar uma ou outra nota para dar nota de que ouviram. Podem mesmo fazer uma pergunta ocasional sobre algum paleio que precise de alguma precisão ou melhor tradução. Podem mesmo ter desenhado alguns bonecos.
Entretanto, o tempo acabou. Se não forem surdos, os técnicos ouviram e não devolveram senão olhares perdidos. Não contestam nem aprovam. No fim, alguns apertos de mão mais ou menos firmes ou mais ou menos moles.
O relatório técnico talvez denuncie algum aspecto que cada um atribua ao que disse.
Foi um prazer. O que faz de chefe de cerimónias pode mesmo resmungar algumas palavras de circunstância e agradecimento por terem comparecido. Sem isso, não se poderia falar de negociação.
E p.f., pfff..., fe.., ifm, fmi ou melhor... fim.

não posso desenhar, pouco posso escrever (...)

(...) só posso olhar para fora e ver as notícias, sempre aparentemente as mesmas notícias, como rastos formando um tapete rolante de últimas sobre a crise ou sobre vitórias e derrotas no futebol, claques e polícias, políticos e banqueiros, economistas e financeiros, donos de tudo e donos de coisa nenhuma:

as máscaras mil vezes mostradas para parecerem caras de verdade, como as mentiras mil vezes repetidas para parecerem o sofisma único essa baba que parece verdade assim cuspida por todos os que podem falar para uma multidão que se cale e pise ou esconda o que diz à boca pequena à boca pequena de boca em boca como um segredo mal guardado:

a quadrilha vive agora de uma ideia com mercado seguro para os seus manuais adoptados pelos estados sólidos líquidos e gasosos.

dispara, porra, dispara!

(...) pelos dois canos do nariz.

os professores não vão em carnavais

a professora levantou o dedo e apontou a porta da rua, por onde, balbuciando desculpas, saiu o menino mascarado de diabo.
a professora marcou a falta com tinta vermelha e registou qualquer coisa na caderneta.

só depois disse: meninos, hoje vamos representar o auto da barca do inferno!



(de há muitos anos para um programa de rádio pirata: círculo virtuoso, penso eu.
veio agora a propósito daquilo a que chamam "negociações de resgate")

Nada, mas mesmo nada

Por estes dias, os dedos podem fazer pouco por nós. E nós podemos fazer pouco pelos dedos senão dar-lhes descanso na esperança de os podermos vir a utilizar num futuro próximo sem dor. Dizer isto é dizer tudo. Que é o mesmo que nada, bem o sabemos.

nandita- fábrica de cores

menos olhos que barriga

A política olha para a destroçada barriga
Aberta pela venda lucrativa da mina traiçoeira
Até  perceber  uma diplomacia  que lhe diga
da gangrena ser menos boa que a cegueira


Ai, a que colhe  ramos de oliveira  vai tropeçar
Em seu  vespeiro  de  palavras  voadoras

E caindo a pique sobre o ninho das metralhadoras
A pomba apenas sente uma pena a soltar-se no ar.



Há crianças tão leves que tropeçam nas borboletas
E caem. Pairando no ar por  momentos
Como uma realidade que sustém a respiração.

Há mulheres tão finas que passam entre os pingos de chuva
E caem.  Como juncos levados pelos ventos
E são as fitas do chapéu que pesam para o chão.

Há homens tão grosseiros  e belos feitos estátuas de cal
E caem.  Pesadamente caem  como braços do arado
Na paisagem  lavrada pelos dedos de uma mão. 

quem anuncia o fim do(s) princípio(s)?

Os responsáveis pela situação a que chegamos anunciam-nos que só eles nos podem conduzir para fora dele porque conhecem o caminho até aqui, bem com conhecem bem todos os figurões que organizaram (e lucraram com) o descalabro e que podem ser influenciados no bom sentido da oportunidade em que um descalabro pode travestir-se. Eles esperam que o bom povo se deixe convencer pelas trampas que pretendem maximizar em seu proveito a crise até não haver qualquer alternativa audível e tudo ficar resumido a alguma coisa que é ps+d-d. Se isso vier a resultar do concerto eleitoral que aí vem, este fim de semana desconcertante será o princípio de outro fim, um anúncio da vitória da maldade pura, da falta de vergonha, da falta de princípios, da falta. Resta-nos o quê? Uma revolta feita de muitas pequenas revoltas, individuais e colectivas.
Antes de me despedir por uns tempos das mãos que pouco escrevem, dou conta de que a cabeça conta mesmo quando não escreve nem fala nem desenha.

desenhando

a vida lida depois: os livros da universidade?

Sem razão que valha a pena lembrar, depois de chumbar nos exames médicos de ingresso na escola náutica e de passar na admissão à universidade da matemática entrei num mundo de poucos livros e muitos ouvidos.Ainda guardo os laboriosos cadernos feitos pelas mãos de quem ouvia. E memória de alguns livros, e de poucos e bons amigos, perdidos na distância da circunstância e nunca perdidos na memória. Lembro-me em detalhe, das falas, dos risos, dos abraços. O que aprendi de matemática foi ouvido em aulas e laboriosas transcrições. Não comprei sebentas e comprei um ou outro livro de álgebra e lógica editados pela da Gulbenkian.Quem me conhecesse nessa época e não soubesse o que eu estudava, sabia com certeza que eu lia livros de poesia e escrevia cadernos de poesia e matemática. E falava e escrevia como "associativo" antifascista. Comprei muitos livros de poesia moderna, demais para as minhas posses. A minha irmã que me perdoe que era ela e o marido quem os pagava.Mesmo em termos de política, tenho de confessar que poucos livros de política lia. Ouvia os meus amigos e lia o necessário para explicar alguns pontos de vista. Para a matemática, ouvir e escrever era um exercício diário. Cada uma das coisas a que me dedicava tornava quase clandestina outra a que me dedicasse simultaneamente.Aprendi pelos livros?

Desde a infância vivi cercado por livros, apesar da pobreza dos camponeses. O meu pai mandou do brasil uma arca cheia de livros e alguns desses li, antes e depois de serem parte da estrumeira que prolongava o alpendre da casa. Mas que livros eram esses? Não eram livros escolares. Desses não me lembro, devo confessar, excepção feita à selecta literária (colectânea de textos de José Pereira Tavares) de que decorei uma parte muito significativa.

Penso que já percebi porque é que me sai aquela parte dos meus discursos sobre "livros que não havia". São os livros de que não tive ou de que não há memória.

a vida lida depois: os livros do liceu

Depois fui mandado para o liceu de Aveiro, acompanhando a minha irmã mais velha que estava mesmo no fim do seu curso liceal e em vias de ir para Coimbra. Voltei à solidão com desacerto. Fora de mim ou da minha gente, como é que aprendia? Pelos livros, talvez. Porque me lembro da selecta literária. E dou por mim a não me lembrar de professores e a reconhecer poucos colegas desse tempo e dos locais - Coimbra, Anadia, e Sintra - por onde fui pass(e)ando.Lembro-me vagamente de mais pessoas fora do liceu e das escolas e, particularmente, me lembro do sapateiro da rua ao pé de casa lá por Sintra. Se não me lembro dos livros, o pouco que terei aprendido veio dos livros?

A vida lida depois: os livros ouvidos?

Tenho de confessar que não me lembro de como usava os livros escolares. Tinha poucos, mas tinha. E havia muitos outros livros pelas casas onde fui morando. Mas da primeira para a segunda classe, não me lembro de ter lido. Ao fundo da sala, separado dos outros todo o primeiro ano e parte do segundo, não me lembro de ser questionado nem de receber ordens para fazer fosse o que fosse, lembro-me de ouvir. E lembro-me de um dia, na segunda classe, cansado de ouvir a mesma explicação sobre a divisão, ter falado sobre isso e de tal modo que, vindo do fundo da sala, expliquei como se dividiam números com tal sucesso que todos, colegas e professores, passaram a olhar-me com olhos que me custaram os olhos da cara. Descobriram o que eu sabia de ter aprendido de ouvido e sem obrigação. E, então, a minha prestação passou a ser escrutinada sistematicamente. O nível de exigência não parou de aumentar, na exacta medida de algumas explicações e opiniões que formulava. No fim da segunda classe fui mostrado ao povo como o menino que operava com números fraccionários e escrevia e lia com jeito e facilidade. E na quarta classe, tomava conta e ensinava os colegas nas manhãs em que a professora saía da escola para ensinar os meninos que iam fazer a admissão aos liceus. E, desde a segunda classe, passei a apanhar pancada por cada erro cometido. Também dava explicações sobre assuntos de todas as áreas. De ouvir falar a minha irmã mais velha? De curiosamente ler os livros dela? Não tenho memória disso. Só tenho ideia que a minha vida passou a ser exigida por outros.

a vida lida depois: a rezar é que a gente aprende e se entende?

Não aprendi as orações a ler. Aprendi a ouvir - isso posso estabelecer como facto. Não me lembro de ter lido as orações e também não me lembro de as ter escrito. As orações vieram antes da escrita e da leitura? Sim e não. O que é certo é que as orações e as canções que perduraram na minha memória são falas impressivas ditas para uma multidão e repetidas pela multidão enquanto aprendia a ser mais um na multidão. E tenho de confessar que não era o sentido ou significado das frases ouvidas e depois ditas que me mobilizaram para saber e repetir, ou seja, para rezar. De certo modo eu aprendi a forma, o molde para ser comum, um entre outros como parte de alguma multidão munida de uma fé que não pede compreensão individual e consegue adesão, ... fisicamente tanto quanto me lembro. Que razão me movia? Não procurava razão para estar entre a minha gente.

Isto serve para várias outras aprendizagens e práticas que posso identificar em épocas diversas da vida.

a vida lida depois

A minha filha revelou-me o que eu ando a dizer sem pensar, chamando-me a atenção para uma gravação de há uns meses atrás. Ouvi-me com alguma atenção e uma certa perplexidade. Uma das questões que mais me impressiona reside no facto de eu insistir que tudo o que aprendi foi por ouvir e escrever sobre o que ouvia e não pelos livros, chegando mesmo a dizer que livros não havia à mão. Incomoda-me o que possam pensar disso as pessoas que me conhecem rodeado de livros e papéis por todos os lados? Não, não é isso. Só quero perceber porque é que digo sem pensar que não aprendi pelos livros. Na tentativa para me compreender, descobri algumas coisas sobre mim em que nunca tinha pensado e são elas que me orientam quando falo das minhas aprendizagens e das minhas dificuldades.

Tenho de agradecer a revelação à minha filha e aos jovens que gravaram o que disse. Sem pensar? Pensei bastante no que queria transmitir, mas as articulações do discurso são inconscientes ou, ... certo é que se estivesse a escrever não as teria escrito (a não ser por provocação).

não te levo a sério

não te levo a sério

que eu quero é brincar contigo
rodopiar como um pião rodopia
até ficar tonto como a alegria
de um beijo a curar um castigo

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